terça-feira, 31 de agosto de 2010

A VIAGEM DE ABDIAS BEZERRA

O tema das viagens de sergipanos a São Paulo durante a primeira metade do século XX, a fim de aprenderam com as experiências da Pedagogia Moderna e da Escola Nova as possibilidades de reformar o ensino em Sergipe, continua pouco explorado como objeto dos pesquisadores de História da Educação.
Pessoalmente, tenho estudado um pouco o problema e já publiquei alguns artigos a respeito deste assunto. Ao discutir esta questão em textos anteriores, listei as viagens realizadas por Helvécio de Andrade, José Augusto da Rocha Lima, Franco Freire e Penélope Magalhães. Quero acrescer a esta lista um outro viajante: o professor Abdias Bezerra. Ele viajou a São Paulo no ano de 1923, onde estudou as reformas do ensino que eram implementadas naquele Estado. Ao regressar a Sergipe comandou a reforma do ensino sintetizada no Regulamento da Instrução Pública editado em 11 de março de 1924 por Maurício Gracho Cardoso, então presidente do Estado. O novo regulamento alterou profundamente os programas para os cursos primário, elementar e superior vigentes em Sergipe.
Abdias Bezerra nasceu no dia sete de setembro de 1880 na então Vila de Siriri. Era filho do professor João Amâncio Bezerra e da sua mulher, Hermínia Rosa Bezerra. Antes de iniciar os seus estudos secundários no Ateneu Sergipense fora aluno das escolas de Siriri, Itabaiana e Japaratuba. Em março de 1900, matriculou-se na Escola Militar do Realengo, onde fez o curso secundário e o primeiro ano do ensino superior, sendo expulso em 1904, depois de ter participado da revolta do mês de novembro daquele ano. Regressou a Sergipe e iniciou a sua carreira de docente, lecionando em escolas privadas. Em maio de 1909 foi aprovado em concurso público para a cadeira de Francês do Atheneu Sergipense. Em 1911, transferiu-se para as cadeiras de Aritmética e Álgebra, do curso ginasial. Em seguida passou a ensinar Português, até o ano de 1915, quando assumiu as cadeiras de Geometria e Trigonometria. Era um caso raro de professor capaz de lecionar em várias áreas.
Em novembro de 1922, Abdias Bezerra assumiu o cargo de diretor do Atheneu Sergipense. Em abril de 1923 foi dirigir o curso comercial Conselheiro Orlando e em maio do mesmo ano passou a exercer o cargo de diretor da instrução pública do Estado. O professor Abdias Bezerra morreu no dia 14 de junho de 1944.
O sepultamento de Abdias Bezerra foi um acontecimento político e social marcante na vida da cidade de Aracaju do ano de 1944. O percurso da casa do seu filho, Felte Bezerra, onde foi velado, à rua Maroim, até o Cemitério Santa Izabel foi feito a pé, acompanhado por uma multidão de personalidades políticas e por estudantes das principais escolas da cidade, que formaram duas alas que transportavam coroas fúnebres e flores naturais. Após estas alas, um grande acompanhamento de automóveis, bondes e ônibus. Antes de o corpo ser sepultado, discursaram o interventor substituto, Francisco Leite Neto; o representante da Escola Normal Rui Barbosa, professor José Calasans Brandão; o representante do Colégio Estadual de Sergipe, professor Franco Freire; o representante do Ginásio Tobias Barreto, professor João de Araújo Monteiro; o jornalista Freire Ribeiro; o representante do corpo discente do Atheneu Sergipense, Clodomir Silva; o representante da Maçonaria, José Felizola; o representante dos operários, João Vieira de Aquino; o seu ex-aluno, José de Matos Teles; e o diretor do Departamento de Educação, Acrísio Cruz.
As viagens de estudo, como a realizada por Abdias Bezerra, e a “importação” de técnicos constituíram estratégia importante para a política de reforma do ensino em Sergipe. O interesse que as reformas educacionais despertaram deixou muitos vestígios na Educação sergipana. As diferentes memórias da instituição e das práticas escolares ajudam a compor um quadro que dá conta de muitas mudanças na vida escolar entre as décadas de 10 e 50 do século XX. São transformações da mentalidade política, econômica, social e dos padrões de cultura escolar. A consciência de tais mudanças corresponde ao estabelecimento de valores distintos a partir de novos padrões de conduta, de novas convenções sociais que valorizaram a instrução pública no período. Os governos estaduais se entusiasmaram com as reformas que se irradiaram a partir de São Paulo pela visibilidade que ganhavam junto à opinião pública, em função do seu caráter moderno, que se exprimia através de um discurso de racionalidade técnica dos profissionais da Educação e da legitimação que se poderia obter. À medida que as reformas se irradiavam por todo o Brasil (São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia), ao longo das décadas de 20 e 30, também se consolidava o ideário da Escola Nova no Brasil, seja pela presença de um novo perfil de pedagogos, os “educadores profissionais”, seja pela expansão de caráter quantitativo e qualitativo da nova literatura educacional.

domingo, 29 de agosto de 2010

A PROFESSORA E O MÉDICO

O médico Francisco Alberto de Bragança casou-se há 158 anos, na cidade de Laranjeiras, província de Sergipe, com a professora Possidônia Maria da Santa Cruz Bragança, no dia 27 de novembro de 1852. Baiano, ele se estabeleceu em Laranjeiras durante a primeira metade do século XIX, onde clinicou e ganhou notoriedade como humanista, latinista e poliglota. Do casamento nasceram Antônio Militão de Bragança que, como o pai, também se formou em Medicina e transformou-se num nome da maior importância para a história das práticas médicas em Sergipe. Além dele, Maria Vicência de Bragança e Oliveira, Maria Apolinária de Bragança e Azevedo e, finalmente, Teresa Virgilina de Bragança e Azevedo, último filho do casal, nascida em 1864. Como a mãe, as filhas também exerceram profissionalmente o magistério.
Com o futuro marido, ainda na década de 1840, Possidônia Bragança dedicar-se-ia aos estudos de Aritmética, Gramática Portuguesa e Francês. Depois de preparada por ele, prestou concurso para a cadeira do ensino oficial de primeiras letras destinada a meninas pobres de Laranjeiras, além de fundar e dirigir o Colégio Nossa Senhora Santana.
O concurso para a cadeira de primeiras letras de meninas aconteceu no ano de 1848, em São Cristóvão, capital da província de Sergipe. Possidônia Bragança, após obter a primeira colocação, antes mesmo de entrar em exercício, solicitou ao presidente da província, Zacarias de Góes e Vasconcelos, os recursos necessários para mandar fazer as bancas e mesas para a aula, compra de papel, tinta, lápis, compêndios e tinteiros. Ao embarcar de volta para Laranjeiras, a professora levou trinta cartas de sílabas, dez catecismos, cinco gramáticas, uma coleção de traslados e três resmas de papel. A cadeira de primeiras letras de meninas, em Laranjeiras, foi regida por ela até a data da sua aposentadoria, quando foi então substituída por sua filha, Maria Apolinária de Bragança e Azevedo, também habilitada em exame.

Certamente, o trabalho que deu maior visibilidade a Possidônia Bragança, foi a sua atuação como professora, diretora e proprietária do Colégio Nossa Senhora Santana, onde foram educadas não apenas as filhas da elite laranjeirense, mas também meninas de famílias importantes de outras cidades sergipanas. Nele trabalharam também, como professoras as suas filhas. Há registros de que Teresa Virgilina de Bragança e Azevedo ensinou Música, Geografia, Trabalhos Manuais e Catecismo, enquanto Maria Apolinária de Bragança e Azevedo dedicava-se ao ensino de Gramática. Instalado em uma casa à rua da Conceição (atual praça Possidônia Bragança), o Colégio era famoso pela qualidade do trabalho que realizava e pela monumentalidade das suas festas de encerramento do ano letivo, um grande acontecimento social na Laranjeiras do século XIX. Era uma ocasião na qual se reunia a elite da província: os barões, os homens de negócio e os intelectuais, a exemplo de Fausto Cardoso, Martinho Garcez, Baltazar Góes, Felisbelo Freire, Rodrigues Dória, Samuel de Oliveira e Guedes Cabral. Dentre as alunas mais marcantes, vale citar o nome de Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro, que anos mais tarde adquiriria a propriedade do Colégio Nossa Senhora Santana e o transferiria de Laranjeiras para Aracaju, capital de Sergipe a partir de 1855. A mesma Quintina Diniz que na década de 30 do século XX se transformou na primeira mulher a assumir uma cadeira na Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe.
A importância do Colégio pode ser avaliada quando se verifica aquilo que o imperador Pedro II anotou no seu diário, publicado sob o título Viagem Imperial à Província de Sergipe ou Narração dos Preparativos, Festejos e Felicitações que se efetuaram por ocasião da Visita que lhe fizeram Suas Majestades Imperiais, em janeiro de 1860. A publicação do texto foi uma iniciativa do presidente da província de Sergipe, Manuel da Cunha Galvão. O imperador Pedro II e a imperatriz chegaram a Laranjeiras na noite do dia 14 de janeiro. Quando do desembarque, a voz do Colégio foi ouvida através da aluna Joana Ladislau de Faro Jurema, que recitou versos de exaltação da fé e do patriotismo. Na manhã do dia seguinte, o imperador foi pessoalmente ao Colégio, onde foi saudado por cânticos entoados pelas alunas, em francês. Aliás, era comum que nas reuniões do Colégio Nossa Senhora Santana as pessoas conversassem em francês. Para a visita do imperador ao estabelecimento, as paredes do edifício foram decoradas com dezesseis quadros de ponto de marca feitos pelas alunas. Sobre as mesas foram colocados sapatos feitos com o mesmo ponto e trabalhos em labirinto. Tudo isso dá uma boa idéia do universo da educação da mulher no século XIX. Ao verificar o Livro de Matrícula do Colégio, D. Pedro II constatou que estavam matriculadas cem alunas, das quais setenta freqüentavam as aulas regularmente. As meninas presentes foram argüidas pelo imperador em Leitura, Gramática e Aritmética. Além disso, ele solicitou que a professora Possidônia Bragança fizesse perguntas às suas alunas sobre a Doutrina Cristã. Ao final da visita, D. Pedro recebeu um lenço de cambraia em labirinto oferecido pela estudante Maria Joaquina de São Pedro Rosa, em nome do Colégio. No mesmo dia, após a missa, ele recebeu a visita da professora Possidônia Bragança, acompanhada pelo seu marido, o médico Francisco Alberto Bragança, e por todas as alunas do estabelecimento. O objetivo maior da visita era o de homenagear a imperatriz. A estudante Josefina Emília da Silveira pronunciou um discurso e ofereceu um lenço de cambraia trabalhado em labirinto, com a seguinte inscrição: “A sua Majestade a Imperatriz – Homenagem da Professora Possidonia Maria de Santa Cruz Bragança”. A diretora da escola recitou uma poesia. Em seguida, suas filhas, Maria Vicência e Maria Apolinária também presentearam a imperatriz com dois outros lenços.
Praticamente não há, dentre os estudos de História da Educação em Sergipe trabalhos específicos que desvelem o papel e a importância da professora Possidônia Bragança e do Colégio Nossa Senhora Santana. Há alguns documentos esparsos, como o discurso que pronunciou o seu neto, Francisco Alberto de Bragança e Azevedo, em março de 1958, quando da inauguração do Ginásio Possidônia Bragança, na cidade de Laranjeiras. Este artigo foi a principal fonte utilizada para compor o presente texto. Há também algumas pesquisas nas quais a diretoria do Colégio Nossa Senhora Santana e o seu estabelecimento de ensino também emergem, a exemplo da História da Educação em Sergipe, de Maria Thétis Nunes. Certamente estudos sobre a professora Possidônia e a sua escola podem ajudar a compreender o processo de formação da elite intelectual, especificamente a preparação das mulheres, durante a segunda metade do século XIX.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A FORMAÇÃO DA ELITE INTELECTUAL EM SERGIPE

Eugênia Andrade Vieira da Silva estudou a formação da elite intelectual em Sergipe no período de 1822 a 1889 (SILVA, 2004). A partir do seu trabalho é possível afirmar que inicialmente a elite intelectual sergipana era formada no exterior. Contudo, até a metade do século, a maior parte dos portadores de diploma de graduação já era oriunda das faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro e dos cursos jurídicos de Olinda e São Paulo, além das escolas militares e dos seminários. O crescimento da produção açucareira em Sergipe e as outras necessidades de organização da Província estimularam a demanda por escolas superiores do Brasil e da Europa, durante toda a primeira metade do século XIX, fenômeno que persistiu também durante a segunda parte da mesma centúria. Esses estudantes eram, predominantemente, filhos da elite econômica e buscavam a legitimação como intelectuais possuidores de diplomas através da publicação de trabalhos de caráter científico.
O campo que se constituiu deu visibilidade aos intelectuais e permitiu a existência de uma rede de instituições escolares públicas e privadas, bem como outras organizações científicas e tecnológicas que amparavam os estudiosos. Quando se estuda o funcionamento dessas instituições no Brasil dos anos oitocentos, fica bem claro que


a institucionalização da Ciência que se acentuou no final do século XIX vinha se forjando havia tempo. Certamente, se não existissem escolas de ensino secundário e superior, museus, agremiações científicas e outras instituições por onde circulassem os conhecimentos, não haveria na sociedade o lastro científico-cultural que propiciou a ampliação significativa do quadro das instituições de cunho científico na virada do século (ALMEIDA, 2003: 31).


