terça-feira, 26 de janeiro de 2010

HISTÓRIA DA CIÊNCIA, FILOSOFIA E HITORIOGRAFIA III

Ao modo de refletir sobre História da Ciência proposto por Gaston Bachelard se somaram as reflexões do professor russo Alexandre Koyré. Vivendo e trabalhando em Paris, ele assumiu a tese da descontinuidade, compreendendo que em cada momento, em cada grupo social, os cientistas adotam diferentes pressupostos teóricos, atendem diferentes necessidades e formulam distintas hipóteses para produzir conhecimento.
O discurso a respeito da descontinuidade, no entanto, foi radicalizado na década de 60 por Thomas Kuhn. Usando a noção de paradigma, ele esclareceu que a descontinuidade ocorre como necessidade social. Paradigma seria o conjunto de regras, normas, crenças e teorias que dá direção à ciência numa determinada época, num dado grupo social. Em torno de cada paradigma o conhecimento científico se acumularia, sofrendo aprimoramentos. Porém, a partir de um determinado ponto, o paradigma não mais conseguiria explicar alguns fenômenos e entraria em crise.
A crise de um paradigma, portanto, pode ocasionar uma revolução na ciência. Durante o período de crise vários paradigmas buscam substituir o anterior. Ocorre que os novos paradigmas ainda não incorporaram completamente os valores cientificamente aceitos e por isto sofrem modificações até que estejam completamente legitimados.


Por isso a escolha de um entre os vários novos paradigmas diz Kuhn, não é tão certo e linear como os livros didáticos ou os compêndios de História da Ciência tinham feito crer. Como todos são incompletos, a escolha da comunidade vai ocorrer por motivos estéticos, emocionais, e até políticos, ou seja, razões nada lógicas entram na escolha do novo paradigma. Quando a crise passa essa espécie de irracionalidade é esquecida. E a história, olhando para o novo paradigma já estabelecido, que parece explicar mais e melhor os fenômenos, acaba por colaborar com a impressão geral de que o conhecimento científico se acumula de uma forma continuada e natural (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 84).


Kuhn esclarece ainda que o novo paradigma não explica de modo mais adequado os fenômenos anteriores. Na verdade, não apenas o paradigma é substituído, mas também a compreensão dominante a respeito da ciência e dos seus fenômenos, os valores e as teorias vigentes. Enfim, todo o quadro conceitual, todas as práticas.
O estudo da história da ciência, das instituições científicas e da difusão das suas práticas formativas e de pesquisa pode ser uma importante ferramenta para o desenvolvimento de cada um dos campos específicos, possibilitando o debate sobre os itinerários teórico-metodológicos e a reflexão sobre as formas de transmissão da cultura científica e tecnológica. A tarefa contemporânea para os que se dedicam a pesquisar História da Ciência reivindica a superação dos limites que estão postos pelos debates em torno desse campo.
Este esforço situa o historiador no âmbito da chamada Nova História das Ciências - NHC, cujas redefinições rejeitam todas as possibilidades de engessamento do conhecimento histórico. “Os novos significados atribuídos às práticas científicas pela NHC permitem afastar modelos prontos que poderiam conformar e explicar (...) modelos aplicáveis em qualquer época e lugar da trajetória de constituição dos saberes” (VALENTE, 2002: 93). Na verdade, não é possível uma escrita da história que admita modelos válidos para qualquer período e contexto.
A organização das redes de instituições científicas foi uma novidade que começou a surgir no século XVII em muitos Estados europeus. Era o momento das demonstrações públicas dos experimentos científicos que despertavam a curiosidade de todos. Blaise Pascal subiu e desceu um morro várias vezes seguido por uma multidão para medir a pressão atmosférica e demonstrar a utilidade de uma nova invenção, o barômetro. A curiosidade se manifestava também através da leitura e fazia com que os cientistas começassem a escrever usando uma linguagem mais acessível ao público em geral. Em muitos lugares da Inglaterra era normal que ao final do dia as pessoas se reunissem em torno do professor, do farmacêutico ou de outro sábio da comunidade para que estes lessem textos científicos como se fosse a leitura de uma novela. Nesse processo começaram a surgir leituras científicas especiais dirigidas a grupos específicos, como damas, nobres, cavalheiros rurais e artesãos, dentre outros. Na França era prática corrente a realização de aulas públicas sobre temas científicos (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 47).
Ainda no século XVII, a Inglaterra e a França começaram a institucionalizar o processo de produção do conhecimento científico, através da organização da Royal Society e da Academie des Sciences. A base era o modelo de Isaac Newton, que ajudava a definir o que era e o que não deveria ser ciência (SCHWARTZMAN, 1979). Em 1831, os britânicos criaram a Britsh Association for the Advance of Science. Os ingleses estavam preocupados com o emprego da ciência para a incorporação de tecnologias que aperfeiçoassem a agricultura, a indústria têxtil, o uso do carvão como fonte de energia, principalmente com a criação da máquina a vapor, a mineração, o transporte e a produção de ferro e aço (SANTOS, 1998: 27).
No século XIX, a Alemanha tomara a dianteira desse processo e conseguira organizar uma estrutura de instituições universitárias de pesquisa e formação de recursos humanos. Outras nações buscaram também estabelecer uma organização nesse sentido, muitas delas procurando orientar-se pelo modelo alemão, a exemplo dos Estados Unidos da América. Com o objetivo de estimular o atendimento das necessidades de crescimento econômico, um dos modelos que encantou o mundo foi o das estações agrícolas experimentais, financiadas pelo Estado e dirigidas pelos produtores e por suas associações (SANTOS, 1998: 26).
Durante a segunda metade do século XIX, os cientistas renunciaram definitivamente à denominação de filósofos naturais e as ciências ganharam um grau cada vez maior de especialização. À medida que se especializavam, os cientistas iam fechando os seus campos e impedindo que curiosos tivessem acesso a esses saberes. Deste modo, eles se transformavam nas únicas pessoas autorizadas a falar sobre a área. A necessidade de produzir a memória sobre esses campos fez com que, muitas vezes, tais cientistas se transmutassem em historiadores para mostrar o percurso glorioso do seu campo e produzir exemplos que servissem às novas gerações de pesquisadores.
A ciência do século XX continuou surpreendendo a todos. A teoria da relatividade, a teoria quântica, a engenharia genética, a robótica, os experimentos científicos realizados durante as duas grandes guerras, os horrores da Química, as plantas transgênicas, a participação da ciência em desastres ambientais. Mas, também, o conhecimento da ciência moderna estava absolutamente entranhado na vida cotidiana dos indivíduos. Desconhecer a atividade científica seria inviabilizar a sobrevivência da espécie.


