quarta-feira, 30 de junho de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA EM SERGIPE - IX

O primeiro edifício, na antiga Delegacia Fiscal, foi utilizado como Palácio para os presidentes da Província e como Paço pelo Imperador Pedro II, em 1860. Viajantes como Robert Ave-Allemnat comentaram o ritmo das construções da nova capital. Ele afirmou estar impressionado com os alicerces do novo Palácio Presidencial em construção pela sua vastidão, chegando ao detalhe de descrever o tipo de pedra calcária utilizada nas fundações – uma laje branca laminada também usada no revestimento das calçadas. Em 1857 surgiu a primeira igreja da nova capital, a São Salvador, no cruzamento das ruas Laranjeiras e do Barão.
Em 11 de janeiro de 1860 foi inaugurada a Ponte do Imperador, para o desembarque de D. Pedro II, da Imperatriz Tereza Cristina, e da comitiva que os acompanhava. Construída em madeira, a Ponte, na verdade um cais de desembarque, foi substituída, em 1904, por uma outra metálica. Quando foi erguida em 1860, a ponte media 220 palmos de comprimento e 16 de largura. Era composta de duas partes: uma de alvenaria, com 65 palmos de comprimento e outra de madeira, com 135 palmos. As estacas de sustentação eram de beriba, os barrotes de madeira de lei e o assoalho de pranchões de pinho, enquanto um parapeito verde e amarelo fechava, lateralmente a ponte. O assoalho era coberto por um tapete de baeta azul, em forma de T.


Uma escada de 12 palmos de largura, com degraus também cobertos de baeta, foi construída para atender ao desembarque do Imperador, e ao seu uso, enquanto visitava pontos da Província. Na praça, logo depois da ponte, foi montada a Porta da Cidade, como se fosse a entrada de uma Praça Forte, com dois torreões e um arco, na largura da ponte (BARRET0, 2005).


Somente com as obras realizadas em 1920 e em 1937 o monumento ganharia sua forma atual, em cimento.
Em 1860 estava em construção o Palácio do Governo, obra confiada ao engenheiro capitão Pereira da Silva. Dentre os edifícios públicos erguidos na nova cidade, o da Casa de Prisão de Aracaju teve seu funcionamento regulamentado em 1872. Era um edifício de dois pavimentos, localizado na atual praça General Valadão, adaptado para receber enfermaria, escola, oficinas e capela. Ali foram instaladas 50 celas (24 no andar superior e 26 no térreo) com dez presos em cada uma delas . A Cadeia da praça General Valadão foi desativada em 1926, quando o governador Graccho Cardoso inaugurou uma outra obra da maior importância: a Casa de Detenção de Aracaju, construída no bairro América (CHAVES, 2004: 77).
A rua da Aurora, atualmente avenida Rio Branco, foi a primeira aberta na cidade de Aracaju. Depois veio a rua do Barão, atualmente João Pessoa, que recebeu a sua primeiro denominação em homenagem a José Ignácio do Prado, que usava o título de Barão de Aracaju . Também foram abertas a Estrada para São Cristóvão, atual rua São Cristóvão, transversal à rua do Barão e atualmente denominada rua São Cristóvão. À época, a estrada era uma das saídas da nova cidade, com um traçado torto e montanhoso, um caminho que ligava a nova capital com a velha sede do governo da Província de Sergipe, São Cristóvão. A rua de Salvador, atual rua de Laranjeiras era um caminho estreito que levava em direção à Bahia (CHAVES, 2004: 76). Outras artérias importantes abertas até o final do século XIX foram a Estrada Nova, atualmente avenida João Ribeiro, que ligava a cidade ao povoado Santo Antônio do Aracaju e cruzava a atual avenida Simeão Sobral, a melhor e mais antiga das vias de saída e entrada de Aracaju; a Estrada da Jabotiana, atual rua Itabaiana; a rua do Caga em Pé, atual rua Campo do Brito.

terça-feira, 29 de junho de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA EM SERGIPE - VIII

O projeto valorizava o rio Sergipe com o seu cais. Este viria a ser o mais importante atracadouro de Sergipe, situado à rua da Aurora, superando um outro movimentado cais que existia nas imediações da Atalaia: o do rio Poxim, no lugar conhecido como Saquinho.
A cidade se desenvolveu, incorporando contribuições da arquitetura e da engenharia de árabes, russos, romanos, ingleses, italianos, franceses, gregos e muitos aspectos das construções mediterrâneas. Segundo o arquiteto Rubens Chaves, a história da organização do sítio urbano da capital de Sergipe pode ser dividida em cinco períodos: o primeiro, de 1855 a 1905; o segundo, de 1905 a 1930; o terceiro, de 1930 a 1964; o quarto, de 1964 a 2000; e, o quinto e último, a partir de 2001.
O primeiro período seria marcado pela construção dos primeiros edifícios públicos, a partir da antiga Alfândega em direção à atual rua São Cristóvão, e pelo modo como a cidade se distanciou da influência dos antigos povoados Santo Antônio e Massaranduba, os atuais bairros Santo Antônio e Industrial. É neste momento que se trava a mais dura luta do homem que aqui se instala contra o mar e os manguezais, iniciando um processo de permanente desequilíbrio ambiental que marca a história de Aracaju.
As obras de construção da nova capital de Sergipe causaram forte impacto na vida de toda a Província, inclusive no que diz respeito a produção de alimentos. A partir de 1855, de modo crescente, muitos trabalhadores rurais se afastaram dos seus serviços no campo, dedicando-se a atividade de trabalhador urbano da construção civil, empenhando-se nas obras dos prédios públicos e nas residências dos funcionários que migraram para Aracaju. A principal atração era o salário que se oferecia a esses operários, à época considerado exorbitante em face do que eles ganhavam como trabalhadores rurais. Somente no ano de 1855, quando as obras foram iniciadas, Aracaju recebeu mais de 200 homens, procedentes dos municípios de Itabaianinha, Campos, Lagarto, Simão Dias e Itabaiana (ALMEIDA, 1978: 33).

domingo, 27 de junho de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA EM SERGIPE - VII

O pavimento térreo das casas grandes funcionava como depósito e era revestido por lajotas de barro.Já o pavimento superior servia de residência dos proprietários e seus familiares, recebendo um acabamento mais refinado e piso em assoalho de madeira. As paredes eram erguidas normalmente com a utilização de três tipos de material: sopapo, alvenaria de pedras e alvenaria de tijolos. As pedras e os tijolos apresentavam normalmente três dimensões: circulares, utilizadas em colunas, com diâmetro que variava entre 32 e 80 centímetros; retangulares, com dimensões que variavam de 17X8X3,5 a 41X20X7 centímetros. A partir do século XIX, as construções das casas grandes ganharam um maior refinamento. As janelas foram rasgadas por inteiro, até o nível do piso, ganhando sacadas de ferro. Apareceram portas e janelas ogivais, caxilharia envidraçada, além de bandeiras e janelas tipo guilhotina (LOUREIRO, 1999: 15).
Os galpões de fabricar açúcar tinham telhados com grandes águas e alguns deles terminavam quase no chão, com cumieiras muito altas, para facilitar a dispersão do calor. As senzalas nem sempre eram apenas um único e grande cômodo. Era comum a construção de moradias geminadas a meia parede. Eram casas com uma pequena varanda à frente. Alguns estudiosos acreditam que esse tipo de construção serviu de modelo para as vilas operárias que apareceram no início do século XX em cidades como Aracaju, após a construção das indústrias têxteis do bairro industrial.
A engenharia religiosa chegou a Sergipe através dos padres jesuítas, no século XVII, espalhando capelas em toda a zona rural. Tais construções eram erguidas sobre um arcabouço de madeira, com esteios, baldrames e frechais enquadrando as paredes de trama barreada conhecidas como taipa de pau a pique ou taipa de sebe e taipa de sopapo. As paredes eram revestidas com duas camadas: emboço, para o nivelamento; reboco, de areia e cal, para o acabamento. A cobertura era de telhas de barro, moldadas nas pernas dos escravos. A primeira construção dos padres jesuítas em Sergipe foi a casa grande da Fazenda Colégio.
A engenharia religiosa ganhou uma maior sofisticação no século XVIII. Em 1743 foi inaugurada a Igreja Nossa Senhora da Conceição da Comandaroba, na zona rural de Laranjeiras. As paredes de sopapo foram substituídas por novos materiais: pedra calcária ligada por argamassa de barro em calda, cal e tijolos grossos (LOUREIRO, 1999: 15).
Certamente, em seu conjunto, a mais importante obra de Engenharia que Sergipe conheceu em toda a sua história foi a construção da cidade de Aracaju, a nova capital da Província, a partir de 1855. Bem antes disto, outras cidades foram erguidas, demandando a incorporação de tecnologias da Engenharia Civil nas busca de solução para problemas complexos presentes em todas as cidades, como a implantação de calçadas, grades, telhados, esquinas e praças.
O governo da Província tomou a decisão de construir a nova capital num período em que o Império estava reorganizando o espaço urbano de algumas cidades brasileiras, “fugindo das cidades de padrão português, como até então era São Cristóvão, que cumpriu sua missão histórica, trepada em morros, fugindo do mar. Por medo dos aventureiros invasores franceses e holandeses” (CHAVES, 2004: 73). A cidade, traçada pelo engenheiro Sebastião Basílio Pirro, em um quadrilátero imaginário, foi concebida sob forte influência européia. Tal quadrilátero foi dividido em 32 quadras de 110m X 110m, formando uma espécie de tabuleiro de xadrez, considerado à época um traçado muito moderno. Tomando como ponto de partida a atual praça Fausto Cardoso, o plano previa uma malha urbana que se estendia por mil metros em direção ao norte, mil metros para o oeste e mil metros em direção ao sul, formando quadras simétricas, de aproximadamente cem metros, além do leito das ruas (BARRETO, 2005).

