sexta-feira, 30 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA VIII

Para dinamizar o setor criou o Banco Estadual de Sergipe e implantou centros experimentais de sementes selecionadas, com a finalidade de aperfeiçoar a produtividade e a qualidade do algodão em Sergipe.
Com o mesmo propósito contratou um pesquisador norte-americano, o professor Thomaz R. Day, oriundo do Texas. O principal objetivo buscado com a presença deste especialista estrangeiro em Sergipe era fundar a Estação Experimental Miguel Calmon. Durante o período no qual permaneceu em Sergipe, Thomaz Day realizou experimentos plantando algodão numa propriedade rural do município de Barra dos Coqueiros e no município de Frei Paulo, onde fundou a Estação Experimental de Queimados (FRANCO, 2005: 20). Em 1923, Graccho Cardoso criou o Departamento Estadual do Algodão. Na área do Quissamã instalou-se o Centro Agrícola Epitácio Pessoa , com um laboratório de análises que tinha o objetivo de “atender ao requisito da falta de controle científico e conhecimentos técnicos na produção do solo” .
O projeto agrícola que mais entusiasmava Graccho Cardoso era o assentamento, na região do Quissamã, de vinte e duas famílias de colonos alemães, uma experiência frustrada e abandonada em seguida. Graccho começou a preparar o processo de colonização ainda em 1923, quando editou o decreto 758, regulamentando a contratação e localização de imigrantes estrangeiros em Sergipe. O próprio presidente Graccho Cardoso registrou o início da experiência:


Iniciei a colonização estrangeira, com a localização, nos lotes adrede preparados, nesse estabelecimento, de 22 famílias alemãs. Penso que surtirá bom resultado este tratamento, que virá animar os proprietários agrícolas, que tanto sentem a falta de braços para o tamanho de suas terras, a procurarem esse valioso elemento (SERGIPE, 1924: 24).


Desde o século XIX a formação de colônias agrícolas com trabalhadores europeus era defendida por intelectuais e políticos.


No entender da intelligentsia nacional do século XIX, o principal problema brasileiro era o predomínio da população de origem africana e mestiça, de forma que o aumento do estoque da população de origem européia era um objetivo em si mesmo, ainda que, eventualmente, não resolvesse o problema de braços para a lavoura (PASSOS Subrinho, 2000: 280).


A Colônia do Quissamã representava a contribuição do Estado de Sergipe ao projeto brasileiro de ampliar a entrada de brancos no país, ao mesmo tempo em que se impedia a entrada de africanos e asiáticos, ao lado de outras medidas que o presidente Graccho Cardoso tomara e que diziam respeito a decisões que o governo do Brasil vinha adotando quanto a políticas de saneamento, “de combate a epidemias tropicais, de higiene e o desenvolvimento de projetos eugênicos (inclusive a defesa da esterilização dos considerados não regeneráveis, como os deficientes, loucos, epilépticos, delinqüentes, dentre outros)” (VAGO, 2002: 28).
As 22 famílias de colonos alemães chegaram a Aracaju em fevereiro de 1924, a bordo do vapor Comandante Miranda. Eram 82 imigrantes que receberam os lotes do Centro Agrícola Epitácio Pessoa. O fato era considerado tão importante que o próprio presidente do Estado, Graccho Cardoso, e o secretário de governo, Hunald Cardoso, estiveram pessoalmente a bordo do navio recebendo os colonos, dando boas vindas e os encaminhando para uma hospedaria na qual estes permaneceram durante oito dias (SERGIPE, DIÁRIO OFICIAL: 1924). Na mesma oportunidade foi designado o médico Alexandre Freire para inspecionar as condições de saúde dos imigrantes.
Ao serem transferidos para a Colônia, receberam as 20 casas que o governo mandara construir em lotes de 150 tarefas, todas dotadas com luz elétrica e instalações sanitárias. Além disso, os colonos recebiam assistência dentária e tinham a liberdade de escolher a cultura que pretendiam explorar.
Dezoito meses depois do assentamento, em setembro de 1925, o próprio presidente Graccho Cardoso informou à Assembléia Legislativa que, das 22 famílias iniciais, apenas 16 continuavam vivendo no assentamento, totalizando 53 pessoas. 29 alemães haviam abandonado o projeto. Contudo, o governante continuava otimista quanto ao futuro do empreendimento:


melhor não pode ser o estado de desenvolvimento da colônia, pelo que se pode inferir da boa disposição que os seus membros apresentam, resultante das ótimas condições sanitárias e da adaptação fácil de todos aos costumes regionais. Eles estão atualmente empenhados na cultura da cana, algodão, mandioca (SERGIPE, 1925).


Ao final de dois anos, apenas um alemão, Oscar Backhaus, permanecia em Sergipe. Suas condições de sobrevivência eram muito difíceis e, com dificuldades para continuar vivendo na colônia, ele conseguiu se mudar para a Fazenda Varzinhas, em Laranjeiras, propriedade de uma família alemã (os Hagenbeck). Os demais alemães haviam abandonado a Colônia e o Estado. Alguns mudaram para a Bahia, outros foram para Santa Catarina e outros regressaram ao seu país de origem. Nesse período circulavam muitas histórias a respeito da miserável situação que se abatera sobre os colonos alemães do Quissamã. Os críticos do projeto afirmavam que o mesmo fracassara em função de dois fatores: a insalubridade do Quissamã, área sujeita a febres palustres, e os hábitos e padrões alimentares praticados em Sergipe dos anos 20 do século passado. Todavia, há estudos que atribuem o insucesso ao fato de os alemães que vieram para Sergipe serem homens urbanos, pouco afeitos a atividade agrícola. Costumam exemplificar com a situação do próprio Oscar Backhaus que no seu país era um desenhista têxtil especializado na produção de rendas (RODDEWIG, 2001).

terça-feira, 27 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA VII

Assim, o governo demonstrava sua preocupação não apenas com a vida na cidade, mas, também, afirmava a necessidade de cuidar do produtor de alimentos, concorrendo “para minorar os problemas decorrentes da falta de preparação daqueles que trabalhavam e diretamente lidavam com a agropecuária” . Isto representava um esforço governamental no sentido de fazer, outra vez, crescer a população rural e reduzir a migração em busca do espaço urbano – discussão fundamental à época.