Se você resolvesse fechar a boca para tudo que tem química, com certeza iria morrer de fome. Já que a química está presente em todo o universo, o que inclui os produtos naturais. Enfim, quem estaria preparado para fazer a crítica à ciência? E para ser seu ouvidor diante da sociedade? (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 69).


O campo de estudos sobre a história da ciência e da tecnologia em Sergipe ainda é incipiente. Existem alguns esforços encetados pela Universidade Federal de Sergipe, pela Universidade Tiradentes e pelo Instituto de Tecnologia e Pesquisas de Sergipe. Vale também registrar o esforço que vem sendo feito, recentemente pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Sergipe – FAP/SE, estimulando algumas iniciativas. Na mesma direção, assiste-se a uma preocupação crescente no país com a memória da ciência e da tecnologia, revelando esforços para a recuperação de informações sobre o passado.
A rede de ensino superior em Sergipe é muito recente. As atividades desse grau de ensino começaram em 1923, mas foram interrompidas e somente a partir de 1948, com a criação da Escola de Química e da Faculdade de Ciências Econômicas de Sergipe, elas se tornaram perenes. Em 1950 foram criadas a Faculdade de Direito e a Faculdade Católica de Filosofia. “Dessa forma, nos primeiros anos da década de 50, a sociedade sergipana passava a contar com quatro faculdades que ofereciam os cursos de Química Industrial, Ciências Econômicas, Direito, Filosofia, Geografia e História, Matemática e Línguas Neolatinas e Anglo-Germânicas” (SANTOS, 1999:11). No ano de 1960, a Faculdade de Direito foi federalizada e um ano depois entrou em funcionamento a Faculdade de Medicina.
A Universidade Federal de Sergipe foi constituída somente em 1968, com 10 cursos, 576 alunos e 168 professores. Ao ser organizada, a instituição foi vista pelas elites locais apenas como uma agência formadora que retiraria das famílias mais poderosas o ônus financeiro e afetivo de apartar-se dos seus filhos que tinham a necessidade de migrar principalmente para a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, a fim de concluir os estudos universitários.
A consciência social de que estava sendo inaugurada uma agência formadora de pessoal de alta qualificação destinada a desenvolver a pesquisa científica é mais nova e somente começou a concretizar-se durante a segunda metade da década de 1980, para ganhar impulso e concretizar-se nos cinco últimos anos do século XX. Atualmente, de um total de 58 cursos de graduação oferecidos pela Universidade Federal de Sergipe, 17 estabelecem a obrigatoriedade da pesquisa de conclusão de curso para obtenção do diploma de graduado por parte do aluno. Isto significa que no mínimo cerca de 30 por cento dos alunos dos cursos de graduação da UFS fazem pesquisa compulsória.
No caso da Universidade Federal de Sergipe, a pesquisa de pós-graduação é recentíssima. Tão recente que a UFS mantém apenas um programa de doutoramento, no caso em Geografia. É do ano de 1983 a resolução do Conselho do Ensino e da Pesquisa que estabeleceu as Normais Gerais para os Programas de Pós-Graduação da Universidade Federal de Sergipe e a constituição dos quatro primeiros núcleos de pós-graduação: Geografia, Fisiologia, Estuários e Manguezais e Educação. Em 1987, foi criado o Núcleo de Pós-Graduação em Ciências Sociais. O primeiro curso de mestrado, o de Geografia, iniciou suas atividades na segunda metade da década de 1980. Na primeira metade da década de 1990 começaram a funcionar os cursos de mestrado em Educação, Ciências Sociais, Física, Saúde da Criança e Desenvolvimento e Meio Ambiente. Os resultados dessas iniciativas podem ser percebidos através da expansão do campo da pesquisa científica no Estado.
Fazer pesquisa é uma atividade de custo elevado que demanda um razoável aporte de recursos que as universidades nem sempre conseguem captar com facilidade. Há necessidade de recursos humanos bem formados que disponham de meios materiais suficientes. A realidade atual, contudo, é bem distinta dos primeiros anos do ensino superior em Sergipe, na década de 1950, quando os professores eram na sua totalidade portadores apenas de diplomas de graduação. A pós-graduação ainda não era vista como necessidade na carreira docente dos profissionais das instituições de ensino superior brasileiras. No caso sergipano, nos primeiros anos da década de 1960 houve um esforço inicial em direção da pós-graduação, quando um grupo de alunos recém diplomados pela Faculdade de Ciências Econômicas viajou para Santiago do Chile, a fim de fazer curso de especialização na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL.
O recente surto de expansão da pesquisa científica em Sergipe recebeu uma contribuição importante depois que, em 1999, foi criada a Fundação de Amparo à Pesquisa de Sergipe – FAP. Reorganizada administrativamente no início do ano de 2005 e incorporada pela estrutura do Instituto Tecnológico e de Pesquisas de Sergipe – ITPS, a instituição destina-se ao financiamento da pesquisa científica e tecnológica e conta com recursos públicos constitucionalmente assegurados.
A mentalidade vigorante no Brasil do século XIX já reivindicava a organização das práticas científicas em instituições de ensino superior e sociedades de especialistas. O cientificismo predominante afirmava que somente o conhecimento obtido através dos padrões de produção do saber científico tornaria possível o progresso, telos almejado pelo mundo ocidental, através das vozes mais autorizadas do continente europeu, dos Estados Unidos da América, do Brasil e de muitas outras nações.
Ao analisar-se a influência alemã na cultura brasileira ao longo do século XIX, sobressai a contribuição dos evolucionistas e monistas daquele país. O aporte da cultura alemã contribuiu para com a sistematização de todo um quadro de cientificismo, buscando consolidar no Brasil um pensamento científico assentado sobre base materialista. Todas as coisas eram subordinadas ao movimento da matéria. Um materialismo respaldado pelo evolucionismo que rejeitava qualquer possibilidade de conciliação entre os interesses científicos e religiosos. Era dessa forma que se punha o evolucionismo de Ernest Haeckel.
Desde o século XVIII, a pesquisa científica internacional tinha como principal característica o trabalho desenvolvido pelos naturalistas, através da descrição e da classificação de plantas, animais e fenômenos geológicos. “Foram lançadas as bases iniciais das teorias evolucionistas, e Lavoisier deu início à Química moderna. Avançou o estudo da matéria, da eletricidade, do magnetismo e dos fenômenos de calor e energia” (SANTOS, 1998: 28). O avanço desse modelo na centúria seguinte fez com que se multiplicassem as turbinas, os dínamos, os motores elétricos e as instalações químicas (BERNAL, 1969).
O processo de expansão da atividade científica e a intensificação das suas relações com a economia de mercado fizeram com que as sociedades científicas nem sempre conseguissem conter os experimentos e a produção do conhecimento científico estimulados pelas corporações econômicas e pela iniciativa individual de muitos estudiosos. Ademais, se multiplicavam geometricamente as sociedades de Química, de Geologia, de Astronomia e de tantos outros campos, bem como o interesse da imprensa periódica especializada e o interesse dos jornais, de um modo geral, pelos temas científicos.
No Brasil do século XIX, após a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, foram criadas instituições científicas como a Academia de Guardas-Marinha, o Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia, a Escola Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional, a Imprensa Régia, a Academia Real Militar, o Museu Real e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Inaugurou-se também o ciclo de viagens e expedições científicas. Todavia, desde o período colonial havia uma atividade científica desenvolvida por diferentes intelectuais europeus que de estabeleceram no Brasil e por intelectuais brasileiros que estudaram em universidades européias. Alguns períodos chamam a atenção, como o da ocupação holandesa, quando Maurício de Nassau, no século XVII, trouxe para o território brasileiro um grupo de cientistas encarregados de realizar estudos sobre a natureza tropical brasileira. Foi grande, nesse período, a contribuição do


