quarta-feira, 30 de março de 2011

VISÕES DA MODERNIDADE: O ESPELHO EUROPEU E AS PROPOSTAS PARA O ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL DO SÉCULO XIX - IV

No início do século XX, o governo da União decidira criar centros agrícolas em vários Estados, ao mesmo tempo em que se voltava cada vez mais a buscar nos padrões norte-americanos de organização do ensino agrícola um modelo que ajudasse o Brasil a organizar esse tipo de instituição.
O presidente Hermes da Fonseca determinou a criação de um centro agrícola em cada um dos Estados do Piauí, Paraíba, Sergipe, Bahia e Rio Grande do Sul. O início do governo Wenceslau Braz, em 1915, e a Reforma Carlos Maximiliano fizeram com que o governo federal abandonasse a idéia. O projeto proposto durante o governo do presidente Wenceslau Braz materializar-se-ia em 1918, sob a forma dos patronatos agrícolas. O objetivo era o de obter a melhoria da produtividade agrícola para atender à demanda dos mercados consumidores, incentivando o emprego de máquinas e implementos na agricultura.
O modelo desenhado pelo Congresso Nacional de Agricultura realizado em 1901 desenhava as práticas de instrução do lavrador a serem adotadas e recomendava


a criação nos Estados, não só de estações agronômicas e de campos de experiência como a formação, nas capitais, de pequenos departamentos de agricultura, em que o químico, o botânico, o tecnologista e o mecânico ponham o agricultor ao corrente de todos os melhoramentos da agricultura, colecionem todos os elementos de informação e de esclarecimento agrícola e se prestem aos exames, estudos e análises de que eles possam precisar. A multiplicação de museus e bibliotecas agrícolas e, sobretudo, a instituição de sociedades de agricultura numerosas e intimamente ligadas, com o fim não só de provocar e de manter o estabelecimento de asilos, orfelinatos e escolas agrícolas, como mo de divulgação e propaganda, mediante jornais, conferências, comícios, congressos, constituem recursos poderosos que convém empregar no interesse da lavoura do país (BRASIL, 1901. p. 62).


A implantação da rede de patronatos agrícolas sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio materializava, portanto, as pretensões governamentais de atender àquilo que era pretensão da Sociedade Nacional de Agricultura: a modernização do setor agrícola brasileiro. “Nada melhor para caracterizar a ação do Ministério nesses termos que o exercício de uma pedagogia para o ‘progresso’ do campo, simultânea à invenção do atraso em que se encontraria o mundo rural no Brasil” (LIMA, 1995. p. 108).
Com o Estado republicano consolidou-se em todo o país uma consciência acerca da competência do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio para a gestão do ensino agrícola.
Na década de 30 do século XX, o Ministério da Agricultura estava definindo o novo modelo de ensino agrícola. Os aprendizados tinham como objetivo a “formação profissional do trabalhador rural e do operário agrícola” (BRASIL, 1934). Os patronatos agrícolas estavam então definitivamente banidos da órbita do Ministério da Agricultura, por não atenderem as finalidades formativas pretendidas. Da rede que aquele Ministério mantinha, apenas dois patronatos continuaram existindo e foram transferidos para o Serviço de Assistência a Menores “do Ministério da Justiça e Negócios Interiores: os Patronatos Agrícolas Wenceslau Braz e Artur Bernardes, situados em Caxambu e Viçosa, cidades de Minas Gerais” (OLIVEIRA, 2003. p. 44). Outros cinco patronatos da mesma rede foram transformados nos aprendizados agrícolas de Pernambuco, Pará, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Dois outros aprendizados “foram incorporados às novas orientações, passando a denominarem-se de Aprendizados Agrícolas do Acre e de Alagoas” (OLIVEIRA, 2003. p. 43). Dois estabelecimentos foram transferidos dos governos estaduais para o governo federal: os aprendizados agrícolas da Paraíba e de Sergipe, além de haver sido criado o Aprendizado Agrícola do Rio de Janeiro . De modo absolutamente claro, o Ministério da Agricultura optara pela educação, pela formação técnica de profissionais para o setor agrícola. Os patronatos que permaneceram na órbita do Ministério da Agricultura foram transformados em aprendizados agrícolas. Com a nova situação criada o governo federal passou a manter dez aprendizados agrícolas, assim distribuídos: Acre, Pará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O Patronato Agrícola José Bonifácio, em Jaboticabal, no Estado de São Paulo, foi transformado em aprendizado e transferido à responsabilidade do governo daquele Estado, com subsídios do Ministério da Agricultura.
Esta nova política estava articulada ao processo de regulamentação da profissão de Agrônomo (BRASIL, 1933). Com a regulamentação, o Ministério da Agricultura definiu os novos padrões de formação profissional, em todos os níveis, e criticou o modelo de Patronato até então adotado, afirmando que a instituição “nada tinha de agrícola, e tais estabelecimentos nada mais eram do que asilos de menores abandonados, institutos disciplinares em verdadeiras colônias correcionais, em que se ministravam, também, instruções elementares de agricultura” (TÁVORA, 1934. p. 28). Os dirigentes e os técnicos do Ministério da Agricultura estavam convencidos de que a prática de enviar para os patronatos menores abandonados nas cidades, com todos os vícios das ruas, produzia um resultado inverso ao da desejada regeneração, função que, ademais nada tinha de agrícola. Os estudos realizados pelo Ministério da Agricultura apontavam então que ao invés da regeneração os patronatos intensificavam o processo de marginalização.


Foi isso que determinou a necessidade de remodelação completa dos patronatos agrícolas, transformando em aprendizados todos aqueles que para isso apresentavam condições e transferindo para o Ministério da Justiça os que tinham caráter de instituto disciplinar. Ao mesmo tempo, corrigiu-se a grave injustiça que havia na distribuição dos patronatos pelos diferentes Estados do país (TÁVORA, 1934, p. 28).

terça-feira, 29 de março de 2011

VISÕES DA MODERNIDADE: O ESPELHO EUROPEU E AS PROPOSTAS PARA O ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL DO SÉCULO XIX - III

A propaganda republicana produziu a imagem de um século XIX no Brasil como a de um verdadeiro deserto pedagógico e social no qual não podem ser encontradas idéias e/ou práticas. Todavia, é necessário analisar melhor o intenso movimento daquele período. O século do Romantismo, que influiu diretamente no comportamento e nos hábitos familiares, à medida que os projetos hegemônicos, que durante todo aquele período foram sustentados pela Inglaterra, pela França e pela Alemanha, fizeram com que o intenso comércio entre o Brasil e essas nações levasse ao estabelecimento de símbolos claros de status social do período. A Inglaterra, a França, e a Alemanha foram, no Brasil do século XIX, os centros do saber moderno. Era nesses três espelhos que a modernidade brasileira buscava forjar a própria imagem, à medida que um novíssimo espelho começava a se insinuar a partir da segunda metade do século XIX: o norte americano .
Foi em nome da modernidade que, em 1864, o Ministro dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Império, Manoel Felizardo de Souza e Mello, defendeu o estabelecimento de um sistema geral de instrução primária agrícola que tinha como pedra de toque a fundação de fazendas-modelo, nas quais os lavradores observassem os processos mais modernos de trato das principais culturas . Defendia também


a instituição de uma escola de veterinária, pelo menos, em que fossem estudadas cientificamente as moléstias das diferentes raças de animais domésticos e os meios mais eficazes para combate-las, e para minorar, se não prevenir, as epizootias freqüentes, que se desenvolvem nas nossas províncias criadoras (BRASIL, 1864. p. 9).


Quatro anos antes, em 1860, foram criados Institutos Imperiais de Agricultura no Rio de Janeiro, a capital do Império, e nas Províncias de Sergipe, Bahia e Pernambuco. Era pretensão do governo criar idênticas instituições em todas as províncias. Os institutos do Rio de Janeiro e da Bahia apresentaram os melhores e mais imediatos resultados.


Ambos apresentaram já ao governo imperial projetos de regulamentos para a criação de escolas normais de agricultura (...) O Imperial Instituto Baiano depois de prévios estudos, e exames, preferiu para assento de um estabelecimento desta natureza o engenho das Lages, propriedade do mosteiro de S. Bento, cuja congregação o cedeu pelo prazo de 18 anos (...) Conta este instituo 102 sócios efetivos e 5 honorários. (...) O Imperial Instituto Fluminense (...) Apesar de sua curta existência, conta já 100 sócios efetivos (...) contando com o auxílio do governo imperial deliberou tomar a si a administração do jardim botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas para nele fundar um estabelecimento rural, que possa servir de modelo, e de escola prática de agricultura (BRASIL, 1864. p. 13).


Esses Institutos lutaram para criar escolas agrícola modelo. A sua proposta teve como justificativa a necessidade de melhorar as práticas agrícolas, para maior produtividade das culturas básicas. A pretensão era formar


uma classe de trabalhadores agrícolas, familiarizados com os princípios das ciências práticas que concorrem para o melhoramento da cultura do solo e com o manejo dos instrumentos aperfeiçoados para os trabalhos dos campos, adquirindo também a experiência e conhecimento prático das artes acessórias (SERGIPE, 1882. p. 21).