A migração era tomada como um dos problemas que perspassava as áreas rurais: a busca de oportunidades educacionais e de preparação profissional, entre outras, estimulava o deslocamento de populações em direção aos centros urbanos. O ensino profissional agrícola era pensado enquanto meio possível de estimular o aumento da população rural ao fixá-la .


A partir de 1922, o governo do presidente Maurício Graccho Cardoso assumiu uma preocupação muito acentuada com os problemas agrícolas de Sergipe e os impactos da atividade agrícola na economia local.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA VI

Apesar desse quadro, algumas importantes lideranças do setor agrícola da região Nordeste, como Henrique Augusto Millet, insistiam, em 1878, que a mão-de-obra não era problema para a economia agrária: “Sei que não temos agora falta de braços, pois milhares de retirantes entulham as povoações do litoral e não há trabalho para todos” .
As preocupações com a modernização da agricultura e as suas relações com a educação, no início do século XX, são reveladoras de uma coerência existente entre os discursos que faziam os empresários e autoridades do setor agrícola. Por ocasião do Congresso Nacional de Agricultura que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1901, o documento produzido era eloqüente: “O Congresso Nacional de Agricultura, no intuito de organizar todos os elementos de instrução ou educação agrícola e de difundir a maior soma de meios para instituí-la e praticá-la, combinando e desenvolvendo igualmente todas as iniciativas, recursos, atividades e energias do trabalho e da produção, em uma orientação esclarecida, adiantada e segura, pede aos poderes públicos do país que seja criada a seção ou departamento de agricultura, a parte ou junto ao atual Ministério da Indústria e Viação”.
O projeto da Sociedade Nacional de Agricultura coincidia com aquilo que pensava o governo federal e os governantes dos Estados. A modernização agrícola poderia ser obtida através da difusão do ensino técnico agrícola e da mecanização. Assim, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio era visto como uma ferramenta eficaz para introduzir princípios científicos nas atividades agrícolas brasileiras. A crença era de que o ensino geral de agricultura haveria de se organizar com as forças e elementos que lhe fornecessem o Departamento de Agricultura, os colégios ou escolas agrícolas e as estações agronômicas e campos de experiência e demonstração. A instrução elementar agrícola seria dada nos orfanatos, asilos, colônias especialmente consagrados a este fim, isto é, ao preparo do trabalhador agrícola. Em todas estas instituições o ensino deveria ser prático e útil, e o indivíduo, que se dedicava ao mister da lavoura, deveria adaptar o seu condicionamento físico, moral e intelectual às necessidades da vida, aparelhando-se devidamente para as lutas e rigores do trabalho.
Durante a Primeira República as ciências agrárias, da mesma maneira que outros campos acadêmicos buscaram legitimar-se sob a condição de serem conhecimentos científicos suficientes para a solução dos problemas da atividade agropecuária brasileira. Este tipo de ação era orientado pelo discurso dos agrônomos, num comportamento próprio


a uma categoria em processo de legitimação profissional: a tentativa de construir a própria demanda por seus serviços. E isso, a meu ver, em muito interferiria em suas representações acerca da situação agrícola do país, posto que desta dependeriam a defesa de seu espaço e a definição de seu papel face aos demais atores sociais em disputa .