médico de Amsterdã, Guilherme Piso (Willem Pies), e George Marcgrave, naturalista alemão, que fizeram, sobre a medicina colonial e a flora e a fauna do país, observações de interesse científico, reunidas posteriormente (em 1648) na sua famosa Historia naturalis Brasiliae (Azevedo, 1994: 29).

domingo, 24 de janeiro de 2010

HISTÓRIA DA CIÊNCIA, FILOSOFIA E HITORIOGRAFIA II

A grande mudança de rumo na História da Ciência durante o século XX começou a acontecer a partir da década de 30. Durante um Congresso de História da Ciência que aconteceu em Londres, no ano de 1931, um grupo de soviéticos questionou, a partir de pressupostos da teoria marxista, a História da Ciência que se produzia afirmando que a produção científica é fruto dos condicionantes sociais de um determinado tempo. As teses soviéticas entusiasmaram alguns jovens intelectuais ingleses historiadores da ciência que produziram alguns trabalhos assumindo a nova linha. Ficaram conhecidos como externalistas, por estarem preocupados em entender de que modo os fatores externos ao saber científico influem nas conclusões deste. A denominação se opunha ao internalismo, corrente da qual participavam os historiadores da ciência que consideravam apenas os elementos endógenos.
A esta contribuição se somou um outro conjunto de reflexões produzidas também na década de 30 pelo intelectual francês Gaston Bachelard. Ele questionou o evolucionismo do qual se revestia a História da Ciência, inclusive o dos externalistas, para negar a idéia segundo a qual o conhecimento científico progredia permanentemente, por aprimoramento. Para ele, não bastava apenas aprimorar o conhecimento velho para produzir novos conhecimentos. Muitas vezes era necessário romper com modelos estabelecidos, com formas de pensar consagradas para produzir outros saberes científicos. O conhecimento é produzido muitas vezes de forma descontínua (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 80).