Na segunda metade do século XIX, portanto, a discussão sobre o ensino agrícola no Brasil tinha todas as características do discurso a respeito da modernidade. Nesse período, de modo cada vez mais crescente, “a ação do Estado buscava atender às pressões dos médicos higienistas e da eugenia, contrapostos aos hábitos da criação dos filhos pelas famílias” (OLIVEIRA, 2003. p. 13).
Portanto, antes mesmo de iniciar-se o período republicano estava posto com clareza um problema fundamental, não apenas para os pobres. Mesmo em relação a estes, ainda durante o século XIX houvera uma inflexão. Ao invés de


continuar mantendo os pobres e inválidos em casas fechadas, para imobiliza-los, é agora necessário reintegra-los no processo de produtividade da sociedade ou seja, reintroduzi-los nos circuitos produtivos. Há, portanto, toda uma problemática que é acompanhada de um deslocamento da moralidade para uma relação privada com a economia (VAN BALEN, 1983. p. 46).


Esse tipo de preocupação com a modernização da agricultura e as suas relações com a educação era coerente com o discurso que faziam os empresários e autoridades do setor agrícola. Por ocasião do Congresso Nacional de Agricultura que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1901, o documento produzido era eloqüente:


O Congresso Nacional de Agricultura, no intuito de organizar todos os elementos de instrução ou educação agrícola e de difundir a maior soma de meios para instituí-la e praticá-la, combinando e desenvolvendo igualmente todas as iniciativas, recursos, atividades e energias no trabalho e da produção, em uma orientação esclarecida, adiantada e segura, pede aos poderes públicos do país que seja criada a seção ou departamento de agricultura, a parte ou junto ao atual Ministério da Indústria e Viação (BRASIL, 1901. p. 60).


O projeto da Sociedade Nacional de Agricultura coincidia com aquilo que pensava o governo federal e os governantes dos Estados. A modernização agrícola poderia ser obtida através da difusão do ensino técnico agrícola e da mecanização. Assim, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio era visto como uma ferramenta eficaz para introduzir princípios científicos nas atividades agrícolas brasileiras. A crença era de que


o ensino geral de agricultura há de se organizar com as forças e elementos que lhe fornecerem o departamento de agricultura, os colégios ou escolas agrícolas e as estações agronômicas e campos de experiência e demonstração. A instrução elementar agrícola será dada nos orfelinatos, asilos, colônias especialmente consagradas a este fim, isto é, ao preparo do horticultor, do abegão e do trabalhador agrícola. Em todas estas instituições o ensino deve ser prático e útil, e o indivíduo, que se vai dedicar ao mister da lavoura deve adaptar o seu físico, moral e intelectual às necessidades da vida, aparelhando-se devidamente para as lutas e rigores do trabalho (BRASIL, 1901. p. 62).

domingo, 27 de março de 2011

VISÕES DA MODERNIDADE: O ESPELHO EUROPEU E AS PROPOSTAS PARA O ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL DO SÉCULO XIX - II

Sob a inflexão eugenista, os projetos que debatiam o ensino agrícola buscaram sua inserção no âmbito do debate educacional, questão que, de resto, mobilizava amplos setores da vida social,


conquistava participantes e para a qual confluíam aspectos diversos, delineando um rol temático que integrava os investimentos das elites urbanas em luta pela hegemonia. Os patronatos agrícolas foram inseridos nesse debate ainda que numa posição subordinada: a educação dos pobres, daqueles que eram pegos nas ruas das cidades ou estavam inseridos em grupos familiares que fugiam do ideário da época. Educação menor, com outros fins que aqueles atribuídos às escolas, colégios e demais instituições educacionais (OLIVEIRA, 2003, p. 58).


Em diferentes províncias do Brasil, foi apontada a necessidade de criar estabelecimentos de ensino agrícola destinados ao ensino de órfãos pobres, expostos e filhos de indigentes (SERGIPE, 1838). Esse tipo de iniciativa era, muitas vezes, justificado a partir da necessidade de liberar a mão-de-obra escrava, em propostas que defendiam a contratação de colonos europeus, agricultores, que deveriam ser responsáveis pelo ensino das técnicas agrícolas e dos ofícios mecânicos. Mesmo quando não implementados, a presença desses projetos nos debates e nas propostas governamentais, é reveladora da preocupação existente e negadora da certeza de que ainda no início do século XX, aquilo “que era implementado pela República não encontrava ressonância na sociedade” (OLIVEIRA, 2003. p. 10). Efetivamente, o debate e os descontentamentos sobre este assunto atravessaram todo o período do século XIX, como o atestam as distintas discussões dos grupos sociais em atuação e as iniciativas governamentais.
Os estudos sobre o ensino agrícola são reveladores de um dado importante para a compreensão do Brasil do século XIX: a presença do pensamento alemão na cultura brasileira e o silenciamento a respeito do assunto na historiografia que se produziu sobre o Brasil daquele período são fundamentais para o entendimento dos modelos explicativos e transformadores da sociedade brasileira concebidos naquele período e que podem ser recuperados através dos textos que tratam da discussão de política educacional e de temas da cultura produzidos ao longo dos anos 800 (NASCIMENTO, 1999). Uma objeção que se costuma levantar a essa observação diz respeito a um outro entendimento comum: o de que tal presença teria ocorrido apenas no sul e no sudeste brasileiros, a partir das últimas décadas do século XIX. O Norte do Brasil, ao qual se refere a literatura oitocentista , foi durante todo o período do século XIX uma área extremamente permeável e influenciada pela cultura germânica.
Uma leitura do debate que se travou no século XIX em textos apanhados no momento mesmo em que a discussão se realizava é fonte fundamental para que se perceba as influências que recebiam os intelectuais e agentes políticos do período, quais os pontos de vista que estes defendiam, quais as concepções de Educação que assumiam, que tipo de crítica formulavam e a quais correntes de pensamento dirigiam essa crítica.
A idéia de que, na Europa, a França era um espelho civilizatório no qual o Brasil deveria mirar-se foi difundida pelos franceses que entre nós estiveram e marcou o projeto dos republicanos brasileiros. A compreensão da presença alemã no Brasil, durante o século XIX, lança luzes importantes ao debate de uma tese que é amplamente aceita: a de que todo ambiente dos anos oitocentos na sociedade brasileira teria sido dominado exclusivamente pelo bacharelismo. É necessário admitir a possibilidade de questionamento dessa tese e o estudo da presença alemã no Brasil ajuda a perceber que as chamadas idéias científicas daquele período não passavam ao largo da sociedade brasileira, como a historiografia costuma apontar.
São problemáticas as interpretações do século passado que apresentam o Estado Monárquico brasileiro como sendo completamente desaparelhado de projetos de Educação e Cultura. As observações que este trabalho faz acerca dos projetos de Cultura e Educação do século XIX não têm o objetivo de, como muitas vezes se supõe, assumir posições na polêmica Império X República. Mas, apenas, trazer à superfície alguns elementos que devem ser levados em consideração na representação que fizeram vários estudos escritos a partir da década de 1920.
As políticas cultural e social da Monarquia brasileira encontraram suas origens na segunda metade do século XVIII sob inspiração do Iluminismo do primeiro ministro português, o Marquês de Pombal. A ciência e a tecnologia marcaram o século XIX no Brasil através de um imenso processo de produção de estudos que davam conta de resolver os graves problemas nacionais, principalmente nas áreas das chamadas Ciências Naturais e da Medicina. As representações que a historiografia republicana fez acerca do século XIX procuram demonstrar que a cultura brasileira naquele período conseguira, afinal, deslocar-se do campo de influência dos jesuítas para o da língua e literatura francesas, omitindo a enorme influência alemã presente no Brasil. Mas, todos concordam que do ponto de vista da política social, sem dúvida nenhuma, a Educação foi o primeiro problema a preocupar o governo do Brasil independente.
Assim, buscar uma releitura do século XIX é tentar compreender as contradições que gestaram o moderno no Brasil . Todos esses elementos indicam que durante os anos oitocentos houve uma forte participação de outras formas de trabalho que não o trabalho escravo no acelerado processo de modernização pelo qual passou a sociedade brasileira. Estudar o ensino agrícola e os debates e ações que cercam essa modalidade como prática de assistência à infância ao longo do século XIX lança novas luzes a esse entendimento. Contudo, muitas vezes, o campo da História da Educação continua a trabalhar a escola, a sociedade e os educadores através de representações cristalizadoras. Todavia, desde a primeira metade do século XX, estudiosos como Gilberto Freyre apontam, nos anos oitocentos, um vigoroso processo de expansão do espaço das cidades e, com ele, a importância de problemas sociais como os que dizem respeito ao abandono de menores (FREYRE, 2000). É o crescimento urbano observado durante o século XIX que pode explicar o aparecimento de projetos como os propostos para o ensino agrícola, claramente com o objetivo de sanear socialmente o ambiente urbano, uma vez que os menores abandonados, delinqüentes e as “crianças ilegítimas eram facilmente assimiladas pelas comunidades agrícolas” (RUSSELL-WOOD, 1981. p. 130).

sábado, 26 de março de 2011

VISÕES DA MODERNIDADE: O ESPELHO EUROPEU E AS PROPOSTAS PARA O ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL DO SÉCULO XIX

Predominantemente os estudos sobre o ensino agrícola adotam duas vertentes explicativas: a primeira remete para a necessidade da formação de mão-de-obra dos trabalhadores rurais, enquanto a segunda aborda a questão da delinqüência infantil.


No âmbito jurídico o debate foi direcionado para as definições de menoridade e de aspectos que embasariam a aplicabilidade da legislação (menores abandonados, delinqüentes, etc.) e a incorporação ao mundo da produção, especialmente a fabril (OLIVEIRA, 2003. p. 10).