É importante assinalar que essa intelligentsia era composta não apenas por intelectuais portadores de diplomas emitidos pelas faculdades, mas também por estudiosos que não possuíam formação superior (SILVA, 2004: 2). No estudo de Eugênia Andrade Vieira da Silva foram selecionados 400 nomes reconhecidos à época como intelectuais. Destes, 260 eram portadores de diplomas emitidos por instituições de ensino superior, enquanto 140 não tiveram acesso a esse tipo de formação. Dentre os que obtiveram formação superior, 254 o fizeram no Brasil e apenas seis em instituições estrangeiras. Os médicos, farmacêuticos, engenheiros agrônomos, engenheiros civis e militares eram a maioria dentre os intelectuais que possuíam formação obtida em curso superior. Os que não possuíam diplomas emitidos por faculdades eram legitimados por seus pares diplomados e não diplomados que exercem o controle do campo no qual atuavam.
Nessa elite intelectual, boa parte dos seus membros exerceu atividades ligadas ao campo da chamadas humanidades, principalmente os que receberam formação nas escolas de Direito e nos seminários. As atividades ligadas ao campo das chamadas ciências da natureza foram próprias, principalmente, dos que receberam formação em Medicina e Engenharia, além dos militares. Os engenheiros, contudo, adquiriram maior visibilidade social durante a segunda metade do século XIX, após a criação da Escola Politécnica, em 1874 (COELHO, 1999: 94). Autores como José Gonçalves Gondra afirmam que a ação dos médicos foi muito importante no projeto civilizatório da sociedade brasileira (GONDRA, 2000: 25). Os médicos, os farmacêuticos e os cirurgiões dentistas deram significativas contribuições para o desenvolvimento de campos científicos como a Química, a Biologia e a Botânica. Os engenheiros e os militares contribuíram com a pesquisa que viabilizou a execução de “obras básicas da modernidade do país, como as dos serviços públicos urbanos” (SILVA, 2004: 16), além de estimularem a pesquisa em campos como os da Física, da Matemática, da Geografia e da Astronomia.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM SERGIPE - III

Em Sergipe, na década de 30, a Matemática era ensinada como disciplina do ensino secundário em instituições escolares como o Atheneu Pedro II. Naquele período, o professor Abdias Bezerra era catedrático de Matemática.
O curso de Matemática da Universidade Federal de Sergipe passou a exigir uma monografia de conclusão de curso a partir da reforma curricular que ocorreu em 1990.
Na segunda metade da década de 90, o Mestrado em Educação da Universidade Federal de Sergipe proporcionou um novo rumo à pesquisa em Matemática no Estado de Sergipe, trabalhos como os de Eva Maria Siqueira Alves (1996) e Ivanete Batista dos Santos (1998) expressam os rumos que a pesquisa nesse campo tomava naquele período. Além disso, alguns profissionais do ensino de Matemática em Sergipe vinham buscando o Mestrado e o Doutorado em instituições universitárias de outros Estados brasileiros, reorientando do mesmo modo o discurso sergipano sobre a Matemática, tal como o fizeram José Maria Fernandez Corrales Filho (2001).

domingo, 22 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM SERGIPE - II

A primeira preocupação que tinham os autores era a de “satisfazer as exigências da didática moderna” (OLIVEIRA e BITTENCOURT, 1897: I). Para tanto, partiram do pressuposto de que o conhecimento da Matemática, como de resto das demais ciências, requer o seu estudo em quatro partes: teórica, prática, filosófica e histórica. Com base em tal pressuposto, fizeram uma crítica rigorosa dos livros de Matemática em circulação no Brasil, dizendo que nestes “a parte prática vem confundida com a teórica, trazendo estas noções filosóficas e históricas, tudo sem distinção” (OLIVEIRA e BITTENCOURT, 1897: II). Sob o espírito dessa crítica, apontaram erros cometidos, inclusive, por adeptos ortodoxos da doutrina Positivista, “esses senhores (...) absolutamente despidos de senso crítico” (OLIVEIRA e BITTENCOURT, 1897: V), não obstante serem também os dois autores filiados ao Positivismo. Contudo, afirmaram que aqueles aos quais classificaram de positivistas ortodoxos


procuram na prática reagir contra semelhantes prejuízos, limitando a parte teórica ao estritamente necessário, e fazendo realçar bem a parte filosófica. Mas ainda assim erram crassamente na colocação desta última, pois fazem-na preceder a todas as outras, dando por esta forma péssima interpretação ao que escreveu Augusto Comte (OLIVEIRA e BITTENCOURT, 1897: III).



As críticas que os dois autores dirigiram a outros estudiosos causaram estranhamento em muitos deles. Licínio Cardoso, catedrático de Mecânica da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e lente de Sociologia da Escola Militar, também no Rio, não obstante haver elogiado muito o trabalho, foi contundente ao divergir:


Não posso, todavia, falar sem restrições do vosso trabalho: penso que há aí algumas lacunas oriundas certamente da falta de prática no ensino, e de vossa pouca idade. Considerações e definições que não me parecem aceitáveis são freqüentes; neste caso estão: os conceitos sobre grandeza à pág. 9; sobre número, pág. 10; sobre grandezas contínuas e descontínuas, pág. 11; a nota à pág. 12; noção de número concreto, pág. 16; definição de numeração, pág. 17; princípios da numeração, pág. 19 e 23 etc. estas lacunas correspondem: uma, a defeito de definição – outras a espécie de arrogância, com a qual argüis de erro noções geralmente aceitas (OLIVEIRA e BITTENCOURT, 1897: XI).


O trabalho de Samuel de Oliveira e Liberato Bittencourt apresenta na parte que os autores chamaram de teórica as diversas teorias que eles selecionaram para o estudo, mencionando a importância e a utilidade de cada uma delas. Combateram noções que consideraram equivocadas e criticaram de modo contundente a chamada “teoria dos restos”.


Sabe-se, com efeito, que cada princípio de divisibilidade dá lugar a uma conseqüência imediata e que é relativa a determinação do resto da divisão de um número inteiro qualquer pelo divisor de que se trata. Pois bem: os compendiadores em sua totalidade formam com essas conseqüências a famosa teoria dos restos, apresentando assim ao mundo científico o fato grotesco de uma nova teoria composta pura e exclusivamente de conseqüências deduzidas dos princípios de outra teoria!... (OLIVEIRA e BITTENCOURT, 1897: IV).


Após a exposição das operações sobre os números inteiros no sistema de numeração universal, os autores as generalizaram para uma base qualquer e fizeram logo extensão ao caso das frações ordinárias e decimais.
A parte do livro a qual chamaram de prática ficou restrita, no dizer dos autores, àquilo que era necessário para o esclarecimento da parte doutrinária da ciência, como também para a solução dos problemas ensejados por esta em suas numerosas aplicações. Quanto a chamada parte filosófica, foram feitas apreciações de compreensão simples, mesmo para aqueles cujos conhecimentos estão limitados ao domínio aritmético. Por último, o livro apresenta uma breve História da Aritmética, em poucas páginas.
Os autores esclarecem que no processo de elaboração da Matemática Elementar fizeram a opção de desconsiderar a Síntese Subjetiva de Comte:


Por maior que seja a admiração que temos por Augusto Comte, por maiores que sejam as homenagens que rendemos à brilhante orientação que o poderoso gênio do grande filósofo imprimiu aos estudos matemáticos, não podemos deixar de reconhecer que uma aritmética confeccionada de acordo com as vistas expostas na Synthèse Siubjective só pode prestar serviços a quem já possua conhecimentos regulares sobre a ciência, que não aqueles que apenas começam a entreter relações com as questões numéricas (OLIVEIRA e BITTENCOURT, 1897: V).


Apanham como mau exemplo o trabalho de Pierre Laffitte, Cálculo Aritmético, que consideram um grande fiasco. Dizem que o livro de Laffitte como obra didática é um grande desastre e um menosprezo à Metodologia, responsabilizando a Síntese Subjetiva por tais problemas.
Em Sergipe, no início do século XX os estudos de Matemática tiveram uma importante liderança, depois que o professor Abdias Bezerra assumiu, em 1911 as cadeiras conjuntas de Aritmética e Álgebra do Atheneu Sergipense. Em 1915, ainda na mesma instituição, esse professor era responsável pelo ensino de Geometria e Trigonometria.
Wagner Valente (1999) afirma que no período de 1730 a 1930 o Brasil viveu sob a Matemática escolar clássica ou tradicional. Segundo Ângela Miorim (1995) a década de 30 do século XX no Brasil foi marcada pela reforma Francisco Campos e os seus pressupostos escolanovistas, enquanto a década de 60 se conheceu o movimento em defesa da chamada Matemática Moderna.
Na década de 30 do século XX o Brasil conheceu as suas primeiras faculdades de Filosofia, Ciências e Letras destinadas a formar professores para o ensino secundário. A partir de 1939 ocorre a consagração do conceito Licenciatura, tal como entendido até os dias atuais (TANURI, 1983).

terça-feira, 17 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM SERGIPE

Tentar entender a trajetória do conhecimento matemático em Sergipe é, fundamentalmente, buscar um rastreamento do que se poderia chamar de Matemática escolar. Pelo menos três instituições escolares marcaram a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX no Estado: o Liceu Sergipense; o Atheneu Sergipense e a Escola Normal. O primeiro foi implantado em 1862 pelo médico Guilherme Pereira Rabelo, Inspetor-Geral da Instrução, num sistema de cooperação entre o poder público e a iniciativa privada. O presidente da Província, Joaquim Jacinto de Mendonça, assumiu a responsabilidade de pagar o aluguel das casas nas quais seriam ministradas as aulas, além do pessoal administrativo necessário ao funcionamento da instituição, enquanto um grupo de professores assumiu o compromisso de ensinar gratuitamente. O currículo da primeira escola secundária organizada em Aracaju por iniciativa do poder público se assemelhava ao do Colégio Pedro II, sob inspiração da Reforma Couto Ferraz, de 1854. Dentre as disciplinas previstas estavam incluídas Aritmética, Álgebra, Geometria e Trigonometria, Partidas Dobradas e Aritmética Comercial (NUNES, 1984: 102). O Liceu funcionou apenas durante dois anos. Após a sua extinção, continuaram existindo aulas isoladas de Geometria em Estância e Laranjeiras (NUNES, 1984: 103).
No Atheneu Sergipense e na Escola Normal, desde a década de 70 dos anos 800 foram formados os sergipanos que buscaram seguir carreira nas escolas de Medicina, Direito, Engenharia, academias militares e outras agências de ensino superior e pesquisa do Império e da República. No curso de Humanidades do Atheneu os estudantes aprendiam, dentre outras disciplinas, Aritmética, Álgebra e Geometria. Os alunos que optavam pela Escola Normal tinham a oportunidade de aprender Aritmética e Geometria (Nunes, 1984: 114). O professor Tito Augusto de Souto Andrade integrou a primeira Congregação do Atheneu como lente da cadeira de Geometria.
A partir de primeiro de julho de 1873 foi adotado em todo o país o Sistema Métrico Decimal, alterando radicalmente as formas de pesar e medir habitualmente utilizadas no Brasil. Como nas demais Províncias, o governo de Sergipe regulamentou a obrigatoriedade dos exames a respeito do conhecimento do novo Sistema, que deveriam ser prestados pelos professores primários. Para este fim, foram abertas muitas aulas particulares enquanto a Tipografia do Jornal do Aracaju publicou o Compêndio Elementar do Sistema Métrico Decimal, compilado pelo capitão de Infantaria Manuel da Silva Rosa Junior. O livro era destinado às escolas públicas da Província (NUNES, 1984: 122).
Herculano Marcos Inglês de Souza, presidente da Província de Sergipe nos anos de 1881 e 1882, promoveu uma reforma do ensino secundário em julho do último ano do seu período administrativo. Nesta reforma, o Atheneu foi transformado em Liceu Secundário de Sergipe e os conteúdos de Matemática ocuparam três anos do currículo dos estudos secundários, sendo previstas as seguintes disciplinas: Aritmética, Geometria e Álgebra.
Segundo o pesquisador Wagner Rodrigues Valente, a história da formação do professor de Matemática brasileiro deve ser buscada nas escolas militares que foram importantes no Brasil ao longo do século XIX. Disciplinas como Artilharia e Fortificações lançaram mão da Matemática, buscando com o conhecimento desta suprir necessidades relativas a práticas de guerra (VALENTE, 2002: 88).


