sábado, 18 de dezembro de 2010

PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL - IV

Nas leituras que fizera de Dewey durante a sua segunda viagem aos Estados Unidos da América, Anísio encontrou um crítico dos impasses da democracia americana diante de problemas como a imigração crescente que sufocava o país diante da enorme quantidade de estrangeiros que ali chegavam a cada ano. Como intelectual militante, Dewey se caracteriza por atuar assistindo instituições com fins filantrópicos e voltadas para o auxílio material e educacional aos imigrantes pobres. Ele afirmava que os estrangeiros não representavam nenhum perigo ao seu país e que o problema estava nas próprias instituições norte-americanas. O discurso pragmatista de Dewey era otimista diante do fenômeno da imigração, por ver nele possibilidades concretas de alteração da estrutura de classes sociais do país e um intenso movimento de ascensão social. Por outro lado, a imigração vinha forçando uma expansão na oferta da escola pública por parte do governo o que provoca também um crescimento das associações e movimentos docentes.

Anísio Teixeira conheceu as idéias de Dewey quando este já era um professor universitário importante que havia trabalhado em universidades como Vermont, John Hopkins, Michigan, Chicago e Columbia. A sua obra se espraiava por campos como filosofia, ética, psicologia, ciência política, sociologia e educação. Já havia participado de experiências pedagógicas importantes, como a escola elementar da Universidade de Chicago e a Hull House. Anísio se empenhou, entre o final da década de 1920 e a década de 1950, a divulgar a obra de Dewey no Brasil. Clarice Nunes informa que um dos primeiros trabalhos publicados foi Vida e educação, reunindo dois ensaios:


“um sobre a teoria da educação deweyana na sua perspectiva de reconstrução da experiência, e outro que discutia o programa escolar e trabalhava as noções de interesse e esforço. Ambos eram precedidos por uma apresentação de Anísio que, à época, era professor de filosofia da educação na Escola Normal de Salvador.”


Após renunciar ao cargo de diretor da instrução pública do Distrito Federal, Anísio Teixeira publicou a versão que traduzira de Democracia e Educação. Neste livro estão os fundamentos teóricos adotados por Anísio no seu trabalho de reforma do sistema de ensino do Rio de Janeiro. Na década de 1950 ele supervisionou a tradução do livro Reconstruction in philosophy, realizada por Eugênio Marcondes Rocha e Jacob Thealdi.

John Dewey ingressou na Universidade em 1882 e se entusiasmou com os estudos de lógica. Eram estudos hegelianos, inspirados nas sínteses sujeito-objeto, matéria-espírito, divino-humano. Em Hegel, Dewey rejeitou o caráter metafísico da formulação do pensamento.

Era para os professores que John Dewey escrevia. Em How we think , que ganhou sua primeira edição brasileira em 1930, ele mostrou


“ao professor que é possível aprender a pensar de forma conseqüente, isto é, elaborar métodos de julgamento adequados e planos de aperfeiçoamento que fizessem dos erros lições úteis, no sentido de deixar claros os métodos insuficientes de aplicação da inteligência.”


Neste livro, Dewey estabelece as finalidades educacionais do pensamento:


“criar pessoas conscientes da sua ação e criar a possibilidade de reinventar a ciência e a própria vida. Pensar bem, segundo seu ponto de vista, requer a curiosidade vigilante, a intensidade do interesse concentrado e o exame contínuo de cada passo projetado.”

domingo, 5 de dezembro de 2010

PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL - III

TEIXEIRA NA AMÉRICA


Anísio Teixeira viajou para os Estados Unidos da América pela primeira vez em abril de 1927, após haver sido diretor de instrução pública do Estado da Bahia, onde trabalhou na implementação de uma reforma educacional moldada pelo que entendia ser, àquele momento, o discurso educacional renovador. Matriculou-se no Teachers College da Columbia University, onde permaneceria até o final de agosto, para em seguida visitar as instituições educacionais de seis Estados norte-americanos, como convidado do International Institute do Teachers College. Esta viagem por diferentes regiões dos Estados Unidos da América se encerrou no mês de novembro e possibilitou a Anísio Teixeira produzir o relatório publicado sob o título de Aspectos americanos da educação. Nesse documento Anísio faz referência as idéias de John Dewey e de Edward Lee Thorndike. Reconhecendo em ambos a mesma importância, Teixeira demonstra ser indispensável levar em consideração


“a concepção quantitativista do segundo, cuja proposta era tudo avaliar, calcular e medir, criando métodos de investigação cuja aplicação geral fora realizada em 1911, por iniciativa da Junta para a Economia de Tempo, organizada pela Sociedade Nacional de Educação dos Estados Unidos.”