A delinqüência estava associada ao problema da vadiagem, considerando vadios


aqueles que vivessem em casa dos pais ou tutor, mas que se mostrassem refratários a receber instrução ou entregar-se ao trabalho sério e útil, preferindo vagar pelas ruas e logradouros públicos. A vadiagem ou mendicidade, por sua vez, era categorizada em dois tipos: habitual e não-habitual (BRAGA, 1993. p. 119).


Os registros acerca das origens do ensino agrícola no Brasil revelam propostas que buscaram implantar o modelo de educação para meninos que vinha contribuindo para o desenvolvimento da agricultura em países como a Alemanha e a Suíça, ao lado de estabelecimentos de ensino para mulheres que cumprissem idênticos objetivos (SERGIPE, 1836). As propostas afirmavam que seria este um bom caminho para ajudar as mulheres pobres, uma vez que estas aprenderiam a “coser, lavar, engomar, fazer flores, cuidar de hortas e da educação dos animais domésticos”. A educação dos meninos deveria priorizar os ensinamentos “práticos de lavrar a terra, de plantá-la e dispô-la para produzir diversas colheitas; de preparar os seus frutos, de cuidar do gado e animais domésticos e de construção rural”.
Assim, a discussão sobre o ensino agrícola se difundiu com a característica de ser esta uma modalidade destinada a homens e mulheres livres e pobres, sem outra perspectiva de sustento. Todos que se envolviam na discussão afirmavam que o modelo que lhes inspirava era germano-suiço. Isto põe em questão algumas certezas a respeito desse tipo de atendimento. O entusiasmo pelas reformas republicanas ainda dominante na historiografia educacional brasileira leva alguns autores à afirmação de que


durante a Primeira República, o debate sobre a situação da infância e da adolescência pobres incorporou questões diversas e participantes diferenciados; era conformado pelo contexto de redefinições historicamente demandadas que acompanhavam as modificações em curso desde o final da monarquia (OLIVEIRA, 2003. p. 10).


As discussões acerca da assistência à infância no Brasil ainda são, portanto, em certa medida, cheias de interpretações carregadas de preconceitos próprios da historiografia dos primeiros anos da República que se estabeleceu em 1889. O discurso a respeito da assistência à infância durante a Primeira República, na verdade, estava marcado pela necessidade de resolução de problemas postos por fatos que ocorreram no final do governo monárquico, a exemplo da libertação dos escravos que, em todo o país, levou ao crescimento da composição demográfica das cidades, ao tempo em que “a oferta de empregos e as condições de vida urbana não respondiam a esse incremento e deterioravam-se” (OLIVEIRA, 2003. p. 15).
É verdade que o Estado Republicano se constituiu trazendo consigo a expectativa do novo. Mas, também é verdadeiro que levou a que se produzissem deformações nas representações históricas do regime que o antecedeu. Sob a perspectiva da historiografia republicana, o atendimento à infância no Brasil do século XIX não teria sido contemplado pelas ações governamentais. Mas, há outras evidências que desautorizam a interpretação segundo a qual durante o período a política de atenção ao menor registrava apenas “a permanência das instituições herdadas do período colonial” (OLIVEIRA, 2003. p. 12).
Há uma crença generalizada nos estudos a respeito do assunto, dando conta de que, ao longo dos anos oitocentos, persistira apenas “o modelo institucional de atendimento à pobreza que foi transplantado para as colônias e portos de Portugal (na América, África e Ásia)” (OLIVEIRA, 2003. p. 11). Desde o século XIX, num processo que se estendeu ao longo do período republicano e do século XX, disciplinar e controlar foram metas da elite dirigente. “O projeto de repressão à ociosidade, de 1888” (OLIVEIRA, 2003. p. 15), era importante expressão de um debate acerca do que fazer com mão-de-obra anteriormente cativa e então já trabalhador livre. Havia necessidade de reprimi-los e obrigá-los ao trabalho, “superar seus vícios, civilizá-los” (OLIVEIRA, 2003. p. 15).
O estudo a respeito do ensino agrícola cria, portanto, possibilidades de uma melhor compreensão a respeito do vigoroso debate educacional que se instalou no Brasil durante a segunda metade do século XIX e persistiu, atravessando as primeiras décadas do século XX. Um debate que reunia juristas, políticos, médicos, clérigos, militares e professores, dentre outros. Todos eles buscando apoiar-se em preceitos cientificistas.


Tratava-se, antes de tudo, de uma verdadeira cruzada civilizatória a que se atiravam os eugenistas, estes arautos dos tempos modernos. Na sua missão, ocuparam todos os espaços possíveis: as academias médicas, as sociedades filantrópicas, as casas legislativas, as escolas, as delegacias de polícia, os tribunais de justiça, estabelecendo uma verdadeira rede de solidariedade entre discursos, instituições e personagens, entre estes o médico, o pedagogo, o jurista, os agentes do controle social repressivo, a dona de casa, o pai preocupado com o destino de sua prole (MARQUES, 1994. p. 15).


O processo civilizador é considerado neste trabalho a partir da abordagem de Norbert Elias (ELIAS, 1991). Ele acredita que o homem necessita aprender regras de etiqueta e conduta como requisitos da condição humana. E como o homem é socialmente civilizado, a civilização é o resultado de um processo ao qual as pessoas são submetidas. Elias ocupa-se da história a partir de agentes individuais que se apresentam combinados com outros em configurações específicas. Para tanto, é fértil o seu diálogo com Freud (FREUD, 1996. p. 15-19), uma vez que segundo este último, a inclusão do indivíduo num grupo vem acompanhada da apresentação de regras que devem ser seguidas. Buscando a felicidade, o homem procura escapar às imposições da civilização e eliminar essas regras que lhe causam sofrimento. Mas, a realização fora dos padrões de civilidade também não é possível. Então, é preciso adotar as normas, utilizando-as como mecanismo de proteção. Dito de outra maneira, o processo civilizador é o mesmo que aponta para a obediência e o trabalho.

quinta-feira, 24 de março de 2011

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM SERGIPE NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XX AO SÉCULO XXI

Os dados demonstram que na única universidade pública existente em Sergipe no início do século XXI o número de ingressantes era superior ao número de vagas oferecidas. No caso da Unit há o registro da existência de vagas ociosas em algumas áreas. Tal fenômeno é nacional, em relação ao setor privado e revela os problemas que surgiram em face da concorrência do esgotamento da clientela potencial das instituições particulares, apontando para a saturação da demanda por IES particulares.
É necessário aperfeiçoar muitos dos indicadores de desempenho das IES. No ano de 2001, ingressaram 6.166 alunos e, quatro anos depois, em 2004, apenas 3.785 alunos concluíram os seus cursos de graduação. Considerando-se quatro anos como tempo médio previsto para conclusão da maior parte dos cursos de graduação presenciais, é possível afirmar que 38,62% dos alunos que ingressam no ensino superior em Sergipe não conseguem concluir regularmente os seus cursos no prazo previsto.
Um outro indicador importante sobre o qual as instituições federais de ensino superior necessitam produzir uma reflexão mais adequada diz respeito a relação professor/aluno. Até o ano de 1998, na Universidade Federal de Sergipe, tal relação apontava para um número que oscilava entre 11 e 12 alunos por professor, em média. A partir de 1998, após a criação da Gratificação por Estímulo à Docência (GED), houve um impacto significativo no que concerne ao aumento do número de vagas e matrículas na UFS, resultando numa expansão dessa relação. Assim, a Universidade Federal de Sergipe chegou ao ano de 2004, com 16,77 alunos por professor, assemelhando-se aos padrões praticados em instituições particulares, mas ainda distante de instituições como a Universidade Tiradentes, onde a relação era de 26,15 alunos por professor naquele ano. Todavia, é necessário levar em consideração que na UFS a atividade da maior parte dos professores não está circunscrita apenas ao ensino de graduação, incluindo também responsabilidades quanto ao ensino de pós-graduação strictu sensu.