sábado, 26 de junho de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA EM SERGIPE - VI

A Engenharia Civil chegou a Sergipe trilhando basicamente quatro caminhos: o da construção das cidades, o da edificação de templos religiosos, o da produção açucareira e o da construção de estradas e pontes. Em Sergipe inexistem estudos consistentes sobre a História da Engenharia Civil.
As contribuições mais próximas desse campo foram dadas por três trabalhos voltados para o campo da Arquitetura: o estudo da arquiteta Kátia Afonso Silva Loureiro, Arquitetura sergipana do Açúcar, publicado em 1999 (LOUREIRO, 1999); o livro de autoria de Tom Maia, em parceria com o presidente da Academia Sergipana de Letras, José Anderson Nascimento, e com Thereza Regina de Camargo Maia, Sergipe Del Rey (MAIA, NASCIMENTO e MAIA: 1979); e o livro Sergipe e seus monumentos, de José Anderson Nascimento (NASCIMENTO, 1981).
Além destes trabalhos, os registros mais importantes sobre a Engenharia Civil e a Arquitetura em Sergipe estão presentes nos livros de tombo do patrimônio estadual e federal. Todavia, o problema desse tipo de registro é o privilegiamento quase exclusivo da arquitetura religiosa e poucas referências a construções residenciais que, não raro, sempre destoaram do estilo e das técnicas utilizadas pela alvenaria de pedra e pela ornamentação empregada nas igrejas. Uma boa fonte para o estudo da engenharia dos anos seiscentos aos anos oitocentos em Sergipe é viajar pelo Estado para conhecer os exemplares de obras edificadas nesse período que resistiram ao tempo. Ainda é possível verificar tais obras nas sedes das propriedades rurais mais antigas. O edifício é um documento muito importante para o estudo da História da Engenharia.
Sob a perspectiva da Engenharia Civil é inegável a importância da produção açucareira, uma vez que no mesmo espaço das casas dos engenhos, das instalações destinadas ao fabrico do açúcar e das chaminés foram também construídas igrejas e capelas, além do arruamento das casas das senzalas. As construções obedeciam a um padrão de ordenamento urbano que as dispunham em torno de um grande pátio central, como uma grande praça. Apesar desse tipo de construção não haver se transformado diretamente em vilas e cidades, nas proximidades dos engenhos surgiram povoados, vilas e estradas. Segundo Kátia Loureiro,


as casas grandes eram implantadas a meia encosta, voltadas para o engenho (fábrica), o qual ficava disposto num plano mais baixo, no fundo dos vales por onde serpenteavam rios ou riachos que movimentavam rodas d’água, denotando também, no planejamento espacial das benfeitorias, a divisão social e política que ali existia (LOUREIRO, 1999: 13).

quinta-feira, 24 de junho de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA EM SERGIPE - V

As obras de drenagem e aterramento do centro da cidade de Aracaju ganharam novo impulso a partir de 1915, quando o presidente Oliveira Valadão decidiu aterrar todo o trecho da praça Camerino até a área onde está o atual edifício do Atheneu; a região dos fundos do atual quartel da Polícia Militar; e a baixada das ruas Pacatuba, Maruim, Estância e avenida Rio Branco. Essas obras extinguiram lagoas, pântanos e mangues, aperfeiçoando as condições de salubridade da capital.
Foram, portanto, significativas as contribuições que a engenheira ambiental recebeu dos médicos, principalmente no que concerne a discussões acerca dos problemas do saneamento. Ainda no início do século XX, profissionais da saúde como Jessé Fontes, Delegado de Higiene de Estância, publicava no jornal “O Estado de Sergipe” o artigo “Saneamento do Brasil” , colocando a questão sob a ótica da ciência médica.
No combate à febre amarela, os médicos trouxeram a Sergipe, em maio de 1924, a Fundação Rockfeller. A instituição funcionou durante três anos no Estado, até 1927, combatendo a moléstia. Para atingir os seus objetivos, a Fundação Rockfeller realizou várias obras de saneamento na capital, drenando valas, aterrando pântanos e quintais alagados, tratando das fontes, poços e cisternas.
A preocupação que tinham os médicos com o campo da Engenharia é posta com muita clareza pelo Código Sanitário do Estado de Sergipe aprovado em 1926, ao atribuir à Diretoria Geral do Serviço Sanitário a competência de fiscalizar as obras de saneamento e estudar as condições higiênicas de todos os edifícios a serem construídos (SANTANA, 1997: 172).
Em dezembro de 1858 o vice-cônsul de Portugal, Horácio Urpia, ganhou a concorrência para, no prazo de três anos, canalizar as águas do rio Pitanga, com um aqueduto em tubos de ferro ou de louça, implantando chafarizes em Aracaju. O contrato não foi cumprido e, em junho de 1864, o mesmo Horácio Urpia firmou novo contrato com a Província, a fim de cumprir o mesmo objetivo. Cinco anos depois, sem executar a obra, a empresa de Horácio Urpia contratou os engenheiros Carlos Mornay e Frederico Mornay, que produziram avaliação técnica e sugeriram a canalização das águas do rio Poxim, e não do Pitanga como se previra inicialmente. Em 1870, a Província assinou novo contrato, desta feita com as empresas Manoel de Vasconcelos e F. F. Borges. Novamente a obra não foi executada. Mais um contrato foi firmado. Agora, no ano de 1890, quando os comerciantes João Victor de Matos e José Alves Costa criaram a Companhia de Abastecimento de Água para canalizar as águas do rio Pitanga (SANTANA, 1997: 45-46).
A Engenharia hidráulica conheceu um importante avanço, em novembro de 1909, com a implantação do serviço de distribuição de água encanada em Aracaju, captada no rio Pitanga e fornecida in natura. A Companhia Melhoramentos de Sergipe, empresa que realizou os serviços, era uma sociedade anônima controlada pelos irmãos Francisco e Francino de Andrade Mello, que detinham 95 por cento das ações. O contrato assinado em 1908 pelo presidente Rodrigues Dória garantia à Companhia o direito de explorar o abastecimento da capital por 50 anos. Contudo, antes mesmo que o serviço completasse três anos de funcionamento, o presidente do Estado, Siqueira de Menezes, estatizou a Companhia, em setembro de 1912 (SANTANA, 1997: 138).
A necessidade de prestação de um bom serviço fez com que já em 1915 o governo Oliveira Valadão realizasse reformas no reservatório de água da Cabrita, aumentando a sua capacidade para 1.800.000 litros por dia.
Apenas quatorze anos depois de iniciadas as atividades do serviço de abastecimento de água de Aracaju, os problemas que o sistema enfrentava eram da maior gravidade. A falta de manutenção, a expansão da malha urbana, a falta de tratamento da água, os problemas de filtragem e as tubulações desniveladas e estreitas (com apenas oito polegadas de diâmetro) faziam com que a água chegasse às torneiras em quantidade insuficiente e fossem freqüentes as suspensões no fornecimento. Graccho Cardoso contratou, em fevereiro de 1923, o escritório do engenheiro Francisco Saturnino de Brito para a realização de um diagnóstico da situação do abastecimento de água da capital. Em dezembro do mesmo ano a empresa que fez o diagnóstico iniciou as obras de reconstrução da rede de abastecimento de água de Aracaju, sob a direção do engenheiro Povoa de Brito. A rede de tubos foi reconstruída, o reservatório foi duplicado e foi instalado um sistema de pré-filtragem no rio Pitanga, no qual era feita a captação.
Á água distribuída em Aracaju passou então a receber pré-tratamento no ponto de captação. Além disso, a água passava por um tratamento químico à base de sulfato de alumínio e cal virgem, sendo em seguida decantada e filtrada pelo sistema Reisert. Além disso, o presidente Graccho Cardoso privatizou a rede de abastecimento de água da capital, através de concorrência pública na qual saiu vencedora a Empresa de Melhoramentos de Aracaju, controlada pelos empresários Francino de Andrade Melo e Júlio Leite. A empresa contratou a exploração dos serviços pelo prazo de 50 anos.
O abastecimento de água em Aracaju iria apresentar sintomas de graves dificuldades nas décadas de 60 e 70, em face do crescimento populacional e da demanda industrial. No início da década de 80, contudo, a inauguração da Adutora do São Francisco resolveu tal problema, captando água no rio São Francisco, e transportando-a por mais de 100 quilômetros para a capital do Estado de Sergipe.
Ainda do ponto de vista das ações de saneamento, o governo Siqueira de Menezes decidiu implantar, em 1913, o sistema de esgotamento sanitário e drenagem da capital . O projeto foi elaborado pelo engenheiro Paulo Alfredo Poltro e a obra, executada pela Companhia Melhoramentos de Sergipe, estava concluída em novembro de 1914, já durante o governo de Oliveira Valadão. O tratamento biológico dos efluentes era constituído por um tanque com capacidade para 1.500.000 litros, previsto para atender a 15.000 habitantes, com oito leitos percoladores e superfície de 1.500 metros quadrados, correspondendo a um metro cúbico diário por metro quadrado (SANTANA, 1997: 139).
Não obstante estar funcionando há apenas dez anos, a rede de esgoto de Aracaju já exigia reformas no ano de 1923. Do mesmo modo que o escritório do engenheiro Saturnino de Brito foi contratado pelo presidente Graccho Cardoso para estudar o problema do abastecimento de água, recebeu também a incumbência de diagnosticar a questão do esgotamento sanitário e sugerir medidas capazes de resolver a situação. Assim, a partir de dezembro de 1923, foram iniciadas não apenas as obras de reforma da rede de água, mas também de drenagem e de esgotamento sanitário. A mesma Empresa de Melhoramentos de Aracaju que ganhou a concorrência para administrar o serviço de abastecimento de água, a partir de 1926, contratou também o gerenciamento do sistema de esgoto.
O escritório Saturnino de Brito voltou a ser contratado pelo governo do Estado de Sergipe em 1956, para estudar a melhoria no serviço de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos de Aracaju. A expansão desses serviços e a política de saneamento adotada pelos governos da ditadura militar iniciada em 1964 fizeram com que, em agosto de 1969, fosse criada a Deso, a Companhia de Saneamento do Estado.
O serviço de esgoto da cidade de Aracaju ganharia um novo impulso durante a primeira metade da década de 80, quando o governador João Alves Filho reorganizou e modernizou a rede existente. À época o serviço chegou a cobrir cerca de 80 por cento da cidade de Aracaju.
Ainda do ponto de vista do saneamento ambiental, a cidade de Aracaju passou a contar com um importante serviço no início da década de 30 do século XX: o recolhimento do lixo orgânico domiciliar. A iniciativa pioneira do intendente Camilo Calazans foi executada por uma empresa, organizada por José Freire Barreto e contratada pelo município com este objetivo específico. Em 1935, o prefeito Godofredo Diniz estruturou definitivamente o serviço, contratando varredores de ruas, carroças e caminhões de limpeza pública da mesma empresa de José Freire Barreto. O lixo coletado na cidade era levado para aterrar áreas pantanosas da Luzia, atualmente um importante bairro de Aracaju.