Ao final do ano de 1927, os estudos de Anísio Teixeira na Columbia University davam-lhe a certeza de que era cada vez mais necessário estudar Dewey e Thorndike. Com o primeiro era possível aprender os sentidos moral e social da democracia e com o segundo o controle dos resultados dos serviços escolares. É importante anotar que naquele momento John Dewey ainda não era o mais importante dentre os pedagogos do país e suas idéias ainda não haviam sido adotadas de modo mais amplo. Ele ainda estava sendo descoberto. O acompanhamento da criança e de todo o seu processo de aprendizagem, desde o momento em que se inicia o trabalho escolar. Era neste âmbito que se colocava o sistema de inspeção escolar adotado nos Estados Unidos da América que tinha, para Anísio Teixeira, o sentido de orientação pedagógica. Como os americanos, ele estava fascinado com os testes de capacidade mental, de aquisição educativa, de situação econômica e social, de saúde e capacidade física. Instrumentos que, na sua opinião, poderiam contribuir para equalizar os diferentes níveis de aprendizagem existentes na escola, contribuindo para com a organização do trabalho do professor.

A viagem que fez no segundo semestre do ano levou Anísio a valorizar a organização docente e as experiências das instituições escolares da zona rural norte-americana. A aprendizagem proporcionada aos estudantes dos hábitos de direção e auto-governo, representadas pelos conselhos escolares de alguns estabelecimentos de ensino. Do mesmo modo, os estímulos ao espírito de investigação e a valorização das práticas de leitura. Teixeira enxergava nesses elementos a possibilidade de renovação espiritual que pretendia para a escola brasileira.

Ao retornar ao Brasil, no final do ano de 1927, Anísio Teixeira trouxe na bagagem um forte entusiasmo pelas idéias pedagógicas norte-americanas, especialmente aqueles formuladas por Dewey e Thorndike, além de uma sólida amizade que estabelecera com o escritor Monteiro Lobato, à época adido comercial do Brasil em Nova York. Em 1928 ele retornou outra vez aos Estados Unidos. Agora, para permanecer durante dez meses, como bolsista do Macy Student Fund do International Institute, outra vez matriculado no Teachers College, em Nova York. Estudou currículo, educação comparada, análise do trabalho escolar em áreas rurais e teoria filosófica geral da educação. Neste último campo teve Kilpatrick como orientador de estudos. Dentre os autores que leu nesse período, importa anotar os estudos dos textos de William James, Bertrand Russel, Edward Thorndike e John Dewey. Este último fora professor de Kilpatrick.

Edward Lee Thorndike se entusiasmara com a obra de William James após haver lido o seu Principles of Psychology. Em 1895, estudando em Harvard, Thorndike teve a oportunidade de ser aluno do próprio James e iniciar sua própria trajetória científica. Foi James que despertou nele o entusiasmo pela Psicologia Experimental, uma vez que este trouxera os fundamentos desse tipo de pesquisa dos laboratórios que conhecera na Alemanha, ao estudar com Wilhelm Wundt. Os laboratórios tinham como fundamento a idéia evolucionista de que o homem é uma espécie animal mais evoluída. Foi justamente esta a concepção que os pragmatistas norte-americanos se empenharam em reformular. Começou a fazer experim,entos comportamentais com pintos, frangos, patos, peixes, ratos, macacos e outros animais. Em 1898 concluiu a sua tese de doutorado na Columbia University, com o título de Animal Intelligence. Discute as possibilidades de aprendizagem dos bichos. Tomou esses experimentos como ponto de partida para formular uma psicologia educacional. Passou aestudar a atividade mental do homem. Em 1899 assumiu o posto de professor do Teachers College da Columbia University. Foi a partir dessa posição que ele pesquisou as diferenças individuais, elaborando testes de medidas destas, a partir da influência dos trabalhos de Galton. Para Thorndike havia uma necessidade fundamental: tratar cientificamente as diferenças individuais.