Será essa matemática, de início ligada diretamente à prática, desenvolvida pedagogicamente nas escolas técnico-militares, organizada, dividida e didatizada para diferentes classes, que passará para os colégios e preparatórios do século XIX. Com as transformações das escolas militares, criam-se as escolas politécnicas para formação dos engenheiros. Serão predominantemente militares e engenheiros, os professores de matemática de tais escolas, até inícios do século XX (VALENTE, 2002: 88).


As discussões acerca da Matemática ocuparam significativo espaço na imprensa de Sergipe no final do século XIX. Em 1888, um artigo publicado no jornal O Republicano, em Laranjeiras, acendeu a polêmica em torno do problema dos estudos nesse campo. O texto “Introdução a uma crítica sobre o estudo da Matemática Elementar no Brasil” tinha como autor o ainda estudante e depois engenheiro civil e militar Samuel Augusto de Oliveira. O mesmo artigo foi republicado dois anos depois na Revista da Sociedade Tobias e Ozório, no Rio de Janeiro, no mês de outubro. Laranjeirense, o engenheiro Samuel de Oliveira nascera no dia 12 de outubro de 1868 e fez uma carreira de sucesso no Exército, chegando ao posto de coronel em 1918. Articulado politicamente integrou a Casa Militar durante o governo do presidente Afonso Pena. O mesmo autor voltaria a polemizar em torno da Matemática um ano após a publicação do seu primeiro artigo, quando no mesmo O Republicano, edição de 29 de fevereiro de 1889, fez circular o artigo “Algumas palavras sobre o estudo de Matemática no Brasil”, dedicado “Ao meu primeiro mestre e verdadeiro amigo Professor Baltazar Góes” (GUARANÁ, 1925: 254).
Samuel de Oliveira tornar-se-ia um importante autor de livros da área a partir de 1892, quando publicou, no Rio de Janeiro, em parceira com Manuel Liberato Bittencourt, a sua Geometria Algébrica. O livro foi produzido sob o influxo do plano da Síntese Subjetiva, nos termos pensados por Augusto Comte. O sucesso editorial fez com que o trabalho ganhasse uma nova edição em 1896, em dois volumes, sob o título de Lições de Geometria Algébrica. Todavia, o seu livro de maior sucesso foi Matemática Elementar: Tratado de Aritmética, outra vez em parceria com Manuel Liberato Bittencourt. Ali, ele retomou as teses dos dois artigos que publicara em 1888 e 1889 no periódico laranjeirense. Destinado ao curso secundário, porém adotado também no ensino superior, o livro recebeu a chancela de Cunha & Irmão Editores, no ano de 1897. Os autores dedicaram o trabalho aos professores Felisberto de Menezes e Manoel Peixoto Cursino do Amarante, ambos da Escola Militar, dos quais foram alunos.

domingo, 15 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA QUÍMICA EM SERGIPE - VI

Além de soros e vacinas, o IPH produzia óleo canforado, cafeína, sparteína, iodeto de sódio a 10 por cento, tártaro emético, água bidestilada, cianeto de mercúrio, soro fisiológico e soro glicosado.
As preocupações com a atividade científica no campo da Farmácia faziam com que nas primeiras décadas do século XX houvesse uma verdadeira cruzada de combate ao charlatanismo nessa área. Para alterar esse quadro, o presidente Maurício Graccho Cardoso criou, em dezembro de 1925, a Faculdade de Odontologia e Farmácia de Sergipe Aníbal Freire. O Regulamento da instituição foi aprovado em fevereiro de 1926 e no mesmo de abril foram iniciadas as aulas. A matrícula inicial nos dois cursos era de 22 alunos. Segundo o presidente de Sergipe, no discurso que proferiu durante a aula inaugural, era necessário livrar o Estado dos práticos de Farmácia e Odontologia existentes, fazendo com que todos os que exercem essas atividades tivessem oportunidade de incorporar os saberes da Química, da Fisiologia, da Patologia Geral e da Higiene (SANTANA, 1997: 190).
Dirigida por Augusto Leite, a Faculdade tinha nos seu corpo docente os seguintes profissionais: Josaphat Brandão, Oscar Nascimento, Archimedes Guimarães, Antônio Tavares de Bragança, Ranulfo Prata, Lauro Hora, Américo de Miranda Ludolf e João Firpo Filho.
A Faculdade deveria utilizar para o seu funcionamento a estrutura já existente no Instituto Parreira Horta, no Instituto de Química Arthur Bernardes e no Hospital de Cirurgia. Porém, a instituição funcionou apenas durante o ano de 1926, encerrando suas atividades em novembro daquele mesmo ano.

sábado, 14 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA QUÍMICA EM SERGIPE - V

Para admissão ao curso eram realizados exames preparatórios de Português, Francês, Geografia, Aritmética e Álgebra, Noções de Geometria e Desenho Geométrico Elementar, História do Brasil e Noções de História Universal. As aulas eram iniciadas no dia 15 de fevereiro e encerradas no dia 30 de outubro. O curso mantinha dois períodos de férias: o primeiro de quinze dias, no mês de junho e um outro de noventa dias, que se iniciava no dia 15 de novembro, posto que a primeira quinzena deste mês, após o encerramento das aulas em outubro era destinada a realização dos exames finais. As aulas teóricas do primeiro ano eram ministradas pelo próprio Archimedes Guimarães.
Observando os conceitos de representação e cultura usados por Roger Chartier é necessário identificar as transformações que as práticas da pesquisa e do ensino de Química ensejaram na formação dos profissionais sergipanos. Chartier está preocupado com a forma através da qual os indivíduos se apropriam de determinados conceitos. Assim, valoriza as mentalidades coletivas. O processo através do qual uma instituição constrói e dá sentido ao seu mundo se reflete nos métodos utilizados para alcançar seus objetivos. Conceitos como os de utensilagem mental, visão de mundo e configuração têm importância fundamental.
As representações acerca da atividade do Químico no início do século XX ainda não estavam de todo legitimadas socialmente. Apesar dos investimentos do poder público e da atividade dos profissionais que lutavam pela legitimação do campo, são muitos os registros encontrados em todo o Brasil que dão conta da dificuldade que tinham os Químicos de serem aceitos socialmente. Ainda no ano de 1847, no Rio de Janeiro, o pesquisador Custódio Alves Serrão exonerou-se do cargo de diretor geral e de diretor do Laboratório Químico do Museu Nacional, por considerar que a importância deste tipo de atividade ainda não fora compreendida no Brasil.
Em Sergipe, depois de funcionar durante dois anos, o curso começou a apresentar problemas e em 1926 foi fechado por falta de alunos. Todavia a estrutura montada naquele momento foi fundamental para a instalação do curso superior em Química implantado no ano de 1948.
No período em que o ensino superior esteve ausente das atividades do Instituto, muitos dos seus profissionais utilizaram as suas instalações para atividades docentes, como relata o memorialista Emmanoel Franco, ao falar do trabalho do professor Antônio Tavares de Bragança, que na década de 30 era o diretor do Instituto: “Terminado o curso complementar no Atheneu Pedro II, em Aracaju, em novembro de 1938, onde fui aluno de química com o Prof. Antônio Tavares de Bragança, (...) que dava aulas práticas todos os dias de domingo no Instituto de Química” (FRANCO, 2005: 21). Em sua atividade como diretor e pesquisador do Instituto de Química, Antônio Tavares de Bragança descobriu um método de conservação e envasamento da água de coco e realizou algumas investigações geológicas que contribuíram para com a pesquisa do petróleo em Sergipe.
A legitimação da idéia segundo a qual o ensino de Química em Sergipe somente teria sido iniciado em 1948 talvez se deva a interrupção do curso destinado a formar analistas, em 1926. Talvez este problema leve trabalhos memorialísticos como o do professor José Pedro de Andrade Castor, a afirmarem a identidade da geração de 1948.
É necessário verificar a contribuição que deram os médicos à consolidação do campo profissional da Química em Sergipe. A preocupação destes profissionais com o caráter científico da sua atividade e de campos que poderiam contribuir parta com ela como a Química, é posta com muita clareza pelo Código Sanitário do Estado de Sergipe aprovado em 1926, no mesmo momento em que estava se consolidando o novo Instituto, ao atribuir à Diretoria Geral do Serviço Sanitário a competência para fiscalizar a realização das análises química e bromatológica (SANTANA, 1997: 172). Foi criado, novamente, o Conselho Sanitário Central, tendo como integrantes o diretor geral do Serviço Sanitário, os delegados sanitários dos municípios, o Intendente Municipal de Aracaju, o professor de higiene da Escola de Farmácia e Odontologia Aníbal Freire, os diretores do Instituto Parreira Horta e Arthur Bernardes, do Hospital de Cirurgia e os médicos do Batalhão da Força Federal e da Polícia Militar do Estado (SANTANA, 1997: 173).
O Instituto Parreira Horta foi fundado em 1923, com o objetivo de pesquisar e produzir insumos básicos para a área de saúde. A pretensão era construir uma instituição voltada ao combate à raiva; um instituto vacinogênico capaz de produzir vacina anti-variólica; e, um laboratório de análises clínicas, bacteriológicas e químicas que também funcionasse como centro de pesquisa médica. O presidente Graccho Cardoso entregou a responsabilidade pela instituição ao médico Paulo de Figueiredo Parreira Horta.Ele cuidou pessoalmente do projeto, da construção e da organização administrativa e científica do Instituto. Cientista de prestígio internacional, ao transferir-se para Sergipe viveu como hóspede oficial do Palácio do Governo. O edifício do Instituto foi erguido em oito meses e inaugurado em maio de 1924 (SANTANA, 1997: 176-178).
Após a inauguração do Instituto Parreira Horta, em 1924, a instituição esclareceu a etiologia das febres que costumavam ocorrer na cidade de Aracaju, classificando-as como tifóides, isolou os germes e conseguiu fabricar uma vacina oral para evita-las. A vacina era fabricada através do cultivo de amostras de bacilos tíficos e paratíficos “A” e “B” em garrafas contendo agar inclinado. Após 24 horas,


as culturas eram retiradas da superfície do agar e emulsionadas em água fisiológica esterilizada. Fazia-se a contagem dos germes, previamente mortos com iodo, no hematimetro de Thomas-Zeiss. A solução era diluída a 2% numa solução decinormal de iodo. Após esse processo, a vacina resultante era distribuída em ampolas de 5, 10 e 20 Cm3 (SANTANA, 1997: 178). A vacina era aplicada por via oral, com 20 gotas diluídas em água, tomadas em jejum, durante três dias consecutivos (SANTANA, 1997: 178).


