segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

OS ESTUDOS SOBRE INTELECTUAIS NA HISTORIOGRAFIA DE MARIA THETIS NUNES

A discussão a respeito dos intelectuais na historiografia de Maria Thetis Nunes feita por este trabalho está dividida em dois momentos. No primeiro são apresentados os dados da copiosa contribuição desta autora a esse campo de estudos específicos, colocando em relevo dados estatísticos a respeito da sua produção. Num segundo momento são analisados os traços dominantes da produção dessa historiadora sobre os intelectuais. São examinados, principalmente os temas e as abordagens pelos quais a autora opta.
São muito importantes os estudos em torno dos intelectuais. Recompor suas trajetórias, seus lugares suas intervenções na cena cultural e política pode ensejar uma compreensão mais acurada dos processos mediante os quais foram cotejados e postos em disputa padrões de formação da vida social. A obra da professora Maria Thetis Nunes tem se debruçado sobre um grande número de intelectuais que, de diferentes origens acadêmica e profissional, deram suporte à vida cultural brasileira. Os intelectuais estudados por esta autora marcam a vida de Sergipe e do Brasil.
Cabe, então, esclarecer o sentido deste trabalho. O que aqui foi chamado de “Os estudos sobre intelectuais na historiografia de Maria Thetis Nunes” é um estudo introdutório acerca do modo como os intelectuais aparecem na obra da autora examinada . É evidente que toda a sua produção bibliográfica está pontuada pela presença de intelectuais e do diálogo que a autora mantém com estes. Contudo, o que interessa aqui não são as aparições referenciais, mas os estudos produzidos especificamente para analisar obras e trajetórias de vida dos intelectuais. Os limites deste texto estão, portanto, circunscritos aos cinqüenta e quatro trabalhos sobre intelectuais produzidos pela autora. O dado por si já demonstra o destaque que tem na obra de Maria Thetis Nunes o estudo da intelectualidade, uma vez que, estatisticamente, sem valorar a produção e computando-se apenas título por título, esse tipo de trabalho representa metade da produção da autora.
A importância de Maria Thetis Nunes pode ser medida pela sua produção como pesquisadora. A partir da sua posição no Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, ela publicou inúmeros livros e artigos sobre uma ampla diversidade de temas do campo, tornando-se referência obrigatória aos estudos sergipanos da área. No final da década de 1950 e início da década de 1960, ela foi uma aplicada estagiária do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, no qual ligou-se a intelectuais como Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto, onde aprendeu a pesquisar sob o viés da teoria marxista tal como concebida pela esquerda isebiana. A obra de Maria Thetis Nunes é marcada por uma recorrente perspectiva teórica e pelo mesmo padrão metodológico que assumiu na década de 1950. O seu viés interpretativo assumiu ser a história fundamentalmente a história das lutas de classes. A partir daí a autora fez uma série de operações analíticas, nas quais as evidências que extrai das fontes se prestam a localizar as relações entre burguesia e proletariado. Do mesmo modo, para identificar os interesses que as classes dominantes defendem.
Pelo pioneirismo dos seus estudos e pelo esmero com o rigor metodológico das perspectivas teóricas que assumiu, Maria Thetis Nunes inspirou teórica e metodologicamente as gerações de pesquisadores que têm trabalhado tomando os seus estudos como fonte. Como ela, seus herdeiros assumiram a teoria marxista. Por contraditório que possa parecer, o conjunto de estudos realizado por Maria Thetis Nunes sobre intelectuais leva à reflexão a respeito do papel que o indivíduo exerce na história. Thetis, certamente, valoriza a importância do sujeito/indivíduo. Como lembra Vavy Pacheco Borges,

os problemas de interpretação de uma vida são riquíssimos, pois nos defrontam com tudo que constitui nossa própria vida e as dos que nos cercam. Num círculo vicioso, exigem de nós auto-conhecimento e preocupação com a compreensão dos outros seres humanos; mas, ao mesmo tempo, podem acabar por reforçar em nós tudo isso .

Ao estudar a trajetória dos intelectuais, é necessário compreender as pressões sociais que atuam sobre o indivíduo. Este é um esforço presente nos estudos de Thetis Nunes. Não basta apenas produzir uma narrativa histórica, mas, como faz a autora, de certa maneira, elaborar um modelo teórico. Ela busca apreender na estrutura os modos através dos quais a sociedade atua no indivíduo, uma vez que, como entende, mesmo sendo autônomo o intelectual está subordinado a tal estrutura, posto ser “simplesmente impossível para uma pessoa ter uma propensão natural geneticamente enraizada de fazer algo” .
É, portanto, objetivo do estudo, conhecer os principais intelectuais sobre os quais Maria Thetis Nunes se debruçou, conhecer o esforço de compreensão da intelectualidade, empreendido pela autora. É, portanto, uma leitura compreensiva que decorre da necessidade de examinar sob diferentes ângulos a obra de um dos mais produtivos dentre os intelectuais que têm atuado contemporaneamente no cenário dos estudos de história produzidos a partir da Universidade Federal de Sergipe. É inegável que esse campo de estudo, que se detém sobre os intelectuais, tem visto crescer a sua importância nas últimas décadas e tem sido objeto da preocupação permanente dos historiadores. No caso dos estudos produzidos em Sergipe, não é difícil obter tal comprovação. Basta que nos debrucemos sobre um trabalho que produzi em 2003 para verificar que somente os pesquisadores do campo da História da Educação em Sergipe, no qual Maria Thetis Nunes tem atuação destacada, produziram na última década dezoito trabalhos sobre intelectuais, entre monografias, dissertações de mestrado e artigos científicos .
O conjunto de estudos realizados por Maria Thetis Nunes é constituído principalmente por artigos publicados em revistas científicas e jornais. Sem dúvida, jornais e revistas são as principais publicações periódicas, veículos importantes para a difusão e legitimação do discurso dos intelectuais. “O jornal como veículo rápido de notícias, a revista menos sujeita às contingências da rapidez e mais adequada para refletir diferentes aspectos da vida cultural e atender a interesses específicos” . Mas, há também trabalhos em anais de eventos científicos dos quais ela participou, e onde divulgou parte dessa produção, além das separatas que produziu. A maior parte dessas histórias de vida apresentadas por Maria Thetis se pautou em dados que invariavelmente incluem data e local de nascimento, filiação, prole, formação educacional, profissão, exercício de funções públicas e morte.
Em Thetis Nunes, os estudos sobre intelectuais têm cumprido diversos papéis. Dentre eles o de celebração de uma memória que cria vínculos de identidade entre os pesquisadores do tempo presente e autores e obras que atuaram sobre o tempo passado. A partir da discussão que Thetis Nunes faz com e sobre os seus intelectuais, emergem problemas que concernem à historiografia, à teoria da história que orienta a sua produção. Nos seus intelectuais, a autora busca os sentidos da experiência histórica e da vivência dos homens que analisa . Ao verificar essa experiência, ela trabalha o sentido da construção de um passado glorioso para Sergipe e os seus intelectuais, tentando demonstrar os momentos nos quais intelectuais sergipanos se puseram à frente dos seus pares de outras regiões do Brasil. É explícita em relação a esse tipo de problema ao falar de Tobias Barreto e da defesa que fez este autor em relação aos direitos da mulher . Ou, quando apresenta o trabalho do historiador e político Felisbelo Freire , afirmando que o regimento da instrução pública aprovado por este governante do Estado de Sergipe, no período republicano, antecipou a reforma Benjamim Constant, implementada posteriormente a partir do Rio de Janeiro, a capital da nascente República. Esta é uma discussão ao gosto da historiadora Maria Thetis Nunes. A polêmica a respeito do pertencimento das idéias e a busca incansável das novidades que podem nascer na periferia.