terça-feira, 22 de março de 2011

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM SERGIPE NA TRANSIÇÃO DO SÉCULO XX AO SÉCULO XXI

Traçar a trajetória da Educação superior em Sergipe, no período de 1991 a 2004, foi um desafio que gerou a responsabilidade de expressar processos importantes que marcaram, entre outros fenômenos, o da expansão da oferta do acesso, no qual se inserem questões centrais ainda prevalecentes: a da manutenção de um baixo índice de acesso ao ensino superior e a forma como se distribuem as vagas e a sua forma de ocupação.
É possível afirmar que o ensino superior sergipano foi organizado em três grandes períodos. O primeiro deles foi iniciado na década de 10 do século XX, quando funcionou o primeiro curso superior em Sergipe: o curso de Filosofia criado em 1913 no Seminário Diocesano e extinto em 1934, por determinação da Santa Sé. Em 1923 foi criado o Instituto de Química industrial, que oferecia um curso de três anos, de nível superior, destinado a preparação de técnicos para a indústria açucareira, a exploração do sal, a preparação do couro e o aproveitamento das plantas oleaginosas. O curso foi fechado em 1926, por falta de alunos. Em 1925 foram criadas a Faculdade de Direito Tobias Barreto e a Faculdade de Odontologia e Farmácia de Sergipe Aníbal Freire. Ambas tiveram suas atividades encerradas em 1926. Em 1948 foi criada uma nova Escola de Química e também a Faculdade de Ciências Econômicas de Sergipe. Em 1950 foram criadas a Faculdade de Direito e a Faculdade Católica de Filosofia. A partir de 1954, a Igreja Católica fundou uma Faculdade de Serviço Social. No ano de 1960 entrou em funcionamento a Faculdade de Medicina. Esse primeiro período, entre os anos de 1913 e 1968, se caracterizou pela presença do Governo do Estado de Sergipe e da Igreja Católica, oferecendo ensino superior confessional e comandando, juntamente com o governo estadual a organização do ensino superior sergipano.
A Universidade Federal de Sergipe foi constituída, em 1968, incorporando todas as faculdades até então existentes e iniciando o segundo período da história do ensino superior sergipano. Em 1972, começaram a funcionar as Faculdades Integradas Tiradentes e, em 1976, foi instalada a Faculdade Pio Décimo. Tal período apresentou duas características: a vigorosa consolidação, a expansão e o pleno domínio de uma universidade pública; e, também, a implantação de duas instituições privadas que passaram a oferecer o serviço ensino superior.
Em 1997, teve início o terceiro período da história do ensino superior em Sergipe, que se caracterizou pelo domínio das instituições de ensino superior privadas. No ano de 1997, pela primeira vez, a matrícula do ensino superior privado, em Sergipe, superou a matrícula da Universidade Federal. A partir de então, no Estado, passaram a funcionar novas faculdades: a Faculdade São Luís, a Faculdade de Administração e Negócios (Fanese), a Faculdade de Sergipe (Fase), a Faculdade Atlântico, a Faculdade Amadeus (Fama), a Faculdade de Ciências Educacionais (Face) e a Faculdade José Augusto Vieira (FJAV). Nas duas últimas fases é notável a ausência do poder público estadual que se ausentou das responsabilidades para com o ensino superior.
Não obstante todos os esforços empreendidos, o Estado de Sergipe chegou ao ano de 2004 com o menor número de instituições de ensino superior do Brasil – apenas 11, representando 0,5% do total nacional. Após a criação da UFS, em 1968, o setor público permaneceu estacionário no Estado de Sergipe até 2001, quando ocorreu a transformação da Escola Técnica Federal em CEFET. Portanto, como foi possível observar neste trabalho, a expansão do ensino superior foi predominantemente privada.
Para tentar elucidar algumas questões é importante recuperar aspectos pertinentes à forma de organização socioeconômica e educacional vigente no Estado que continuou garantindo àqueles que dispõem de condições financeiras privilegiadas uma formação voltada à ocupação das melhores posições educacionais e profissionais, garantindo o acesso destes aos cursos e às instituições que apresentaram as melhores condições de ensino. O mesmo pode ser afirmado em relação aos cursos que, reconhecidamente, favorecem a inserção profissional no mercado de trabalho, como os de Direito e Medicina.
Apesar da aprovação da Lei nº 9.394, em 1996, a repercussão desse dispositivo no que se refere à expansão e diversificação somente começou a ser verificada, de modo mais intensivo, a partir de 1999. Assim, é possível afirmar que, em Sergipe, o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional propiciou a expansão do ensino superior, mas não sua diversificação. As categorias administrativas permaneceram as mesmas: as instituições federais de ensino e as particulares. Também, do ponto de vista da organização acadêmica não ocorreu a implementação de novos modelos, permanecendo as universidades e as faculdades isoladas. O único tipo diferenciado implantado em Sergipe foi o Centro Federal de Educação Tecnológica, criado recentemente.
O sentido assumido pelo movimento de expansão foi o do aumento da quantidade de instituições. O modelo privatizante, contudo, no caso sergipano, não estimulou a implantação de novos modelos institucionais como os centros universitários e as faculdades de tecnologia. Do mesmo modo, as esferas administrativas do poder público (Estado e municípios) não manifestaram interesse em investir no ensino superior, continuando ausentes e fazendo de Sergipe o único Estado da Região Nordeste no qual as instituições públicas de ensino superior são exclusivamente federais. Todavia, a expansão registrada, que se efetivou através de uma maior presença de IES particulares, contribuiu para facilitar o acesso ao ensino superior. Para esse incremento foi muito importante a luta pela universalização do ensino fundamental na década de 1990 do século passado, que impulsionou a demanda por vagas no ensino médio. No caso de Sergipe, registre-se também o investimento que se fez, a partir do ano de 1995 na interiorização do ensino médio. Até 1994, em todo o Estado, de um total de 75 municípios, em apenas 34 funcionavam instituições destinadas ao ensino médio. Em 1998, todos os municípios sergipanos já possuíam escolas desse nível de ensino em funcionamento.
Além dos investimentos feitos pelo Estado de Sergipe para a interiorização do ensino médio, é importante notar os investimentos realizados pelos setores público e privado, a partir da década de 90 do século XX, para interiorizar o ensino superior. Em 1998, a Universidade Federal de Sergipe criou, em parceria com o Governo do Estado, o Programa de Qualificação Docente (PQD), que possibilitou a implantação de 53 cursos de graduação em regime especial, destinados a qualificar e oferecer o diploma de Licenciado a professores de escolas públicas das redes municipais e estadual, nos municípios de Própria, Itabaiana, Nossa Senhora da Glória, Lagarto e Estância. A Universidade Tiradentes implantou, a partir de 1999, os campi de Estância, Itabaiana e Própria.
Em Sergipe, o total de matrículas na educação superior representa um atendimento a 11,59% da população na faixa etária de 18 a 24 anos de idade. O estado possui 1,1% da população brasileira nessa faixa, mas a oferta de vagas nas suas instituições de ensino superior representa somente 0,7% da matrícula brasileira. Relativamente à Região Nordeste, enquanto os habitantes equivalem a 3,73% dos que se encontram entre os 18 e 24 anos de idade, a matrícula na educação superior é equivalente a 4,6% da matrícula nordestina. Assim, dentre os desafios que estão colocados para o Estado de Sergipe, sobressai a necessidade imediata de elevar a cobertura do ensino superior a pelo menos 17% da sua população na faixa etária dos 18 aos 24 anos de idade, para colocar Sergipe nos mesmos níveis da média brasileira. Para atingir esta meta é necessário criar 13.485 novas vagas, aumentando o número de alunos matriculados de 31.032 para 45.517. Por certo, tal objetivo somente pode ser alcançado com uma significativa participação do governo estadual na oferta do ensino superior.

segunda-feira, 21 de março de 2011

INSTRUÇÃO E CULTURA ESCOLAR NO IMPÉRIO DO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO DEBATE EDUCACIONAL SOBRE O SÉCULO XIX - V

CONSIDERAÇÕES FINAIS


É recente entre os pesquisadores da História da Educação Brasileira a disseminação de estudos sistemáticos nas províncias. Com toda a certeza, estudos mais completos a respeito dos problemas de política educacional em cada uma delas podem contribuir no desembaçamento desse campo, iluminando áreas que continuam obscurecidas quanto a diversidade das políticas executadas no século XIX. Apenas para ilustrar esta questão, vale citar o conhecido caso da Província do Rio Grande do Sul, onde, nos últimos anos do Império foi instituída a obrigatoriedade do ensino pelo Código Penal. As famílias eram obrigadas a matricular os filhos na escola e os pais que não cumprissem tal determinação poderiam responder criminalmente. Além disto, o governo da Província do Rio Grande do Sul instituiu um fundo financeiro para sustentar a obrigatoriedade, oferecendo, por decorrência, um efetivo ensino gratuito.
Muitos estudos de História da Educação no Brasil realizados a partir da década de 80 do século XX construíram novos objetos e revigoraram outros tantos tidos como velhos. Essa discussão emergiu com muita força entre nós, valorizando os esforços que dão conteúdo histórico aos estudos da disciplina, identificando também a necessidade de libertá-la de posições pré-concebidas que marcaram a sua trajetória. Apesar de todos os esforços dos pesquisadores que tomaram para si tal responsabilidade, em muitos textos continua subjacente a idéia de que o Brasil do século XIX não conviveu com qualquer política ou prática educacional relevante, principalmente quando se pensa a instrução primária. Mais do que nunca é necessário observar a queima dos nossos navios.

domingo, 20 de março de 2011

INSTRUÇÃO E CULTURA ESCOLAR NO IMPÉRIO DO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO DEBATE EDUCACIONAL SOBRE O SÉCULO XIX - IV

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE PROJETOS EDUCACIONAIS DO SÉCULO XIX


A política educacional da Monarquia brasileira deu continuidade ao projeto do Iluminismo pombalino. A partir de 1770 o Marquês de Pombal solicitou aos governantes e aos capitães-generais das capitanias o estímulo aos estudos. Segundo Maria Odila da Silva Dias,


A Coroa procurou desenvolver na colônia o estudo das ciências naturais, da física, da química e da agricultura, da Medicina Cirúrgica e Farmácia, aprovando a fundação da Academia Científica do Rio (1772-1779). Entre seus fundadores, médicos e cirurgiões em sua maioria .