domingo, 20 de junho de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA EM SERGIPE - IV

Certamente, o maior impulso que a Engenharia Mecânica ganhou em Sergipe ocorreu em 1964, após a confirmação da descoberta de petróleo no campo de Carmópolis.
A produção açucareira induziu também a incorporação tecnológica aplicada à engenharia de construção de canais, uma vez que em 1825, o deputado Eusébio Vanério, representante de Sergipe, solicitou ao Imperador Pedro I autorização para que se construísse um canal que ligasse os rios Pomonga e Japaratuba, beneficiando o comércio do açúcar. A canalização dos rios e a interligação de todas as bacias foram ideais cultivados em Sergipe durante todo o século XIX. Uma lei provincial de 12 de março de 1835 autorizou a construção do canal ligando o rio Japaratuba ao rio Pomonga e uma outra, de 16 de março do mesmo ano, autorizou a abertura de uma canal que ligasse o rio Santa Maria ao rio Poxim. Contudo, em 14 de maio de 1849 a lei provincial 258 autorizou a abertura de um canal que ligasse todas as bacias da Província de Sergipe, do rio São Francisco ao rio Real. Do rio São Francisco passar-se-ia ao Japaratuba; deste ao Pomonga; do Pomonga à bacia Poxim-Santa Maria; desta ao rio Vasa Barris; e, deste último ao rio Real.
Este tipo de preocupação era muito importante para a economia da Província, uma vez que, em 1850, Sergipe exportava açúcar para Copenhague, Hamburgo, Trieste, Gibraltar, Londres, Gothemburgo, Antuérpia, Rio de Janeiro, Bahia, Santos, Paranaguá, Belmonte, Valença, Cachoeira, Penedo, Torre de Tatuapara, Espírito Santo, Maceió e Pernambuco (SEBRÃO SOBRINHO, 1955, 81).
Toda esta pretensão, porém se apequenava, diante da proposta formulada por Raimundo de Araújo Jorge: um canal de 130 léguas (cerca de 780 quilômetros) que ligasse a Bahia a Alagoas, passando por Sergipe. A justificava para tão grande canal era a necessidade de evitar a navegação costeira em Sergipe, posto que os canais de acesso aos rios da província eram móveis e os naufrágios freqüentes (SEBRÃO SOBRINHO, 1955, 40).
Como conseqüência da epidemia de cólera que assolou Sergipe em 1855, no ano seguinte os médicos Guilherme Pereira Rebelo e Pedro Autran da Mota Albuquerque, por solicitação do presidente da Província, Salvador Correia de Sá e Benevides, produziram um estudo sobre as condições de salubridade da cidade de Aracaju. Sugeriram que o maior problema sanitário da nova capital eram os seus pântanos, propondo o aterro e o esgotamento destes, além do fornecimento de água potável à população. O governo contratou o capitão engenheiro Francisco Pereira da Silva para executar os trabalhos de aterramento da rua da frente, a rua da Aurora, e de algumas outras áreas do centro da cidade (SANTANA, 1997: 43).

ENGENHARIA E HISTÓRIA EM SERGIPE - IV

Certamente, o maior impulso que a Engenharia Mecânica ganhou em Sergipe ocorreu em 1964, após a confirmação da descoberta de petróleo no campo de Carmópolis.
A produção açucareira induziu também a incorporação tecnológica aplicada à engenharia de construção de canais, uma vez que em 1825, o deputado Eusébio Vanério, representante de Sergipe, solicitou ao Imperador Pedro I autorização para que se construísse um canal que ligasse os rios Pomonga e Japaratuba, beneficiando o comércio do açúcar. A canalização dos rios e a interligação de todas as bacias foram ideais cultivados em Sergipe durante todo o século XIX. Uma lei provincial de 12 de março de 1835 autorizou a construção do canal ligando o rio Japaratuba ao rio Pomonga e uma outra, de 16 de março do mesmo ano, autorizou a abertura de uma canal que ligasse o rio Santa Maria ao rio Poxim. Contudo, em 14 de maio de 1849 a lei provincial 258 autorizou a abertura de um canal que ligasse todas as bacias da Província de Sergipe, do rio São Francisco ao rio Real. Do rio São Francisco passar-se-ia ao Japaratuba; deste ao Pomonga; do Pomonga à bacia Poxim-Santa Maria; desta ao rio Vasa Barris; e, deste último ao rio Real.
Este tipo de preocupação era muito importante para a economia da Província, uma vez que, em 1850, Sergipe exportava açúcar para Copenhague, Hamburgo, Trieste, Gibraltar, Londres, Gothemburgo, Antuérpia, Rio de Janeiro, Bahia, Santos, Paranaguá, Belmonte, Valença, Cachoeira, Penedo, Torre de Tatuapara, Espírito Santo, Maceió e Pernambuco (SEBRÃO SOBRINHO, 1955, 81).
Toda esta pretensão, porém se apequenava, diante da proposta formulada por Raimundo de Araújo Jorge: um canal de 130 léguas (cerca de 780 quilômetros) que ligasse a Bahia a Alagoas, passando por Sergipe. A justificava para tão grande canal era a necessidade de evitar a navegação costeira em Sergipe, posto que os canais de acesso aos rios da província eram móveis e os naufrágios freqüentes (SEBRÃO SOBRINHO, 1955, 40).
Como conseqüência da epidemia de cólera que assolou Sergipe em 1855, no ano seguinte os médicos Guilherme Pereira Rebelo e Pedro Autran da Mota Albuquerque, por solicitação do presidente da Província, Salvador Correia de Sá e Benevides, produziram um estudo sobre as condições de salubridade da cidade de Aracaju. Sugeriram que o maior problema sanitário da nova capital eram os seus pântanos, propondo o aterro e o esgotamento destes, além do fornecimento de água potável à população. O governo contratou o capitão engenheiro Francisco Pereira da Silva para executar os trabalhos de aterramento da rua da frente, a rua da Aurora, e de algumas outras áreas do centro da cidade (SANTANA, 1997: 43).

terça-feira, 15 de junho de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA EM SERGIPE - III