domingo, 30 de janeiro de 2011

O PROFESSOR CALASANS E A POLÍTICA EDUCACIONAL - II

Inspecionar as escolas foi importante para o Estado Novo, porque a inspeção se colocou para a administração pública como uma tecnologia que possibilitava o controle, a regulamentação, o reconhecimento e a cassação das atividades das escolas e dos professores. A presença de Calazans no Departamento de Educação se colocava sob o contexto das necessidades dessa política que impôs ao Estado de Sergipe o remanejamento e a reorganização da sua rede de escolas, o aparelhamento dos seus órgãos centrais, a admissão e remoção de professores, coisas que ocorreram na segunda metade da década de 1930 e durante a primeira metade do decênio seguinte.
Apesar de mais conhecido que o técnico em política educacional, o historiador da educação sergipana José Calazans ainda não teve a sua obra devidamente analisada, não obstante ter sido pioneiro nesse campo. Os seus dois principais estudos da área (O Ensino Público em Aracaju.1830-1871 e Aracaju e Outros Temas) são textos fundadores. Ali, ele periodiza a história da educação em Aracaju. O primeiro período corresponde aos anos de 1830 a 1855, dando ênfase à mudança da capital e suas implicações na educação. O segundo período, de 1855 a 1871, faz referência ao ensino masculino, às dificuldades de implantação das cadeiras de Latim, Filosofia, Francês e ao sucesso do ensino feminino. Além de dar importância à figura de Brício Cardoso como diretor da Escola Normal, revelando a utilização do método Lancaster ou monitorial na instituição.
Até agora, cinco trabalhos historiográficos voltaram o seu olhar para os estudos de História da Educação em Sergipe realizados por Calazans: a análise de Maria Thétis Nunes, um estudo de Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, um de Cristina Almeida Valença, um outro da autoria de Jorge Carvalho do Nascimento e mais um deste mesmo autor em parceria com Itamar Freitas. Este último texto, intitulado “A temática da educação na Revista do IHGS”, é revelador da importância de José Calazans como estudioso da História da Educação em Sergipe: “O trabalho de José Calasans é, todavia, o mais importante dentre os que se especializaram na área, durante a primeira metade do século XX. Disciplina acadêmica que constitui o seu campo a partir do final do século XIX, a História da Educação não se desenvolveu como um gênero da História e o seu objeto não era considerado dos mais nobres. Apropriada por filósofos e pedagogos nos cursos de formação de professores no Brasil, o campo só começou a merecer o olhar dos historiadores de ofício a partir da metade dos anos 1980. Não obstante, nos anos 1940, José Calasans já incorporara o discurso que os historiadores do nosso tempo legaram ao campo da História da Educação. O professor Calasans propõe que a história da educação da cidade de Aracaju seja estudada, levando-se em consideração instituições e práticas escolares. No seu tempo, a maior parte dos textos da área privilegiava as idéias pedagógicas e a organização legislativa dos sistemas de ensino. Inversamente, Calasans analisa e dá sentido ao trabalho de professoras e professores primários e secundários; as práticas do ensino público e do ensino privado; a ação estudantil; as experiências pedagógicas; os edifícios e os equipamentos escolares”.
O fato de o primeiro estudo de História da Educação em Sergipe do qual efetivamente se pode afirmar que tinha um compromisso com os métodos da história e que buscou entender o processo efetivamente vivido, ter sido o inaugural artigo do professor José Calazans, “Ensino público em Aracaju (1830-1871)”, publicado em 1951, é por si mais do que suficiente para revelar a importância deste profissional da educação. A sua crença nas potencialidades civilizatórias educacionais, própria da geração dos brasileiros que foram influenciados pelo movimento da educação nova, ao lado do seu rigor historiográfico, são mais do que suficientes, quando acrescidos dos argumentos até agora esboçados, para a demonstração de que é urgente aos pesquisadores sergipanos de História da Educação a tarefa de estudar com seriedade e profundidade a contribuição de José Calazans, seja como professor, como definidor de políticas educacionais ou como pesquisador. Afinal de contas, pelo pioneirismo dos seus estudos e pelo esmero com o rigor metodológico das perspectivas teóricas que assumiu, José Calazans forma, ao lado de Nunes Mendonça e Thétis Nunes, uma espécie de “santíssima trindade” dos estudos sobre educação sergipana, inspirando teórica e metodologicamente as gerações de pesquisadores que têm trabalhado nas últimas três décadas.

sábado, 29 de janeiro de 2011

O PROFESSOR CALASANS E A POLÍTICA EDUCACIONAL

Ainda são incipientes os estudos de pesquisadores sergipanos que têm se debruçado sobre o trabalho de José Calazans. A sua importância como pesquisador da História do Brasil tem chamado a atenção de muitos estudiosos da historiografia brasileira para a obra deste sergipano que passou a maior parte da sua vida produtiva vivendo na cidade de Salvador, onde se vinculou institucionalmente à Universidade Federal da Bahia, na qual chegou a exercer a função de vice-reitor. A produção baiana de José Calazans despertou a curiosidade, principalmente dos estudiosos dos episódios que envolvem a guerra de canudos e a saga de Antônio Conselheiro, tema do qual ele se transformou num dos mais importantes dentre os muitos pesquisadores. Não obstante a sua grande contribuição ao campo da História realizada na UFBA, José Calazans deixou registros da sua marca de pesquisador em Sergipe, antes de mudar-se para a Bahia. Esses registros têm sido objeto da preocupação de poucos pesquisadores, é certo, mas de modo crescente vem merecendo reflexões por parte de estudiosos como Maria Thétis Nunes e Luiz Antonio Barreto. Também digno de registro é o trabalho de Carlos Antônio dos Santos, O Senhor da Velha Guarda: notas acerca do pensamento historiográfico de José Calazans. Trata-se de uma monografia apresentada para conclusão do curso de graduação em História da UFS no ano de 1999, sob a orientação da professora Lenalda Andrade Santos.
Nos últimos tempos, a obra de Calazans encontrou em Itamar Freitas um bom inventariante e analista. Ao encerrar uma série de artigos que publicou no jornal Gazeta de Sergipe sob o título “Diálogos com Calasans”, este autor afirma que buscou “demonstrar o valor do trabalho pioneiro de Calasans, tanto em relação à história da historiografia como no esboço do tipo ideal de escrita da história no início dos anos 1970. Nesse suposto diálogo, ficou evidenciado o crescimento considerável dos estudos sobre a economia”. Depois de destacar a vida social, a política e a cultura, o analista aqui citado acrescenta a importância da “atividade historiadora em pelo menos três ‘gêneros’ trabalhados por Calasans: historiografia didática, biografia, e história dos municípios”.