O Instituto identificou ainda a incidência de casos de difteria em Sergipe, isolando o bacilo de Löefler em culturas. Contudo, os estudiosos do tema consideram que a maior contribuição do Instituto Parreira Horta foi possibilitar o início do “uso terapêutico da insulina em Sergipe. Com o acesso aos laboratórios do IPH, dosagem correta da glicemia, os médicos tiveram condições de efetuar o tratamento, com segurança e êxito, de vários casos de Diabetes” (SANTANA, 1997: 179). O Regulamento do Instituto especificava como produzir, conservar e aplicar vacinas.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA QUÍMICA EM SERGIPE - IV

O período de 1923 a 1926 marcou o momento no qual se registra o início do efetivo funcionamento da primeira instituição estatal dedicada ao ensino e a pesquisa da Química em Sergipe e a crise do primeiro curso superior de Química sergipano. O estudo da história do ensino e da pesquisa Química em Sergipe é parte do processo de organização do Centro de Memória da Ciência e da Tecnologia em Sergipe – CMCTS. Assim, busca entender os procedimentos próprios a organização da entidade de ensino e pesquisa que atualmente funciona sob a denominação de Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe – ITPS. A investigação envolve o estabelecimento de categorias analíticas capazes de estabelecer distinções e menções a teorias. A modalidade de ensino aqui analisada diz respeito ao ensino técnico de nível superior oferecido pelo Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe a partir do início do século XX.
A análise apresentada tomou como base quatro textos publicados em Sergipe que tratam da história da pesquisa e do ensino da ciência e da tecnologia em Sergipe. Dois deles discutem o problema da organização da Universidade Federal de Sergipe e dois outros se debruçam especificamente sobre a pesquisa e o ensino da Química . Os dois estudos específicos sobre a História do ensino da Química em Sergipe foram avaliados a partir da perspectiva historiográfica que expressam.
O decreto do presidente do Estado, Maurício Graccho Cardoso, que criou a nova instituição afirma que “a química é uma ciência que se prende a todos os ramos do saber universal, e como tal, dela dependem as indústrias de maior relevância para o homem”. Em 1926, o Instituto de Química Industrial passou a ter a denominação de Instituto Arthur Bernardes e em 1942 de Instituto de Química e Bromatologia do Departamento de Saúde Pública de Sergipe . No ano de 1942, o Instituto foi incumbido de preparar


analistas capazes de melhorar a técnica das indústrias existentes ou fomentar novas indústrias, bem como realizar análises de matérias primas, produtos e sub-produtos e fazer pesquisas de sua especialidade que interessem ao desenvolvimento dos processos agrícolas, industriais, a saúde pública e ao esclarecimento da polícia e da justiça .


Para cumprir tal objetivo o Instituto foi dividido em duas seções: Escola de Química e Seção de Análises e Pesquisas. Por fim, em outubro de 1948, o Instituto recebeu a sua atual denominação: Instituto de Tecnologia e Pesquisas de Sergipe.
O Conselho Nacional de Educação autorizou a instalação do curso de Química Industrial em julho de 1949 e o governo estadual regulamentou o funcionamento da Escola de Química de Sergipe em dezembro do mesmo ano . As atividades letivas foram iniciadas em 1950. A Escola, porém continuou integrada à estrutura do ITPS e o diretor do órgão estadual de pesquisa acumulava também a direção da Escola de Química que, de resto, continuava funcionando nas dependências do Instituto de Tecnologia e Pesquisas de Sergipe. O curso de Química oferecido obteve reconhecimento em 1953 , o que “permitiu a seus diplomados o exercício da profissão em todo o território nacional” .
A Escola de Química de Sergipe entrou em nova fase a partir de 1962, quando ganhou autonomia e separou-se do Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe. Em 1968, com a criação da Universidade Federal de Sergipe, a Escola passou a integrar a sua estrutura como Instituto de Química. A formação oferecida foi ampliada dois anos depois, com a criação do curso de Licenciatura em Química . O curso de Engenharia Química foi criado no ano seguinte .
Quando o presidente do Estado de Sergipe, Maurício Graccho Cardoso, criou o Instituto de Química Industrial, em julho de 1923, já estava consolidada a consciência de que a Química, ao lado da Biologia, da Física e da Matemática, constituía o campo disciplinar legitimador dos paradigmas e dos conceitos da medicina. Esta função, a Química adquirira ao mesmo tempo em que se legitimara, na segunda metade do século XIX, como ferramenta fundamental ao desenvolvimento da indústria. Por isto, se considerava importante formar “químicos analistas capazes de orientar (...) os laboratórios e as indústrias” . Assim é que o Instituto, ao ser implantado tinha dois grandes objetivos definidos: a manutenção de laboratórios para análises dos problemas químicos ligados aos produtos agrícolas e industriais; e, a formação de químicos analistas. O decreto do presidente do Estado, Maurício Graccho Cardoso, que criou a nova instituição afirma que “a química é uma ciência que se prende a todos os ramos do saber universal, e como tal, dela dependem as indústrias de maior relevância para o homem”.
Quando da instalação do Instituto, o presidente Graccho Cardoso, convidou o professor Archimedes Pereira Guimarães para implanta-lo, na condição de primeiro diretor. Professor de Química Orgânica e Instrumental do Curso de Química Industrial da Escola Politécnica da Bahia, Archimedes Guimarães chegou a Sergipe defendendo que o Instituto deveria


exercer a missão superior e delicada que lhe seria destinada, e não deveria preocupar-se com todos os problemas agrícolas e industriais que poderiam vir a ser uma fonte de riqueza para o Estado, mas tão somente em incentivar a produção daquelas matérias primas já em exploração e comércio, melhorando-as quer no estado bruto, quer como produtos acabados, de acordo com os modernos ensinamentos científicos .


De acordo com o seu entendimento, o Instituto deveria priorizar a análise de produtos agrícolas e industriais que fossem já objeto de comércio, além da formação de novos profissionais dedicados à análise de produtos químicos. A instituição foi instalada inicialmente em um edifício situado à rua Duque de Caxias. O equipamento, o mobiliário e os insumos foram adquiridos em São Paulo, no Rio de Janeiro e importados da Europa e dos Estados Unidos da América.
O projeto implementado pelo professor Archimedes no Instituto de Química Industrial levou a instituição a desenvolver dois tipos de atividades laboratoriais: o primeiro manteve um laboratório completo para análises da cana-de-açúcar e do açúcar manufaturado em todas as suas fases de fabricação, “tendo sempre em vista o seu maior rendimento, para análises dos óleos vegetais e pesquisas sobre sua extração e exploração mais vantajosas, especialmente sobre o aproveitamento industrial dos cocos nuciferas, para análise de terras, adubos, inseticidas etc” . O laboratório para o açúcar foi concebido para manter relações estreitas com uma estação experimental de cana, nos mesmos moldes da existente em Campos, no Rio de Janeiro. Dentre os sonhos do professor Archimedes estava o propósito de conseguir, através da melhoria do cultivo da cana, a obtenção do álcool industrial como substituto da gasolina.
O professor Archimedes levou o Instituto a estudar também o tanino do mangue, abundante em toda a orla marítima e fluvial de Sergipe, de modo a aplicá-lo nos curtumes e tinturarias, sobre as féculas e a panificação, de modo a obter um tipo de pão misto de trigo e mandioca. Em torno da pesquisa do tanino havia também a expectativa de aplicação em materiais cerâmicos, bebidas e uma grande variedade de gêneros alimentícios.
A partir de 1924 a equipe do professor Archimedes Guimarães começou a formar profissionais em análises químicas.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA QUÍMICA EM SERGIPE - III

É necessário verificar que a instituição escolar e os institutos de pesquisa são hierarquizados e hierarquizadores dos saberes e do prestígio atribuído aos agentes que neles atuam e às pessoas que eles formam. Para discutir este problema sob a perspectiva da pesquisa e do ensino de Química é possível dialogar com Pierre Bourdieu, apanhando deste autor um conjunto conceitual referente aos problemas próprios à constituição do campo profissional dos químicos no Brasil. O ensino de Química deve também ser visto sob a ótica do processo de legitimação do exercício de profissões que incorporaram os saberes técnicos escolarizados ao seu conjunto de práticas. O estudo das escolas e das instituições de pesquisa deve, portanto, observar que elas tornam-se “um designativo das formas de capital simbólico que definem as diversas posições de certos grupos ou agentes num dado debate intelectual” , estabelecendo o lugar de cada uma das escolas e dos institutos de pesquisa no campo intelectual.
Ao operar com a noção de habitus como sistema de disposições socialmente construídas a partir da escola e dos padrões científicos estabelecidos, Pierre Bourdieu descortina o princípio gerador e unificador de esquemas de pensamento e das práticas próprias a um determinado grupo de indivíduos escolarizados . Assim, as escolas e as instituições de pesquisa são agências formadoras de habitus que incorporaram padrões culturais em circulação no Brasil, nos Estados Unidos da América e em alguns países europeus.
A rede de escolas e de instituições de pesquisa aprofundou o conhecimento científico a respeito dos saberes com os quais operavam à medida que os químicos se empenhavam para constituir um discurso que, exacerbando o caráter científico e autônomo de sua atividade, lhes garantisse reconhecimento social e legitimidade intelectual . Na condição de escolas e institutos de tecnologia e de pesquisa científica essas instituições terminaram por oferecer aos próprios químicos as condições que o projeto de cientifização da sua atividade requeria. O estudo da história da pesquisa e do ensino de Química possibilita perceber um dos modos usado pelos profissionais com formação superior para a gestão científica do seu campo.
A memória específica sobre a formação de profissionais da Química em Sergipe apresenta duas características explicativas: a primeira remete para a representação construída pela geração de 1948, que se apresenta como fundadora do campo e, em certa medida, secundariza as contribuições da geração de 1923, posto que o foco dos holofotes tende a deixar na penumbra o grupo que se dedicou a este mister no período entre guerras. Além disso, a memória da geração de 1948 tende a assumir a identidade de ter sido o primeiro grupo de pesquisadores no campo a realizar estudos sistemáticos associados ao processo de formação, produzindo para o grupo antecedente a representação de excelentes estudiosos, que infelizmente não teria desfrutado da possibilidade de formar profissionais (o que é verdadeiro apenas em parte) e por isto teria trabalhado com pesquisas pontuais destinadas a resolução de problemas tecnológicos imediatos ligados ao processo de produção (o que é improcedente); a segunda característica dessa memória remete a organização de um conjunto de instituições científicas destinadas à pesquisa Química em Sergipe, na década de 1920, a uma suposta premência da expansão capitalista no Estado.
A legitimação da primeira tendência pode ser observada em trabalhos memorialísticos como o do professor José Pedro de Andrade Castor, que afirma a identidade da geração de 1948 como a dos criadores de “uma elite de profissionais competentes, capaz de promover e estimular o desenvolvimento cultural e industrial do Estado e, conseqüentemente do país” . Elite na qual esses mesmos memorialistas se inserem, apresentando-se então como membros da geração de fundadores, ou, na pior das hipóteses, por ela formados. Já a afirmação da segunda tendência pode ser obtida em estudos que analisam a implantação do ensino superior em Sergipe, interpretando tal processo “como conseqüência do desenvolvimento econômico” .
Ambas as abordagens oferecem importantes contribuições à pesquisa sobre o assunto. O entendimento deste memorialismo é o de que o ensino de Química ao se consolidar no Brasil apresentou dois modelos: o escolar – voltado para o ensino profissional, educando para a formação de profissionais em nível superior – e o de aplicação - através de Institutos de pesquisa aplicada e útil para o emprego agrícola e industrial imediato. Todavia, é necessário alargar a perspectiva de interpretação do desenvolvimento da Química entre nós, buscando para ela uma maior fertilidade científica, tomando contribuições presentes em trabalhos que se dedicam a analisar temáticas como a da formação do campo científico e das práticas escolares e científicas no Brasil, de modo a oferecer maior clareza à constituição do conhecimento histórico quanto a esta questão. Para isto, é necessário ter clareza de que não foi apenas o ensino que ofereceu este tipo de contribuição na história do Brasil. Tal contribuição passa a ser predominante a partir da metade do século XX. Contudo, o campo da pesquisa química, no Brasil e também em Sergipe, vinha se constituindo desde o século XIX, em muitos casos à revelia de instituições de ensino.
As alterações no discurso acerca do ensino e da pesquisa Química durante a primeira metade do século XX, além da busca de legitimação política dos profissionais, são reveladoras do modo como a ciência e o campo acadêmico buscavam legitimar-se sob a condição de serem suficientes para a solução dos problemas brasileiros.
As abordagens a respeito do ensino e da pesquisa Química sempre estão presentes nos estudos que discutem as condições sociais do processo produtivo brasileiro no campo e na cidade. Contudo, para compreender a formação e legitimação de atividades como a Química durante a primeira metade do século XX é necessário olhar não apenas para o ensino superior, mas também buscar o processo de organização de uma rede de instituições de pesquisa.
O Instituto de Química Industrial de Sergipe, atualmente Instituto de Tecnologia e Pesquisas de Sergipe, foi a primeira instituição a se dedicar a este campo de ensino e pesquisa no Estado. Fundado em 1923 , pelo presidente Maurício Graccho Cardoso, logo após a criação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, em São Paulo, e do Instituto Nacional de Tecnologia – INT, no Rio de Janeiro, o Instituto de Química industrial buscava contribuir para com o aperfeiçoamento da indústria do açúcar – principal fonte da riqueza em Sergipe nas primeiras décadas do século XX. A crença era de que o aumento da produção estava diretamente relacionado ao conhecimento da composição do solo, à melhoria do cultivo da planta e ao controle químico da produção em laboratório. O Instituto de Química Industrial oferecia um curso de três anos de nível superior destinado a preparação de técnicos para a indústria açucareira, a exploração do sal, a preparação do couro e o aproveitamento das plantas oleaginosas.