Acentuando de modo muito forte o discurso de crítica à agricultura brasileira sob o Império, os agrônomos se apresentavam como construtores da nacionalidade, através daquilo que era fundamental à nação: a agricultura. “Cabia-lhes resgatá-la de um suposto entorpecimento e atraso” .
As pressões pela afirmação do campo possibilitaram a criação, em 1899, da escola que deu origem a atual Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande Sul e, em 1901, a instituição que posteriormente transformar-se-ia na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo.
Os debates sobre os problemas da agricultura em Sergipe se intensificaram no início do século XX. Tal como ocorrera no século XIX, muitas pessoas com formação superior em diversas áreas se aventuravam pelos estudos de Agronomia e publicavam trabalhos agronômicos na imprensa. Foi este o caso do engenheiro mecânico Adalardo Carvalho Lisboa Nogueira, criador de gado bovino no município de Laranjeiras, que publicou um conjunto de artigos sob o título “Interesses Agrícolas” . A publicação desse tipo de trabalho estava inserida no contexto de um amplo debate que levaria o governo estadual a buscar a tecnificação intensiva das atividades do setor agrícola e a criar, em 1915, a Diretoria de Obras, Agricultura, Indústria e Viação.
Esse tipo de propósito já era visível desde que as primeiras discussões a respeito da implantação de uma escola agrícola primária no Quissamã foram iniciadas, ainda em 1912. O governo da União decidira criar centros agrícolas em vários Estados. A fim de atender tal objetivo, o presidente José de Siqueira Menezes fez a desapropriação da fazenda Quissamã, área então situada no município de Nossa Senhora do Socorro. O início do governo Wenceslau Braz, em 1915, e a Reforma Carlos Maximiliano fizeram com que o governo federal abandonasse a idéia. Assim, a escola agrícola projetada por Siqueira Menezes não chegou a ser implantada. O projeto proposto durante o governo do presidente Wenceslau Braz materializar-se-ia em 1918, sob a forma dos patronatos agrícolas. Nesse contexto, uma outra importante tentativa de implantação de uma escola agrícola em Sergipe foi comandada pelo presidente Oliveira Valadão, em 1916. O objetivo era o de obter a melhoria da produtividade agrícola para atender à demanda dos mercados consumidores, incentivando o emprego de máquinas e implementos na agricultura. A Escola Prática de Agricultura a ser criada deveria funcionar em Aracaju e manter dois campos de demonstração em localidades do interior do Estado. Era pretensão do governo fazer com que a escola funcionasse de modo exclusivamente prático. Os alunos do último ano do curso primário deveriam receber ensinamentos da agricultura e aprender a servir-se, a utilizar-se racionalmente de aparelhos aperfeiçoados, a fazer seleção de sementes, a conhecer a natureza dos terrenos e certificar-se das vantagens de tais processos. Além dessa tentativa, o governo do general Valadão estimulou o ensino da agricultura no ensino primário, ao introduzir no currículo a disciplina “Ciências Naturais (lições de cousas) e aplicações à zootécnica e agricultura”.
As leituras das propostas formuladas para o ensino agrícola a partir do século XIX são indicadores que se somam ao entendimento, já esboçado por alguns pesquisadores, segundo o qual as alterações que se operaram na vida brasileira ao longo da passagem do século XIX para o século XX, e também no processo de substituição da Monarquia pela República, não são tão rápidas e tão radicais como muitas vezes se crê. As mudanças registradas nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX são, assim, parte de um processo que se produziu no Brasil ao longo dos anos oitocentos e que obedece a uma dinâmica própria que não se subordina diretamente à substituição do regime monárquico pelo republicano.
O período que vai de 1918 a 1934 foi a época durante a qual o governo brasileiro enfatizou a sua política de difusão dos patronatos agrícolas. Esse tipo de instituição era voltado à formação técnica de trabalhadores e levava em consideração os fundamentos científicos necessários à racionalização da atividade agrícola. O ruralismo pedagógico, que foi muito forte no cenário educacional brasileiro da década de 1920, teve como arautos alguns “pensadores sociais do começo do século, como Sílvio Romero e Alberto Torres” . Estes intelectuais pretendiam transformar o ensino primário em instrumento de fixação do homem ao campo, amortizando os impactos causados pelo movimento migratório, numa cruzada de “valorização do país agrícola, através da regionalização da escola e do ideário ruralista nas instituições escolares” .

domingo, 25 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA V

Tradicionalmente, tem sido comum no sertão o consumo de mandacaru, uma cactácea nativa que chega até as dunas litorâneas. Agradável ao paladar do gado bovino, desde que colhida e cortada à máquina para destruição dos seus espinhos, a planta é suculenta e rica em água e vive durante muito anos, possuindo mais nutrientes que a palma forrageira. Aos dez anos, uma planta produz em média cinqüenta quilos de alimento.
Dentre as culturas preferenciais da região semi-árida, está também a mandioca, que garante alimento ao homem e ao gado.
Uma outra planta que se adapta bastante à zona do sertão do Estado de Sergipe é o milho, que tanto serve à alimentação humana como para o gado bovino. Em ambos os casos seu poder nutritivo é maior quando colhido verde, com os grãos da espiga ainda leitosos. A sua principal vantagem é o ciclo de vida curto, em torno de três a quatro meses, porém a planta é suscetível ao ataque de lagartas que podem prejudicar o milharal.
Dentre as árvores frutíferas existentes no sertão, sem nenhuma dúvida o umbuzeiro é a mais importante delas, pelos frutos ácidos que produz, adequados à fabricação de sucos e doces. Do mesmo modo, a quixabeira também oferece bons frutos.
Na zona do semi-árido sergipano, a partir da década de 80 do século XX, foi iniciada a implantação de uma rede de adutoras que captam água nos rios Piauí e São Francisco, associada a construção de cacimbas, tanques e barragens.
Emmanuel Franco afirma que a cultura da laranja foi introduzida em Sergipe, na região de Boquim, nas primeiras décadas do século XX, por Edgard Chastinet. A partir da metade do século os citricultores começaram a se organizar e surgiram duas cooperativas: uma em Lagarto e outra em Estância. Além disso, surgiram também indústrias de beneficiamentos dos frutos e extração do suco de laranja.
O Imperial Instituto de Agricultura Sergipano foi criado em 1860, durante a visita do Imperador Pedro II . O decreto de criação do Instituto foi assinado na cidade de Estância, no dia 20 de janeiro:


Desejando assinalar a época de minha visita a esta Província de Sergipe, e manifestar a atenção que presto à agricultura, principal fonte de riqueza do Estado, hei por bem criar o Imperial Instituto de Agricultura Sergipano sob as mesmas bases do Imperial Instituto Baiano de Agricultura, criado por meu Decreto do 1º de novembro de 1859. João de Almeida Pereira Filho, do meu Conselho, Ministro e Secretário dos Negócios do Império, assim o tenha entendido, e faça executar. Palácio da Estância aos 20 de janeiro de 1860. Com a rubrica de S. M. o Imperador. João de Almeida Pereira Filho. Conforme. O Oficial de Gabinete de S. Ex. o Sr. Ministro do Império em viagem, Manuel Diniz Villas-Boas .


Além do Instituto sergipano foram criados no mesmo ano os do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Era pretensão do governo criar idênticas instituições em todas as províncias. Os estatutos do Instituto de Sergipe eram iguais aos do Instituto Bahiano, com pequenas adaptações.
O êxito do Instituto Baiano lhe permitiu criar, em 1875, a Imperial Escola Agrícola da Bahia, única escola superior de agronomia do país até 1890. Inaugurada, em 1877, “a Escola iniciaria seu curso em dois graus, o elementar e o superior, sendo o primeiro destinado a habilitar trabalhadores agrícola e o segundo a formar agrônomos, engenheiros agrícolas e veterinários” . A primeira turma foi diplomada em 1880, com dez agrônomos.