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

HISTÓRIA DA CIÊNCIA, FILOSOFIA E HISTORIOGRAFIA

Certamente, boa parte dos estudos de História da Ciência foi produzida sem levar em consideração o que ocorria nos círculos acadêmicos da História. Nas suas origens, as relações mais estreitas da História da Ciência foram estabelecidas com o campo da Filosofia, o que certamente contribuiu para a produção de duas das suas marcas distintivas: a) o desinteresse dos pesquisadores de História por estudos dessa natureza; b) a manutenção da História como disciplina complementar, depositária ou auxiliar de outras.
A proximidade da História da Ciência com a Filosofia (Lógica, Epistemologia, Filosofia da Linguagem) fez com que a primeira fosse um campo estranho no interior dos estudos históricos. Contudo, a partir da segunda metade do século XX começaram a surgir trabalhos que consideram a História da Ciência a partir dos métodos e dos procedimentos próprios da História. Mas, esses estudos se depararam com um problema: a longa tradição dos estudos de História da Ciência vinculados ao campo da Filosofia fez com que quando os procedimentos metodológicos e teóricos da História fossem utilizados, já estivesse solidamente enraizado um determinado tipo de compreensão de História da Ciência, o que criou e continua criando muitas dificuldades para a sua compreensão a partir da lógica histórica.
Por isto, houve necessidade de que a História da Ciência fosse aos poucos


assimilando, filtrando e adaptando elementos da História, que combinava com outros elementos da Sociologia, da Antropologia e de várias ciências humanas. A entrada desses novos elementos no corpo da História da Ciência deu também um novo sabor aos componentes da Ciência e da Filosofia que de longa data combinavam-se para formar essa área de estudos. O resultado que temos hoje é uma História da Ciência complexa e com muitas faces, sem com isso ter se transformado numa colcha de retalhos (ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria, 1994: 9).


Em face de todas essas incorporações, surgiram novos métodos e processos adaptadores da História da Ciência ao uso de procedimentos que admitiam as contribuições procedentes de distintos campos.
A chamada Ciência Moderna começou a se delinear entre os séculos XVI e XVII. Nos séculos XVIII e XIX, as regras do saber científico ganharam mais clareza, consolidando, inclusive, o uso dos vocábulos Ciência e Cientista com o sentido que possuem contemporaneamente. Esta Ciência influenciou um conjunto de práticas civilizatórias, criando um habitus que se expressa através das mudanças nos currículos escolares, na prosperidade econômica, na incorporação de recursos tecnológicos, no estabelecimento de padrões sanitários, na adoção de regras de comportamento e valores éticos e morais. A idéia de Ciência estava imbuída de um caráter teleológico que associava a produção do conhecimento a um venturoso porvir no qual seria possível produzir a felicidade coletiva.
Nesse mesmo processo, o embate em torno da definição das origens, das regras, dos que tinham legitimidade para exercer as práticas científicas foi constituindo também uma História da Ciência. Assim, mais do que uma História, ela nasceu com o status de um discurso justificador, legitimador de um conjunto de conhecimentos. Ela não se estabeleceu como História, mas sim como manifestação de fé na Ciência. O discurso da História da Ciência muitas vezes se apresentava sob a forma de história tribunal, fazendo o julgamento dos erros e acertos que contribuíram para que a Ciência avançasse até aquele estágio ou produziram entraves que buscaram desviar o conhecimento científico daquilo que criam ser a inexorável marcha em direção ao ansiado progresso.


A História da Ciência será assim exemplo edificante para os jovens estudantes e motivo de orgulho para os cientistas. Pois, por meio dela, era possível saber como a ciência ganhou muitas batalhas contra a ignorância, a religião e o misticismo, seus eternos inimigos. Mas como a Ciência era o futuro, esse passado glorioso foi ficando cada vez mais para trás. Como se fosse um enfeite, aquilo que os professores chamam de perfumaria, a História da Ciência foi se tornando pouco importante para quem quisesse aprender ciência de verdade (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 12).