domingo, 8 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA QUÍMICA EM SERGIPE - II

Em Sergipe, os métodos mais utilizados eram o da adição pura de cal ou o de Robert Coats, que era considerado bastante econômico, sobretudo quando a cana moída era muito azeda (CALASANS, 1869: 64).
Ainda durante a fabricação do açúcar era requerido um bom conhecimento químico para o processo de filtração. Um dos processos de filtração mais raro em Sergipe durante a primeira metade do século XIX era através do uso de filtros de carvão animal , descoberto na França, em 1814 e utilizado inicialmente na filtração do açúcar de beterraba. O carvão de ossos ou carvão animal era capaz de destruir quase completamente a parte colorante do caldo da cana e de neutralizar os ácidos livres e o excedente de cal, criando condições mais favoráveis para a cristalização do açúcar. Esse sistema, contudo era considerado dispendioso. Na Província era mais conhecido o sistema de filtração através de coadores de arame fino ou também de coadores feitos de pano grosso de algodão. Todavia, o sistema de filtro amplamente utilizado pela maior parte dos engenhos era o da filtração econômica. Numa pipa comum era instalada uma torneira a uma distância de três polegadas do seu fundo. Acima desse ponto se colocava um outro fundo feito de cipós, em forma de cesto; sobre o cesto se colocava carvão comum que era coberto com outro trançado de cipós em forma de cesto.
Depois de filtrado, o caldo passava pelo processo de evaporação. Esta era uma operação preparatória ao processo de concentração e segunda filtração, com o objetivo de engrossar o caldo da cana, precipitando os sais solúveis que escaparam às primeiras operações. Depois do primeiro processo de evaporação, o caldo da cana era submetido, já sob a forma de xarope para a última caldeira ou tacha de bater, ou para a caldeira ab vácuo nos engenhos mais modernos. Era este o processo de concentração, ou seja, o último grau de evaporação. Aí, o momento mais difícil era o reconhecimento do ponto no qual se deveria retirar o açúcar para os esfriadores, em face “das inexatidões dos instrumentos que marcam o ponto do xarope” (CALASANS, 1869: 71). Os esfriadores eram fabricados com grandes pranchas de madeira conhecidas como cochos, sobre as quais se derramava o açúcar a fim de que este, à medida que esfriava formasse os cristais de baixo para cima. Por último o açúcar era colocado em formas para purgar .
Os engenhos mais modernos utilizavam centrifugadores na última etapa do processo de purgação.


Esta máquina conhecida em 1838 nas fábricas de tecidos, e ali empregada com grande proveito para secar certos artefatos, apareceu com igual sucesso em 1849 nas fábricas de refinar açúcar. Este aparelho é hoje bastante vulgarizado, aliás bem conhecido de muitas pessoas, apesar de pouco aplicado entre nós. Sua construção e manipulação não é desconhecida. É de forma redonda o aparelho, e de ferro fundido, seu centro é ocupado por uma peça do mesmo metal, de figura cônica, cujas paredes são guarnecidas em circunferência de um tecido de arame fino, para deixar passar o melaço, ou a parte aquosa do açúcar, e reter a outra parte granulosa, ou cristais do mesmo açúcar; depois do que é retirado alvo ou bem alvo a medida do desejo (CALASANS, 1869: 82).


Um outro problema importante a preocupar os estudiosos da Química em Sergipe foi o da potabilidade das águas. Em 1854, a preocupação com a qualidade da água extraída dos poços e cacimbas existentes na Província fez com que o presidente Inácio Barbosa determinasse a coleta de amostras e o seu envio para a Bahia, a fim de que fosse procedida a análise química. Ao mesmo tempo, designou o médico Joaquim José de Oliveira para analisar as águas dos rios São Gonçalo, Uma e Prata, “visando determinar a potabilidade das mesmas para fins de canalização” (SANTANA, 1997: 44).
Em 1855, a cidade era abastecida por duas fontes de água potável, vermelha, considerada de qualidade ruim: a Fonte do Caboclo e a Fonte da Nação. Depois foi descoberta a Fonte do Mané Preto, que fornecia uma água branca, transparente, considerada de qualidade muito boa (CHAVES, 2004: 75). Muitos viajantes europeus, inclusive, deixaram registros a respeito desse problema. Ave-Allemant reclamou da falta de uma boa água potável na cidade: “a que se tem para beber é ruim, amarela cor de ouro” (AVÉ-ALLEMNAT, 1961). À água atribuiu as febres intermitentes que o acometeram em Aracaju.O presidente Salvador Correia de Sá e Benevides, em 1856, mandou recolher amostras da água existente nas fontes que abasteciam Aracaju e as encaminhou para a cidade de Salvador, a fim de que estas fossem submetidas a análise química, constatando a má qualidade da água consumida na capital da Província. O problema havia melhorado bastante no final do século XIX, com a construção de chafarizes em vários locais da cidade, que armazenavam água de poços extraída através das força de cataventos e armazenada para distribuição às pessoas.
A década de 20 do século XX em Sergipe representou um momento importante para a difusão dos conhecimentos da Química, principalmente quando se considera que sucessivos governos investiram na criação de laboratórios destinados ao ensino dessa ciência, como o presidente Manoel Dantas, que exerceu a chefia do Poder Executivo sergipano entre os anos de 1927 e 1930. Preocupado com a modernização educacional e com o nível de instrução científica das professoras primárias, ele instalou um moderno laboratório na Escola Normal Rui Barbosa de modo a dotar a instituição de meios práticos para a realização do seu mister. O discurso educacional que fazia à época o diretor geral da Instrução Pública e Diretor da Escola Normal, Manoel Franco Freire, era influenciado pelos preceitos da pedagogia moderna e defendia um modelo pedagógico de caráter prático . O caráter do ensino de Química no laboratório da Escola Normal era o da aplicação desse conhecimento à vida prática, doméstica e industrial. O laboratório era, portanto, o meio de dar forma concreta às lições. A mesma mentalidade fora determinante, no final do ano anterior, sob o governo do coronel Cyro de Azevedo, para a reorganização do laboratório de Química do Colégio Atheneu.
Por outro lado, a lei estadual número trinta, de 18 de dezembro de 1935, obrigou todas as escolas privadas que oferecessem o ensino normal a manter laboratórios de química em funcionamento, dentre outras instalações acadêmicas .
Entretanto, o ensino das Noções Gerais de Química estava presente no currículo das escolas secundárias de Sergipe desde o século XIX. No Liceu Sergipense, instalado em outubro de 1862, essa disciplina científica ocupava posição destacada no currículo.
O ensino e a pesquisa em Química podem ser analisados sob diferentes aspectos. O que se propõe aqui é o entendimento das diferentes propostas e das práticas mais importantes que, ao longo de três anos, marcaram a atuação do Instituto de Química Industrial e a primeira experiência do ensino superior de Química em Sergipe. A participação de Sergipe no processo de organização de uma rede nacional de instituições destinadas ao ensino e pesquisa da Química é um tema que não recebeu a devida atenção da produção historiográfica sergipana. Mesmo com o funcionamento de tais instituições, em Sergipe, durante todos esses anos ininterruptamente, a pesquisa e o ensino de Química não tem sido objeto de estudos sequer por parte dos pesquisadores que se dedicam a investigar a História da Educação e a História da Ciência, menos ainda, tem recebido atenção dos químicos industriais e dos engenheiros químicos. De um modo geral, são poucos os estudos de História da Educação e sobre a História da Ciência no Brasil que se dedicam a investigação dessa temática. A bibliografia sergipana registra apenas dois textos específicos sobre o assunto, ambos memorialísticos. Um deles foi elaborado pelo professor José Pedro de Andrade Castor e o outro é de autoria da professora Djalma Andrade .

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA QUÍMICA EM SERGIPE

A Química recebeu importantes contribuições da Medicina enquanto ambas buscavam se afirmar como ciência. No século XVI, com Philippus Aureolus Theaphrastus Paracelso, se acentua o debate que tenta descobrir se o saber médico clássico era apenas uma técnica preocupada com os modos de curar ou se era efetivamente uma ciência, preocupada em explicar teoricamente a doença.
Paracelso rejeitou toda a tradição médica clássica européia herdada de Hipócrates desde o século V antes de Cristo e pregou a construção de uma nova medicina, com caráter científico. Desconsiderou as contribuições da medicina romana, com Galeno no século II, e da medicina islâmica, com Avicena no século X, buscando sepultar as práticas da chamada medicina humoral. Era através da observação da natureza, entendia Paracelso, que seria possível encontrar cura para os males que assolavam a saúde dos europeus naquele período: a sífilis e as feridas provocadas pela pólvora das armas de fogo inventadas no século XV. Dentre as novidades que Paracelso anunciava estava a proposta de valorização dos conhecimentos do campo da então chamado Filosofia Química.
Não obstante a intimidade entre a Medicina e a Química haver permanecido, durante o século XVII os cientistas dedicados a esta última lutaram para construir um campo de saber próprio, independente da primeira,


com direito a usar seus métodos e a alcançar seus êxitos. Por isso, seus cronistas não podiam se dar ao luxo de esquecer o passado. O filósofo natural Robert Boyle (1627-1691) copia, inclusive, a idéia do diálogo de Galileu em uma de suas obras mais populares sobre a nova química. Mas vai além: dinamita não só Aristóteles como Paracelso (AFONSO-GOLDFARB, 1994: 53).


Robert Boyle estava reivindicando para o campo da Química o estatuto da integral modernidade científica. Depois dele, na passagem do século XVII para o XVIII, Hermann Boerhaave (1668-1738) escreveu uma história da química também repudiando o aristotelismo e as idéias de Paracelso, por considerá-las antiquadas.
Durante o século XIX, sob o influxo da teoria comteana e do desenvolvimento tecnológico da microscopia, possibilitando os estudos da microbiologia, ciências como a Química ganharam uma nova significação social. A Química do século XX continuou surpreendendo a todos. Os experimentos científicos realizados durantes as duas grandes guerras, os horrores da Química, a participação da ciência em desastres ambientais. Mas, também, o conhecimento da Química moderna estava absolutamente entranhado na vida cotidiana dos indivíduos. Desconhecer a atividade científica da Química seria inviabilizar a sobrevivência da espécie.


Se você resolvesse fechar a boca para tudo que tem química, com certeza iria morrer de fome. Já que a química está presente em todo o universo, o que inclui os produtos naturais. Enfim, quem estaria preparado para fazer a crítica à ciência? E para ser seu ouvidor diante da sociedade? (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 69).

A Química começou a se desenvolver em Sergipe trilhando os caminhos da produção açucareira. Foram as necessidades de aperfeiçoamento da produção que levaram os proprietários dos engenhos em busca de novos processos tecnológicos que melhorassem os seus ganhos. Do ponto de vista da tecnologia utilizada para a produção açucareira é importante assinalar que em Sergipe, até a metade do século XIX, somente se fabricava o produto bruto, não se refinava o açúcar na Província.


Em média, os engenhos sergipanos produziam de 55 a 88 caixas de açúcar. Além da péssima qualidade, essa produção era considerada por todos como extremamente baixa para as qualidades da terra. (...) Era um volume muito baixo de produção, atentarmos para os custos do empreendimento (ALMEIDA, 1978, 19).