O Imperial Instituto Fluminense (...) Apesar de sua curta existência, conta já 100 sócios efetivos (...) contando com o auxílio do governo imperial deliberou tomar a si a administração do jardim botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas para nele fundar um estabelecimento rural, que possa servir de modelo, e de escola prática de agricultura .


O Imperial Instituto Sergipano de Agricultura representou uma tentativa de modernização das práticas agrícolas na Província de Sergipe. A entidade nunca chegou a funcionar efetivamente, tendo os responsáveis pela instituição se envolvido em uma mal explicada história de prestação de contas dos recursos que o Imperador Pedro II destinou à sua implantação e funcionamento . Essas mazelas não permitiram que o Instituto cumprisse um dos mais importantes dentre os seus objetivos: o estabelecimento do ensino agrícola em Sergipe.
Todavia, alguns intelectuais do período defenderam outras possibilidades de ensino agrícola e industrial Um deles foi o já citado João José Bittencourt Calasans, que foi dirigente do Imperial Instituto Sergipano de Agricultura e no livro O agricultor sergipano da cana de açúcar, que publicou em 1869, defendeu a criação de um engenho modelo como fonte de instrução agrícola. Esse tipo de organização seria criado


por meio de associações, quando não fosse instituída, com preferência, pela bolsa abastada de um ou de outro, que podendo dispor de uma quarentena de contos de réis se acharia mui bem habilitado de assim concorrer, para animar, proteger e fazer desenvolver essa parte da principal fonte de riqueza – a agricultura açucareira (CALASANS, 1869: 47).


Uma grande contribuição aos projetos de modernização da agricultura em Sergipe foi oferecida em 17 de janeiro do ano de 1882, quando o presidente Inglês de Souza convidou o engenheiro José de Siqueira Menezes para elaborar a planta e o orçamento de um conjunto de edifícios, a serem construídos em local apropriado, objetivando a criação de uma escola agrícola modelo. A sua proposta teve como justificativa a necessidade de “melhorar as práticas agrícolas, para maior produtividade das culturas básicas da economia sergipana” . Para cumprir o seu objetivo, Inglês de Souza pretendia contar com a cooperação do Imperial Instituto Sergipano de Agricultura. A pretensão do presidente da Província era formar “uma classe de trabalhadores agrícolas, familiarizados com os princípios das ciências práticas que concorrem para o melhoramento da cultura do solo e com o manejo dos instrumentos aperfeiçoados para os trabalhos dos campos, adquirindo também a experiência e conhecimento prático das artes acessórias” . Este tipo de afirmação demonstra com clareza o quanto o governo de Herculano Marcos Inglês de Souza estava preocupado com a ampliação do mercado de trabalho para os homens livres em Sergipe.
Na segunda metade do século XIX, com o fim do tráfico de escravos, as preocupações com a ampliação do mercado de trabalho livre se intensificaram e passaram a ser alvo de políticas mais objetivas. A lei precisava regular o conflito que se intensificaria no mercado, com uma massa mais numerosa de trabalhadores. Com o seu poder regulador estava sendo ampliada a massa de homens livres pobres. Dentre as argumentações expostas, fica explícita, principalmente, a preocupação com a substituição do trabalhador escravo pelo trabalhador livre. A crença era a de que a mecanização substituiria o trabalho braçal.


Estanque a fonte que alimentava a escravatura, hão de necessariamente escassear e afinal extinguir-se os braços que ainda hoje se empregam nos trabalhos difíceis de grandes propriedades. Ora em todos os países adiantados são as máquinas aperfeiçoadas pela industria moderna que substituem e suprem naqueles trabalhos o braço do homem .

quinta-feira, 22 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA IV

Não apenas Bittencourt Calasans, mas também alguns outros proprietários de engenho mantinham esse tipo de posição em face do escravismo. Um deles, Vicente Luiz de Freitas Barreto, proprietário dos engenhos Varzinha, São Luiz e São Vicente, em Laranjeiras, Massacará, em Maruim, e Limoeiro, em Santo Amaro, ao morrer, em junho de 1856, deixou em seu testamento a determinação de que os seus 150 escravos deveriam ser libertados, decisão que foi cumprida pela viúva (FRANCO, 2005: 222).
Além de produzir açúcar, a Província de Sergipe sempre foi também uma importante produtora de cereais. Nos próprios engenhos havia a necessidade de alimentar os escravos e as demais pessoas que ali viviam, o que fazia com que se reservasse uma determinada área de terra para o plantio de cereais e de mandioca. Fora dos engenhos e nas regiões da Província que não se dedicavam a produção açucareira era importante cultivar mandioca, feijão, milho e arroz. A principal região produtora de arroz em Sergipe era a do Baixo São Francisco. Nas lagoas inundadas anualmente pelas cheias do rio, os agricultores haviam aprendido a cultivar arroz. Era também importante para a vida econômica da Província a produção de fumo, ticum, mamona, coco, café, amendoim, algodão e uva (ALMEIDA, 1978: 21). Outra importante atividade rural em Sergipe era a pecuária de bovinos, ovinos, suínos, eqüinos e caprinos.
Não obstante o entusiasmo econômico existente na Província entre 1850 e 1855 com o bom andamento dos negócios, pesquisadores como a professora Maria da Glória Santana de Almeida indicam que do ponto de vista da tecnologia agrícola, Sergipe se ressentia da “falta de técnicas no tratamento do terreno e na semeadura e o esperdício espacial da propriedade”, reduzindo sensivelmente os terrenos dedicados propriamente ao plantio da cana (ALMEIDA, 1978: 19).
Toda essa atividade, entretanto, não era suficiente para impedir a existência de problemas quanto a produção e distribuição de alimentos em Sergipe, já que a cultura da cana era predominante nas áreas mais férteis. A população de Sergipe se alimentava fundamentalmente de farinha de mandioca, milho, arroz, feijão, carne fresca e carne salgada. Ao descrever os hábitos alimentares em Maroim, na metade do século XIX, a alemã Adolphine Schramm elogiou o consumo de frutas e várias outras práticas de alimentação, vendo como ponto alto a ótima sopa de carne que consumia diariamente, além da carne cozida com molho picante, as verduras, o maxixe, o chuchu, a abóbora, a farinha de mandioca, a galinha ao molho pardo, o enrolado de carne, os bolinhos de carne, a salada de arenque, os bolinhos de peixe, a carne assada com feijão preto, o inhame, a salada de batata, a carne de carneiro e a carne de porco (FREITAS, 1991). Da mesma maneira, criticou a mania de comer feijoada, a dificuldade para encontrar leite, a escassez de ovos de galinha e os preços dos gêneros alimentícios, que considerava muito caros. Alguns desses alimentos eram importados. A charque vinha do Rio Grande do Sul e do Ceará. O bacalhau vinha da Europa. Maria da Glória Santana de Almeida entende que