O engenheiro mecânico Karl Albert Gustav Munck chegou a Laranjeiras em 1907, aos 26 anos de idade, com o objetivo de trabalhar na montagem de máquinas e modernização dos engenhos de cana de açúcar. Voltou à Alemanha quatro anos depois, por poucos dias, para casar com Ana Hodewig Julia Roessung. Fixado definitivamente em Sergipe, com sua esposa, em 1918 criou uma companhia elétrica e firmou um contrato para instalar e manter a iluminação elétrica pública das casas e das ruas laranjeirenses, movida por motor Deutz a gasogênio que importara da Alemanha. Conhecia bem o município e a sua sede, tendo àquela altura já montado as máquinas de mais de 40 usinas açucareiras. Na sua oficina mecânica trabalhavam mais de 150 operários, e dentre as inovações da modernidade que introduzira em Sergipe, se incluía a fabricação de gelo. Representante da empresa alemã Maschinenfabrik Sangar Hausen, especializada na fabricação de equipamentos para engenhos e usinas de açúcar, trouxe do seu país dois outros mecânicos: Adolph Bergeher e Hans Schudler, que o auxiliavam no trabalho de montagem dos equipamentos.
A Engenharia Mecânica sergipana também encontrou um grande estímulo ao seu desenvolvimento no setor têxtil. Em abril de 1884 começou a funcionar, em Aracaju, a fábrica Sergipe Industrial, e no ano de 1896, em Estância, foi inaugurada a Companhia Industrial de Estância, segunda fábrica têxtil do Estado, movida a energia hidráulica. Entre 1906 e 1914 apareceram mais seis novas fábricas têxteis: a Souza Sobrinho & Companhia, em Estância; a Peixoto Gonçalves e a Antunes & Companhia, em Vila Nova; uma em Própria; a Empresa Industrial São Cristóvão, em São Cristóvão; e, a Fábrica de Fiação e Tecelagem de Algodão Sergipe Fabril, em Maruim. Em 1926 foram inauguradas mais duas fábricas (SANTANA, 1997: 149).

sábado, 12 de junho de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA EM SERGIPE - II

O segundo capítulo do seu livro é dedicado a discutir os motores animados e inanimados aplicados ao fabrico do açúcar e à plantação da cana. Como motores animados usados nessa área, relaciona o homem, o boi, o cavalo e a besta muar. Como motores inanimados cita o vento, a água corrente e o vapor. Comenta o trabalho humano apenas para tomar posição contrária a escravidão. Analisa, contudo os outros motores animados, a partir do boi. Entende ser este animal dotado de uma força lenta e mais permanente que a do cavalo. Trabalha, portanto, de um modo igual e contínuo, podendo prolongar os seus esforços musculares. A lentidão do boi combinada à sua força o torna apropriado para trabalhos penosos que exigem resistência constante, como rotear terrenos duros, realizar lavras profundas, transportar peso em ladeiras escarpadas.
O cavalo próprio para os trabalhos agrícolas deve ser reforçado, curto, de peitos e ancas largas, redondo e musculoso. Já a besta muar é capaz de dispender grande energia e superior ao cavalo no transporte de cargas. É menos sujeita a moléstias e de vida mais longa que o cavalo.
Bois, cavalos e bestas foram empregados como força motriz nos primeiros engenhos brasileiros, que possuíam moendas construídas em madeira. Depois elas foram cobertas com argolas de ferro. No século XIX as moendas argoladas já estavam substituídas por cilindros ou tambores de ferro fabricados na Inglaterra, com rodas dentadas igualmente de ferro. A melhor tecnologia em uso nos anos oitocentos, também inglesa, era a das moendas de ferro movidas a vapor, que espremiam melhor as canas que as moendas de tambor. Este era um detalhe importante, principalmente quando se considera que a cana contém 90 por cento do seu peso em caldo. As moendas movidas a vapor conseguiam retirar apenas cerca de 75 por cento desse caldo. E a situação das moendas tipo tambor movidas a cavalo era ainda de maior desperdício, pois retiravam apenas cerca de 45 por cento do caldo.
Ao discutir os motores inanimados, Bittencourt Calasans revela que o vento era de difícil utilização na indústria açucareira pela sua irregularidade em tempo, em força e em direção, uma vez que ele sopra algumas ocasiões durante muito tempo e outras ocasiões para de soprar. Algumas vezes sua força é excessiva e em outras oportunidades demasiadamente branda. Do mesmo modo, a sua direção, também variável. Ou seja, o autor revela a inexistência de tecnologia capaz de utilizar racionalmente a força do vento.
Uma força inanimada de bom uso como motor mecânico era a da água. A exceção era apenas para as situações nas quais esse uso poderia exigir investimentos elevados em equipamentos para fazer a elevação dos córregos e rios a fim de que houvesse aproveitamento dessa força. Por isto, o grande motor inanimado do século XIX era a força do vapor, com numerosas aplicações industriais. Era possível utilizá-lo em trabalhos de irrigação, navegação, transportes terrestres, para mover serrarias, para mover arados. Bittencourt Calasans sugeria que os engenhos utilizassem máquinas a vapor de grande porte para a moagem das canas, uma vez que assim seria possível extrair uma maior quantidade de suco. E apontava como mais recomendado


o uso da máquina de vapor dos Srs. Woods & C. de Inglaterra, com o seu jogo sobressalente de tambores, ou cilindros de pressão, trabalhando o primeiro e o segundo jogos, por meio de uma cadeia sem fim , sendo o bagaço menos espremido pelo primeiro jogo de três cilindros, saturado d’água quente ao entrar na mais forte pressão do segundo jogo de dois cilindros, a fim de despregar melhormente as matérias concretas, ou cristais que se acham formados nas células das canas; nas maiores e mais maduras sobretudo (CALASANS, 1869: 47).


Durante a segunda metade do século XIX, portanto, o uso de máquinas a vapor foi implantado nos engenhos de açúcar da Província de Sergipe. Cada vez mais, os produtores de açúcar adquiriram caldeiras destinadas a retirar da garapa da cana, por meio do calor, a água nela contida, reduzindo-a ao estado de açúcar cristalizado. As caldeiras mais comuns eram as chamadas caldeiras fixas a fogo nu, também conhecidas como tachas. Redondas, de fundo chato, grandes, pequenas, de ferro fundido, de ferro batido, quadrangulares e de cobre.
Eram variados os tipos de caldeiras a fogo nu existentes. Inicialmente muitas delas eram fabricadas em cobre. Porém, a elevação dos preços desse metal no século XIX fez com que o ferro predominasse. O cobre era considerado um metal mais adequado a este fim, porque as caldeiras de ferro, expostas diretamente a ação do fogo, apresentavam, com o tempo, alguns problemas. O primeiro era a caramelização ou queima do caldo exposto intensamente ao calor do fogo. Este fenômeno fazia com que o açúcar queimado se misturasse com o novo caldo, resultando na perda de açúcar e no aumento da quantidade de melaço produzido. Pelo fato de que a limpeza desse tipo de caldeira demandava muito tempo. E tudo isso significava o retardo de duas operações que necessitavam de rapidez para se obter um bom açúcar: a evaporação e a concentração do xarope.
As caldeiras a báscula começaram a aparecer na busca pela superação dos problemas existentes nas caldeiras a fogo nu. Eram caldeiras que podiam ser retiradas do fogo e conseguiam transferir o seu conteúdo de uma para outra através de um bico superior, suspensas por meio de uma roldana. Algumas eram redondas, outras quadradas, mas as básculas quadrangulares de Wetzall eram consideradas as mais simples e mais eficazes no processo de concentração do xarope. As caldeiras Blyth também eram elogiadas pela sua eficiência.
As caldeiras a vapor e ao ar livre funcionavam com vapor de alta pressão, o que as fazia mais aquecidas e evitava o processo de caramelização comum em diferentes tipos de caldeira. Todo o processo de fabricação do açúcar era realizado com muita rapidez e economia, permitindo que se produzisse açúcar em maior quantidade e com melhor qualidade.Além destas eram também adotadas as caldeiras a vácuo. Caldeiras esféricas, hermeticamente fechadas, destinadas a cozinhar o xarope evaporado na primeira caldeira. A vantagem do sistema é que não se perdia um cristal de açúcar sequer, em face da ausência do contato com o ambiente externo e da rapidez do processo.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

ENGENHARI E HISTÓRIA EM SERGIPE

A História da Engenharia é uma expressão importante da história e das práticas de vida dos homens. A tecnologia industrial aportou em Sergipe trilhando os caminhos da produção açucareira e estimulando muito o desenvolvimento da Engenharia Mecânica. Há registros a respeito da produção de açúcar no Brasil desde 1535 (LOUREIRO, 1999: 8). Data de 1602 o primeiro engenho sergipano, trazido pelas mãos do desembargador Baltazar Ferraz (SEBRÃO SOBRINHO, 1955, 25). Quando o primeiro presidente da Província, Manuel Fernandes da Silveira tomou posse no dia cinco de março de 1824, o número de engenhos sergipanos de açúcar era de 226. Em 1860, cinco anos depois da mudança da capital para Aracaju, eram já 769 engenhos, fazendo com que a produção açucareira de Sergipe superasse a da Província da Bahia e a do Rio de Janeiro. Há historiadores sergipanos que registram a existência de 820 engenhos em 1886. Felisbelo Freire dá conta dá existência de cerca de mil deles (FREIRE, 1977). Mas apesar da quantidade de açúcar que a Província produzia, existem observações dando conta da má qualidade e da baixa produtividade na produção açucareira.