Essa pequena produtividade redundava em sérias conseqüências, principalmente nos períodos em que os preços caíam no mercado externo. Os engenhos enfrentavam dificuldades para saldar os seus débitos e alguns proprietários perdiam seu negócio para os comerciantes credores.
O açúcar não era, entretanto, o único produto importante que se extraía da cana. O processo de produção possibilitava também a fabricação de aguardente, o segundo produto de exportação mais rentável da Província de Sergipe. Normalmente, nas regiões em que havia engenhos, existiam também alambiques.
Esse tipo de preocupação fez com que muitos proprietários de engenho se interessassem pelo estudo dos problemas da Química aplicada à produção açucareira. Um bom exemplo é do bacharel em Direito João José de Bittencourt Calasans, autor do livro O agricultor sergipano da cana de açúcar que discute vários problemas de Química, a começar pelo conceito de açúcar que adota: “O açúcar, segundo os químicos, significa toda a substância orgânica que dissolvida n’água, e posta em contato com um fermento qualquer, produz álcool de um lado e ácido carbônico de outro” (CALASANS, 1869: 16).
O produto era obtido através de processos químicos dominados pelos produtores. As análises químicas possibilitaram a esses produtores a compreensão de que, no século XIX, a cada 100 arrobas de cana era possível obter 18 arrobas de açúcar cristalizado. Essa quantidade de cana, quando moída, proporcionava 10 arrobas de bagaço e 90 arrobas de caldo que apresentava teores de 10 a 14 graus no sacarômetro B. O caldo da cana continha não apenas açúcar, mas também matérias lenhosas, azotadas, pectina, ácido pético, albumina, cerósia, matérias colorantes, matérias oleosas, carmin, sais solúveis e insolúveis, sulfatos, azotatos, acetatos e clorureios em diferentes quantidades, que dependiam do tipo da cana, do terreno no qual a planta se desenvolveu e do tipo de adubação que se utilizou.
A defecação era o processo que retirava todas essas substâncias estranhas ao açúcar, durante o seu processo de fabricação. As expulsava do caldo da cana, com a ajuda do calor e da cal. Era o único processo conhecido para a obtenção de um açúcar bom e claro. Esta era, portanto, uma das mais importantes operações no processo de fabricação do açúcar. O caldo de cana de boa qualidade era aquele que apresentava a menor quantidade possível de sais solúveis e matérias azotadas. Esses sais interferiam no processo, posto que não eram eliminados pela cal no momento da defecação, e prejudicavam a obtenção de uma boa cristalização, alterando a quantidade e a qualidade do açúcar obtido em face da decomposição do assucarato de cal. As matérias azotadas, por seu turno, provocavam a decomposição do açúcar, produzindo amoníaco em ebulição com a cal.
A resolução dos problemas causados pelo processo de defecação fez os produtores associarem sais de chumbo e carbonato de cal. Todavia, os prejuízos causados à saúde humana pelo chumbo e os elevados custos que ele impunha ao processo de produção fez com que tal método fosse abandonado. Durante o século XIX também foram ainda utilizados como defecadores o sulfato de zinco, os sais de alumino, o fosfato de soda, o perfosfato de alumínio, o tanino, o acetato de chumbo, o ácido sulfúrico e a barita. Todos esses reagentes foram abandonados pelas mesmas razões dos sais de chumbo. Também outros processos foram empregados: o Rousseau, com a utilização do ácido carbônico; o sistema Howard, que associava cal e pedra hume; o sistema Melsens, que misturava cal e ácido sulfuroso; e o processo Robert Coats, que misturava cal e barro.


A cal é o principal, mais econômico e eficaz reagente que se emprega de ordinário, quer promiscuamente, que por si só, como se terá notado até aqui. A prática, finalmente, tem nos levado à convicção de que a simples cal empregada só por si, sem mais adminículo, a tempo, e em quantidade precisa, para funcionar nessa operação, essencialmente química, é sem contradita o melhor meio de obter-se uma boa defecação (CALASANS, 1869: 63).

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

CONTRIBUIÇÃO AOS ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA DA PSICOLOGIA EM SERGIPE - II

O estudo dos fenômenos espíritas pela Psicologia preocupou importantes estudiosos não apenas no Brasil mas em todo o mundo, durante as primeiras décadas do século XX. Em São Paulo, na cidade de Santos, durante o mesmo período foi fundada a Academia de Estudos Psíquicos Cezare Lombroso, onde o mesmo Mirabelli foi investigado. O próprio Lombroso declarou, na Itália, que não era espírita, mas admitia a possibilidade de estudar os fenômenos espíritas cientificamente: “Acho-me completamente confuso e lastimo de ter combatido com tanta teimosia a possibilidade dos fatos chamados espíritas; digo dos fatos porque me conservo ainda oposto à teoria. Mas os fatos existem e eu me gabo de ser escravo dos fatos” (Aurora Espírita, 1907: 226). Em Sergipe, alguns membros da Sociedade de Estudos Psíquicos defendiam idêntica posição. Florentino Menezes, de convicções teóricas materialistas, via o interesse pelo Espiritismo como um caminho melhor que o do Catolicismo para os que queriam dedicar-se à ciência, “já que, ele não feria a lógica e as manifestações superiores da inteligência e da cultura” (WENDLING, 2004: 15). Sob as teorias científicas influenciadas pelo Positivismo, o estudo da psique foi laicizado. Freud tentou levar as pessoas a entenderem sua incompletude, seu desamparo e via a religião como mais uma tentativa do homem para escolher um senhor que guiasse os seus passos (Freud, 1969).


Já os behavioristas, limitaram-se ao estudo do comportamento humano, objeto que pode ser observado, em uma tentativa de excluir os chamados mentalismos. Talvez pela ligação dos chamados fenômenos mediúnicos ao Espiritismo e a esfera do sobrenatural, eles não constam como objeto de nenhuma das teorias ‘oficiais’ da Psicologia do início do século XX. Somente em meados dessa centúria a chamada quarta força da Psicologia (que inclui a Psicologia Transpessoal e Existencial) deu espaço a dimensão espiritual do homem como objeto de estudo e de aplicação de seus pressupostos (WENDLING, 2004: 17).


Membro da Comissão de Pesquisas Psicológicas da Sociedade de Estudos Psíquicos, em seu Tratado de Sociologia Florentino Menezes discute as teorias da Psicologia. Ele discorreu acerca da Psicologia sob distintas perspectivas, dando ênfase ao evolucionismo e à ciência positiva. Em um parágrafo discutiu a “Psicologia espiritualista”, oposta a sua visão materialista da psique e caracterizada por pressupostos dualistas. Esse dualismo “estabeleceu um consenso que permitiu, por exemplo, a convivência de um materialista crítico do cristianismo, como Florentino Menezes, com uma das fundadoras da União Espírita Sergipana, Laura Amazonas”, em uma mesma sociedade científica (WENDLING, 2004: 24).
No mesmo ano de 1928, no qual foi criada a Sociedade de Estudos Psíquicos, o Sergipe Jornal começou a publicar, em fascículos, o livro da italiana Emma Gagnis di Castellomonte, O sentimento estético na Psicologia e na Educação. Traduzido por Manoel dos Passos de Oliveira Teles, sob o pseudônimo de Garcia Moniz, especialmente para o periódico, a publicação foi dedicada ao comerciante italiano Nicola Mandarino. A edição do dia 15 de junho publicou o texto introdutório “O sentimento do belo na vida e na educação contemporânea”. A discussão abrangia questões como “A contemplação do bello”; “Que lugar ela ocupa na vida contemporânea: preponderância do sentimento materialista e utilitário sobre o sentimento estético”; “Primeiros indícios de renovação direta para dar mais grande parte ao ideal estético na vida”; “Relação entre a vida e a educação: como entre os vários povos e nos principais períodos históricos os sistemas de educação correspondem a uma concepção da vida especial”; “O positivismo moderno: a finalidade prática dos seus princípios de educação: conseqüência a que conduz”; “Deficiência da nossa cultura: nova reação contra o intelectualismo e o utilitarismo: necessidade de uma reforma direta para dar maior desenvolvimento e maior importância ao sentimento estético no campo da educação” (SERGIPE JORNAL, 15/06/1928: 6). Esta introdução teve o seu texto integralmente publicado em três edições, a última no dia 18 de junho (SERGIPE JORNAL, 18/06/1928: 2).
Os textos traduzidos ocuparam as edições do Sergipe Jornal durante os meses de junho, julho, agosto, setembro e outubro. Em dois de outubro foi iniciada a publicação do capítulo que discutia “A missão do educador: como para cumprir a sua finalidade não basta a consciência do dever, mas também é preciso o sentimento do belo”; “A beleza no menino: como o educando deve senti-la em suas varias manifestações”; “Como ao educador é necessário o sentimento do belo afim de que possa entender e dirigir as tendências estéticas de seus alunos”; “Para que o seu sentimento com veemência possa corresponder ao deles”; “Para poder suscita-lo quando ausente”; “Para poder subir à visão ideal da sua obra” (SERGIPE JORNAL, 02/10/1928: 2). Nas quatro edições seguintes, o texto continuou a ser publicado. Porém, depois da edição de 10 de outubro, as publicações foram interrompidas, sem que o Sergipe Jornal oferecesse qualquer explicação (SERGIPE JORNAL, 10/10/1928: 2). Foram publicadas cerca de 100 páginas do livro de Emma Gagnis di Castellomonte. O material traduzido, não obstante haver sido interrompido, permite, através de comentários inseridos pelo tradutor, que se tenha um panorama das idéias sobre a Psicologia que circulavam em Sergipe no início do século XX, informando a respeito dos autores mais lidos naquele período.
Dentre os autores mais citados aparece com muita freqüência o nome de Herbert Spencer, associado ao livro Princípios de Psicologia. Contudo, ao que parece, poucos autores e poucas teorias entusiasmavam tanto os interessados nos estudos de Psicologia quanto o Pragmatismo do norte-americano William James, no seu livro Princípios de Psicologia.
Garcia Moniz relata que a edição por ele traduzida continha na primeira página uma dedicatória ao professor Paolo Raffaello Trojano: “All illustre maestro Prof. Paolo Raffaello Trojano queste pagine in cui si reflette tanta luce Del suo pensiero con reverente auimo I’autrice”. O tradutor produziu um comentário sobre a própria Emma Gagnis di Castellomonte. Diz que somente a leitura de O sentimento estético na Psicologia e na Educação seria suficiente para convence-lo quanto às boas qualidades da autora. Contudo afirma conhecer outras obras suas, como Per Pidea e Stelle Nere. Ressalta que no trabalho traduzido, ela demonstra “pujança de talento, sólida ilustração e empolgante estilo”. Quanto ao estilo, incorpora comentários de Tobias Barreto, para dizer que “a frase nas margens do Senna e do Mauzanares é discussão e argumento, porém nas margens do Arno e do Tibre è um encanto, uma delicia” (SERGIPE JORNAL, 15/06/1928: 6).
Em O sentimento estético na Psicologia e na Educação, Castellomonte vê a Psicologia como uma ciência que, além de guia para um aprimoramento, ajudaria na compreensão do sentimento do belo, o qual levaria o aluno a aprender melhor.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