Os problemas enfrentados pela Ciência, principalmente a partir da metade do século XIX, quando questionamentos contundentes foram feitos a utilização do conhecimento científico em guerras que dizimaram grandes massas populacionais, fizeram com que os estudos de História da Ciência voltassem a chamar a atenção pela capacidade que revelavam como ferramentas úteis à produção de uma crítica a critérios científicos tradicionalmente aceitos. Mas, para isto era necessário que os estudos sobre História da Ciência apresentassem padrões efetivamente históricos.
À medida que assumiu tais padrões, a História da Ciência foi capaz de compreender problemas que foram apagados por um suposto caráter de continuidade próprio ao progresso científico. Assim, contribuiu para a recuperação do caráter de saber historicamente inventado e produzido socialmente pela cultura humana que tem a Ciência, ajudando a desconstruir o entendimento de Ciência como atividade à qual uns poucos gênios se dedicam para realizar grandes descobertas.
Foi deste modo que a História da Ciência começou a renunciar a um tipo de estudo de caráter eminentemente filosófico, preocupado em comparar várias teorias para esclarecer como uma derivou da outra, contando uma história atemporal na qual os renascentistas aparecem ladeados com os gregos do século V antes de Cristo. Acontece que a superação deste modo de fazer história se deu por um outro também nada histórico, que era uma espécie de fusão entre ficção científica que falava do futuro da ciência em face das maravilhas que esta criava no tempo presente. Ou seja, uma história na qual havia um grande ausente: o passado.
Um novo rumo à discussão acerca da História da Ciência foi dado pela teoria positivista de Augusto Comte (1798-1857). A teoria comteana dividia a história em três estágios: o teológico, o metafísico e o positivo. O primeiro estava embebido pelo caráter da religião, enquanto o segundo seria a expressão da Filosofia. O último dos estágios, no entanto, sintetizava a melhor etapa do desenvolvimento humano, incluindo o conhecimento das ciências da natureza na condição de modelo para as demais formas do conhecimento. Estava dada, portanto a possibilidade de desenvolvimento social a partir de parâmetros científicos. Comte definiu, com a sua teoria, os passos a serem seguidos por todas os campos da ciência, inclusive pelas chamadas ciências humanas, propondo uma ciência da vida social: a Sociologia. Mas, teve o cuidado de chamar a atenção para o fato de que as ciências são diferentes, posto que cada uma delas deve ter campo e objeto de estudo específicos.
Os ensinamentos de Comte legaram um modo de fazer história segundo o qual os estudos qualificados devem colocar em relevo as três etapas do desenvolvimento humano. Porém, esta operação deve considerar uma farta demonstração empírica, através da comprovação documental. Como, nem sempre, os que se lançaram a tal missão eram historiadores de ofício, muitas vezes os estudos sobre História da Ciência se transformaram em um infindável rosário de dados, posto que os seus escritores não estavam treinados para a operação historiográfica e desprezavam a seleção,além de não serem capazes de formular hipóteses e dirigirem às fontes perguntas pertinentes de modo a estabelecer um diálogo a partir do qual pudessem haurir o sentido da história que escreviam. Todavia, há também o processo inverso. Muitos manuais de História da Ciência dos anos 800 são verdadeiros tratados ficcionais, dissociados de qualquer tipo de documentação, com dados fantasiosos e histórias lendárias (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 64).
Apesar de muitas críticas que lhes são dirigidas, o modelo comteano possibilitou a produção de estudos de boa qualidade. O físico austríaco Ernest Mach (1838-1916) produziu, ainda no século XIX, um estudo no qual demonstra que os núcleos centrais do conhecimento científico se mantiveram constantes ao longo do tempo e sofreram aprimoramentos em face do desenvolvimento científico. Conseguiu demonstrar, com base na teoria de Augusto Comte, que todo o processo convergiu na direção da etapa do pensamento positivo. Não obstante a fundamentação qualificada, os críticos da obra de Mach, como Ana Maria Alfonso-Goldfarb (1994) dizem que a sua certeza teórica positivista o levou a selecionar evidências capazes unicamente de afirmar as suas hipóteses, desprezando fontes da maior importância.
Mas, talvez o melhor exemplo do tipo de história produzida por Ernest Mach seja o do físico francês Pierre Duhem, através dos trabalhos que publicou no início do século XX. Ele conseguiu localizar originais de manuscritos antigos e medievais que traduziu. Produziu uma tese segundo a qual o processo da produção do conhecimento científico é uma cadeia contínua. Através do seu trabalho, produziu a re-significação da Idade Média, oferecendo uma contribuição da maior importância aos estudos de História da Ciência (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 66).
Histórias como as produzidas por Ernest Mach e Pierre Duhem estavam sempre preocupadas com o mito fundador de cada um dos campos. Como aponta Ana Maria Alfonso-Goldfarb, uma espécie de história pedigree que busca os pais, os avôs, os bisavôs de cada campo, fazendo com que Isaac Newton seja visto como o pai da Física moderna, Roger Bacon o avô da experimentação, Euclides o avô da Matemática moderna (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 70).
Todavia, a visão que tiveram muitos pesquisadores envolvidos com o cotidiano de cada campo da ciência ao longo do século XX era o de que a História da Ciência não tinha muito a dizer. Os historiadores de ofício não eram entendidos pelos estudiosos dos distintos campos da ciência como interlocutores credenciados. Fazer História da Ciência era entendido como uma espécie de prêmio que os departamentos e escolas de ciências das universidades concediam aos cientistas mais velhos, um modo de estimular e entusiasmar jovens cientistas.


Pois se acreditava que ao alcançar a maturidade numa área de estudos, se alcançava também o mérito de poder falar sobre sua história. Caso semelhante acontecia com os grandes cientistas, que, como Albert Einstein, publicavam textos ou davam às vezes conferências sobre a evolução dos conceitos científicos. Mas tanto as aulas quanto os textos ou conferências eram vistos apenas como curiosidade ou até mesmo perfumaria. Uma forma de descanso ilustrativo para a vida dura do laboratório e da mesa de trabalho, onde a ciência acontecia de fato (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 70).