Em média, os engenhos sergipanos produziam de 55 a 88 caixas de açúcar. Além da péssima qualidade, essa produção era considerada por todos como extremamente baixa para as qualidades da terra. (...) Era um volume muito baixo de produção, atentarmos para os custos do empreendimento (ALMEIDA, 1978, 19).


Essa pequena produtividade redundava em sérias conseqüências, principalmente nos períodos em que os preços caíam no mercado externo. Os engenhos enfrentavam dificuldades para saldar os seus débitos e alguns proprietários perdiam seu negócio para os comerciantes credores.
A importância da engenharia mecânica na produção açucareira aparece por inteiro no trabalho publicado em 1869 por João José Bittencourt Calasans, um bacharel em Direito e proprietário do engenho Castelo dedicado ao estudo dos problemas agronômicos, principalmente o plantio da cana e a produção do açúcar. O autor nasceu em junho de 1811, no engenho Castelo, à época município de Santa Luzia, região que atualmente corresponde ao território do município de Indiaroba. Calasans morreu em agosto de 1870, um ano após haver publicado O agricultor sergipano da cana de açúcar. Bittencourt Calasans doutorou-se em Direito pela Universidade de Bruxelas, na Bélgica, em 1835. Após retornar a Sergipe, assumiu o comando do engenho da sua família e começou a estudar agronomia por conta própria, lendo os principais autores então existentes, com o objetivo de introduzir na sua propriedade arados, implementos agrícolas e algumas máquinas movidas a vapor. Bittencourt governou a Província de Sergipe durante dois dias, em 1845. Além disso, recebeu o título de Comendador da Ordem de Cristo, por haver hospedado o Imperador Pedro II em sua residência, na cidade de Estância, no ano de 1860. Membro de algumas sociedades científicas do século XIX, ele também foi dirigente do Imperial Instituto Sergipano de Agricultura.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

ECONOMIA E HISTÓRIA EM SERGIPE

A partir de 1948, com a criação da Faculdade de Ciências Econômicas de Sergipe, a pesquisa sobre economia ganhou um novo alento no Estado. Nos primeiros anos da década de 60 houve um esforço inicial em direção da pós-graduação, quando um grupo de alunos recém diplomados pela Faculdade de Ciências Econômicas viajou para Santiago do Chile, a fim de fazer curso de especialização na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL. Ao retornarem, Jaime Costa Santiago, Manoel de Rezende Pacheco, Paulo Rocha de Novaes e Marcilon Pacheco assumiram funções docentes na Faculdade de Ciências Econômicas.
O processo de criação da Sudene ganhou, em Sergipe, conotação de campanha suprapartidária, e foi também muito importante para a consolidação do campo da economia como ciência. Alguma coisa que os discursos à época denominavam de “cruzada cívica da salvação do Estado”, pondo na industrialização a finalidade realizadora do homem, a ser buscada a qualquer preço. O próprio governador do Estado


concitou a todos os políticos e todo o povo sergipano para uma união em torno do mesmo Movimento, independentemente da cor político-partidária de cada um, ensarilhadas as armas dos partidos face aos problemas comuns do Estado, para que pudessem eles serem apresentados ao Presidente da República através da OPENO, num apelo uníssono de Sergipe” .


O discurso sobre a realidade da região Nordeste estava permeado pelas concepções de planejamento regional difundidas nos anos 50 pelo pensamento de Celso Furtado. As suas idéias são, em verdade, o mais forte elemento teórico a compor a nova política de desenvolvimento.
Para Seixas Dória, “a Sudene foi, certamente, o passo mais seguro e positivo que se deu em favor do Nordeste” . O próprio Celso Furtado, idealizador do órgão, corrobora o ponto de vista de Dória ao afirmar que


O Nordeste mudou com a Sudene, é um mundo novo. Depois de 1964, a Sudene continuou a fazer trabalhos técnicos interessantes, mas o que mudou foi o Brasil, não foi a Sudene. A Sudene que eu ajudei a criar correspondeu a um certo Brasil, representou algo de novo neste país” .


A Sudene cumpria exatamente a estratégia de desenvolvimento sob a qual foi concebida no governo Juscelino Kubitscheck. Nesse sentido ela sintetizava, no Nordeste, a redefinição do papel e função da máquina estatal e de seu relacionamento com a sociedade civil. O fundamental era substituir as velhas e inúteis burocracias, passando o Estado, em todos os seus níveis, a operar sob a cobertura ideológica da racionalidade técnica.
A política social planificada e a forte presença da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - Sudene na região encontraram, desde o final dos anos 50 deste século, um terreno fértil em Sergipe. A influência das idéias nacional-desenvolvimentistas, via Sudene, no Estado, era muito grande e, de certa forma, vista como a única maneira de dar organicidade, sob o controle do Estado à atuação de várias instituições que trabalhavam nessa direção.
Tudo estava determinado e submetido à racionalidade do planejamento econômico. Planejamento que se originava no mesmo centro: a Sudene. Não é por acaso que se deu a criação do Conselho Estadual de Desenvolvimento - CED, do Rio Grande do Norte, no mesmo momento em que foram criados outros organismos da mesma natureza nos vários Estados nordestinos. Todos sob inspiração da mesma Sudene. O Conselho de Desenvolvimento Econômico de Sergipe - Condese, foi organizado através do decreto 470, de 31 de março de 1959,


por feliz e oportuna iniciativa do Governador Luiz Garcia, com a louvável finalidade de estudar e planejar a economia sergipana, visando o desenvolvimento do Estado e também articular os seus estudos e projetos com a Sudene” .


A estrutura interna do órgão estadual seguia os mesmos padrões postos para organizar a Sudene. O Condese era constituído por um conselho deliberativo, sob a presidência do governador do Estado, e uma secretaria executiva que era o seu órgão técnico.
O papel desempenhado pela Sudene em relação a economia dos Estados do Nordeste, a partir de 1960, foi de dirigente das principais ações de política pública, seja no que concerne a política econômica ou no que diz respeito a política social. A criação e instalação do Banco de Fomento Econômico de Sergipe, da Empresa Distribuidora de Energia Elétrica, do Instituto de Previdência do Estado, da Secretaria da Educação, Cultura e Saúde, da hotelaria voltada para o turismo, da Estação Rodoviária de Aracaju, da ampliação do Aeroporto de Aracaju, da melhoria da malha rodoviária do Estado, da ampliação dos serviços hidráulicos, da instalação da Secretaria da Agricultura, da qualificação de técnicos no exterior, a ampliação de oportunidades educacionais no Estado, a regulamentação do calendário escolar da zona rural são resultante dessa ação. Todo esse trabalho foi executado com a intermediação do Condese. Este era um verdadeiro centro de tomada de decisões quanto ao conjunto de políticas do governo estadual. Essas decisões eram irradiadas a partir da Sudene.
As idéias sobre planejamento sintetizavam o discurso da racionalidade científica que substitui a irracionalidade das relações políticas. Tal racionalidade é exercida, geralmente, por intelectuais que se acercam do poder dando respaldo aos diferentes grupos de interesse político. A intelectualidade, neste tipo de situação, tende a constituir-se em uma tecnoburocracia. A tecnoburocracia propõe planos alternativos, buscando mediar a racionalidade das suas propostas em face da ação política dos diversos grupos de pressão, de forma a contentar vários interesses sem que sejam descaracterizados aqueles garantidores do projeto desenvolvimentista.
A implantação da Sudene e dos próprios conselhos estaduais de desenvolvimento do Nordeste representa uma alteração significativa na qualidade das decisões políticas. O sistema era síntese da redefinição do papel da máquina estatal e de seus mecanismos de mediação com a sociedade civil.
E

terça-feira, 8 de junho de 2010

BOTÂNICA E HISTÓRIA IV

Para Antônio Moniz de Souza era possível praticar a agricultura e cultivar a terra sem recorrer aos incêndios das florestas. Era possível produzir o mel e a cera e extraí-lo racionalmente, sem agredir as abelhas.
O governo do Estado de Sergipe demonstraria uma preocupação maior com a pesquisa botânica nas primeiras décadas do século XX. Em 1915 foi criada a Inspetoria de Água, Esgotos e Horto Botânico. Na década de 30, a Botânica era ensinada como disciplina do ensino secundário em instituições escolares como o Atheneu Pedro II. Naquele período, o professor Oscar Nascimento era catedrático de Botânica e Zoologia.
Em 1945, após a criação do Posto de Defesa Agrícola, em Aracaju, o agrônomo sergipano Emmanuel Franco que em São Luiz, no Estado do Maranhão, foi transferido para cá e assumiu a sua direção. No período em que viveu no norte do Brasil e nas viagens que realizou entre aquele Estado e a Bahia, Emmanuel Franco fez as observações, estudos e anotações que o possibilitaram publicar o livro Estudo de ecologia vegetal e reflorestamento (FRANCO, 2005: 41).
É do mesmo autor a Biogeografia do Estado de Sergipe, na qual estão relacionadas e classificadas importantes espécies existentes na região do semi-árido sergipano, como o mandacaru, o umbuzeiro, a quixabeira, a caraibeira, a braúna, o facheiro e o angico, dentre outras.