CONTRIBUIÇÃO AOS ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA DA PSICOLOGIA EM SERGIPE

A psicologia no século XIX ainda não havia delimitado um corpo teórico, nem definido quais deveriam ser os métodos próprios de pesquisa. Porém, naquele século, surgiram algumas teorias que influenciaram o saber médico e convergiram no sentido de formação de um projeto para a futura Psicologia científica. Em 1859 Charles Darwin publicou A Origem das Espécies e marcou o pensamento científico a partir do evolucionismo. Fechner lançou Elementos de Psicologia, em 1860. O alemão Wilhelm Wundt, em 1879, fez pesquisas no primeiro laboratório de Psicologia experimental do planeta, instalado em Leipzig, e marcou definitivamente o reconhecimento do campo da Psicologia experimental como disciplina científica. O norte-americano William James, em Harvard, fez experiências em um laboratório de Psicologia experimental, no mesmo ano.
Ainda são incipientes em Sergipe os estudos acerca das práticas da Psicologia durante o século XIX. Uma exceção a esta realidade é o trabalho que a professora Sônia Pimentel realiza no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Outra exceção que vale a pena registrar são os estudos realizados desde 2002 por Michelle Menezes Wendling, inicialmente como bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC), sob o patrocínio da Universidade Federal de Sergipe e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
Um bom ponto de partida para a compreensão desta história da Psicologia em Sergipe pode ser o trabalho do médico João Paulo Vieira da Silva, autor de um estudo sobre o tratamento de doenças mentais. O seu texto data de 1858 e é o mais antigo dentre os estudos do campo da Psicologia que estão relacionados no Diccionário bio-bibliografico sergipano, de Armindo Guaraná. Nascido em 26 de junho de 1832, no Sítio do Meio, em Própria, João Paulo Vieira da Silva era filho do capitão João Vieira da Silva e de Teodora Francisca de Menezes. O médico morreu em Aracaju, no dia 10 de fevereiro de 1875, aos 43 anos de idade. Freqüentou a Faculdade de Medicina da Bahia, formando-se no ano de 1858.
Foi muito importante para a formação do campo da Psicologia em Sergipe a obra de João Paulo Vieira da Silva, Tratamento das moléstias mentais, apresentada à congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, em novembro do ano de 1858. O trabalho pode ser considerado como um bom exemplo da transição de uma investigação clínica própria das práticas da Medicina do século XIX para um interesse específico pelos estudos dos problemas da mente, o que se tornou um tema recorrente nos primórdios da Psicologia como disciplina científica.
Foi no âmbito das instituições educacionais e médicas que surgiram os principais estudos relacionados à Psicologia no Brasil, no início do século XX. Seus autores eram médicos, educadores, bacharéis em Direito, engenheiros e psicólogos estrangeiros que se radicaram no país. Intelectuais como Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Manuel Bonfim discutiam no início do século XX como a Psicologia poderia ser útil para o desenvolvimento do país, principalmente intervindo na educação escolar.
No início do século XX uma determinada visão do campo psicológico já estava presente e consolidada nas teses de colação de grau defendidas por alguns sergipanos na Faculdade de Medicina da Bahia. O estudo Aerofagia histérica, produzido por Gentil Martins Fontes, em 1902, e a tese Das fobias, escrita por Aristides da Silveira Fontes Júnior, em 1904, são reveladores da consciência desse campo, bem como ajudam a entender as práticas referentes a Psicologia em Sergipe, no período. Embora formados pela Faculdade baiana, os dois médicos exerceram sua profissão em Sergipe, onde, de modo predominante, as principais relações constituidoras do campo estão articuladas ao saber médico.
Os dois estudiosos aqui referenciados basearam-se em explicações biologizantes, atentando para as propriedades físico-químicas da doença, bem como para o caráter evolutivo da mesma. Apesar de a descoberta do sentido, dando ênfase à história de cada paciente, ter ocorrido no final do século XIX, a visão de doença mental segundo a ciência positiva, ou seja, de acordo com a patologia orgânica ainda era a legítima no momento em que eles produziram. Tal modelo justificava procedimentos terapêuticos (utilizados sistematicamente em Sergipe após a construção do Hospital Colônia Eronides de Carvalho, em 1940, que agiam sobre o corpo, como o eletro-choque e a hidroterapia, bem como experimentos interessados nas reações humanas aos estímulos. Além disso, nas teses em foco os médicos seriam os responsáveis por educar os sujeitos para uma vida normal e restituir-lhes a razão, característica do sujeito pleno da modernidade, já que, a histeria e as fobias não eram tão degenerativas quanto a loucura, apesar de seu status de doença mental estar ligado também a um declínio de uma atuação social e moral distanciada da norma.
Instituições escolares de ensino secundário funcionaram em Sergipe como espaço no qual o ensino de Psicologia se desenvolveu nas primeiras décadas do século XX. A partir de 1924, a cadeira de Psicologia Fundamental e Infantil da Escola Normal esteve sob a responsabilidade do bacharel em Direito e professor Adolpho Ávila Lima. Além de atuar como docente, ele publicou na imprensa de Sergipe três importantes trabalhos sobre Psicologia, nos anos de 1914 e 1915.
O entusiasmo em torno das discussões acerca da Psicologia fez com que alguns intelectuais se reunissem, no dia 14 de maio de 1928, na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, com o objetivo de fundar a Sociedade de Estudos Psíquicos (SERGIPE JORNAL, 11/05/1928: 2). Este fato correu cinco anos após a criação, em 1923, da Liga Brasileira de Higiene Mental, fundada por Gustavo Riedel. A Sociedade de Estudos Psíquicos, proposta pelo sociólogo Florentino Menezes, congregava estudiosos que manifestavam interesse pelo campo da Psicologia, mas também entusiastas dos estudos kardecistas. No mesmo ano em que ela foi criada, Köhler, um dos fundadores da Escola da Gestalt, proferiu conferências em São Paulo e no Rio de Janeiro e a disciplina Psicologia passou a ser obrigatória no currículo das Escolas Normais. Dentre os fundadores da Sociedade de Estudos Psíquicos estavam políticos, médicos, engenheiros, odontólogos, militares, advogados e filósofos como Humberto Dantas, Leandro Maciel, Manoel Franco Freire, Edson Ribeiro, Xavier Oliveira, Laura Amazonas, José Antonio de Carvalho, Berilo Leite, Álvaro Silva, Paulo Vieira, Costa Filho, Ávila Lima, Oscar Prata, João Passos Cabral e Manoel dos Passos Oliveira Teles, este último eleito seu presidente. Na sua primeira reunião, os sócios decidiram que todos os médicos que participavam da instituição eram considerados pesquisadores de Psicologia (CORREIO DE ARACAJU, 15/05/1928: 788). Mesmo sem esta condição profissional, o sociólogo Florentino Menezes também integrou a comissão de pesquisas psicológicas da Sociedade.
Estudos realizados pela pesquisadora Michelle Menezes Wendling demonstram que havia uma forte ligação entre as idéias espíritas e a ciência naquela Sociedade, com o intuito de conciliar racionalismo e religiosidade. A fundação e funcionamento da Sociedade de Estudos Psíquicos são resultantes do prestígio que desfrutava o conhecimento científico naquele momento, pela concessão dada a certos intelectuais e políticos para estudar com propriedade alguns fenômenos psíquicos. Uma das possibilidades que entusiasmou os membros da Sociedade de Estudos Psíquicos foram os fenômenos de materialização promovidos por um médium chamado Carlos Mirabelli. Ao comparar os registros sobre Mirabelli existentes nas atas da Sociedade de Estudos Psíquicos com os das atas da União Espírita Sergipana, Wendling percebeu que nesta última instituição Mirabelli figurava como um exemplo de progresso da religião espírita a ser seguido e admirado. Já para os membros da Sociedade “ele apareceu como objeto de estudo da ciência, para que se pudesse ‘(...) pelo menos, levantar a ponta do véu que oculta a nossa consciência a origem misteriosa desses fenômenos’” (WENDLING, 2004: 13).

terça-feira, 3 de agosto de 2010

AS REFORMAS DO ENSINO EM SERGIPE II

Das viagens de estudos, a que ganhou maior repercussão em Sergipe foi a do professor José Augusto da Rocha Lima, técnico em educação da Diretoria de Instrução Pública e catedrático da Escola Normal, onde lecionava História Geral, Pedologia, Psicologia, Pedagogia e Língua Portuguesa. Rocha Lima foi padre e professor do Seminário de Aracaju, onde lecionou Francês, Latim, Português, História, Geografia, Exegese Bíblica e Teologia Dogmática. Fundou a Academia Santo Tomás de Aquino, que reunia intelectuais católicos e foi membro da Academia Sergipana de Letras. Diplomou-se em direito e abandonou a vida sacerdotal. No Atheneu Sergipense, Rocha Lima foi diretor e professor de Latim e Literatura, além de ter sido o primeiro presidente da Academia Sergipana de Letras e de haver presidido o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Embora sem a repercussão que teve à época a viagem do professor Rocha Lima, uma outra viagem de estudos importante para a reforma do ensino em Sergipe foi a realizada à mesma época pela professora Penélope Magalhães. Presbiteriana, Penélope, ainda criança, freqüentara a Escola Americana de Laranjeiras , de onde saiu em 1898 para estudar na Califórnia, como bolsista da sua igreja. Estudou nos Estados Unidos da América durante doze anos, concluindo os cursos pedagógico e de teologia. Regressou ao Brasil em 1910, para trabalhar como professora do Instituto Ponte Nova, no município baiano de Wagner, localizado na Chapada Diamantina. Ainda na década de 1910 regressou a Sergipe, onde se transformou em catedrática de Inglês na Escola Normal de Aracaju. A professora Penélope foi designada pelo interventor


Augusto Maynard Gomes para ir a São Paulo e ao Rio de Janeiro verificar a legislação e currículos que se adequariam ao projeto do Jardim [de Infância Augusto Maynard], de acordo com os padrões técnicos do Ministério da Educação, sendo ela a fundadora e primeira diretora do Jardim .


Segundo Vilas-Bôas,


no início dos anos 30, em Sergipe, o Jardim de Infância Augusto Maynard Gomes foi o primeiro estabelecimento educacional a ser construído em Aracaju seguindo o modelo de educação infantil mais moderno da época.e implantando o método de alfabetização mais atual que existia .


A obra do Jardim incorporou as prescrições teóricas da Escola Nova que circulavam em São Paulo. O edifício foi construído, dispondo as salas em módulos nos quais eram realizadas as atividades de recreação, teatro, dança, desenho e música. Para as festas, foi construído um auditório em forma de concha acústica. Todos os blocos do prédio eram cercados de áreas de terra nas quais as crianças cultivavam as próprias plantas. No jardim, funcionavam gabinetes médico e dentário, além de uma enfermaria.
Manuel Franco Freire era ainda um jovem professor em 1927, quando assumiu o cargo de diretor da instrução pública. Entusiasmado com as novas idéias pedagógicas que vinham se irradiando a partir de São Paulo, procurou promover uma reforma na Escola Normal, equipando-a com laboratórios de Física, Química e História Natural importados da Alemanha. Permaneceu no cargo até o final do ano de 1930, quando Getúlio Vargas nomeou interventores para todos os Estados. Na década de 1930, da mesma maneira que José Augusto da Rocha Lima e Penélope Magalhães foi designado pelo governo para fazer uma viagem de estudos e observar os resultados da reforma do ensino no Estado de São Paulo e no Distrito Federal.
Vale a pena acrescer a esta lista o nome do professor Abdias Bezerra. Ele viajou a São Paulo no ano de 1923, onde estudou as reformas do ensino que vinham sendo implementadas naquele Estado. Ao regressar, comandou a reforma do ensino sintetizada no Regulamento da Instrução Pública editado em 11 de março de 1924 por Maurício Gracho Cardoso, então presidente do Estado. O novo regulamento alterou profundamente os programas para os cursos primário, elementar e superior vigentes em Sergipe.
Abdias Bezerra nasceu no dia sete de setembro de 1880 na então Vila de Siriri. Era filho do professor João Amâncio Bezerra e da sua mulher, Hermínia Rosa Bezerra. Antes de iniciar os seus estudos secundários no Ateneu Sergipense, fora aluno das escolas de Siriri, Itabaiana e Japaratuba. Em março de 1900, matriculou-se na Escola Militar do Realengo, onde fez o curso secundário e o primeiro ano do ensino superior, sendo expulso em 1904, depois de ter participado da revolta do mês de novembro daquele ano. Regressou a Sergipe e iniciou a sua carreira de docente, lecionando em escolas privadas. Em maio de 1909 foi aprovado em concurso público para a cadeira de francês do Ateneu. Em 1911, transferiu-se para as cadeiras de aritmética e álgebra, do curso ginasial. Em seguida passou a ensinar português, até o ano de 1915, quando assumiu as cadeiras de geometria e trigonometria. Um ano depois, em junho de 1916, voltou outra vez para as cadeiras de geometria e trigonometria. Era um caso raro de professor capaz de lecionar em várias áreas.
Em novembro de 1922, Abdias Bezerra assumiu o cargo de diretor do Ateneu Sergipense. Em abril de 1923 foi dirigir o curso comercial Conselheiro Orlando e em maio do mesmo ano passou a exercer o cargo de diretor da instrução pública do Estado. O professor Abdias Bezerra morreu no dia 14 de junho de 1944.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