havia uma debilidade alimentar crônica da população sergipana que, facilmente, se transformava em catástrofe, quando se alterava a quantidade normal de alimentos levada aos mercados. A comprovação disso pode-se conseguir pelos sucessivos registros de epidemias que ceifaram muitas vidas. O estado de subnutrição facilitava a constante proliferação de doenças infecto-contagiosas como a varíola, a febre amarela, o tifo, corriqueiramente registradas nos relatórios da Saúde Pública (ALMEIDA, 1978: 24).


Entre os anos de 1857 e 1859 Sergipe viveu uma grande crise de abastecimento que resultou em muitas mortes e no registro de saques a armazéns e outras casas comerciais. Nesse mesmo período a seca que atingia o sertão dizimou parte do rebanho sergipano, seja pelo mau aproveitamento dos terrenos que não recebiam o tratamento devido e possível em face do conhecimento agronômico então existente, seja pela ausência de práticas de melhoramento das raças dos animais de criação. Do ponto de vista das plantações, à exceção da lavoura canavieira, eram raros hábitos como os de adubação, aragem, armazenamento de água e irrigação. A adubação conhecida era apenas aquela que utiliza esterco de gado, técnica introduzida no agreste do Estado de Sergipe por agricultores da região do Minho, em Portugal, que aqui se estabeleceram (FRANCO, 2005: 11). Na produção agrícola sergipana, os instrumentos mais utilizados eram pá, enxada, machado e fogo (ALMEIDA, 1978: 37).
As interpretações da pesquisadora Maria da Glória Santana de Almeida sobre a crise dos alimentos dão conta do quadro existente na agricultura sergipana durante o século XIX. Contudo, é possível afirmar que a partir da metade dos anos 800 o conhecimento agronômico científico em Sergipe foi incorporado de maneira mais acelerada, alterando de modo substancial o panorama de então. Os estudos realizados por João José Bitencourt de Calasans e já aqui analisados são fortes indicadores de tais modificações. Memorialistas como Emmanuel Franco indicam a presença de um agrônomo francês, o Dr. Guiot, trabalhando na produção canavieira em Sergipe durante a segunda metade do século XIX. Apesar de não oferecer maiores indicações sobre esse profissional, afirma que ele esteve envolvido com os estudos que identificaram a Gomose da cana de açucar, nas décadas de 60 e 70 daquela centúria, no mesmo período em que Pasteur estava divulgando as suas descobertas no mundo microbiano (FRANCO, 2005: 18).
A segunda metade do século XIX foi um período de amplas discussões, por parte dos políticos, intelectuais e líderes do setor agrícola a respeito da necessidade de criar instituições que fomentassem o conhecimento de técnicas agrícolas; fundação de casas de crédito rural; diversificação das culturas (estímulo ao plantio de chá e café); e, introdução de colonos europeus.
No ano de 1869, o mais importante descaroçador de algodão em funcionamento na Província de Sergipe, era movido a vapor, com capacidade diária de processamento de 600 arrobas e estava instalado em Maruim, como um dos negócios da empresa Schramm.
O uso das terras agricultáveis para a produção de alimentos implicava também em alimentar o gado bovino, responsável pela produção de leite e carne. Esse problema sempre foi sentido, principalmente no sertão, nos períodos de estiagem, quando faltava alimento para as pessoas e para os animais. A alimentação do gado bovino em áreas do sertão sujeitas a períodos de estiagem prolongada começou a melhorar a partir da década de 60 do século XX, com a introdução intensiva da palma forrageira. A partir de 1964 a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene estimulou a introdução da palma fornecendo mudas e um auxílio em dinheiro para os proprietários rurais que quisessem plantar cinco hectares do vegetal. Não obstante ela ser reconhecidamente pobre em nutrientes, é vista como um importante alimento para o gado à época da seca. Quando cortada a cada dois anos e servida na cocheira, a planta pode durar até dez anos, ajudando o gado a resistir à seca (FRANCO, 2005: 150).
A palma forrageira tem facilidade em se adaptar aos solos que possuem potássio e sódio em abundância, como os solos da caatinga. Os melhores meses para o plantio são janeiro, fevereiro, abril e dezembro, podendo ser consorciada com milho, feijão e mandioca. Além disso, a palma é uma planta que cobra poucos tratos, exigindo apenas uma roçagem anual. Porém, a planta necessita de terrenos sombreados pelo mato.