domingo, 17 de janeiro de 2010

A AGRONOMIA EM SERGIPE

Além de produzir açúcar, a Província de Sergipe sempre foi também uma importante produtora de cereais. Nos próprios engenhos havia a necessidade de alimentar os escravos e as demais pessoas que ali viviam, o que fazia com que se reservasse uma determinada área de terra para o plantio de cereais e de mandioca. Fora dos engenhos e nas regiões da Província que não se dedicavam a produção açucareira era importante cultivar mandioca, feijão, milho e arroz. Era também importante para a vida econômica da Província a produção de fumo, ticum, mamona, coco, café, amendoim, algodão e uva (ALMEIDA, 1978, 21). Outra importante atividade rural em Sergipe era a pecuária de bovinos, ovinos, suínos, eqüinos e caprinos.
Toda essa atividade, entretanto, não era suficiente para impedir a existência de problemas quanto a produção e distribuição de alimentos em Sergipe, já que a cultura da cana era predominante nas áreas mais férteis. A população de Sergipe se alimentava fundamentalmente de farinha de mandioca, milho, arroz, feijão, carne fresca e carne salgada. Ao descrever os hábitos alimentares em Maroim, na metade do século XIX, a alemã Adolphine Schramm elogiou o consumo de frutas e várias outras práticas de alimentação, vendo como ponto alto a ótima sopa de carne que consumia diariamente, além da carne cozida com molho picante, as verduras, o maxixe, o chuchu, a abóbora, a farinha de mandioca, a galinha ao molho pardo, o enrolado de carne, os bolinhos de carne, a salada de arenque, os bolinhos de peixe, a carne assada com feijão preto, o inhame, a salada de batata, a carne de carneiro e a carne de porco (FREITAS, 1991). Da mesma maneira, criticou a mania de comer feijoada, a dificuldade para encontrar leite, a escassez de ovos de galinha e os preços dos gêneros alimentícios, que considerava muito caros. Alguns desses alimentos eram importados. A charque vinha do Rio Grande do Sul e do Ceará. O bacalhau vinha da Europa. Maria da Glória Santana de Almeida entende que


havia uma debilidade alimentar crônica da população sergipana que, facilmente, se transformava em catástrofe, quando se alterava a quantidade normal de alimentos levada aos mercados. A comprovação disso pode-se conseguir pelos sucessivos registros de epidemias que ceifaram muitas vidas. O estado de subnutrição facilitava a constante proliferação de doenças infecto-contagiosas como a varíola, a febre amarela, o tifo, corriqueiramente registradas nos relatórios da Saúde Pública (ALMEIDA, 1978, 24).

Entre os anos de 1857 e 1859 Sergipe viveu uma grande crise de abastecimento que resultou em muitas mortes e no registro de saques a armazéns e outras casas comerciais. Nesse mesmo período a seca que atingia o sertão dizimou parte do rebanho sergipano, seja pelo mau aproveitamento dos terrenos que não recebiam o tratamento devido e possível em face do conhecimento agronômico então existente, seja pela ausência de práticas de melhoramento das raças dos animais de criação. Do ponto de vista das plantações, à exceção da lavoura canavieira, eram raros hábitos como os adubação, aragem, armazenamento de água e irrigação. Na produção agrícola sergipana, os instrumentos mais utilizados eram pá, enxada, machado e fogo (ALMEIDA, 1978, 37). A segunda metade do século XIX foi um período de amplas discussões, por parte dos políticos, intelectuais e líderes do setor agrícola a respeito da necessidade de criar instituições que fomentassem o conhecimento de técnicas agrícolas; fundação de casas de crédito rural; diversificação das culturas (estímulo ao plantio de chá e café); e, introdução de colonos europeus.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A CIÊNCIA E O GOLPE MILITAR

A História é, por assim dizer, a forma científica de organização da memória. Esta, por ser fruto de uma escolha efetuada pela ação temporal das configurações humanas, se apresenta sob a condição de monumento. Ou, quando tomada pelos historiadores, submetida ao trabalho destes, caracterizada como documento. O historiador Jacques Le Goff lembra que a palavra latina “monumentum remete para a raiz indo-européia men, que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O monumentum é um sinal do passado... é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação...” (“Documento/Monumento”, 1984). As contribuições memorialísticas são sempre bem vindas. Principalmente, quando bem ordenadas e expostas de um modo que vai além dos limites da própria memória.
Há indícios reveladores de que, cada vez mais, os brasileiros sentem haver chegado a hora de ajustar o descompasso entre memória e história no que concerne ao período de 1964 a 1984. Em algumas situações, dentre os que estão se debruçando sobre este passado, há partícipes ativos dele. Depoentes e produtores de uma dada memória que busca persuadir a todos quanto a justeza da sua versão e desqualificar a visão do oponente.
Aqui, coloco em discussão o fato de que as análises da política científica implementada no Brasil durante vinte anos, a partir de 1964, necessitam renunciar a um certo maniqueísmo que prioriza apenas as denúncias das mazelas e produz o esquecimento de alterações fundamentais no sentido do apoio financeiro a ciência e a tecnologia e a qualificação dos serviços oferecidos nesse campo, sob padrões que até então o país desconhecia, legitimando os governantes ditatoriais junto a amplos setores da população brasileira.
Reconhecer os eventuais avanços da política de desenvolvimento científico e tecnológico implementada naquele período, não implica negar o caráter ditatorial do governo que conduzia tal política. Na verdade, significa exercer com honestidade o ofício de historiador, extraindo dos documentos escritos e orais, bem como dos múltiplos indícios iconográficos, a necessária reflexão, colocando ao alcance dos mais jovens os escaninhos que a memória insiste em esquecer, muitas vezes fugindo de polêmicas presentes nas contraditórias versões.
Esta é uma necessidade que se impõe principalmente em relação aos trabalhos acadêmicos. Em artigo publicado no ano de 2004, a pesquisadora Lucilia de Almeida Neves Delgado (“1964: temporalidade e interpretações”) revela que mesmo a bibliografia decorrente da pesquisa acadêmica tem sido razoavelmente maniqueísta. Num livro publicado em 1990 (A construção da ciência no Brasil e a SBPC) Ana Maria Fernandes afirma o seguinte: “O ano de 1964 é tomado como um ponto crucial na análise porque, se o regime militar, como conseqüência de sua própria natureza, coagiu a comunidade científica, também apoiou financeiramente a ciência e a tecnologia como nunca antes no Brasil. Esse apoio financeiro pode-se explicar pelas políticas do regime autoritário brasileiro que se baseavam no planejamento, nos tecnocratas e numa economia fortemente estatizada. Tal como foi usualmente caracterizado, o Estado militar brasileiro baseava-se numa aliança entre a burguesia nacional e internacional, os militares como grupo dirigente, e os tecnocratas” (p. 20).
É evidente que o caso da história da ciência e das suas práticas em Sergipe requer que se constitua e coloque em circulação uma memória, forma prática de oferecer as bases empíricas para a organização de um campo científico: o da História. Está é, aliás, uma questão muito antiga no Brasil.
Estudar a história da formação do campo científico no Brasil, de modo a oferecer maior clareza à constituição do conhecimento histórico quanto a esta questão é, no dizer de Marta Maria Chagas de Carvalho, em texto publicado no ano de 2002, analisar as práticas adotadas para “civilizar bárbaros, desinfetar corpos, extirpar vícios, lapidar sentimentos, apurar sensibilidades, moldar gestos e implantar hábitos de civilidade”.
Um dos problemas que requer muita atenção diz respeito ao conjunto de representações sobre a História do Brasil, disseminado a partir do movimento republicano. Dentre as idéias difundidas está presente uma quase consensual certeza de que a política científica brasileira é obra exclusiva do republicanismo, desfocando assim as discussões a respeito do problema. O Estado republicano efetuou transformações no discurso sobre o ensino e a pesquisa científica, porém não se pode afirmar que tais preocupações eram novas na sociedade brasileira.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A COLÔNIA DO QUISSAMÃ