“Ao elaborar trabalhos quantitativos através do uso de testes para medir as diferenças individuais, aperfeiçoou por um lado os testes como critério de medida, e por outro, os experimentos psicológicos, direcionando-os para uma perspectiva cada vez mais científica.”

sábado, 4 de dezembro de 2010

PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL II

Os Estados Unidos estavam consolidando a expansão da fronteira agrícola do Oeste e, com ela, a visão de que os fazendeiros dedicados tinham todas as chances, porque o trabalho era uma fonte de oportunidades sem limitações. As dificuldades econômicas que surgiam enfrentavam reações do pragmatismo, que se dispunha a construção de um novo tipo de liberalismo, com fundamento num sólido otimismo e propondo reformas que priorizavam a ação individual. Os pragmatistas faziam um discurso que representava um tipo de reação à crise da ordem social, propunha mudanças e não abria mão da idéia de que quem controla a sociedade é ela própria – o social control. Eram o ativismo e as lutas por reformas sociais que forneciam o alento do qual o pragmatismo se nutria.


“Uma coisa, entretanto, não deve ser esquecida, a complexa relação entre uma visão coletivista e o compromisso com os indivíduos. Trata-se de uma tensão que não se resolve com facilidade, e aparece tanto no pragmatismo – considerado como uma filosofia social ou como uma filosofia da educação – quanto na tradição sociológica que se formou sob sua influência.”


Toda esta configuração se apresentava numa sociedade que vivia, dentre os seus dramas, o espetáculo do inchaço das cidades, uma repressão cruel ao movimento dos trabalhadores, a expansão dos cortiços ao redor das minas de carvão e das indústrias. Havia, da parte de muitos pastores protestantes uma certa ansiedade no sentido de adaptar melhor o país à pregação moral do cristianismo. Ademais, boa parte do clero vinha perdendo prestígio político e econômico após a Guerra Civil. A doutrina religiosa recebia uma forte contestação da teoria evolucionista. Assumir a bandeiras das reformas sociais era uma tentativa de recompor o prestígio que se fora. Por outro lado, este período foi também marcado pela formação da vigorosa é influente camada média de profissionais que se consolidou no país. O pragmatismo dirigia, assim, o seu discurso às pessoas que buscavam ascender socialmente com base nos seus méritos profissionais. Principalmente aos intelectuais que buscavam, através das universidades, colaborar com o desenvolvimento da nação. Esse grupo sensibilizava políticos e homens de negócios que liberavam somas cada vez maiores para as instituições universitárias.

Os últimos anos do século XIX foram um período de criação de grandes universidades norte-americanas. Modernas, sem o compromisso das tradicionais universidades européias, instituições como a John Hopkins University e a Universidade de Chicago foram instaladas, respectivamente, em 1876 e 1892. Esta última, a Universidade de Chicago, se transformou num centro de pesquisas científicas que amparou os intelectuais pragmatistas, principalmente John Dewey e George Herbert Mead. O debate intelectual realizado na Universidade de Chicago era pródigo em críticas ao


“formalismo e fatalismo dos sistemas filosóficos europeus: o apriorismo de Kant, a metafísica formal de Hegel, o mecanicismo de Spencer, etc. Era preciso passar do formalismo para a experiência, pois afinal de contas todos esses sistemas eram produtos da vida humana.”


O pensamento filosófico de John Dewey, de George Herbert Mead e de outros intelectuais da Universidade de Chicago incorporou boa parte das críticas de Charles Peirce às idéias do formalismo cartesiano e também da psicologia de William James. Trabalhando em Harvard, James fora professor de Herbert Mead, através de quem suas idéias chegaram ao debate dos intelectuais de Chicago. É a contribuição dele que ajuda a superar a clássica dicotomia entre a realidade externa do mundo e a realidade interna da mente. Os pragmatistas propõem que todo o conhecimento resulta da atividade que muda a mente e o mundo conhecido. A atividade é biológica, psicológica e ética. Mantém relação com o conceito de função e com a noção de processo orgânico.


“Isto envolve a idéia de um agente que deseja, sente e tem emoções, e implica um objeto ou fim em vista do qual o movimento está dirigido. Mas nesta visão de atividade concreta a função biológica não é apenas um processo mecânico, nem o agente um ser espiritual sobrenatural, nem o fim é qualquer tipo de absoluto.”


Na opinião de John Dewey, George Herbert Mead foi o mais importante intelectual do grupo de pragmatistas que trabalhou em Chicago. Ele abriu para a ciência a possibilidade de investigar o nexo existente entre os processos sociais e as ações dos indivíduos. Ao falar durante os funerais dele, em 1931, Dewey disse que Mead “passou a vida tentando resolver a antítese proposta por Wilhelm wundt – ‘o problema da mente e da consciência individual em relação ao mundo e à sociedade.’” George Herbert Mead estudou em Leipzig, com Wilhelm Wundt.