Vale a pena observar que em 1798 foi fundado o Seminário de Olinda – sob a liderança do bispo Azeredo Coutinho – que incorporou todo o espírito da orientação escolar da reforma pombalina. A partir de 1799 a Coroa ofereceu bolsas de estudos a brasileiros, objetivando a formação de engenheiros topográficos, hidráulicos, contadores e médicos.
São conhecidas as reformas na instrução primária e secundária promovidas pelo Marquês de Pombal, bem como a adoção de providências como a realização de concursos para a admissão de professores que atuavam no Brasil aos quadros do Estado português. Todavia, o viés interpretativo da História da Educação brasileira adotado a partir da República não abre qualquer possibilidade de compreensão da importância da profunda política modernizadora em face do Brasil desencadeada pelo Marquês de Pombal à frente do Conselho Ultramarino. Certamente o melhor exemplo desse tipo de interpretação seja o conhecido estudo de Fernando de Azevedo, A Cultura Brasileira, principalmente em sua parte III, quando trata da “Transmissão da cultura” .
Essa política teve continuidade após a mudança da Corte para o Rio de Janeiro, em 1808. Muitos dos quadros que se beneficiaram com a política de bolsas da Coroa tiveram um papel destacado como lideranças políticas no movimento da independência e ocuparam importantes funções no parlamento e/ou no executivo depois de 1822.
Não admitir a existência de projetos de Educação no século XIX é negar que nas duas primeiras décadas daquele século D. João VI criou as escolas superiores necessárias à formação da elite administrativa (civil e militar) demandada em face da mudança da Corte para o Rio de Janeiro. Ele criou na ocasião dois cursos cirúrgicos, um ano depois de, em 1812, haver determinado o funcionamento do primeiro curso de agricultura da Bahia. Vale lembrar a criação em 1817 da cadeira de Química de Salvador e, em 1818, da Escola Pública de Música da Bahia.
Nos primeiros anos do seu reinado Dom Pedro I criou os cursos jurídicos de Pernambuco e São Paulo (1823). Em 1838 foi fundado o Liceu Imperial, depois Colégio Pedro II, com estudos de ciências naturais em quatro anos do total de seis abrangidos pelo seu curso. Mas, certamente, a iniciativa de maior impacto para a consolidação da instrução primária no Brasil foi a criação, em 1834, da Escola Normal de Niterói, destinada a formar professores. Esse tipo de instituição espalhou-se por todo o país. Entre 1873 e 1885 funcionaram no Rio de Janeiro, e em muitas outras cidades brasileiras, vários cursos livres e conferências sobre assuntos pedagógicos. Com todas as restrições que sejam feitas às ações educacionais desenvolvidas durante o século XIX não há como desconsiderar que foi a Constituição de 1824 que, pela primeira vez na História do Brasil, instituiu a gratuidade do ensino primário para todos os cidadãos e determinou a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidade, vilas e lugarejos, elevando o problema a condição de questão de Estado. A implantação de uma rede nacional de escolas normais era um importante passo que buscava dar conseqüência a esse tipo de determinação constitucional.
No Brasil do século XIX foi prática comum, principalmente durante o governo de Pedro II patrocinar a publicação de livros e criar as condições econômicas para a realização de viagens de estudos por parte dos artistas da Academia Imperial de Belas Artes ou do Conservatório de Música. O Museu Nacional lançou, também durante o século XIX, a pesquisa das chamadas ciências puras, organizando cursos de ciências e conferências sobre Botânica, Zoologia, Antropologia e Fisiologia. Nos anos 70 dos 800 foi criada a Escola de Minas em Ouro Preto e organizada a Escola Politécnica, com os cursos de Engenharia Civil, Engenharia de Minas, Artes e Manufaturas, Ciências Físicas e Matemáticas e Ciências Físicas e Naturais. Na Escola de Minas de Ouro Preto se reorganizou toda a experiência dos cursos de Metalurgia, que funcionavam desde 1832. É de 1879 a abolição da obrigatoriedade do ensino religioso no Colégio Pedro II, não obstante o artigo 5º da Constituição do Império estabelecer o catolicismo como religião oficial do Brasil.
No Império foram criadas várias instituições de pesquisa, algumas das quais continuam funcionando até hoje. Dentre tais instituições é possível citar o Museu Paraense, criado por Emílio Goeldi em 1885; o Instituto Agronômico, criado pelo Governo Imperial em 1887, em Campinas. O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo foi criado em 1873, por ato do Governo Imperial. Foram iniciativas do Segundo Império a criação das escolas de comércio do Rio de Janeiro e de Pernambuco, em 1864, e das escolas agrícolas criadas no mesmo ano no Rio de Janeiro, Pará, Maranhão, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Cada vez mais vem se impondo aos estudos historiográficos educacionais a necessidade da retomada das preocupações existentes no Segundo Império em torno da idéia das potencialidades civilizatórias do campo educacional, transformadas em tabula rasa por alguns estudos de História da Educação Brasileira. Alguns poucos textos fazem tal reconhecimento, mesmo que de forma marginal. Um bom exemplo é o trabalho de Zaia Brandão que, mesmo atribuindo serem os debates em torno da esperança nos resultados da aplicação da ciência à vida social próprios dos valores da primeira metade do século XX, reconhece que o tema da Educação como força civilizatória já aparecera no discurso dos intelectuais do Império que “insistentemente preconizavam o derramar da instrução por todas as classes” .

sábado, 19 de março de 2011

INSTRUÇÃO E CULTURA ESCOLAR NO IMPÉRIO DO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO DEBATE EDUCACIONAL SOBRE O SÉCULO XIX - III

A recuperação de embates produzidos no Brasil ao longo do século XIX pode ajudar na busca de evidências quanto a formulação de políticas públicas coerentes e avançadas naquele período e dar conta de como era buscada a identidade do Estado Nacional Brasileiro. Pode servir ao esclarecimento de um quadro que torna transparentes algumas conquistas e avanços econômicos, sociais e democráticos. Também cria a possibilidade de examinar outros contrapontos quanto a discussão que analisa o que foram no caso brasileiro, efetivamente, as políticas de Educação e cultura dos governos imperiais. Precisamos estudar as memórias apresentadas aos congressos e concursos realizados no século XIX, a fim de que entendamos melhor a mentalidade brasileira daquele momento.
Uma leitura do debate que se travou no século XIX em textos apanhados no momento mesmo em que a discussão se realizava é fonte para a compreensão dos posicionamentos intelectuais e políticos do período, dos pontos de vista assumidos, das concepções de Educação adotadas e das críticas formuladas.
Uma releitura do período monárquico, principalmente dos embates travados durante o Segundo Império, pode contribuir para a compreensão das representações dos seus antecedentes feitas pelos intelectuais que pensaram o Estado Republicano Brasileiro e que trabalharam firmemente para a construção de uma imagem segundo a qual durante o século XIX o Brasil estava, digamos, desprovido de qualquer projeto de Estado Nacional. Não podemos esquecer que o Estado Republicano Brasileiro produziu em seu benefício a imagem de ser uma utopia francesa nos trópicos, que se propunha a oferecer toda a sorte de políticas públicas que faziam falta ao ordenamento institucional anterior.
Admitir a existência de bons projetos de Educação durante o Império não significa necessariamente avalizar todas as propostas da Monarquia, como poder-se-ia pensar ao fazer o raciocínio inverso. Não significa apontar a suficiência do que existia. Mas, não há como escamotear muitas evidências históricas que apontam a existência de tais projetos. As observações que este trabalho faz acerca dos projetos educacionais do século XIX não têm o objetivo de tomar posição na polêmica Império X República. Não há a pretensão de fazer o julgamento ético comparativo dos governos monarquistas e republicanos, mas apenas trazer à superfície elementos empíricos que devemos considerar na análise de vários estudos sobre o século XIX produzidos a partir da segunda década do século XX.

INSTRUÇÃO E CULTURA ESCOLAR NO IMPÉRIO DO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO DEBATE EDUCACIONAL SOBRE O SÉCULO XIX - II

A partir do final da década de 80 do século XX, alguns intelectuais da História da Educação Brasileira voltaram sua atenção para os problemas historiográficos como apontados neste texto e produziram uma análise que articulou a idéia de modernidade com a entrada em cena do grupo que viria a se constituir no movimento dos Pioneiros da Educação Nova. Três expressões importantes dessa linha interpretativa conquistaram muito espaço no debate a respeito do tema: Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão.
Estudando o problema da representação histórica feita pela geração dos Pioneiros, Carlos Monarccha apontou que algumas interpretações do processo de formação da sociedade brasileira trouxeram consigo “uma concepção de menoridade racional da sociedade civil” . Para este autor, ao estudar a História do Brasil e, particularmente, a História da Educação Brasileira, algumas vezes tem-se a impressão de haver a história estancado entre a Revolução Francesa do século XVIII e aquilo que é apresentado como sendo a revolução burguesa brasileira – “a revolução de 30”. Vê-se a história do Brasil como fatalidade, simples repetição da trajetória da chamada história universal. A partir da concepção da história progressiva, o contexto democrático-burguês, que se repete aqui com a “revolução de 30” .
O campo da História da Educação, durante muito tempo, trabalhou a escola, a sociedade e os educadores através de representações cristalizadoras. Clarice Nunes demonstrou como os pesquisadores da História da Educação foram levados


não só a entremear o senso comum sobre a cultura urbana com o pensamento educacional aí gestado, mas também reforçando argumentos que tomam São Paulo como modelo de modernização da sociedade e educação brasileiras. Isto não acontece por acaso. No plano da produção acadêmica é esta cidade que aparece como lócus por excelência da afirmação dos interesses e da hegemonia do mercado, da superação do antigo impasse já sinalizado pelas elites brasileiras desde o século XIX, o de liberalizar a sociedade pelo Estado .