O Mandacaru é uma planta que vive mais de cinqüenta anos, e serve de alimento para o gado bovino, ovino e caprino, fornecendo água e alimento por ser uma planta carnosa. O facheiro tem uma parte carnosa e outra lenhosa. A parte fibrosa serve para fazer ripas para o telhado das casas. Multipicam-se por sementes contidas no fruto e por estacas. Semeadas no solo, são origem a um aglomerado de plantas, embelezando a propriedade e constituindo uma reserva de água e de alimentos durante muitos anos (FRANCO, 2005: 157).


No ano 2000, o Departamento de Agronomia da Universidade Federal de Sergipe implantou o curso de graduação em Engenharia Florestal.

sábado, 5 de junho de 2010

BOTÂNICA E HISTÓRIA III

O livro de Antonio Moniz de Souza, além de estudar o meio ambiente e as espécies vegetais, é um testemunho importante do processo de transição e da vida das pessoas no momento em que o Estado brasileiro ganhava autonomia e se separava do império português.
Além deste livro, Antonio Moniz de Souza publicou mais quatro importantes trabalhos: Máximas e pensamentos praticados por Antonio Moniz de Souza, o homem da natureza em suas viagens pelos sertões do Brasil desde 1812 até 1840. O trabalho foi organizado por um amigo de Moniz de Souza e publicado com 56 páginas, pela Tipografia Niteroiense, em 1843; “Petição dirigida a S. M. I.”, publicada pelo jornal Philantropo do Rio de Janeiro, número 67, de 12 de julho de 1850; e, “Tratamento da morféia pela casca da raiz de sucupira”, publicado no Correio Sergipense, de oito de agosto de 1855.
O pesquisador Jackson da Silva Lima reproduziu o texto publicado no Correio Sergipense por Antonio Moniz de Souza (LIMA, 1971, 232). Através dele é possível perceber as preocupações do naturalista quanto ao fato de que os seus estudos pudessem contribuir para salvar vidas, ao tempo em que os médicos do início do século XIX, lutando pela legitimação do seu saber e pela delimitação do seu campo profissional, resistiam a admitir a incorporação das contribuições do botânico desprovido de formação em Medicina. Contudo, o botânico sergipano nunca deixou de enviar para os médicos e as boticas a Ipicacoanha, o Gurenhen, a Sucupira e outras raízes e plantas medicinais que recolhia em suas incursões pelas matas. Era evidente o entusiasmo de Moniz de Souza para com as possibilidades curativas que identificara na flora:


Nos sertões por onde percorri nas minhas longas viagens, encontrei um número de medicamentos extraordinários, os quais todos que pude colher os apresentava aos médicos, e os dava não só a estes, como a Academia de Medicina, mas sempre foram desprezadas, porque poucos foram os que se puseram em prática, talvez por não ser eu médico; mas, entre estes medicamentos, os quais ainda me pretendo ocupar, como já o fiz a respeito da casca de gurenhen para o tratamento da asma, inflamação do fígado, e de todas as úlceras, e agora o faço para falar da casca da raiz da sucupira para o tratamento da morféia, por ter tido ocasião de ver nas matas do Japão, na Província de Sergipe um homem, o qual dizia ter sofrido esta terrível moléstia e se achava curado com o uso do cozimento e banhos desta casca, tanto interna quanto externamente: mas não é isso que me obriga a publicar uma coisa que tanto bem pode causar à humanidade, é ainda o ter eu aconselhado o uso deste medicamento a uma pessoa atacada desta moléstia, e esta achar-se com muitas melhoras. A sucupira é planta que produz nas matas e nos campos agrestes, é árvore de construção e há duas qualidades dela, uma vermelha e outra branca, porém a de que se faz uso é da branca produzida nos campos agrestes. Agora só me resta pedir à Academia Imperial de Medicina, a todos os médicos e ao mundo inteiro a quem ofereço este meu trabalho que mande vir este medicamento, e que dele façam uso os desgraçados sofredores desta tão cruel moléstia, pois estou certo que muitos deverão melhorar os seus sofrimentos (LIMA, 1971, 232).


Ao publicar este texto, Antonio Moniz de Souza deixou claro que anteriormente ocupara as páginas do mesmo periódico, através de carta dirigida ao editor, também reproduzida por Jackson da Silva Lima:


Sr. Redator – Fiado na bondade de v. m. animo a pedir-lhe pela segunda vez a continuação do seu obséquio em imprimir o seguinte anúncio sobre a casca da raiz da sucupira no tratamento da morféia, assim como m’o fez a respeito da casca de gurenhen para o tratamento da asma, etc.; ficando v. m. na certeza de que faz-me com isto um particular favor, e à humanidade um grande serviço. AntonioMoniz de Souza.


Apesar desse tipo de registro o próprio Moniz de Souza confessou, em outras ocasiões, haver recebido o estímulo, inclusive financeiro, de diversas autoridades e até de médicos para que prosseguisse com as suas pesquisas. Médicos que, aliás, em várias ocasiões mantiveram um diálogo aberto com Antônio Moniz de Souza e aproveitaram do conhecimento sobre as plantas que este aportava como contribuição à Medicina.


Algumas dessas ervas, raízes, e mais drogas de decidido préstimo naqueles países, onde mais pelas virtudes delas que pelos conhecimentos dos habitantes, fazem curas milagrosas, são as mesmas que já por vezes tenho apresentado em varias partes, e muito mais na Bahia, (...) aos peritos da arte médica, (...) examinadas, primeiro para ordem do Exmo. Conde dos Arcos, insigne patrocinador dos gênios e artes, a quem tanto deve a Bahia, e depois pelo de Palma, quando ali governaram. Foi por todos aprovado o meu trabalho, atenta a utilidade e eficácia desses remédios, com que a bem da existência humana tanto se pode enriquecer a Medicina; e aqueles Exmos. Condes patrocinaram, e animaram as más fadigas, não tanto para indução, que para elas me fizeram verbalmente, quanto para subscrição em que primeiro assinaram, e concorreram com duas ofertas generosas de companhia com os professores médicos, e outros muitos cidadãos e proprietários do Recôncavo, em virtude do que continuei nas descobertas, e conduzi o fruto delas; que de novo apresentei e fui muito (...) aceito (SOUZA, 1946).


O nome de Antônio Moniz de Souza pode ser colocado ao lado de Langsdorf, Saint Hilaire, Spix, Martius e outros empreendedores de viagens científicas ao interior do Brasil com o objetivo de descobrir riquezas dos reinos animal, mineral e vegetal. Com a grande diferença de que os demais investigadores estavam a serviço de potências estrangeiras, enquanto Moniz de Souza viajou servindo aos interesses do Brasil.
O discurso do botânico Antônio Moniz de Souza incluía também uma expressiva preocupação para com a necessidade de preservar as espécies vegetais. Já nas primeiras décadas do século XIX estava denunciando o risco de extinção do Pau-Brasil e pregando a necessidade de proibir-se o corte de tal madeira, além de alertar para o fato de que a exploração da espécie servia apenas para enriquecer comerciantes e exportadores estrangeiros, afirmando que àquela altura já se estava também extinguindo, no território da Bahia, a Tabagiba, ou Amoreira, que até o século XVIII ali se encontrava abundantemente (SOUZA, 2000, 85). Dois outros graves problemas à proteção ambiental do Brasil também apontados foram o da caça e o da produção agrícola. O entendimento era o de que os métodos empregados então pela agricultura eram extremamente danosos, principalmente o hábito de “no tempo de estio lançar fogo às frondosas matas para se divertirem com o incêndio e (...) para na limpa que o fogo faz plantar alguns pés de abóboras”, reduzindo a cinzas “léguas de matas aformoseadas de preciosos troncos” (SOUZA, 2000, 98). Também denunciava a extração do óleo de Copaíba, afirmando que para a colheita do produto as árvores eram derrubadas com machado, comprometendo a reprodução da espécie. Do mesmo modo, a caça era uma atividade extrativista tida também como destruidora e desordenada, que agredia o meio ambiente indistintamente. Todo o extrativismo, aliás, era entendido por ele como ruim,fosse a extração do mel de abelhas, de frutos ou a matança de animais.