A preocupação central deste artigo é com um aspecto pouco difundido da vida e da obra de José Calazans: as suas contribuições à educação em Sergipe, tomadas sob três pontos de vista - o professor, o administrador da política educacional e o pesquisador de História da Educação. Com toda certeza, todos têm conhecimento do óbvio fato de haver Calazans contribuído como professor, posto que esta foi, ao longo da sua vida, a sua principal atividade econômica. Mas, quando se trata de dar conteúdo a este aspecto da sua existência, são quase inexistentes os estudos que nos permitem compreender quem foi o professor Calazans, sob quais padrões intelectuais atuou e de que modo se vinculou institucionalmente. Falo não da sua atividade como docente e pesquisador da Universidade Federal da Bahia, mas sim busco os registros do seu trabalho nas instituições escolares de Sergipe, antes da sua mudança para Salvador. Alguns estudos da área indicam que o professor aqui analisado atuou como docente da Escola Normal Rui Barbosa a partir da década de 1940, mas ainda não deram conta de esclarecer o seu trabalho na congregação daquele centro de formação de professores, o programa que oferecia nas disciplinas que ministrava, os livros que adotava, sua relação com os alunos e outros aspectos da sua prática pedagógica. Os estudiosos do campo até agora centraram as suas atenções, ainda que timidamente, apenas sobre a tese de concurso com a qual este foi aprovado, em 1942, para a cadeira de História do Brasil e de Sergipe: Aracaju: contribuição à história da capital de Sergipe, trabalho publicado no mesmo ano pela Livraria Regina.
Como administrador da política educacional, José Calazans integrou a equipe do professor Arício Fortes, quando este dirigiu o Departamento de Educação. Ao ocupar tal cargo, o diretor geral Arício Fortes se assessorou do professor José Calazans, que ocupou a função de Assistente Técnico. O professor Zezinho Cardoso também integrava o núcleo central do poder no Departamento, na condição de Inspetor Geral do Ensino Primário. Eles três, juntos, faziam de dois em dois meses visitas inspecionadoras, sem prévio aviso, a determinados estabelecimentos de ensino. Os estudos de História da Educação em Sergipe ainda não deram conta de esquadrinhar esse período da nossa história educacional. Todavia, alguns trabalhos já nos fornecem indícios que podem permitir uma melhor compreensão da importância que tinham naquele período as práticas de inspeção escolar. Como intelectual, Calazans participava de um importante órgão administrativo do Estado, o que impõe a necessidade de realização de estudos que nos auxiliem a compreender a sua visão, o seu papel e a sua relação com a sociedade e com a educação. Na sua função de Assessor Técnico do Departamento de Educação, Calazans foi um dos encarregados de propor e fundamentar técnica e cientificamente a política educacional do Estado Novo em Sergipe. Política que nacionalmente sofria fortes influxos do pensamento de Alceu Amoroso Lima, certamente um dos intelectuais que mais opinou durante a gestão de Gustavo Capanema. Isto não significava uma generalização das formas de pensar e agir de todos os agentes intelectuais que desempenhavam os seus papéis técnicos. Assim, não obstante a intransigente defesa do ensino religioso católico feita por Alceu de Amoroso Lima, não foram poucos os conflitos vividos em Sergipe entre José Calazans e os demais membros da equipe do diretor do Departamento de Educação, Arício Fortes, quando juntos tomaram medidas que desagradaram os interesses das instituições escolares mantidas pela Igreja Católica no Estado.
Ao estudar a história do Colégio Imaculada Conceição, em Capela, dirigido pelas irmãs concepcionistas, Sandra Maria dos Santos registrou alguns embates que ocorreram entre a equipe que José Calazans integrava e as freiras que comandavam aquela instituição escolar. No livro de crônicas do Colégio as irmãs escreveram que a equipe comandada pelo professor Arício Fortes chegou de surpresa: além de não ter havido qualquer prévio aviso, era o dia 17 de março de 1938, data na qual ninguém esperava tal visita, pois Aracaju celebrava naquele ocasião o 83o aniversário da mudança da capital: “o fizeram de um modo grosseiro e desdenhoso nos livros do secretario e nos aposentos da casa destinados as alunas internas e externas”. Estes embates e as queixas que deles ficaram registradas devem ser tomados e entendidos no contexto dos conflitos do período e são reveladores da importância do tipo de trabalho que realizava Calazans naquele momento, como bem diz trecho de uma carta enviada por Alceu Amoroso Lima a Gustavo Capanema no dia 19 de março do ano de 1935: “no terreno da educação, é que se está travando a grande batalha moderna das idéias”. Calazans procurou revestir a sua atuação profissional no Departamento de Educação de um caráter eminentemente técnico, tal como o fizeram outros intelectuais que trabalharam sob as mesmas circunstâncias em diferentes níveis de governo e regiões do Brasil, a exemplo de Lourenço Filho que dirigiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep, como Calazans, também defensor de idéias próprias ao movimento da Escola Nova. O professor sergipano defendia as idéias que Alceu Amoroso Lima, no dizer de Raquel Gandini, em Intelectuais, Estado e Educação, considerava “naturalista, materialista, imediatista e estatista”.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O DISCURSO CIVILIZATÓRIO NO BRASIL

Sob a monarquia do século XIX, principalmente a do Segundo Império, foi muito forte o discurso civilizador. Em 1841, um relatório do Ministério da Justiça distinguia os habitantes do litoral, os civilizados, dos demais habitantes do sertão, tidos como bárbaros pelas autoridades monárquicas (MATTOS, Ilmar R de. O tempo saquarema. São Paulo. Hucitec, 1987: 33), principalmente no período de governo dos dirigentes Saquaremas. Era muito caro a este grupo de senadores, magistrados, ministros, conselheiros de Estado, bispos, professores, médicos, jornalistas, literatos e os ocupantes de cargos nos mais distintos escalões administrativos do Império, além daqueles que poderiam ser classificados como agentes “não públicos”, a preocupação em justificar suas ações pelos parâmetros fixados tanto com base na adesão aos princípios de ordem e civilização quanto pela ação visando a sua difusão. Os cidadãos que viviam o momento de consolidação do Império do Brasil, os homens livres, tanto precisavam se reconhecer quanto serem reconhecidos como membros de uma comunidade – o mundo civilizado – animada pelo ideal do progresso. O Império vendia a imagem de ocupar um lugar distinto entre as nações, no mundo civilizado, pela sua posição geográfica (MATOS, 1987: 13).
O discurso civilizatório fazia com que até mesmo alguns elementos de crítica ao regime monárquico fossem tomados em favor da Monarquia. Assim, providências como a repressão ao tráfico, adotadas a partir da década de 50 do século XIX, apareciam como uma ação civilizadora da Coroa, apresentando a esta na condição de uma entidade que agiria sempre acima dos partidos e dos interesses particulares e imediatos, e preocupada em depurar sua maior criação – o Império, face iluminada da classe senhorial (MATOS, 1987: 227).
A preocupação em civilizar o Brasil fez com que, no mesmo século XIX, se discutisse a imigração de estrangeiros. Esta era entendida como uma forma de trazer novos hábitos culturais, de difundir o cultivo de outros produtos e técnicas agrícolas e industriais ou, ainda, de acordo com a mentalidade vigente, aumentar o contingente demográfico de europeus e seus descendentes – os únicos capazes de produzirem uma sociedade civilizada, segundo o entendimento à época dominante.
Foi também em nome da civilização que o Brasil aprofundou um vigoroso debate educacional a respeito do ensino agrícola durante a segunda metade do século XIX. Essas discussões persistiram, atravessando as primeiras décadas do século XX. Um debate que reunia juristas, políticos, médicos, clérigos, militares e professores, dentre outros. Todos eles buscando apoiar-se em preceitos cientificistas.