Clarice Nunes concentra os seus esforços na tarefa de buscar o processo de construção do estilo moderno de vida urbana no Rio de Janeiro, através da escola. A própria pesquisadora esclarece que a História da Educação “ainda é uma história a ser escrita a muitas cabeças e mãos” . Esta pesquisadora, portanto teve uma preocupação fundamental: mostrar como a cidade de São Paulo foi tomada como protótipo da cidade brasileira, o que serviu, no caso da História da Educação, para embaralhar diferentes versões da Escola Nova. Ela revelou a necessidade de alguns estudos dirigirem o olhar sobre a cultura urbana, iluminando “a especificidade das experiências escolares vividas nos grandes centros do país nas décadas de vinte e trinta” . Esta autora tem razão ao afirmar que “é impossível examinar a trajetória da escola sem mencionar os intelectuais que a forjaram” . E é justamente nesse ponto que ela diferencia o trabalho de Anísio Teixeira daquele executado por outras expressões do Movimento dos Pioneiros: “ele ampliou o seu olhar sobre a cidade e precisou suas formas de intervenção, atingindo em cheio códigos culturais inscritos nas relações pessoais e estremecendo representações cristalizadas na realidade” . Esta ação de Anísio Teixeira se dá, não esqueçamos, sobre um espaço urbano – o Rio de Janeiro. Em tal espaço “a legislação escolar, com conteúdos práticos, codificou espaços, saberes, poderes, definindo o que era considerado justo e, ao mesmo tempo, delimitando um conjunto de soluções jurídicas para problemas postos pelo contexto pedagógico” .
No seu trabalho, Zaia Brandão se dedicou a estudar as contradições existentes no interior do grupo em torno do qual o grupo dos Pioneiros da Educação Nova e, particularmente Fernando de Azevedo construiu sua história/monumento. Segundo Zaia Brandão, no momento em que a geração das décadas de 20 e 30 da centúria novecentista atuou, “o imaginário social estava carregado de esperanças nos resultados da aplicação da ciência à vida social” . A partir da inserção de Paschoal Lemme – ligado ao Partido Comunista – no bloco que se formou em torno do trabalho de Fernando de Azevedo, Zaia Brandão buscou entender como se deu essa relação e as representações que foram feitas acerca dela. A pesquisadora partiu do pressuposto segundo o qual o pensamento marxista teria sido silenciado pelos educadores liberais do movimento dos Pioneiros da Educação Nova . Tomando como substrato teórico da sua tese algumas idéias de Pierre Bourdieu, Zaia Brandão revelou como entre nós uma significativa parcela do trabalho historiográfico em Educação vem priorizando uma determinada história dos vencidos, na qual, vítimas e réus são separados, numa construção historiográfica que concorda com a existência de idéias liberais “fora do lugar” e através da leitura “teológica” de certa tradição marxista “o solo histórico do objeto de estudo tem sido utilizado exclusivamente para ilustrar uma determinada explicação que, quase sempre, é extraída diretamente dessa teoria desencarnada” .
Quando se verifica o trabalho da geração de historiadores que pensou o Brasil a partir da Primeira República é possível verificar, com Carlos Alberto Vesentini e Edgar de Decca que “a constituição da memória inclui a definição dos agentes históricos que participaram do processo político” .
Para a produção do seu modelo explicativo de Brasil, a geração de intelectuais que emergiu a partir do movimento republicano cuidou de afastar os elementos mais problemáticos do pensamento de Augusto Comte, a fim de consolidar a representação que fazia do Estado Republicano o Estado Positivo Comteano.

quinta-feira, 17 de março de 2011

INSTRUÇÃO E CULTURA ESCOLAR NO IMPÉRIO DO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO DEBATE EDUCACIONAL SOBRE O SÉCULO XIX

O problema da representação histórica do Brasil feita pelas primeiras gerações de republicanos é matriz das interpretações que se tem feito acerca da História da Educação brasileira durante o Império. Alguns investigadores que se debruçam sobre esta questão discutem a visão que tiveram do passado os intelectuais brasileiros das quatro primeiras décadas do século XX. É necessário desembaçar o debate em torno do trabalho dos chamados Pioneiros da Educação Nova para discutir com mais clareza os padrões de instrução e cultura escolar dominantes durante o século XIX.
A partir deste pressuposto, o presente estudo busca inspiração em três importantes pesquisadores da História da Educação no Brasil, com forte atuação nas três últimas décadas do século XX, para analisar o modo através do qual se operou a crítica historiográfica sobre a Escola Nova entre nós, a partir daquele período. Apanhando as análises publicadas nos últimos 30 anos daquela centúria, foi possível lançar um olhar em torno das contribuições de Zaia Brandão, Carlos Monarcha e Clarice Nunes e no modo como eles dialogaram com o discurso dos chamados Pioneiros da Educação Nova. Como é sabido, durante a década de 80 do século XX muitos pesquisadores da História da Educação Brasileira empreenderam uma releitura dos marcos teóricos estabelecidos pelos escolanovistas. Para este estudo, não obstante a fertilíssima contribuição oferecida pelos pesquisadores citados, sob determinadas circunstâncias eles não priorizaram os problemas de interpretação historiográfica situados na transição do século XIX para o século XX. De um modo geral, os estudos de História do Brasil (e não somente os de História da Educação) tomam essa transição levando em conta apenas as representações que fizeram dela, a posteriori, os republicanos.
A maior parte da bibliografia sobre História da Educação produzida no Brasil nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado priorizou o período republicano, assumindo os marcos históricos estabelecidos a partir da obra de Fernando de Azevedo. Estudos como o realizado por Bruno Bontempi Junior demonstraram que no período de 1972 a 1988 foram produzidas no Brasil 146 dissertações e teses em História da Educação. Desse total, 116 tiveram como objeto o período republicano, enquanto apenas 25 analisaram o período da monarquia. Efetivamente, em comparação com a bibliografia acerca do período republicano, foram bem escassos os textos de História da Educação que se debruçaram sobre o pensamento educacional do século XIX no Brasil. Todavia, é necessário rever a História da Educação Brasileira oitocentista, como vêm fazendo já alguns estudiosos, a exemplo de José Gonçalves Gondra, Marcos Cezar de Freitas, Luciano Mendes Faria Filho, Diana Gonçalves Vidal e Cynthia Greive Veiga, dentre outros. O fato, é que existem outras visões que são alternativas ao discurso pedagógico segundo o qual os Jesuítas teriam moldado uma Educação que dominou o Brasil desde o século XVI até o início do século XX.
O debate que este texto faz a partir da inspiração que recebe de estudiosos como Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão, diz respeito ao modo pelo qual, usualmente, se faz a representação da monarquia brasileira nos estudos de História da Educação correntes entre nós. A visão mais conhecida do Brasil monárquico dá conta da existência de determinadas circunstâncias que impossibilitavam a intelectualidade nacional daquele período pensar a respeito do próprio Estado brasileiro e formular projetos correntes. Assim, boa parte da bibliografia não empreende a explicitação dos projetos brasileiros elaborados durante o século XIX sob outras condições, criando dificuldades à sua compreensão por inteiro.
Tanto Fernando de Azevedo como outros autores que se dedicaram antes dele ao exame das políticas desenvolvidas pelo governo monárquico no Brasil, insistem em representar aquele contexto enfatizando “a permanência do tipo de educação imposta pelos jesuítas, por um lado, e por outro a fragmentação causada pela política pombalina (...); os decretos governamentais e a distância desses da realidade (...)” reificando as posições interpretativas que foram assumidas no processo de luta que se travou entre os monarquistas e os republicanos a partir da segunda metade do século XIX. No campo da História da Educação essas interpretações ganharam clareza principalmente a partir do trabalho da geração dos Pioneiros da Educação Nova.
O entendimento assinalado incorporou-se quase que integralmente ao conjunto de interpretações e explicações da Educação brasileira, tanto pelos liberais quanto por seus críticos – dentre os quais alguns estudiosos filiados a várias tendências interpretativas inspiradas pelo pensamento marxista. Todos eles – liberais e críticos dos liberais – aceitaram e, de certa forma, ainda continuam a aceitar os pressupostos e periodizações impostos pela geração dos Pioneiros da Educação Nova. As balizas que esse grupo estabeleceu continuam a ser aquelas aceitas ainda hoje como o campo possível de interpretações da História da Educação Brasileira. É possível que a partir de tais limites possamos encontrar elementos que expliquem porque entre nós continua a haver pouco interesse por trabalhos de pesquisa que tratem de analisar as explicações em torno dos problemas da reforma pombalina, do processo de desenvolvimento cultural vivido pelo Brasil durante o reinado do imperador D. Pedro II.
O mosaico da intelectualidade brasileira que atuou sob o império é extremamente complexo, pois essa intelectualidade viveu as contradições do seu tempo. Um tempo que era o do século do Romantismo, que marcou as visões de política, literatura, moral e ciência dos homens. Um tempo de luta dura entre a moral religiosa e o ateísmo. De consolidação do evolucionismo. Período no qual o Brasil conheceu o liberalismo do Segundo Império e a decadência da sua monarquia. Período no qual se lutou pela preservação da unidade nacional, na única monarquia que sobreviveu ao processo de liberação política do continente americano, onde se adotou a República como modelo de Estado.
As tintas sombreadas utilizadas pelos historiadores da cultura e da Educação para pintar o quadro do Brasil naquele período consolidaram a visão de que estávamos naquele momento indigentes de ciência em função das tradições que herdáramos sob a influência dos jesuítas. De maneira geral, os estudiosos do tema afirmam que até os primeiros anos deste século o conhecimento no Brasil estava bastante limitado e quase restrito às letras. Para esse tipo de afirmação, partem sempre do pressuposto de que os jesuítas continuaram a dirigir a intelectualidade brasileira até que, com o advento da República, os positivistas reformassem a estrutura do nosso ensino, mesmo porque, sob tais interpretações, as reformas que aconteceram sob a monarquia objetivariam apenas permitir que tudo continuasse a ser exatamente como fora até então.
Para essas interpretações o campo da ciência no Brasil estaria tolhido pelo fato de o nosso sistema escolar, naquele momento, não apresentar um nível de organização satisfatório, sem conseguir sequer articular os diversos graus da hierarquia institucional ou até mesmo o funcionamento de instituições escolares de igual nível. Daí defluem muitas críticas à política cultural do governo monárquico. Alguns estudiosos chegaram a afirmar ter sido o Colégio Pedro II a única instituição de cultura geral importante criada durante os dois governos imperiais. Mas, ainda assim, para autores como Fernando de Azevedo, a


obsessão dos estudos superiores profissionais, como um meio de tornar os indivíduos úteis à sociedade do tempo ou elevá-los às fileiras da elite dirigente e o espírito utilitário que se desenvolvia, parte sob a pressão das necessidades imediatas, parte pela predominância da cultura profissional, tinham de forçosamente prejudicar os progressos dos estudos científicos, já entravados numa certa medida pelo caráter de ensino básico geral, eminentemente literário e retórico, no Colégio Pedro II e nas instituições particulares do ensino secundário .