sábado, 17 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA III

O livro de Bittencourt Calasans se inicia com o que o autor denominou de “Parte Histórica”. Ali aparecem as origens das práticas agrícolas, numa discussão que remete aos egípicios, aos gregos, aos romanos, aos chineses e aos persas, antes de chegar ao Brasil. Também faz uma exposição sobre a cana de açúcar, suas origens e suas espécies, revelando que a primeira espécie de cana aqui introduzida foi a Caiana, no Rio de Janeiro, em 1570, por Mem de Sá. Posteriormente, o marquês de Barbacena mandou buscar na Jamaica as espécies Malabar e Batávia. Diz que desde o século XIII a planta é conhecida na Arábia, tendo daí se expandido para a Síria, Chipre, Turquia e Sicília. Depois, foi levada pelos portugueses desde a Sicília até as ilhas da Madeira, de Porto Santo e São Tomé. Os espanhóis a trouxeram para a América, plantando-a em São Domingos, a partir de 1506.
O autor produz um diagnóstico do plantio da cana e do fabrico do açúcar no país, identificando um completo atraso nas suas técnicas, defendendo a necessidade da difusão dos saberes da ciência agronômica no Brasil. Para ele, uma das primeiras necessidades era a da substituição da cana Caiana pelas espécies Salangor e Transparente. A espécie Salangor, entendia Calasans, produzia um caldo abundante, doce e fácil de clarificar, resultando num açúcar alvo e de boa granulação. Do mesmo modo, a cana Transparente que, ademais, tinha a facilidade de crescer também em terrenos arenosos e fracos. Sugere também o plantio da cana China, por ser dura, por ser resistente à seca, induzindo que ela deveria ser plantada ao redor dos canaviais e à margem das estradas, onde é maior o estrago sofrido pela planta. Aponta o texto os três grandes inimigos da cultura da cana de açúcar no Brasil do século XIX: a formiga, a raposa e o guaxinim, acrescendo porém um quarto e inusitado adversário desse tipo de lavoura: os “incisivos dentes da raça humana, outro inimigo não menos terrível das canas alheias” (CALASANS, 1869: 13).
No caso específico das variedades de cana de açúcar plantadas em Sergipe, algumas delas, como a Rajada ou Pitu e a Flor de Cuba, somente seriam aqui introduzidas no final do século XIX (FRANCO, 2005: 11).
Após a parte que considera histórica, já no primeiro capítulo do seu estudo, Bittencourt Calasans discute os problemas referentes ao modo de lavrar ou revolver a terra; a gradagem; os sulcos para o plantio da cana; e, os instrumentos aratórios e suas partes componentes. O segundo capítulo se debruça sobre a mecanização agrícola, tratando dos motores animados e inanimados aplicados ao fabrico do açúcar e à plantação da cana. Já os capítulos terceiro, quarto e quinto, com os quais o livro se encerra, são dedicados exclusivamente ao processo industrial de fabricação do açúcar.
Os estudos de Bittencourt Calasans se debruçam sobre os solos de Sergipe e sua adequação ao plantio da cana, chegando a conclusão que são boas para este cultivo tanto as terras de massapê quanto as chamadas areias gordas. Em outras palavras, a formação do canavial para aquele estudioso independia de ser a terra calcária, ferruginosa, arenosa ou de outra composição. A restrição feita por ele era a de que os terrenos nos quais se plantava cana não podiam ser pantanosos, mas sim deveriam ser de fácil esgotamento. A preferência recaía sobre os terrenos ditos abaulados. Os pântanos poderiam ser utilizados, desde que os agricultores se dispusessem a utilizar uma técnica que dizia Bittencourt Calasans ser desconhecida da agricultura sergipana: a drenagem, já amplamente utilizada na Inglaterra, Bélgica, França e Estados Unidos da América, segundo as suas anotações.
As pesquisas do autor aqui apresentado apontavam os meses de julho, agosto, setembro, outubro e novembro como os mais adequados ao plantio da cana em Sergipe. Considerava ser aquele período o de maior facilidade para lavrar o terreno, como também para manter o ciclo da cultura, de modo que as plantas amadurecessem e permitissem que os engenhos moessem ininterruptamente entre os meses de agosto a fevereiro, posto que o açúcar deveria ser colocado no mercado durante o nosso verão, quando se obtinha melhor preço. No período entre uma moagem e outra, os produtores de açúcar deveriam cuidar de culturas leguminosas, feijão, milho, arroz e mandioca.
Bittencourt Calasans discutia exaustivamente as técnicas de lavrar a terra. Para ele, as lavras profundas eram mais adequadas por protegerem o terreno do excesso de umidade e criarem elementos para que as plantas pudessem resistir aos ataques de agentes externos. Via ainda como técnica indispensável ao êxito do plantio a gradagem, através do emprego da grade de Geddes, para aplainar, ciscar e afofar a terra cortada e revirada pelo arado misturando a terra com a matéria orgânica nela existente e tornando-a porosa. Após a gradagem, os sulco para o plantio da cana deveriam ser feitos imediatamente por arados puxados a cavalos, por serem estes mais ágeis e de melhor acabamento que os arados puxados por bois, os regos paralelos destinados ao plantio.
Dois meses após o plantio deveria ser feita a primeira limpa do canavial por um pequeno arado puxado por um cavalo. Essa técnica, chamada de abaclamento, Calasans afirma haver aprendido nos Estados Unidos da América, servindo para o expurgo de ervas daninhas. Do mesmo modo, a operação deveria ser repetida aos seis, aos oito e aos nove meses após o plantio, de modo a colaborar ainda com a remoção das folhas secas, acelerando a maturação. Após o corte, a palha deveria ser colocada entre as valas e coberta de terra, para enriquecer a matéria orgânica existente no terreno. Além disto deveria ser adicionado também o bagaço verde resultante da moagem da cana, porém fazia a ressalva de que, prioritariamente, este bagaço deveria ser queimado nas caldeiras das usinas como combustível. O autor condenava a prática de fazer queimadas nos terrenos após a colheita da cana, afirmando que este método empobrecia a terra, deixando apenas cinzas e tocos secos. Admitia, porém, essa queima, quando o canavial fosse muito antigo ou estivesse sendo vítimas de ataques de pragas como besouros e lagartas.
O debate sobre mecanização agrícola costumava entusiasmar Bittencourt Calasans. Ele afirmava ser obrigatório aos plantadores de cana o uso do arado grande de lavrar ou de revolver no plano, denominados sub-solo número um e sub-solo número dois. Além deste, também o arado de ladeira, o arado médio, o arado de duas orelhas, o cultivador, a grade de Geddes e o rolo eram tidos como indispensáveis. O entusiasmo do autor para com a mecanização se justificava em nome do combate que este fazia ao trabalho escravo, em relação ao qual se declarava contrário. Entendia que o homem fora dotado de razão para conhecer o que mais lhe convinha. E de vontade livre para por em prática os ditames da sua razão. Privá-lo da escolha e do livre exercício do trabalho seria assim atentar ao mesmo tempo contra os direitos da sua inteligência e da sua liberdade.