AS REFORMAS DO ENSINO EM SERGIPE

A educação brasileira foi marcada no período de 1910 a 1950 pela forte presença das reformas do ensino comandadas por intelectuais ligados ao movimento dos Pioneiros da Educação Nova. Os debates a respeito da Pedagogia Moderna iniciaram-se ainda nos anos finais do século XIX e ganharam materialidade na condição de projeto republicano a partir das reformas do ensino implementadas em São Paulo por intelectuais como Caetano de Campos, no momento em que as elites paulistas investiam na organização de um sistema de ensino que, por representar o progresso republicano, pudesse legitimar a pujança do Estado diante da federação. Bem sucedido, o projeto encantou os demais Estados brasileiros, pela sua Escola Modelo, pelas práticas da sua Escola Normal, pela organização dos dispositivos de inspeção escolar, pela uniformização do sistema de ensino, pela adoção do método intuitivo, pela importação de material escolar e pela sua pedra de toque: o grupo escolar. Este condensava a modernidade pedagógica por oferecer ensino seriado, homogeneizar as classes, reuni-las num mesmo edifício e pela grandiosidade das suas edificações. Foi nesse tipo de instituição escolar que Sampaio Dória mostrou ao Brasil ser possível desenvolver as práticas do método intuitivo e a sua articulação com o modelo pedagógico de Spencer, de caráter enciclopédico.
O êxito do modelo de São Paulo pode ser verificado pelo fato de terem se multiplicado as viagens de estudos dos intelectuais de diferentes Estados que buscavam apreender as reformas implementadas pelos paulistas. Outro indicador desse sucesso foi o freqüente empréstimo de técnicos por parte do Governo de São Paulo aos vários Estados brasileiros. Nem mesmo a crise vivida pelo modelo de São Paulo na década de 1920 pode ser apontada como um declínio desse interesse dos intelectuais da educação brasileira pelas decisões de política educacional tomadas no planalto paulista. A reforma Sampaio Dória, na primeira metade da década de 1920 agitou as discussões sobre educação no seu Estado e no Brasil, ao tempo em que o país inteiro estava sensibilizado pela ação civilizatória representada pelo movimento das ligas nacionalistas.
Os governos estaduais se entusiasmaram com as reformas que se irradiaram a partir de São Paulo pela visibilidade que ganhavam junto à opinião pública, em função do seu caráter moderno, que se exprimia através de um discurso de racionalidade técnica dos profissionais de educação, da legitimação que se poderia obter ao articular-se com a Associação Brasileira de Educação e pelo caráter espetaculoso dos modelos arquitetônicos de grupos escolares que passaram a adotar, inspirando-se na arquitetura escolar adotada em São Paulo. Um dos primeiros dentre os governantes estaduais a compreender essa repercussão fora o líder política cearense Justiniano Serpa que conseguiu, em 1922, o apoio do governo de São Paulo, levando para o Ceará, como diretor da instrução pública, o professor Lourenço Filho.
Já na década de 1930, São Paulo voltou a impressionar os demais Estados, com a reforma do ensino que implementou a partir de 17 de dezembro de 1930, sob a liderança do professor Lourenço Filho.
À medida que as reformas se irradiavam por todo o Brasil (São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia), ao longo das décadas de 1920 e 1930, também se consolidavam o ideário da Escola Nova no Brasil, seja pela presença de um novo perfil de pedagogos, os “educadores profissionais”, seja pela expansão de caráter quantitativo e qualitativo da nova literatura educacional. A consolidação escolanovista contou com a forte influência que exerceram as conferências nacionais organizadas pela Associação Brasileira de Educação – ABE e com a visibilidade que ganharam as reformas realizadas no Distrito Federal por Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. A superação dos padrões cívico-nacionalistas propostos pelas ligas possibilitou aos intelectuais da Escola Nova, a partir da década de 1930, a legitimação do discurso de defesa de uma escola pública única, laica, gratuita e obrigatória, na qual fosse possível colocar em prática o ideal de co-educação dos sexos. Uma instituição onde a autoridade pedagógica não fosse imposta, mas sim acatada através do consentimento.
As idéias da Pedagogia Moderna e da Escola Nova em Sergipe durante a primeira metade do século XX receberam grande contribuição da parte dos intelectuais que fizeram viagens a São Paulo e ao Rio de Janeiro. Os nossos principais reformadores do ensino, em algum momento, estiveram intercambiando com os intelectuais da educação desses dois Estados e, com eles, aprenderam a repensar as políticas educacionais e as práticas escolares.
Dentre os que assumiram, em Sergipe, o discurso da modernização pedagógica está o médico e pedagogo capelense Helvécio de Andrade. Ele ocupou, por três vezes, o cargo de diretor da instrução pública, entre os anos de 1913 e 1935. Delegado fiscal do governo federal junto ao Atheneu Sergipense, foi professor e diretor da Escola Normal, onde trabalhou como lente das cadeiras de História Natural, Pedagogia, Pedologia, Higiene Escolar e Ciências Físicas e Naturais. Foi militante ativo do Centro Socialista Sergipano, da Hora Literária, ocupante da cadeira número quinze da Academia Sergipana de Letras, do Centro Literário Educativo, da Sociedade Médica de Sergipe e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Dirigiu, em Sergipe, a Associação Brasileira de Educação. Criou a biblioteca da Escola Normal e organizou as “conferências cívicas e pedagógicas.” O seu entusiasmo com o modelo das reformas de São Paulo teve início quando ele trabalhou em Santos, como Inspetor Geral da Educação, na última década do século XIX, antes de transferir-se para Sergipe. As idéias que aprendera em São Paulo, Helvécio de Andrade buscou implementar como diretor da instrução pública, em Sergipe: “adotamos métodos mais suaves, humanos e naturais, de acordo com os preceitos da Pedagogia moderna”.
Bem articulado, Helvécio Ferreira de Andrade era um dos membros e diretor estadual da Associação Brasileira de Educação – ABE. Ele produziu para a Associação o “Plano de organização do ensino em Sergipe apresentado a Associação Brasileira de Educação em 1935”, publicado pela Casa Ávila. Nesse texto ele defende a importância do Serviço de Estatística Geral do Estado e a essencialidade da produção desse tipo de estudo para o Brasil.


Nação sem estatística é nação desaparelhada para conhecer dos seus recursos presentes e futuros e das suas possibilidades econômicas e culturais. O recenseamento escolar deve proceder a qualquer sistema de organização do ensino. Só por seu intermédio podemos conhecer das necessidades regionais, no empenho de uma boa distribuição das escolas; não só isso como de condições outras que interessam a instrução publica, como seja a distribuição de recursos didáticos e outros à população escolar necessitada .


Os padrões de cientificidade da Pedagogia postos naquele momento impunham ações como medir, avaliar, ou seja, quantificar e controlar.
Além de Helvécio de Andrade, outros intelectuais da educação em Sergipe também se engajaram na discussão em torno da Pedagogia moderna, apoiando, mais tarde, o movimento da Escola Nova. O professor Adolfo Ávila Lima, inspetor geral do ensino, um dos fundadores, em 1916, da Liga Sergipense Contra o Analfabetismo teve papel destacado nesse movimento, ao lado de outros professores como José Augusto de Rocha Lima, Franco Freire e Penélope Magalhães. Os três últimos fizeram viagens de estudos a São Paulo e ao Rio de Janeiro.
As viagens de estudo e a “importação” de técnicos constituíram estratégia importante para a política de modernização da Pedagogia em Sergipe. Em 1909, o presidente de Sergipe, Rodrigues Dória, trouxe de São Paulo o professor Carlos Silveira, para reorganizar a instrução pública. Este propôs um plano que previa a construção de grupos escolares, a organização do serviço de inspeção escolar, a adoção dos novos métodos de ensino e a remodelação dos ensinos normal e secundário. Carlos Silveira permaneceu cerca de um ano em Sergipe, retornando em seguida a São Paulo, onde passou a atuar como professor do Instituto Pedagógico. O seu projeto teve conseqüência e, cinco anos depois, no período em que Helvécio de Andrade estava dirigindo a instrução pública, este relatou ao presidente do Estado a necessidade de importar o material escolar necessário ao bom funcionamento dos grupos escolares: “globos, mapas, sólidos geométricos, sistema de pesos e medidas, séries de seres orgânicos e inorgânicos, material para as lições de coisas etc...” O discurso e a política de construção de grupos escolares intensificou-se mais na década de 1920, quando a presidência do Estado foi exercida por Maurício Graccho Cardoso.

domingo, 1 de agosto de 2010

PARA ESTUDAR A HISTÓRIA DA ODONTOLOGIA EM SERGIPE

A ODONTOLOGIA


Desde o século XVI a Odontologia era praticada no Brasil pelos barbeiros sangradores. Antes da descoberta da anestesia o procedimento odontológico mais usual era o da extração dentária. A partir de 1728 o francês Fauchard, considerado o Pai da Odontologia, mesmo sem um maior desenvolvimento dos anestésicos, revolucionou as práticas odontológicas, através da criação de novas técnicas e instrumentos especialmente concebidos para o trato com os dentes. Antes de encerrar-se o século XVIII, o ofício foi regulamentado pelo Estado português, em 1782. O século XIX se iniciou com um processo de intensificação da restauração dos dentes com o emprego do chumbo quente e com o uso cada vez maior das próteses esculpidas em marfim. É neste século que a palavra dentista se generaliza como sendo a adequada para denominar os profissionais que exerciam essas práticas.
No século XIX os cirurgiões-dentistas que atuaram em Sergipe foram formados pelas Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, ou em escolas de outros países. Em 1875 trabalhava na Província o cirurgião-dentista Josino Correia Cotias, que também era médico e farmacêutico.
A atividade dos profissionais da arte dentária em Sergipe ganhou uma regulamentação mais rigorosa em 1892, depois da entrada em vigor do Regulamento Sanitário do Estado.
Já sob o regime republicano, após a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, quando da implantação em Sergipe do Serviço de Saneamento e Profilaxia Rural, em 1923, o diretor deste novo órgão determinou que todos os dentistas, médicos e farmacêuticos registrassem os seus diplomas na repartição.
A preocupação com o caráter científico da atividade odontológica é posta com muita clareza pelo Código Sanitário do Estado de Sergipe aprovado em 1926, ao atribuir à Diretoria Geral do Serviço Sanitário a competência de fiscalização da medicina em qualquer dos seus ramos (farmácia, obstetrícia e arte dentária). Foi criado, novamente, o Conselho Sanitário Central, tendo como integrantes o diretor geral do Serviço Sanitário, os delegados sanitários dos municípios, o Intendente Municipal de Aracaju, o professor de higiene da Escola de Farmácia e Odontologia Aníbal Freire, os diretores do Instituto Parreira Horta e Arthur Bernardes, do Hospital de Cirurgia e os médicos do Batalhão da Força Federal e da Polícia Militar do Estado.
As preocupações com a atividade científica no campo da Odontologia faziam com que nas primeiras décadas do século XX houvesse uma verdadeira cruzada de combate ao charlatanismo nessa área. Para alterar esse quadro, o presidente Maurício Graccho Cardoso criou, em dezembro de 1925, a Faculdade de Odontologia e Farmácia de Sergipe Aníbal Freire. O Regulamento da instituição foi aprovado em fevereiro de 1926 e no mês de abril foram iniciadas as aulas. A matrícula inicial nos dois cursos era de 22 alunos. Segundo o presidente de Sergipe, no discurso que proferiu durante a aula inaugural, era necessário livrar o Estado dos práticos de Farmácia e Odontologia existentes, fazendo com que todos os que exercem essas atividades tivessem oportunidade de incorporar os saberes da Química, da Fisiologia, da Patologia Geral e da Higiene (SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe,1997. [Dissertação de Mestrado]. p. 190).
Dirigida por Augusto Leite, a Faculdade tinha nos seu corpo docente os seguintes profissionais: Josaphat Brandão, Oscar Nascimento, Archimedes Guimarães, Antônio Tavares de Bragança, Ranulfo Prata, Lauro Hora, Américo de Miranda Ludolf e João Firpo Filho.
A Faculdade deveria utilizar para o seu funcionamento a estrutura já existente no Instituto Parreira Horta, no Instituto de Química Arthur Bernardes e no Hospital de Cirurgia. Porém, a instituição funcionou apenas durante o ano de 1926, encerrando suas atividades em novembro daquele mesmo ano.
O debate sobre o ensino de Odontologia em Sergipe foi retomado em 1957, com a fundação de uma sociedade civil que se propunha a manter a Faculdade de Odontologia de Sergipe. O odontólogo Arício Guimarães Fortes liderava o movimento que reunia 28 outros profissionais e assumiu a presidência da associação, tendo como companheiros de diretoria Francisco Moreira Souza, Jurandyr Cavalcante, João Santana, João Simões dos Reis e Lélio Fortes. As dificuldades de relacionamento entre o presidente da associação e o então governador de Sergipe, Leandro Maciel, dificultaram o êxito do empreendimento. Arício Fortes renunciou e a odontóloga Maria Linhares Nou assumiu a presidência. Contudo, a forte presença de Arício Fortes no movimento fez com que os governos da UDN dificultassem o empreendimento. Assim, somente em 1970, depois de instalada a Universidade Federal de Sergipe, a sociedade foi incorporada pela instituição, criando-se o curso de Odontologia da UFS.