domingo, 13 de março de 2011

OS VESTÍGIOS DO LEITOR: A BIBLIOTECA PEDAGÓGICA DE SÍLVIO ROMERO - V

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Há muito a dizer a respeito das notas deixadas por Sílvio Romero nos livros da sua Biblioteca. Os dois textos de William James são objeto de análise que realizo no momento e que pretendo publicar em um outro artigo. Mas, as notas são ricas e números. É possível, através das leituras feitas por esse autor, compreender muito do processo no qual se preparava um dos mais importantes dentre os vários pontos de inflexão realizados pela educação brasileira – a incorporação do discurso que toma a Biologia, a Psicologia e, mais tarde, a Sociologia como fundamentos científicos da Educação e que, de resto, embala, no caso brasileiro o discurso a respeito da Pedagogia moderna e, mais tarde, da Escola Nova, a respeito das reformas do ensino e, particularmente, da instrução pública.

sábado, 12 de março de 2011

OS VESTÍGIOS DO LEITOR: A BIBLIOTECA PEDAGÓGICA DE SÍLVIO ROMERO - IV

OS VESTÍGOS DO LEITOR


Jackson da Silva Lima catalogou as marcas e anotações deixadas pelo leitor Sílvio Romero nos livros por ele manuseados. “Sílvio Romero tinha por hábito anteceder as suas anotações manuscritas com sinal de mais [+] ou de igualade [=], e com estrela ou asterisco [*], bem como de sublinhar trechos com traços (simples ou duplos) verticais nas margens da mancha tipográfica e horizontais na parte superior e no rodapé” . A partir dessas marcas é possível tomar os livros da Biblioteca de Sílvio Romero e resgatar alguns diálogos que este manteve com os autores que leu, de modo a penetrar no seu universo mental, expresso sob a forma das idéias que deixou escritas e das observações, concordância, discordância e críticas que estão à margem dos livros que leu. Os vestígios deixados por aquele leitor são reveladores de comoele incorporou o pensamento de outros intelectuais contemporâneos e antecedentes seus, penetrando na gênese das sua mentalidade, na sua forma de trabalhar intelectualmente, no seu processo de leitura e nas suas reflexões.
A leitura romeriana de William James é muito útil e fértil, reveladora dos modos como o Pragmatismo norte-americano estava sendo apropriado por um dos mais importantes dentre os intelectuais brasileiros do início do século XX. Sobre James, Romero fez apenas uma rápida referência “em ‘Questões e Problemas’, prefácio datado de outubro de 1912, para o livro Novos e Velhos, de Tito Lívio de Castro, publicado no ano seguinte” . No texto, Sílvio diz que “o próprio dogmatismo intelectualista recebeu fortes repulsas das mãos de um H. Poincaré, um Mach, um W. James, um Bergson” . O já citado Jackson da Silva Lima aponta ter sido William James o último autor lido por Romero, e como não deixou nenhum trabalho específico sobre ele, por certo, a única possibilidade de apreender o modo através do qual o pensamento do norte-americano foi incorporado e o juiz crítico que o brasileiro fez dele são as notas e marcas de leitura.
Dos dois livros escritos por William James que integram a Biblioteca de Sílvio Romero, foi possível descobrir que um deles foi presenteado por Carlos Fróes em dezembro de 1910, fato que está registrado em dedicatória inscrita no próprio livro. O Significado da Verdade, numa edição em francês publicada no ano de 1913 é a outra de James que pertenceu a Romero. O primeiro trabalho é rico em anotações. O reduzido espaço reservado a este artigo permite registrar apenas algumas delas. Na folha em branco inicial do livro, o intelectual brasileiro fez as seguintes anotações:

“Tem: *Psicologia, *Filosofia da experiência, *Pragmatismo, *Variedades da Experiência religiosa, *Vontade de crer, *A significação da Verdade”.

“As idéias energéticas de Mach, [autor não identificado] e Le Bom desnorteiam. As de Poincaré ainda mais. Mas as de W. James e Bergson levam-nos ao cúmulo da desordem. Faz-se mister muita calma e m[u]ito raciocínio p[ar]a tomar posição em tal batalha”.

No final do livro, também na folha em branco, pode ser lido:

“Este pragmatismo tem de boa a crítica ao intelectualismo puro; e mais o valor da prática e da ação p[ar]a a origem da razão e das idéias. Desnorteia sobre o Absoluto, sobre um Deus finito, sobre o pluralismo exagerado que compromete a unidade [frase riscada], na crítica sem razão ao monismo como síntese superior idealista. É bom quando mostra a riqueza do instinto, do sentimento, da imaginação, etc.
Acho-o melhor na exposição do Rey e do Bérgson.
Este autor argumenta como se todos os intelectualistas fossem monistas, e sectários da filosofia do Absoluto ao jeito de Hegel.
Pluralismo e monismo,
Intelectualismo e pragmatismo ou Filosofia da ação,
Absolutismo,
O monismo pode se conciliar com o pluralismo: monismo na base, no ponto de partida, monismo no viver e no evoluir; pluralismo, nos resultados, na força e na consciência peculiar adquirida. Tenho isto no mono-duo, e mono-plural”.

Quanto ao Significado da Verdade, são poucas as anotações feitas por Sílvio Romero que, ao que parece, não dispôs de saúde e tempo de vida suficiente para esgota-lo. Há apenas duas breves anotações. A mais importante à página III:

“A verdade não é senão a afirmação do ser através de idéias, assim como o bem é a afirmação do ser na ordem dos fatos”.

terça-feira, 8 de março de 2011

OS VESTÍGIOS DO LEITOR: A BIBLIOTECA PEDAGÓGICA DE SÍLVIO ROMERO - III

O trabalho mais antigo dentre os que integram o acervo de Sílvio Romero foi publicado em 1802 . Os mais recentes são dois livros adquiridos em 1914 , ano da sua morte. Nesse intervalo de tempo que vai de 1802 a 1914, o ano em relação ao qual existe a maior quantidade de registros de livros publicados é o de 1911 – 13 trabalhos. No acervo, todavia há pelo menos uma ausência digna de registro. Trata-se do livro do fisiologista e reitor da Universidade de Berlim, Du Bois-Reymond, publicado em 1867 sob o título L’enseignement au point de vie national. O texto do intelectual alemão tomara como base uma conferência que este fizera sob o título de “História da civilização e da ciência”. Nele o autor brasileiro localizou os argumentos teóricos que esgrimiu no seu mais importante trabalho a respeito da educação “Notas sobre o ensino público” .