Ao longo do século XIX foram muitas as discussões registradas em Sergipe acerca da necessidade de mandar trazer colonos europeus. Em 1851, o presidente da Província, Amâncio João Pereira de Andrade, defendia tal proposta, afirmando que a colonização proporcionaria a prosperidade de Sergipe e estimularia a mudança daquilo que ele considerava “costumes bárbaros e ferozes” dos habitantes sergipanos. O Estado de Sergipe criou as condições para o projeto da colônia agrícola formada por europeus desde o ano de 1894, quando aprovou a lei estadual nº 93, autorizando o governo a aplicar cem contos de réis por ano a fim de concretizar tal objetivo. Afinal, a imigração de estrangeiros era entendida como uma forma de trazer novos hábitos culturais, de difundir o cultivo de outros produtos e técnicas agrícolas e industriais ou, ainda, de acordo com a mentalidade vigente, aumentar o contingente demográfico de europeus e seus descendentes – os únicos capazes de produzirem uma sociedade civilizada, segundo o entendimento à época dominante.
Em Sergipe, a única experiência de assentamento de colonos alemães em torno da qual é possível encontrar registros, é a da Colônia Quissamã. Na área da Fazenda Quissamã funciona atualmente a Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão. Localizada na região leste do Estado de Sergipe, situada no quilômetro 96 da BR 101, Povoado Quissamã, Município de São Cristóvão, a Escola dista do centro urbano da capital aproximadamente dezoito quilômetros. Ela teve sua origem no Patronato São Maurício, criado em 1924, com curso de aprendizes e artífices destinado a crianças e adolescentes com problemas de ajustamento social e emocional. Atualmente é o único estabelecimento escolar do Estado de Sergipe a oferecer cursos de nível médio para a formação de técnicos destinados ao setor primário da economia.
O projeto de ocupar a área do Quissamã foi estabelecido a partir de 1922, durante o governo do presidente Maurício Graccho Cardoso, no contexto das suas preocupações com os problemas agrícolas de Sergipe e os impactos da atividade agrícola na economia local. Para dinamizar o setor, Graccho Cardoso criou o Banco Estadual de Sergipe e implantou centros experimentais de sementes selecionadas, com a finalidade de aperfeiçoar a produtividade e a qualidade do algodão em Sergipe. Com o mesmo propósito contratou um pesquisador norte-americano, o professor Thomaz R. Day, oriundo do Texas. O principal objetivo buscado com a presença deste especialista estrangeiro em Sergipe era fundar a Estação Experimental Miguel Calmon. Em 1923, Graccho Cardoso criou o Departamento Estadual do Algodão.
Na área do Quissamã instalou-se o Centro Agrícola Epitácio Pessoa, sendo fundado um laboratório de análises com o objetivo de atender ao requisito da falta de controle científico e conhecimentos técnicos na produção do solo. Mas, a pedra de toque do projeto naquela região foi o assentamento de vinte e duas famílias de colonos alemães, uma experiência frustrada e abandonada em seguida. Graccho começou a preparar o processo de colonização ainda em 1923, quando editou o decreto 758, regulamentando a contratação e localização de imigrantes estrangeiros em Sergipe. O próprio presidente Graccho Cardoso registrou o início da experiência: “Iniciei a colonização estrangeira, com a localização, nos lotes adrede preparados, nesse estabelecimento, de 22 famílias alemãs. Penso que surtirá bom resultado este tratamento, que virá animar os proprietários agrícolas, que tanto sentem a falta de braços para o tamanho de suas terras, a procurarem esse valioso elemento”. Desde o século XIX a formação de colônias agrícolas com trabalhadores europeus era defendida por intelectuais e políticos.
O projeto dos patronatos foi, em todo o país, tanto quanto possível, associado sempre à instalação de colônias agrícolas. Estas eram vistas, também, como uma possibilidade de fixar os egressos dos patronatos agrícolas, quando estes não conseguiam emprego nas propriedades particulares ou nas repartições do governo. A Colônia do Quissamã representava a contribuição do Estado de Sergipe ao projeto brasileiro de ampliar a entrada de brancos no país, ao mesmo tempo em que se impedia a entrada de africanos e asiáticos, ao lado de outras medidas que o presidente Graccho Cardoso tomara e que diziam respeito a decisões que o governo do Brasil vinha adotando quanto a políticas de saneamento, de combate a epidemias tropicais, de higiene e o desenvolvimento de projetos eugênicos.