Quero dizer, que o trabalho do homem deve ser livre. Sendo livre o trabalho, o obreiro pode convencionar com o empresário a paga do serviço que há de prestar; tem o dever de presta-lo, porque a isso se obrigou, e é de seu interesse. Mas para o escravo a remuneração do serviço está a arbítrio do senhor, que a pode reduzir, como de feito a reduz ao mínimo; e essa injustiça é bastante para tirar ao escravo a boa vontade de trabalhar (CALASANS, 1869: 39).


Bittencourt via, portanto, a escravidão como uma enfermidade prejudicial aos interesses da sociedade brasileira, uma contradição num Estado que se propunha civilizado, uma vez que violava os


princípios mais sagrados da religião, da moral, e do direito natural, constituindo sociedades cheias de perigos, para os senhores, de sofrimentos para os escravos, e dando em resultado um trabalho o mais caro de todos! (...) essa escravidão dizemos deve ser banida, com a devida circunspecção dentre nós (CALASANS, 1869: 39).

quinta-feira, 15 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA II

O livro está organizado em quatro capítulos, uma introdução e um resumo final à guisa de conclusão. Impresso na Bahia pela tipografia de Camillo de Lellis Masson & Companhia, o livro continha 98 páginas no formato 11 X 21,5 cm. Ainda no prólogo, o autor esclarece que ao assumir a direção do engenho Castelo estava despreparado para a missão e corria o risco de levar o empreendimento à bancarrota. Esta teria sido a razão determinante para que houvesse se lançado ao estudo dos clássicos da Agronomia e buscasse viajar ao exterior, a fim de estudar e conhecer as técnicas de plantio da cana e de fabricação do açúcar, além de adquirir a bibliografia mais atualizada. Revela também que a partir dos estudos realizados estabeleceu um método que consistia em testar as informações que as suas fontes lhe apresentavam. O passo seguinte foi o de organizar a exposição presente no texto.


Procurei ajustar as frases e as palavras do Agricultor Sergipano às inteligências de grande parte dos plantadores da cana de açúcar, e julgo ter feito alguma coisa no estado em que nos achamos, baldos até hoje de um livro prático, neste gênero, que seja mais aplicado aos nossos usos e costumes, e ao nosso clima, como este, escrito em linguagem corrente, abrangendo todas as operações e trabalhos do plantio da cana e do fabrico do seu açúcar, aí descritos minuciosamente (CALASANS, 1869: VI).

sábado, 3 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA

A História da Engenharia é uma expressão importante da história e das práticas de vida dos homens. A tecnologia industrial aportou em Sergipe trilhando os caminhos da produção açucareira e estimulando muito o desenvolvimento da Engenharia Mecânica. Há registros a respeito da produção de açúcar no Brasil desde 1535 (LOUREIRO, Kátia Afonso Silva. Arquitetura sergipana do açúcar. Aracaju, Unit, 1999. p. 8). Data de 1602 o primeiro engenho sergipano, trazido pelas mãos do desembargador Baltazar Ferraz (SEBRÃO SOBRINHO, 1955, 25). Quando o primeiro presidente da Província, Manuel Fernandes da Silveira tomou posse no dia cinco de março de 1824, o número de engenhos sergipanos de açúcar era de 226. Em 1860, cinco anos depois da mudança da capital para Aracaju, eram já 769 engenhos, fazendo com que a produção açucareira de Sergipe superasse a da Província da Bahia e a do Rio de Janeiro. Há historiadores sergipanos que registram a existência de 820 engenhos em 1886. Felisbelo Freire dá conta dá existência de cerca de mil deles (FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. 2ª. Ed. Petrópolis, Vozes, 1977). Mas apesar da quantidade de açúcar que a Província produzia, existem observações dando conta da má qualidade e da baixa produtividade na produção açucareira.


Em média, os engenhos sergipanos produziam de 55 a 88 caixas de açúcar. Além da péssima qualidade, essa produção era considerada por todos como extremamente baixa para as qualidades da terra. (...) Era um volume muito baixo de produção, atentarmos para os custos do empreendimento (ALMEIDA, Maria da Glória Santana de. “Estrutura de produção: a crise de alimentos na província de Sergipe (1855-1860)”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, nº 27, 1965-1978. p. 19).