O caçador meleiro, homem estúpido e insensível, vai arrombar o cortiço das abelhas para lhes roubar todo o mel, único recurso que elas têm para o seu sustento. Chega o insensato com machado junto da frondosa árvore, em cujo tronco está depositado o cortiço de abelhas, lança-lhe o machado desbaratando o asilo dos incansáveis e industriosos animaizinhos, estes saem a defender a sua propriedade com as tênues armas que a natureza lhes concedeu, mas quando encontram desmanchada a sua casa, e julgam já baldados os seus esforços e inútil a resistência, vão reunir-se aos filhinhos postos e lançados por terra sem vida (SOUZA, 2000, 99).

sexta-feira, 4 de junho de 2010

BOTÂNICA E HISTÓRIA II

Observar a vida de Antônio Moniz de Souza e a sua trajetória como cientista é conhecer um homem curioso, obstinado e versátil. O botânico sergipano era filho de Domingos de Souza e Oliveira e Victorina Francisca Abreu Leite. Ainda jovem foi trabalhar na fazenda de gado do seu pai, da qual se retirou, já com dezoito anos de idade, para atuar como comerciante durante cinco anos. Nomeado para o cargo de capitão de forasteiros, entrou em conflito com salteadores ligados ao sargento-mor Bento José de Oliveira, resolvendo logo depois partir para Portugal, “disposto a oferecer seus serviços militares em defesa da metrópole, então invadida em 1807 pelas tropas de Napoleão sob o comando de Junot, não conseguindo realizar o seu patriótico intento, por ter naufragado na ilha de Itamaracá, em Pernambuco” (GUARANÁ, 1925, 29). O naufrágio fez com que Antonio Moniz de Souza perdesse os recursos destinados à viagem, forçando-o a partir para o Rio de Janeiro, onde morou, como leigo, no convento de Santo Antônio.
A partir do final do ano de 1824, o botânico de Sergipe empreendeu uma nova viagem, saindo de Salvador, a pé, em direção ao Rio de Janeiro, costeando o mar. Nesse período fez novas explorações e estudos da flora. Em seguida, já estabelecido na capital do Império fez viagens exploratórias no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. A mulher com a qual casou era natural de Macacú, no Rio de Janeiro. Viveu, sem filhos, na sua chácara em Santa Rosa, município de Niterói, até morrer, no dia 17 de setembro de 1857.


Verdadeiro apóstolo da civilização e da ciência, Moniz de Souza impôs-se a missão de derramar o bem em torno de si e de ser útil à sua pátria, servindo de catequista dos índios e das raças mestiças semi-selvagens do país, ao mesmo tempo que, percorrendo os nossos sertões durante 28 anos de viagens contínuas, obedecia ao seu gênio indagador e analista, estudando muitos vegetais cujas virtudes até então desconhecidas vieram enriquecer a Medicina brasileira (GUARANÁ, 1925, 29).


A sua contribuição ganha relevo quando se considera que somente em meados do século XVIII fora efetivamente estabelecido um sistema de classificação das espécies vegetais . Além da sua atividade como botânico, Antonio Moniz de Souza fez experimentos e descobertas nos campos da Mineralogia e da Zoologia. Os exemplares que coletou durante três décadas de trabalho foram oferecidos ao Museu Nacional e os resultados dos estudos que realizou em Sergipe e em outras regiões do Brasil estão publicados no livro Viagem e observações de um brasileiro, que, desejando ser útil à sua pátria, se dedicou a estudar os usos e costumes de seus patrícios e os três reinos da natureza em vários lugares e sertões do Brasil: oferecidas à nação brasileira. Planejado para ser publicado em dois tomos, somente o primeiro entrou em circulação, no ano de 1834, com 218 páginas. A Tipografia Americana, de I. P. Costa, sediada no Rio de Janeiro, não conseguiu publicar o segundo tomo. No primeiro, além das observações sobre as ciências naturais que preocupavam o autor, há também um relato sobre a revolução da Independência nas Províncias da Bahia, Sergipe e Alagoas. O tomo primeiro ganhou uma nova edição no ano 2000. O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia reeditou o livro, que já fora republicado pela revista do mesmo IGHB, em 1945.
O segundo tomo nunca chegou a circular em forma de livro. Foi publicado pelo mesmo periódico, duas vezes (1924 e 1946), sob o título “Descobertas curiosas que nos reinos vegetal, animal e mineral, por sítios e sertões vários das brasílicas Províncias Bahia, Sergipe e Alagoas, fez o capitão Antonio Moniz de Souza e Oliveira, natural da primeira, com uma breve descrição primordial do lugar de nascimento e princípios de sua educação. Oferecidas ao Augusto Chefe da Nação Brasileira o Senhor D. Pedro Primeiro, Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil”. Na Revista do IGHB, o texto contém uma apresentação de Frederico Edelweiss. Os originais foram oferecidos, em 1846, ao Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil pelo coronel Ignácio Acioli de Cerqueira e Silva. O tomo contém um catálogo de ervas, plantas, raízes, resinas e drogas.
Na apresentação que faz desse texto, Frederico Edelweiss afirma que o trabalho representa uma importante contribuição para o conhecimento da medicina (EDELWEISS, 1946). Foram 193 espécies catalogadas por Antônio Moniz de Souza em suas viagens na Bahia, em Sergipe e em Alagoas. Mais da metade delas era desconhecida pelos pesquisadores em 1854, quando foi publicado o “Sistema da Matéria Médica Vegetal”, traduzido por Henrique Veloso de Oliveira, trinta anos depois do levantamento feito pelo botânico aqui estudado. “Mesmo na terceira edição do ‘Dicionário Brasileiro de Plantas Medicinais’, de Meira Pena, ainda faltam umas quarenta dentre as citadas pelo nosso ‘Homem da Natureza’” (EDELWEISS, 1946).

quinta-feira, 3 de junho de 2010

BOTÂNICA E HISTÓRIA

Dentre as várias áreas nas quais a pesquisa no Brasil se desenvolveu chamam a atenção a Antropologia Física, a Fisiologia Experimental, a Zoologia, a Astronomia, a Matemática, a Geografia e a Geologia. Contudo,


das ciências de investigação, a única de que se pode encontrar uma tradição brasileira que se alonga, embora em curvas ascendentes e descendentes, desde o crepúsculo do período colonial até nossos dias, passando pelo Império, é a botânica, na exploração de cujos domínios se apresenta toda uma linhagem, iniciada por Alexandre Rodrigues Ferreira e por frei José Mariano da Conceição Veloso e continuada, entre outros, por Freire Alemão e, mais tarde, por Barbosa Rodrigues, talvez o maior botânico que o Brasil já produziu (AZEVEDO, 1994, 34).


Segundo Mário Guimarães Ferri, a botânica no Brasil começou com o índio.


Indo à caça, o índio levava arco e flecha. Flecha às vezes envenenada com veneno tirado de certas plantas. O arco compunha-se de arco propriamente dito e da corda que ligava seus extremos. Não era qualquer madeira que servia para a confecção do mesmo. Nem todas as tribos empregavam para isso os mesmos materiais (FERRI, 1994, 175).