Tratava-se, antes de tudo, de uma verdadeira cruzada civilizatória a que se atiravam os eugenistas, estes arautos dos tempos modernos. Na sua missão, ocuparam todos os espaços possíveis: as academias médicas, as sociedades filantrópicas, as casas legislativas, as escolas, as delegacias de polícia, os tribunais de justiça, estabelecendo uma verdadeira rede de solidariedade entre discursos, instituições e personagens, entre estes o médico, o pedagogo, o jurista, os agentes do controle social repressivo, a dona de casa, o pai preocupado com o destino de sua prole (MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da raça. Médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas, Editora Unicamp, 1994: 15).


Sob a inflexão eugenista, os projetos que debatiam o ensino agrícola buscaram sua inserção no âmbito do debate educacional, questão que, de resto, mobilizava amplos setores da vida social, “conquistava participantes e para a qual confluíam aspectos diversos, delineando um rol temático que integrava os investimentos das elites urbanas em luta pela hegemonia” (OLIVEIRA, Milton Ramon Pires de. Formar cidadãos úteis: os patronatos agrícolas e a infância pobre na Primeira República. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2003: 58).
Contudo, os ideais civilizatórios não foram exclusividade do ensino agrícola. Outros discursos acerca da escolarização adotados no início do século XX, como o das escolas de aprendizes e artífices buscavam tal finalidade. Segundo Vera Regina Beltrão Marques, partia-se do pressuposto que somente a instrução do povo propiciaria a conquista da cidadania, culminando na transformação do país em uma nação civilizada (MARQUES, 1994). No mesmo período, a Associação Brasileira de Educação (ABE) enfatizava em seus discursos “a educação moral e disciplina para o trabalho como pressupostos indispensáveis para alcançar a civilização” (MARQUES, 1994: 105). Esse mesmo entendimento civilizatório que contaminou a nação foi responsável pela criação de uma rede nacional de patronatos agrícolas que, através de suas práticas educativas, buscava formar cidadãos civilizados.
Civilizar significava também proteger a sociedade contra a desordem, capacitando e ocupando os desocupados e ociosos, os então chamados “desfavorecidos da fortuna”, de modo a propagar os valores atribuídos à sociedade industrial, associando o conceito de civilização aos ideais do progresso e da democracia (CUNHA, Luiz Antonio Rodrigues da. “O ensino industrial-manufatureiro no Brasil”. In: Revista Brasileira de Educação. São Paulo, nº.14, mai/ago, 2000: 94).
Todos estes discursos levavam em consideração o fato de que como espaço que reúne um grande número de pessoas e que tem objetivos civilizatórios de transmissão dos padrões culturais em circulação, a escola inclui dentre os seus procedimentos disciplinadores o ensino da renúncia à violência física, estabelecendo convenções destinadas a controlar a conduta, modelar os afetos e regular as maneiras. E ao faze-lo, pensava não apenas em alunos oriundos dos grupos sociais mais pobres. O sentido civilizatório estava presente nas diversas escolas, fossem elas destinadas ao atendimento de alunos mais pobres ou aos filhos das famílias mais abastadas.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O FANTASMA DOS PIONEIROS: OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E O DEBATE SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL REPUBLICANA NO FINAL DO SÉCULO XX - III

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Para este estudo, não obstante a fertilíssima contribuição oferecida pelos pesquisadores citados, sob determinadas circunstâncias eles não priorizaram os problemas de interpretação historiográfica situados na transição do século XIX para o século XX. De um modo geral, os estudos de História do Brasil (e não somente os de História da Educação) tomam essa transição levando em conta apenas as representações que fizeram dela, a posteriori, os republicanos positivistas.
Alguns pesquisadores de História da Educação brasileira vêm fazendo, desde meados dos anos 80 do século XX, uma releitura dos marcos teóricos estabelecidos pelos escolanovistas brasileiros. O aprofundamento dessa releitura remete aquele que se lança a fazê-lo a problemas de interpretação historiográfica que estão situados na transição do século XIX para o século XX e deixa bem claro que é possível uma releitura diferenciada das idéias em circulação naquele período. É possível entender o século XIX estudando as representações feitas naquele mesmo momento, e não apenas as representações que posteriormente foram feitas dele pelos republicanos, e atentar para outras possibilidades.
Apesar da importância do seu trabalho, Zaia Brandão não considerou que a idéia segundo a qual “a ciência e o progresso eram valores que viabilizariam a construção de uma república moderna que colocaria o Brasil pari passu com as nações civilizadas” foi apropriada com muita competência pela geração dos anos 20 e 30 do século passado, mas tem suas matrizes teóricas formuladas efetivamente pela geração dos intelectuais da segunda metade do século XIX, preocupada com a construção do “Brasil brasileiro”. Portanto, do mesmo modo que as preocupações com Educação e cultura da geração dos anos 20/30 do século XX merecem ser levadas em consideração e examinadas atentamente, também são igualmente credoras as idéias a esse respeito presentes no discurso da intelectualidade oitocentista.
A tradição marxista brasileira em História da Educação teria feito um trabalho que não foi além da inversão do sinal utilizado por Fernando de Azevedo, posto que em A Cultura Brasileira, a narrativa produzida construiu o lugar do movimento educacional ratificando, concomitantemente, a memória, então oficial, sobre a história recente do país. Essa história continua operando com o mesmo conceito de tempo histórico, sem modificá-lo. Há, naturalmente, algumas exceções. Porém, predominantemente, quase todos os textos continuam a operar com os mesmos marcos estabelecidos por Fernando de Azevedo.
Ruptura com a política oligárquica, a Revolução de 30 é proposta como o desfecho necessário da insatisfação política dos anos 20, insatisfação que tinha no movimento educacional – ao lado das revoltas tenentistas e da Semana de Arte Moderna – uma das suas manifestações; insatisfação, por sua vez, capturada como demanda de modernização do país . E é exatamente no palco erigido por Fernando de Azevedo que a crítica marxista exerce o seu mister. Zaia Brandão coloca que para esse tipo de historiografia, o povo teria ficado impotente diante dos desígnios burgueses.
Não há da parte deste trabalho a intenção de insinuar estarem pesquisadores como Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão presos ao viés interpretativo fixado por Fernando de Azevedo. Todavia, não há como negar que eles continuam discutindo os marcos fixados por aquele autor sem enfatizar a importância e a possibilidade de buscar a explicação dos problemas trazidos à tona pelos escolanovistas em outras circunstâncias históricas. O que se presume é que a compreensão dos problemas em torno dos quais os escolanovistas discursavam há que ser buscada no século XIX, no qual aquelas questão efetivamente foram gestadas.
A preocupação que tem sido freqüente entre os estudiosos aqui citados no sentido de dar conteúdo histórico efetivo às suas pesquisas é justamente o que leva ao século XIX.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O FANTASMA DOS PIONEIROS: OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E O DEBATE SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL REPUBLICANA NO FINAL DO SÉCULO XX - II