Essa pequena produtividade redundava em sérias conseqüências, principalmente nos períodos em que os preços caíam no mercado externo. Os engenhos enfrentavam dificuldades para saldar os seus débitos e alguns proprietários perdiam seu negócio para os comerciantes credores.
A importância da engenharia mecânica na produção açucareira aparece por inteiro no trabalho publicado em 1869 por João José Bittencourt Calasans, um bacharel em Direito e proprietário do engenho Castelo dedicado ao estudo dos problemas agronômicos, principalmente o plantio da cana e a produção do açúcar. O autor nasceu em junho de 1811, no engenho Castelo, à época município de Santa Luzia, região que atualmente corresponde ao território do município de Indiaroba. Calasans morreu em agosto de 1870, um ano após haver publicado O agricultor sergipano da cana de açúcar. Bittencourt Calasans doutorou-se em Direito pela Universidade de Bruxelas, na Bélgica, em 1835. Após retornar a Sergipe, assumiu o comando do engenho da sua família e começou a estudar agronomia por conta própria, lendo os principais autores então existentes, com o objetivo de introduzir na sua propriedade arados, implementos agrícolas e algumas máquinas movidas a vapor. Bittencourt governou a Província de Sergipe durante dois dias, em 1845. Além disso, recebeu o título de Comendador da Ordem de Cristo, por haver hospedado o Imperador Pedro II em sua residência, na cidade de Estância, no ano de 1860. Membro de algumas sociedades científicas do século XIX, ele também foi dirigente do Imperial Instituto Sergipano de Agricultura.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A SUDENE EM SERGIPE

O processo de criação da Sudene ganhou, em Sergipe, conotação de campanha suprapartidária, e foi também muito importante para a consolidação do campo da economia como ciência. Alguma coisa que os discursos à época denominavam de “cruzada cívica da salvação do Estado”, pondo na industrialização a finalidade realizadora do homem, a ser buscada a qualquer preço. O próprio governador do Estado


concitou a todos os políticos e todo o povo sergipano para uma união em torno do mesmo Movimento, independentemente da cor político-partidária de cada um, ensarilhadas as armas dos partidos face aos problemas comuns do Estado, para que pudessem eles serem apresentados ao Presidente da República através da OPENO, num apelo uníssono de Sergipe” .


O discurso sobre a realidade da região Nordeste estava permeado pelas concepções de planejamento regional difundidas nos anos 50 pelo pensamento de Celso Furtado. As suas idéias são, em verdade, o mais forte elemento teórico a compor a nova política de desenvolvimento.
Para Seixas Dória, “a Sudene foi, certamente, o passo mais seguro e positivo que se deu em favor do Nordeste” . O próprio Celso Furtado, idealizador do órgão, corrobora o ponto de vista de Dória ao afirmar que


O Nordeste mudou com a Sudene, é um mundo novo. Depois de 1964, a Sudene continuou a fazer trabalhos técnicos interessantes, mas o que mudou foi o Brasil, não foi a Sudene. A Sudene que eu ajudei a criar correspondeu a um certo Brasil, representou algo de novo neste país” .


A Sudene cumpria exatamente a estratégia de desenvolvimento sob a qual foi concebida no governo Juscelino Kubitscheck. Nesse sentido ela sintetizava, no Nordeste, a redefinição do papel e função da máquina estatal e de seu relacionamento com a sociedade civil. O fundamental era substituir as velhas e inúteis burocracias, passando o Estado, em todos os seus níveis, a operar sob a cobertura ideológica da racionalidade técnica.
A política social planificada e a forte presença da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - Sudene na região encontraram, desde o final dos anos 50 deste século, um terreno fértil em Sergipe. A influência das idéias nacional-desenvolvimentistas, via Sudene, no Estado, era muito grande e, de certa forma, vista como a única maneira de dar organicidade, sob o controle do Estado à atuação de várias instituições que trabalhavam nessa direção.
Tudo estava determinado e submetido à racionalidade do planejamento econômico. Planejamento que se originava no mesmo centro: a Sudene. Não é por acaso que se deu a criação do Conselho Estadual de Desenvolvimento - CED, do Rio Grande do Norte, no mesmo momento em que foram criados outros organismos da mesma natureza nos vários Estados nordestinos. Todos sob inspiração da mesma Sudene. O Conselho de Desenvolvimento Econômico de Sergipe - Condese, foi organizado através do decreto 470, de 31 de março de 1959,


por feliz e oportuna iniciativa do Governador Luiz Garcia, com a louvável finalidade de estudar e planejar a economia sergipana, visando o desenvolvimento do Estado e também articular os seus estudos e projetos com a Sudene” .


A estrutura interna do órgão estadual seguia os mesmos padrões postos para organizar a Sudene. O Condese era constituído por um conselho deliberativo, sob a presidência do governador do Estado, e uma secretaria executiva que era o seu órgão técnico.
O papel desempenhado pela Sudene em relação a economia dos Estados do Nordeste, a partir de 1960, foi de dirigente das principais ações de política pública, seja no que concerne a política econômica ou no que diz respeito a política social. A criação e instalação do Banco de Fomento Econômico de Sergipe, da Empresa Distribuidora de Energia Elétrica, do Instituto de Previdência do Estado, da Secretaria da Educação, Cultura e Saúde, da hotelaria voltada para o turismo, da Estação Rodoviária de Aracaju, da ampliação do Aeroporto de Aracaju, da melhoria da malha rodoviária do Estado, da ampliação dos serviços hidráulicos, da instalação da Secretaria da Agricultura, da qualificação de técnicos no exterior, a ampliação de oportunidades educacionais no Estado, a regulamentação do calendário escolar da zona rural são resultante dessa ação. Todo esse trabalho foi executado com a intermediação do Condese. Este era um verdadeiro centro de tomada de decisões quanto ao conjunto de políticas do governo estadual. Essas decisões eram irradiadas a partir da Sudene.
As idéias sobre planejamento sintetizavam o discurso da racionalidade científica que substitui a irracionalidade das relações políticas. Tal racionalidade é exercida, geralmente, por intelectuais que se acercam do poder dando respaldo aos diferentes grupos de interesse político. A intelectualidade, neste tipo de situação, tende a constituir-se em uma tecnoburocracia. A tecnoburocracia propõe planos alternativos, buscando mediar a racionalidade das suas propostas em face da ação política dos diversos grupos de pressão, de forma a contentar vários interesses sem que sejam descaracterizados aqueles garantidores do projeto desenvolvimentista.