domingo, 10 de janeiro de 2010

A COLONIZAÇÃO FRACASSADA

As 22 famílias de colonos alemães que formaram a Colônia do Quissamã chegaram a Aracaju em fevereiro de 1924, a bordo do vapor Comandante Miranda. Eram 82 imigrantes que receberam os lotes do Centro Agrícola Epitácio Pessoa. O fato era considerado tão importante que o próprio presidente do Estado, Graccho Cardoso, e o secretário de governo, Hunald Cardoso, estiveram pessoalmente a bordo do navio recebendo os colonos, dando boas vindas e os encaminhando para uma hospedaria na qual estes permaneceram durante oito dias. Na mesma oportunidade foi designado o médico Alexandre Freire para inspecionar as condições de saúde dos imigrantes.
Ao serem transferidos para a Colônia, receberam as 20 casas que o governo mandara construir em lotes de 150 tarefas, todas dotadas com luz elétrica e instalações sanitárias. Além disso, os colonos recebiam assistência dentária e tinham a liberdade de escolher a cultura que pretendiam explorar.
Dezoito meses depois do assentamento, em setembro de 1925, o próprio presidente Graccho Cardoso informou à Assembléia Legislativa que, das 22 famílias iniciais, apenas 16 continuavam vivendo no assentamento, totalizando 53 pessoas. 29 alemães haviam abandonado o projeto. Contudo, o governante continuava otimista quanto ao futuro do empreendimento: “melhor não pode ser o estado de desenvolvimento da colônia, pelo que se pode inferir da boa disposição que os seus membros apresentam, resultante das ótimas condições sanitárias e da adaptação fácil de todos aos costumes regionais. Eles estão atualmente empenhados na cultura da cana, do algodão e da mandioca”.
Ao final de dois anos, apenas um alemão, Oscar Backhaus, permanecia em Sergipe. Suas condições de sobrevivência eram muito difíceis e, sem condições de continuar vivendo na colônia, ele conseguiu se mudar para a Fazenda Varzinhas, em Laranjeiras, propriedade de uma família alemã (os Hagenbeck). Os demais alemães haviam abandonado a Colônia e o Estado. Alguns mudaram para a Bahia, outros foram para Santa Catarina e outros regressaram ao seu país de origem. Nesse período circulavam muitas histórias a respeito da miserável situação que se abatera sobre os colonos alemães do Quissamã. Os críticos do projeto afirmavam que o mesmo fracassara em função de dois fatores: a insalubridade do Quissamã, área sujeita a febres palustres, e os hábitos e padrões alimentares praticados em Sergipe nos anos 20 do século passado. Todavia, há estudos que atribuem o insucesso ao fato de os alemães que vieram para Sergipe serem homens urbanos, pouco afeitos a atividade agrícola. Costumam exemplificar com a situação do próprio Oscar Backhaus que no seu país era um desenhista têxtil especializado na produção de rendas.
Há uma outra explicação para o insucesso desse tipo de experiência. Josué Modesto dos Passos Subrinho afirma no seu estudo sobre o trabalho escravo em Sergipe que desde o século XIX, “os senhores de terras e de escravos nordestinos não acreditavam na imigração massiva como solução para a superação do trabalho escravo”. Segundo ele, “no final da década de 1870, a imigração era encarada majoritariamente pela elite nordestina como um desperdício de recursos públicos, recursos que, no entender da mesma, deveriam ser direcionados preferencialmente ao crédito agrícola, à construção de ferrovias e portos, subsídios às linhas de navegação a vapor ou genericamente nos auxílios à lavoura”.
O assentamento de trabalhadores alemães no Quissamã fracassou. Este, porém, não foi o único caminho para a entrada em Sergipe de imigrantes alemães. Desde a metade do século XIX havia um vigoroso processo de fixação de empresas e técnicos alemães em Sergipe, que aqui se fixaram em função dos mais variados interesses econômicos. Em 1836, o presidente da Província de Sergipe, Fernandes de Barros, fez a defesa da importância de levar colonos e empresários estrangeiros para Maruim, a fim de acelerar o processo de desenvolvimento econômico daquela área do Vale do Continguiba, que florescia com a economia açucareira. A partir da metade do século XIX a imigração alemã teria forte presença na cidade e contribuiria de modo definitivo para o aumento da riqueza econômica local, fazendo de Maruim aquilo que os seus memorialistas costumam chamar de o empório de Sergipe.
Os registros acerca da presença desses alemães são abundantes em diferentes arquivos públicos e privados. Contudo, não tem havido interesse, por parte dos estudiosos da história em lidar com esse material para compreender as contribuições oferecidas à organização desta sociedade por esses europeus.