Clarice Nunes concentra os seus esforços na tarefa de buscar o processo de construção do estilo moderno de vida urbana no Rio de Janeiro, através da escola. A própria pesquisadora esclarece que a História da Educação “ainda é uma história a ser escrita a muitas cabeças e mãos” . Esta pesquisadora, portanto teve uma preocupação fundamental: mostrar como a cidade de São Paulo foi tomada como protótipo da cidade brasileira, o que serviu, no caso da História da Educação, para embaralhar diferentes versões da Escola Nova. Ela revelou a necessidade de alguns estudos dirigirem o olhar sobre a cultura urbana, iluminando “a especificidade das experiências escolares vividas nos grandes centros do país nas décadas de vinte e trinta” . Esta autora tem razão ao afirmar que “é impossível examinar a trajetória da escola sem mencionar os intelectuais que a forjaram” . E é justamente nesse ponto que ela diferencia o trabalho de Anísio Teixeira daquele executado por outras expressões do Movimento dos Pioneiros: “ele ampliou o seu olhar sobre a cidade e precisou suas formas de intervenção, atingindo em cheio códigos culturais inscritos nas relações pessoais e estremecendo representações cristalizadas na realidade” . Esta ação de Anísio Teixeira se dá, não esqueçamos, sobre um espaço urbano – o Rio de Janeiro. Em tal espaço “a legislação escolar, com conteúdos práticos, codificou espaços, saberes, poderes, definindo o que era considerado justo e, ao mesmo tempo, delimitando um conjunto de soluções jurídicas para problemas postos pelo contexto pedagógico” .
Zaia Brandão é Pedagoga pela PUC do Rio de Janeiro, mesma instituição na qual obteve, em 1973, o título de mestre em Educação, e o de doutora, em 1992, na mesma área. Continua atuando como professora associada da PUC do Rio de Janeiro. No seu trabalho de dedicou a estudar as contradições existentes no interior do grupo em torno do qual Fernando de Azevedo construiu sua história/monumento. O trabalho de Zaia Brandão, mesmo atribuindo serem os debates em torno da esperança nos resultados da aplicação da ciência à vida social próprios dos valores da primeira metade do século XX, reconhece que o tema da Educação como força civilizatória já aparecera no discurso dos intelectuais do Império que “insistentemente preconizavam o derramar da instrução por todas as classes” . Segundo Zaia Brandão, no momento em que a geração das décadas de 20 e 30 da centúria novecentista atuou, “o imaginário social estava carregado de esperanças nos resultados da aplicação da ciência à vida social” . A partir da inserção de Paschoal Lemme – ligado ao Partido Comunista – no bloco que se formou em torno do trabalho de Fernando de Azevedo, Zaia Brandão buscou entender como se deu essa relação e as representações que foram feitas acerca dela. A pesquisadora partiu do pressuposto segundo o qual o pensamento marxista teria sido silenciado pelos educadores liberais do movimento dos Pioneiros da Educação Nova . Tomando como substrato teórico da sua tese algumas idéias de Pierre Bourdieu, Zaia Brandão revelou como entre nós uma significativa parcela do trabalho historiográfico em Educação vem priorizando uma determinada história dos vencidos, na qual, vítimas e réus são separados, numa construção historiográfica que concorda com a existência de idéias liberais “fora do lugar” e através da leitura “teológica” de certa tradição marxista “o solo histórico do objeto de estudo tem sido utilizado exclusivamente para ilustrar uma determinada explicação que, quase sempre, é extraída diretamente dessa teoria desencarnada” .
Os trabalhos feitos pelos pesquisadores aqui mencionados enfatizam a importância de observar o método da pesquisa histórica nos estudos do campo da História da Educação. Apanhando esse tipo de entendimento este estudo compreende que há evidências históricas que permitem opor restrições a idéias correntes, como aquela que afirma serem frágeis as instituições culturais do século XIX; de que vivíamos exclusivamente sob a égide de um agrarismo atrasado e pernicioso; de que não existiam instituições políticas democráticas. Muitas vezes o estudioso de História precisa aprender a


não cobrar de momentos históricos passados (...) o que não seja desses momentos , impedir a tentação de levantar questões e buscar respostas para um determinado momento tendo por referência questões e respostas que só emergiram depois de esgotadas aquelas conjunturas... (...) Dizendo de outro modo, é preciso não cobrar das forças presentes em momentos passados o que estava acima das possibilidades, da consciência daquelas forças .


O Estado republicano brasileiro se constituiu trazendo consigo a expectativa do novo. Mas, levou também a que se produzissem deformações nas representações históricas do regime que o antecedeu. Os estudos sobre a História do Brasil republicano, principalmente aqueles produzidos a partir dos anos 20 do século passado, partiram da premissa segundo a qual o ambiente monárquico era constituído por um árido deserto cultural.
O modo como o problema da construção do moderno tem sido tratado pela historiografia brasileira nos dá a impressão de que o Brasil, em termos intelectuais esteve sempre recomeçando. Toda a idéia de modernidade entre nós tem sido negadora do já existente, tendo sempre como ponto de partida um caráter inauguratório do tempo. Há uma tendência a rejeitar o passado e afirmar que tudo começa a partir do momento em que a nova análise se referencia. Produz-se a impressão de um eterno recomeço de todas as interpretações culturais, mas em verdade é muito difícil recomeçar, sobretudo no que diz respeito a cultura. Existem fusões, mesmo quando estas são negadas.
O problema da representação histórica do Brasil feita pelas primeiras gerações de republicanos tem preocupado muitos investigadores e tem a maior relevância, principalmente para a compreensão da História da Educação entre nós. A visão que têm do passado os intelectuais brasileiros das quatro primeiras décadas do século XX tem sido muito questionada, principalmente em estudos que procuram desembaçar o debate em torno do trabalho dos chamados Pioneiros da Educação Nova.
São problemáticas as interpretações do século XIX que apresentam o Estado monárquico brasileiro como sendo completamente desaparelhado de projetos de Educação e cultura. Admitir a existência desses projetos não significa avalizá-los, como poder-se-ia pensar ao fazer o raciocínio inverso. E do mesmo modo, não significa apontar a suficiência do que existia. Mas não há como escamotear as evidências históricas que apontam a existência de tais projetos.
Cada vez mais vem sendo posta para os estudos historiográficos em torno de temas como Educação e cultura no Brasil a necessidade de retomar a preocupação existente no Segundo Império quanto as potencialidades civilizatórias desses campos – preocupação que foi ao longo do século XX transformada em tabula rasa por alguns textos de História da Educação brasileira, da mesma maneira que na maior parte dos textos que se dedicam a examinar historicamente questões em torno das políticas cultural e científica no Brasil. Trabalhos como os de Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão têm feito tal reconhecimento, mesmo que de forma marginal.
Os estudos realizados por estes autores procuraram destacar a importância da construção de novos objetos e da reconstrução de tantos outros tidos como velhos. Essa discussão emergiu com mais força entre nós a partir da segunda metade dos anos 80 do século XX com várias tentativas de dar conteúdo histórico aos estudos de História da Educação ao tempo em que era identificada a necessidade de libertá-la de posições pré-concebidas que marcavam a sua trajetória. Apesar de todo o esforço de tais pesquisadores, de maneira geral ainda ficou um pouco subjacente a idéia de que o Brasil do século XIX vivia sob determinadas circunstâncias que impossibilitavam a intelectualidade brasileira de pensar acerca do próprio Estado nacional e formular políticas coerentes. Tal idéia nem sempre apareceu de forma explícita e algumas vezes foi apresentada sutilmente.
Ao apresentar a República como inauguradora da modernidade no Brasil, alguns historiadores tiveram necessidade de fazer um complexo exercício de lógica histórica em face das evidências que podem ser recolhidas no século XIX, uma vez que apenas uma década daquele século foi vivida sob o governo republicano. Do ponto de vista da História da Educação tal problema pode ser observado claramente desde a hegemonização do movimento dos Pioneiros da Educação e ratificado claramente pela maior parte dos trabalhos sobre o tema. Irradiados predominantemente com base nas reflexões feitas na Universidade de São Paulo a partir dos anos 40 do século XX. Bruno Bontempi Junior analisou os problemas da historiografia na área ao comentar um texto de Mirian Jorge Warde, entendendo que