Os índios fabricavam as suas habitações com vegetais, teciam redes com fibras, fabricavam bebidas fazendo fermentar a mandioca, pintavam o corpo com tintas de jenipapo, cultivavam algodão, fumo, mandioca, batata doce, milho, feijão e amendoim, conheciam plantas medicinais. Enfim, dominavam algo que poderia ser chamado de cultura botânica. Os padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta registraram na sua correspondência o uso que os índios faziam das folhas de fumo e Hans Staden comentou a exploração do pau-brasil.
A opção de muitos intelectuais brasileiros dos séculos XVIII e XIX foi por um campo científico de muito prestígio para os naturalistas desde o século XVII, em todo o mundo: o da Botânica. Assim, são muitos os registros existentes no Brasil e em outras partes do planeta a respeito do sucesso que tinham os botânicos como cientistas. Natalie Zemon Davis relata a trajetória de Maria Sibylla Merian, uma naturalista do século XVII, que abraçou a Botânica, a Entomologia e a Pintura como profissão (DAVIS, 1997). Numa época em que das mulheres se cobrava recato, Sibylla embarcou em Amsterdam, no mês de junho de 1699, com sua filha Dorothea, em direção ao Suriname, onde pretendia estudar e pintar insetos, borboletas e plantas.
Foi sob a influência do frei José Mariano da Conceição Veloso que Sergipe conheceu os seus primeiros experimentos científicos, exatamente no campo da Botânica. Quando a Capitania se tornou independente da Bahia em oito de julho de 1820, por Carta Régia de D. João VI, o botânico Antônio Moniz de Souza já havia viajado pelo seu território, desenvolvendo pesquisas, explorando e catalogando a flora da região situada entre os rios Real e São Francisco. Este campo foi aquele que inaugurou a pesquisa científica por aqui. O pesquisador era um sergipano que havia morado no convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, durante três anos, onde aprendeu Botânica com o famoso naturalista brasileiro, José Mariano da Conceição Veloso, que vivia no mesmo claustro e que, além de ministrar os ensinamentos ao explorador sergipano, franqueou a sua biblioteca pessoal para que este pudesse desenvolver os seus estudos (GUARANÁ, 1925, 29). Além de estudar com os livros do frei Mariano Veloso, Moniz de Souza teve a oportunidade de aprofundar os seus conhecimentos acerca das propriedades curativas dos vegetais trabalhando na botica da enfermaria do mesmo convento, onde se encarregava de tirar extratos e fazer cozimentos.
Fazer viagens e expedições era responsabilidade dos botânicos e de outros naturalistas até o início do século XX. Deles se cobrava o espírito aventureiro. A vida dos cientistas era marcada por muitas reviravoltas. Ao discutir a vida da alemã Maria Sibylla, Natalie Davis demonstrou que esta ganhou fama como cientista na Holanda, depois que voltou da América carregada de espécimes. Publicou “sua grande obra Metamorphosis insectorum surinamensium (Metamorfose dos insetos surinameses), ampliou seu trabalho sobre Insetos europeus e até sua morte, em 1717, ocupou lugar de destaque entre os botânicos, cientistas e colecionadores de Amsterdam” (DAVIS, 1997, 133).
Em 1812, um ano depois da morte do frei José Mariano da Conceição Veloso, Antonio Moniz de Souza resolveu abandonar o convento e embarcou para a Bahia, onde obteve licença do governador da Bahia, o Conde dos Arcos, para realizar uma expedição pelos sertões daquela Capitania, também por ele financiada. A área escolhida como objeto de estudo por parte da expedição que Antonio Moniz comandou corresponde ao território delimitado por D. João VI para a Capitania de Sergipe D’El Rey, nos limites do território baiano com Pernambuco e Alagoas (GUARANÁ, 1925, 29).
Antonio Moniz de Souza optara por realizar estudos a partir da região onde nascera em 1782, nas margens do Rio Real de Nossa Senhora dos Campos (atualmente município de Tobias Barreto), termo da vila do Lagarto. Iniciada a sua expedição em 1817, o pesquisador dedicou o primeiro ano do seu trabalho a investigar o sertão baiano, na região de Cachoeira de Santo Estevão de Jacuípe, Camisão, Orobó e Jacobina. No ano seguinte, a partir do mês de maio, Moniz de Souza embrenhou-se pelas matas de Sergipe, nas quais permaneceu durante um ano, recolhendo as espécies que encontrou na região de Lagarto, nas margens do rio São Francisco, em Própria, em Itabaiana, em Brejo Grande, em Xingo e em Canindé. A partir de 1820, partiu de Salvador pelo sertão, atravessando Sergipe, outra vez, em direção ao Pará. Suspendeu sua viagem no interior de Pernambuco, em julho de 1822, regressando para Sergipe, onde se incorporou ao Batalhão do Imperador com o objetivo de lutar na guerra pela Independência do Brasil, marchando para a Bahia a fim de reunir-se ao exército pacificador, com o qual chegou a Salvador em dois de julho de 1823 (EDELWEIS, 1944, 28). Para que se compreenda a importância da iniciativa de Antônio Moniz de Souza, até então o único registro sistematizado conhecido sobre a flora sergipana eram algumas referências existentes na Historia naturalis Brasiliae, “escrita por Marcgrave e publicada por João de Laet em 1648” (FERRI, 1994, 180). Os trabalhos do estudioso holandês


constituem a primeira contribuição importante para os estudos florísticos do Nordeste. Muitos dos nomes vulgares de plantas que figuram na Flora Brasiliensis [de Martius] são os que foram coligidos por Marcgrave. Este autor herborizou no Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Ceará e Maranhão (FERRI, 1994, 180).


Até o final do século XIX, a vida dos cientistas era repleta de aventuras. Seus trabalhos de observação e representação ajudavam a incorporar uma visão de mundo. Foram importantes e exerceram grande influência na formação da consciência sobre o Brasil no século XIX os relatos feitos por pesquisadores que integraram as muitas expedições científicas daquele período. Bons exemplos são as viagens empreendidas pelo Barão Heinrich von Langsdorf e por Herman von Jhering.

terça-feira, 1 de junho de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA XIV

Até a década de 1960, em Sergipe como nos demais Estados, a Delegacia do Ministério da Agricultura no Estado funcionava com um colegiado integrado pelo Delegado , pelo diretor de defesa animal, pelo diretor de defesa vegetal e pelo diretor do Colégio Agrícola. Com a transferência do ensino agrícola federal do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação os engenheiros agrônomos passariam a influenciar menos a formação dos novos profissionais do setor agrícola. Aqui, a lei foi um meio de regulação de conflitos sociais, delimitando os campos dos saberes agronômico e educacional. O Decreto nº. 60.731, de 19 de maio de 1967, promoveu a transferência da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário para o Ministério da Educação e Cultura, atribuindo-lhe a denominação de Diretoria do Ensino Agrícola – DEA até 1970, quando foi criado o Departamento de Ensino Médio – DEM . O Departamento gerenciou o ensino agrícola até o ano de 1973, quando então se implantou a Coordenação Nacional do Ensino Agrícola – COAGRI .
Depois que, a partir da segunda metade da década de 60, a ditadura militar desmontou a estrutura de ensino, pesquisa, extensão e controle da atividade agrícola no Brasil organizada pela ditadura de Getúlio Vargas, ocorreram algumas alterações profundas na agricultura brasileira. Em 1963, antes mesmo do início da ditadura militar, uma reforma administrativa havia extinguido as Inspetorias Regionais de Defesa Sanitária Vegetal, nas quais haviam se transformado os PDAs. As sucessivas pragas de bicudo praticamente extinguiram a cultura do algodão em Sergipe e nos demais Estados da região Nordeste. A vassoura da bruxa afetou profundamente a cultura cacaueira. Houve uma redefinição dos processos e das técnicas de produção do coco. A produção da cana de açúcar migrou de Sergipe e de outros Estados da região Nordeste para o Estado de São Paulo e outras áreas da região Sudeste.
Todavia, na década de 70, em pleno auge da ditadura militar, o Banco Mundial fez um financiamento para o ensino agrícola no Brasil com o objetivo de reorganizar sete escolas: uma no Rio Grande do Sul; uma em Jundiaí, no Estado de São Paulo; uma em Brasília; uma no Rio de Janeiro; uma em Pernambuco; uma em Belém, no Estado do Pará; e, uma em Sergipe.
Em 1990, após a extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool, todos os imóveis e o pessoal daquela instituição foram incorporados pela Universidade Federal de Sergipe. Eram pesquisadores e técnicos especializados em cana-de-açúcar. Tal incorporação ofereceu as condições necessárias à criação do Núcleo de Estudos Agrários da UFS junto ao seu Departamento de Biologia. Foi este o embrião a partir do qual surgiu o curso de Engenharia Agronômica no Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da UFS. (AGUIAR Netto e MENEZES, 1999).
Criado em setembro de 1991, o curso formou a sua primeira turma, com vinte engenheiros agrônomos, em 1997. Desde aquele mesmo ano de 1997, um convênio celebrado com a Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão tem permitido que uma área de 166,8 hectares da fazenda desta última instituição seja utilizada como laboratório didático destinado ao desenvolvimento de atividades agropecuárias (AGUIAR Netto e MENEZES, 1999). Na área da fazenda funcionam um galpão para máquinas e equipamentos, uma estação agrometeorológica convencional e automática, casas de vegetação, reservatório de água e sistemas de irrigação. A área é utilizada também como unidade de produção agrícola, destinada a aulas práticas e campo experimental de pesquisa e extensão. Ali são desenvolvidos estudos sobre matéria orgânica, amendoim, cana de açúcar, abacaxi, maracujá, banana, laranja, coco, plantas medicinais e aromáticas, espécies florestais, produção de mudas, banco de germoplasma de mangaba, forrageiras, irrigação, conservação do solo e plantas de cobertura do solo.
Na Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos, em São Cristóvão, o Departamento de Agronomia da UFS mantém laboratórios de Remediação de solos, Fitotecnia, Água e solo, Clínica Fitossanitária, Sementes Florestais, Entomologia agrícola e Florestal, Biotecnologia, Erosão e sedimentação.
Toda essa estrutura voltada para a pesquisa permitiu que, a partir de 2004, juntamente com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, o Departamento de Agronomia pudesse oferecer um curso de Mestrado em Agroecossistemas.
Segundo dados apresentados pelo pesquisador Antenor de Oliveira Aguiar Netto, durante seminário promovido pela Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, em outubro de 2003, o Estado de Sergipe é o menor em área territorial, contudo 11% do Produto Interno Bruto (PIB) Estadual é proveniente da agricultura. A citricultura é a principal atividade agrícola de Sergipe e o beneficiamento do suco de laranja se apresenta como o principal produto da pauta de exportações agrícolas do Estado. Outra atividade importante é a sucro-alcooleira, que apresenta alta produtividade. O mesmo pesquisador afirma que, proporcionalmente, Sergipe é o maior estado do Nordeste em área irrigada, com cerca de 30.000 hectares, utilizados na rizicultura, horticultura e produção de tuberosas, além da fruticultura tropical.