a autora aponta para o fato de que a maioria dos trabalhos não reflete os debates e avanços do campo dos estudos históricos “em termos de novas referências explicativas”, repisando os caminhos anteriormente abertos pela historiografia da educação, quando muito acrescentando novos dados .


Esse mesmo autor sugere que o projeto que Fernando de Azevedo legou para a historiografia educacional brasileira ficou bem claro, porque


a Revolução de 30 representa, para Azevedo, justamente o momento de rompimento com o agrarismo, com o obscurantismo das elites, com a educação tradicional. É o ponto culminante de um processo e, ao mesmo tempo, o início de uma fase de mudanças estruturais profundas na sociedade brasileira. Por isso, 1930 constitui o principal marco histórico na trajetória da educação brasileira na narrativa de Azevedo .


Vários estudos indicam e analisam em profundidade a enorme influência que as formulações interpretativas de Azevedo exerceram. Maria Rita de Almeida Toledo arrola várias marcas de tal influência em estudos de História da Educação brasileira. É na tentativa de criticar esse tipo de influência que uma vertente vem ganhando muita importância nos últimos anos ao fazer estudos que articulam a idéia de modernidade com a entrada em cena do grupo que viria a se constituir no Movimento dos Pioneiros da Educação Nova.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O FANTASMA DOS PIONEIROS: OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E O DEBATE SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL REPUBLICANA NO FINAL DO SÉCULO XX

Três importantes pesquisadores da História da Educação no Brasil, com forte atuação nas três últimas décadas do século XX, permitem analisar o modo através do qual se operou a crítica historiográfica sobre a Escola Nova entre nós, a partir daquele período. Apanhando as análises publicadas nos últimos 30 anos daquela centúria, foi possível lançar um olhar em torno das contribuições de Zaia Brandão, Carlos Monarcha e Clarice Nunes e no modo como eles dialogaram com o discurso dos chamados Pioneiros da Educação Nova. Como é sabido, durante a década de 80 do século XX muitos pesquisadores da História da Educação Brasileira empreenderam uma releitura dos marcos teóricos estabelecidos pelos escolanovistas. Para este estudo, não obstante a fertilíssima contribuição oferecida pelos pesquisadores citados, sob determinadas circunstâncias eles não priorizaram os problemas de interpretação historiográfica situados na transição do século XIX para o século XX. De um modo geral, os estudos de História do Brasil (e não somente os de História da Educação) tomam essa transição levando em conta apenas as representações que fizeram dela, a posteriori, os republicanos positivistas.
Os estudos aqui analisados já demonstraram que a maior parte da bibliografia sobre Educação produzida no Brasil nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado priorizou o período republicano, assumindo os marcos históricos estabelecidos a partir da obra de Fernando de Azevedo. Estudos como o realizado por Bruno Bontempi Junior demonstraram que no período de 1972 a 1988 foram produzidas no Brasil 146 dissertações e teses em História da Educação. Desse total, 116 têm como objeto o período republicano, enquanto apenas 25 analisam o período da monarquia. Efetivamente, em comparação com a bibliografia acerca do período republicano, são bem escassos os textos de História da Educação que se debruçam sobre o pensamento educacional do século XIX no Brasil. Todavia, é necessário rever a História da Educação Brasileira oitocentista, como vêm fazendo já alguns estudiosos, a exemplo de José Gonçalves Gondra, Marcos Cezar de Freitas, Luciano Mendes Faria Filho, Diana Gonçlaves Vidal e Cynthia Greive Veiga, dentre outros. O fato, é que existem outras visões que são alternativas ao discurso pedagógico segundo o qual os Jesuítas teriam moldado uma Educação que dominou o Brasil desde o século XVI até o início do século XX.
O debate que este texto faz a partir da inspiração que recebe dos estudos de Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão diz respeito ao modo pelo qual, usualmente, se faz a representação da monarquia brasileira nos estudos de História da Educação correntes entre nós. A visão mais conhecida do Brasil monárquico dá conta da existência de determinadas circunstâncias que impossibilitavam a intelectualidade nacional daquele período pensar a respeito do próprio Estado brasileiro e formular projetos correntes. Assim, boa parte da bibliografia não empreende a explicitação dos projetos brasileiros elaborados durante o século XIX sob outras condições, criando dificuldades à sua compreensão por inteiro.
Tanto Fernando de Azevedo como outros autores que se dedicaram antes dele ao exame das políticas desenvolvidas pelo governo monárquico no Brasil, insistem em representar aquele contexto enfatizando “a permanência do tipo de educação imposta pelos jesuítas, por um lado, e por outro a fragmentação causada pela política pombalina (...); os decretos governamentais e a distância desses da realidade (...)” reificando as posições interpretativas que foram assumidas no processo de luta que se travou entre os monarquistas e os republicanos a partir da segunda metade do século XIX. . No campo da História da Educação essas interpretações ganharam clareza principalmente a partir do trabalho da geração dos Pioneiros da Educação Nova.
O entendimento assinalado incorporou-se quase que integralmente ao conjunto de interpretações e explicações da Educação brasileira, tanto pelos liberais quanto por seus críticos – dentre os quais alguns estudiosos filiados a várias tendências interpretativas inspiradas pelo pensamento marxista. Todos eles – liberais e críticos dos liberais – aceitaram e, de certa forma, ainda continuam a aceitar os pressupostos e periodizações impostos pela geração dos Pioneiros da Educação Nova. As balizas que esse grupo estabeleceu continuam a ser aquelas aceitas ainda hoje como o campo possível de interpretações da História da Educação Brasileira. É possível que a partir de tais limites possamos encontrar elementos que expliquem porque entre nós continua a haver pouco interesse por trabalhos de pesquisa que tratem de analisar as explicações em torno dos problemas da reforma pombalina, do processo de desenvolvimento cultural vivido pelo Brasil durante o reinado do imperador D. Pedro II.
O mosaico da intelectualidade brasileira que atuou sob o império é extremamente complexo, pois essa intelectualidade viveu as contradições do seu tempo. Um tempo que era o do século do Romantismo, que marcou as visões de política, literatura, moral e ciência dos homens. Um tempo de luta dura entre a moral religiosa e o ateísmo. De consolidação do evolucionismo. Período no qual o Brasil conheceu o liberalismo do Segundo Império e a decadência da sua monarquia. Período no qual se lutou pela preservação da unidade nacional, na única monarquia que sobreviveu ao processo de liberação política do continente americano, onde se adotou a República como modelo de Estado.
As tintas sombreadas utilizadas pelos historiadores da cultura e da Educação para pintar o quadro do Brasil naquele período consolidaram a visão de que estávamos naquele momento indigentes de ciência em função das tradições que herdáramos sob a influência dos jesuítas. De maneira geral, os estudiosos do tema afirmam que até os primeiros anos deste século o conhecimento no Brasil estava bastante limitado e quase restrito às letras. Para esse tipo de afirmação, partem sempre do pressuposto de que os jesuítas continuaram a dirigir a intelectualidade brasileira até que, com o advento da República, os positivistas reformassem a estrutura do nosso ensino, mesmo porque, sob tais interpretações, as reformas que aconteceram sob a monarquia objetivariam apenas permitir que tudo continuasse a ser exatamente como fora até então.
Para essas interpretações o campo da ciência no Brasil estaria tolhido pelo fato de o nosso sistema escolar, naquele momento, não apresentar um nível de organização satisfatório, sem conseguir sequer articular os diversos graus da hierarquia institucional ou até mesmo o funcionamento de instituições escolares de igual nível. Daí defluem muitas críticas à política cultural do governo monárquico. Alguns estudiosos chegaram a afirmar ter sido o Colégio Pedro II a única instituição de cultura geral importante criada durante os dois governos imperiais. Mas, ainda assim, para autores como Fernando de Azevedo, a


obsessão dos estudos superiores profissionais, como um meio de tornar os indivíduos úteis à sociedade do tempo ou elevá-los às fileiras da elite dirigente e o espírito utilitário que se desenvolvia, parte sob a pressão das necessidades imediatas, parte pela predominância da cultura profissional, tinham de forçosamente prejudicar os progressos dos estudos científicos, já entravados numa certa medida pelo caráter de ensino básico geral, eminentemente literário e retórico, no Colégio Pedro II e nas instituições particulares do ensino secundário .


A REAVALIAÇÃO DO MOVIMENTO DOS PIONEIROS


A partir do final da década de 80 do século XX, alguns intelectuais da História da Educação Brasileira voltaram sua atenção para os problemas historiográficos como apontados neste texto e produziram uma análise que articulou a idéia de modernidade com a entrada em cena do grupo que viria a se constituir no movimento dos Pioneiros da Educação Nova. Três expressões importantes dessa linha interpretativa conquistaram muito espaço no debate a respeito do tema: Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão.
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo em 1976, Monarcha obteve o título de mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1987 e doutor em Educação também pela PUC paulistana em 1994, construindo uma bem sucedida carreira de docente e pesquisador na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp. Estudando o problema da representação histórica feita pela geração dos Pioneiros, Carlos Monarcha apontou que a visão do processo de formação da sociedade brasileira assumida por tal grupo trazia consigo “uma concepção de menoridade racional da sociedade civil” . Para este autor, ao estudar a História do Brasil e, particularmente, a História da Educação Brasileira, algumas vezes tem-se a impressão de haver a história estancado entre a Revolução Francesa do século XVIII e aquilo que é apresentado como sendo a revolução burguesa brasileira – “a revolução de 30”. “Vê-se a história do Brasil como fatalidade, simples repetição da trajetória da chamada história Universal. A partir da concepção da história progressiva, o contexto democrático-burguês, que se repete aqui como a “revolução de 30” . Carlos Monarcha centrou a preocupação do seu trabalho na relação escola/espaço urbano, tomando como ponto de partida empírico a cidade de São Paulo. Com um texto bastante arguto, Carlos Monarcha aponta a existência de “um acordo tácito que vê a República Velha como pólo de desvios e de ausências primordiais, fazendo com que a história propriamente dita – a História Universal – não se reproduzisse no Brasil” . Neste sentido, a Escola Nova teria operado deslocamentos no discurso dos liberais brasileiros, de forma a produzir mudanças sociais estritamente controladas, processando o que Gramsci designa como aggiornamento, com o objetivo de reificar a hegemonia burguesa entre nós. Na construção da sua prática, os escolanovistas teriam reduzido a política à ciência, transformando “a primeira num conjunto de procedimentos técnicos” .
Pedagoga pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Caetano do Sul desde 1971, Zilda Clarice Martins Nunes obteve o seu título de mestre em Educação no ano de 1979 pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e o de doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1991. Professora titular aposentada de História da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Clarice Nunes é reconhecida pela importância da sua contribuição ao campo. Analisando a construção da identidade profissional empreendida por Fernando de Azevedo, Clarice estudou o espaço de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 20 e 30 deste século, articulando-o com a organização do sistema escolar, através do trabalho de Anísio Teixeira – uma das mais importantes expressões do grupo que se organizou em torno de Fernando de Azevedo. Clarice Nunes demonstra o quanto “as práticas culturais específicas do espaço urbano permanecem completamente ignoradas” . Para essa autora, a cidade como signo vinha sendo objeto da preocupação de cientistas sociais e historiadores de diversas áreas. Contudo, o campo da História da Educação continuava a trabalhar a escola, a sociedade e os educadores através de representações cristalizadoras. Clarice Nunes demonstrou como os pesquisadores da História da Educação eram levados


não só a entremear o senso comum sobre a cultura urbana com o pensamento educacional aí gestado, mas também reforçando argumentos que tomam São Paulo como modelo de modernização da sociedade e educação brasileiras. Isto não acontece por acaso. No plano da produção acadêmica é esta cidade que aparece como lócus por excelência da afirmação dos interesses e da hegemonia do mercado, da superação do antigo impasse já sinalizado pelas elites brasileiras desde o século XIX, o de liberalizar a sociedade pelo Estado .

PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL - VI

EM BUSCA DO PRAGMATISMO


É comum nos textos sobre educação brasileira nos quais aparece a figura de Anísio Teixeira, ou em qualquer debate a respeito do problema da Escola Nova, referência a John Dewey. Ocorre que são raros, neste país estudos que cuidem de analisar o pensamento de um dos filósofos da educação que mais influenciou toda uma geração de intelectuais da educação no Brasil. O trabalho que Anísio Teixeira fez no sentido de divulga-lo desapareceu ao longo da década de 1970, após a morte do intelectual brasileiro. O conjunto de críticas produzido nos programas de pós-graduação em educação ao longo das décadas de 1970 e 1980 acerca do pensamento escolanovista brasileiro levou Anísio Teixeira, John Dewey e as idéias do pragmatismo norte-americano a caírem no esquecimento no que diz respeito ao debate acadêmico sobre este problema. Criticou-se a ideologia liberal, o capitalismo, a tecnocracia, através de vozes autorizadas como as de Dermeval Saviani , Luiz Antônio Rodrigues da Cunha e Rachel Gandini .

Dentre os críticos brasileiros do pragmatismo e do pensamento de Dewey e Anísio Teixeira, Saviani foi, certamente, um dos mais cáusticos, principalmente ao analisar a Escola Nova e afirmar que esta afrouxou a disciplina e rebaixou o nível de ensino destinado às camadas populares, considerando tal movimento como mecanismo de recomposição da hegemonia burguesa, ameaçada pela participação política das massas:


“a ‘escola nova’ desloca o eixo de preocupações do âmbito da política (relativo à sociedade em seu conjunto) para o âmbito técnico pedagógico (relativo ao interior da escola), cumprindo, ao mesmo tempo, uma dupla função: manter a expansão da escola nos limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses. Com isto, a ‘escola nova’, ao mesmo tempo que aprimorou a qualidade do ensino destinada às elites, forçou a baixa da qualidade do ensino destinado às camadas populares já que sua influência provocou o afrouxamento da disciplina e das exigências de qualificação nas escolas convencionais.”


Certamente idiossincrasias como esta são devidas a ausência de estudos no campo educacional brasileiro a respeito do pragmatismo norte-americano, o que embaça a visão dos críticos quanto ao pensamento de autores como John Dewey e Anísio Teixeira. Críticas como as produzidas por Dermeval Saviani contribuíram para que os autores aqui analisados deixassem de freqüentar a bibliografia dos estudos educacionais no Brasil, a partir da década de 1970 e passassem a ser objeto da rejeição de outros estudos que sequer analisaram os trabalho de Dewey e Teixeira para rejeita-los com segurança.

Somente a partir da década de 1990 começaram a aparecer no cenário da pesquisa educacional entre nós estudos que se detiveram de modo mais consistente sobre as idéias e as práticas da Escola Nova no Brasil, apontando os equívocos historiográficos de algumas análises precedentes. São bons exemplos, os textos produzidos por autores como Hugo Lovisolo, Mirian Warde, Clarice Nunes, Zaia Brandão, Marcus Vinicius Cunha, Ana Waleska Mendonça, Marta Maria Chagas de Carvalho, Bruno Bontempi Junior, Maria Rita de Almeida Toledo e Carlos Otávio Fiúza Moreira. Pouco ainda conhecemos do trabalho de John Dewey. Ainda precisamos amadurecer a compreensão que existe no Brasil a respeito do trabalho de Anísio Teixeira.

Anísio Teixeira usou o pensamento de Dewey para discursar a respeito da necessidade de estabelecer no Brasil uma democracia que até então era inexistente. Para tanto, Anísio investiu na importância de se explicitar o papel do educador. Papel que ele próprio assumia. Como Dewey, Anísio produziu um conjunto de críticas não apenas aos problemas e fragilidades da chamada Escola Tradicional, mas também às inconsistências da Escola Nova. Na primeira criticou a impossibilidade desta relacionar os conteúdos objeto do seu ensino à experiência vivencial dos alunos. Na segunda, chamou a atenção para os riscos de conceber o ensino apenas como ciência aplicada; e as possibilidades de exaltação de um empirismo medíocre; ou, ainda, a possibilidade de levar a improvisação às últimas conseqüências, em nome do respeito à liberdade da criança. Anísio valorizou menos que Dewey a Psicologia Experimental e buscou uma maior aproximação entre a prática educativa, a Filosofia e a Arte. Questionou as análises quatitativas, muito valorizadas naquele momento, por considera-las empobrecedoras da compreensão da Filosofia e do julgamento dos valores na escola.


“Dentro dessa perspectiva, Anísio chega a estabelecer diferenças entre Thorndike e Dewey. Uma delas, por exemplo, é o fato de que, para o primeiro, aprender seria casar estímulos determinados com determinadas respostas ou reações. Para o segundo, aprender, não seria reagir conformadoramente sobre tais estímulos, mas reconstrutivamente.”

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL - V

É no contexto desta obra que Dewey faz uma das mais caras afirmações do pensamento escolanovista. Adverte que o professor não pode ensinar a pensar, pois no seu entendimento esta é uma iniciativa do aluno, posto que aprender é próprio do estudante. Nesse âmbito a tarefa do professor seria apenas a de ensinar. E para isto é necessário o domínio do pensamento reflexivo, o pensamento científico experimental no dizer de Dewey. Trata-se de análise e síntese e não deve ser confundido com o pensamento empírico. O trabalho docente, sob essa ótica, impõe a conciliação rigorosa do lúdico e do trabalho.

Pedra de toque do trabalho de John Dewey era a preocupação com as situações de mudança, uma das preocupações centrais da vida norte-americana daquele período. Tal preocupação pontuava o processo de transição entre a vida rural e a urbana dos Estados Unidos da América. Isso atraiu cada vez mais um número maior de leitores para a obra do autor. Público de diversas origens, uma vez que Dewey evitou uma forte polêmica do seu tempo: a que dividia as escolas seculares daquelas comandadas pelas diversas denominações protestantes. Tanto foi crítico do radicalismo ateísta quando da exacerbação dos elementos sobrenaturais. Recusou-se a comungar dos discursos que contrapunham a ciência à religião. Preferiu dar uma interpretação secular aos problemas morais e religiosos. Da mesma maneira que fugiu do embate entre os diferentes agrupamentos políticos, tentando dar ao seu trabalho um caráter de universalidade, o fato de o autor conseguir aplicar o vocabulário filosófico aos problemas vividos no universo escolar facilitou a sua aceitação pelos profissionais do ensino.

O entendimento de democracia e mudança social, para Dewey, tem a criança como centro. As possibilidades das mudanças estão postas na infância. Portanto, o caráter democrático da educação reside na possibilidade de desenvolver nos indivíduos a consciência da mudança de hábitos. John Dewey combateu as filosofias tradicionalmente adotadas na história da educação: o platonismo, o racionalismo e o idealismo. Acusou-as de reduzir os objetivos educacionais. Além disso afirmou que elas impedem o desenvolvimento natural da criança, divorciando-a da cultura e da vida social. É a partir de tais pressupostos que ele examina problemas como o currículo e a metodologia. É a educação para a democracia. Articula esses ideais a uma psicologia do comportamento de base biológica. Ainda no âmbito da discussão sobre a democracia, Dewey tece considerações sobre o papel do Estado, rejeitando o dogma da soberania do Estado nacional, valorizando os partidos políticos, as sociedades comerciais, as organizações científicas e artísticas, os sindicatos, as igrejas, as escolas e os clubes. Para ele esse grupos seriam as verdadeiras unidades da soberania social.