segunda-feira, 7 de março de 2011

OS VESTÍGIOS DO LEITOR: A BIBLIOTECA PEDAGÓGICA DE SÍLVIO ROMERO - II

A EDUCAÇÃO NOS ESTUDOS DE SÍLVIO ROMERO


Sílvio Romero iniciou a sua vida intelectual combatendo o ecletismo espiritualista e a metafísica, para em seguida incorporar as idéias de Augusto Comte. Mas, rompeu com o Positivismo alguns anos depois, fazendo com que a sua obra fosse freqüentemente contestada por vários intelectuais positivistas. “Via no positivismo um sistema tumular que encarcera consciências através de um catecismo feroz e agressivo, sem qualquer vinculação com a índole nacional” . Como a maior parte dos intelectuais da Escola do Recife, Sílvio Romero compôs o núcleo central da sua visão de mundo a partir de leituras monistas e evolucionistas, principalmente a partir das leituras atentas que fez do pensamento de Wolf, Ernest Haeckel, Ludwig Noiré, Charles Darwin e Herbert Spencer. Foi com os monistas e os evolucionistas que Romero aprendeu a criticar o Positivismo e a ao mesmo tempo assumir a defesa das idéias materialistas, tomando uma posição anticlerical e de críticas ao catolicismo. Ao longo da segunda metade do século XIX buscou sempre tornar popular a idéia de Filosofia como epistemologia, pois assumia “a posição de que a teoria do conhecimento era o objeto próprio da Filosofia.
Como a sua geração, Romero adotou o convencimento de que estava descobrindo os novos rumos da humanidade e de que era uma espécie de “missionário” do século da ciência. Com esse espírito, viveu discutindo e criticando “as filosofias e os filósofos do seu tempo, ao invés de simplesmente repeti-los como era prática no Brasil até então” . Isso fez com que o autor sergipano fosse objeto de discriminações e do escárnio dos grupos aos quais se contrapunha. Principalmente depois que o conjunto de idéias que pregava ganhou importância no debate que se travou durante as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Sílvio Romero disse de si próprio ser “um homem de seu tempo, sem deixar de ser homem de seu país e aplicou as novas idéias européias sempre a assuntos nacionais” .
A reforma do pensamento foi o caminho escolhido por ele como via de acesso às reformas sociais. Para ele estava muito claro que realizações, discursos e projetos têm valores diferentes. Por isto buscou um discurso através do qual pudesse convencer a intelectualidade brasileira quanto a viabilidade de um novo projeto. Preocupado com o que entendia ser a ausência de um projeto nacional brasileiro, Sílvio Romero foi articulador de um discurso que, a partir do tema da cultura, propunha a galvanização do Estado nacional. A partir das duas últimas décadas do século XIX Romero começou a realizar leituras e a esboçar um pensamento pedagógico entusiasmado com os novos rumos que a Pedagogia tomava, principalmente na Alemanha, criticando de modo contundente algumas idéias pedagógicas assumidas por intelectuais franceses e demonstrando certa perplexidade em relação a um vigoroso conjunto de idéias pedagógicas que se irradiavam a partir dos Estados Unidos da América.
Há um texto muito importante para a compreensão do debate pedagógico que travou no Brasil durante o século XIX, escrito por Sílvio Romero ainda em 1883, sob a influência alemã: “Notas sobre o ensino público” . O trabalho foi preparado pelo seu autor para o Congresso de Instrução Pública que se realizou no Rio de Janeiro, naquele mesmo ano e sintetizava as reflexões que ele fazia a respeito do ensino público no Brasil. A sua experiência docente foi adquirida no Colégio Pedro II, onde ingressou por concurso público em 1882. À sua maneira, Romero lutava contra o que dizia ser a mentalidade que chamava de “reacionária e retrógrada” do ensino brasileiro. Vários dos seus trabalhos que tiveram a educação como temática foram publicados na revista Lucros e Perdas. “Nesse período, Sílvio Romero privilegiou os estudos em educação a partir das questões de filosofia e do ensino secundário. Fez críticas ao fato de a escola brasileira haver reduzido o ensino de filosofia a uma só matéria – o ensino da lógica – e defendeu ardorosamente o ensino de disciplinas como Psicologia, Metafísica, Ontologia e História da Filosofia. Também, durante o período em que trabalhou no Rio de Janeiro, para o jornal ‘Diário de Notícias’, Sílvio Romero escreve muitos artigos sobre o ensino público” .
Na coleção de 1717 livros adquirida pelo Governo do Estado de Sergipe em 1918, 107 constituem um acervo especializado em temas educacionais. Nesse total, estão incluídos três volumes de leis brasileiras tratando de matéria educativa ; um projeto de reforma do ensino secundário e superior ; um projeto de reforma do ensino primário ; dois anais de congressos ; três estatutos de faculdades ; uma lista de alunos matriculados na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro no ano de 1907 ; uma outra relação referente a estudantes do Colégio Anchieta de Niterói, em 1899 ; dois regulamentos de faculdades do Rio de Janeiro ; os regulamentos dos institutos militares de ensino ; e, dois relatórios de instituições de ensino secundário . São 64 textos em português, 39 em francês, três em espanhol e um em inglês. O idioma no qual o texto está publicado não estabelece uma vinculação automática com a nacionalidade do autor, posto que existem muitas traduções. O único texto em inglês existente na Biblioteca de Sílvio Romero foi escrito por um alemão . Os textos do inglês Herbert Spencer foram lidos pelo intelectual brasileiro na sua edição em francês , do mesmo modo que foi esta a língua na qual Romero teve acesso ao pensamento de William James . Há textos em português escritos não apenas por intelectuais brasileiros, mas também de países europeus, a começar por Portugal .
O estatuto científico que a Biologia e a Psicologia vinham oferecendo à Educação desde as últimas décadas do século XIX entusiasmou o intelectual aqui estudado. No seu acervo de 107 livros, 33 são dedicados a temas dessa natureza. Depois, deste tipo de assuntos o olhar educacional de Romero está embalado por problemas que dizem respeito aos estudos de educação comparada e ensino superior: existem 10 livros a respeito de cada um desses assuntos. São em número de oito os livros que se dedicam a estudar o ensino secundário; cinco estão voltados para a formação de professores; quatro para a educação cívica; idêntico número para as discussões a respeito da Pedagogia moderna; três sobre educação infantil; três a respeito do ensino primário; três enfocando disciplinares escolares; dois sobre intelectuais da educação; dois a respeito da História da Educação; igual número abordando o ensino agrícola, o Pragmatismo, o ensino público, o ensino profissionalizante, a escola republicana e as relações entre escola e democracia. Os outros livros, com um exemplar cada, discutem temas como as reformas da instrução pública, a educação da mulher, as relações entre família e educação, os problemas da juventude, avaliação, e higienismo.

sábado, 5 de março de 2011

OS VESTÍGIOS DO LEITOR: A BIBLIOTECA PEDAGÓGICA DE SÍLVIO ROMERO

Desde que foi redescoberta, reorganizada e colocada à disposição dos pesquisadores, a biblioteca que pertenceu a Sílvio Romero foi objeto de três trabalhos importantes, que são reveladores de muitas dimensões dos estudos realizados por aquele importante intelectual brasileiro, nascido na cidade sergipana de Lagarto, em 1851. Um realizado por Jackson da Silva Lima, outro por Jorge Carvalho do Nascimento e o de maior fòlego por Cristiane Vitório.
O acervo que pertenceu a Sílvio Romero foi adquirido pelo Governo do Estado de Sergipe no ano de 1918, quatro anos após a sua morte. A fim de orientar e avaliar o material, o presidente do Estado nomeou uma comissão composta pelo senador José Joaquim Pereira Lobo, Maurício Gracho Cardoso e o filho de Sílvio, Nelson Romero . Os 1919 volumes custaram quatorze contos de réis e foram entregues pela família Romero em dezembro do mesmo ano de 1918 ao então diretor da Biblioteca Pública, Epifânio da Fonseca Dória. Segundo relatório apresentado por este, os volumes recebidos eram referentes a 1717 obras, “inclusive algumas coleções de revistas, muitas das quais incompletas. Foram postos à margem diversos volumes truncados e inaproveitáveis. Das obras, 628, com 763 volumes, estavam encadernadas, e 1089, com 1186 volumes, estavam apenas brochadas” . Jackson da Silva Lima assinala que o bibliófilo responsável pelo recebimento do acervo não fez, em seu relatório, qualquer registro a respeito da existência de uma possível lista dos títulos relacionando todas as obras adquiridas, observando apenas que após a compra pelo Governo do Estado de Sergipe os livros foram reencadernados .
Após a nova encadernação, a Biblioteca de Sílvio Romero passou a contar com 2270 obras, total que inclui 49 livros que não pertenceram originalmente ao autor aqui analisado, mas foram incorporados ao acervo por serem trabalhos de sua autoria, sobre ele e sua obra e alguns outros prefaciados por Romero. Do total do acervo, 920 títulos estão encadernados em 251 volumes de miscelânias, contendo dois ou mais trabalhos reunidos sob uma única encadernação. Os livros estão identificados por “um carimbo especial, circular, com a inscrição BIBLIOTHECA SYLVIO ROMERO, tendo no centro a estampa de um livro aberto” . A identificação foi colocada por determinação de Epifânio Dória, após a chegada dos livros a Sergipe. Além desta marca, os livros “guardam o nome autógrafo do sergipano (Romero ou S. Romero), centenas estão dedicados a ele, centenas contêm suas anotações e marcas de leitura, não pairando em tais casos, qualquer dúvida quanto à sua propriedade” , além de outros elementos comprobatórios como “dedicatória a SR, seu autógrafo e/ou anotações de próprio punho” . Do total do acervo, 123 títulos não possuem qualquer tipo de registro: não foram carimbados e não contêm nenhuma das marcas de leitura que Sílvio Romero costumava deixar nos livros que lia. Mesmo assim, restam ainda 2147 livros.
É possível perceber que, certamente, dentre os livros identificados pelo carimbo há alguns outros que também não pertenceram ao escritor sergipanos. São 47 livros editados em 1914, 25 em 1915 e 11 em 1916. Mesmo em relação aos publicados em 1914, parece pouco plausível que tenham pertencido a Sílvio Romero, posto que este morreu no dia 18 de julho daquele ano, aos 63 anos de idade, enfrentando problemas escleróticos e cardíacos. O fato é que, em relação a um total de 1717 obras recebidas em 1918, Jackson da Silva Lima anotou um acréscimo de 430 livros, atribuindo o fato a duas possibilidades de contaminação do acervo: “após a chegada dos livros, as 1.089 brochuras, com 1.186 volumes, foram encaminhadas para encadernação, juntamente com outras obras de procedência diversa (...), e aí começou certamente a contaminação da biblioteca de Sílvio Romero” . A outra possibilidade indicada pelo estudo aqui referenciado “e essa em maior grau, ocorreu, presumimos, quando, encadernadas as brochuras em miscelâneas (obras do acervo de Sílvio Romero com obras que não lhe pertenciam), teve ensejo a etapa posterior da carimbação, com a possibilidade de erros por omissão (falta de carimbo), ou de erros por excesso (carimbação indevida), sendo, nesse caso, a incidência mais freqüente, dando origem, assim, à diferença a maior constatada” .
Depois de carimbados, os livros que pertenceram a Sílvio Romero foram catalogados e passaram a integrar o acervo geral da Biblioteca Pública do Estado de Sergipe, distribuídos por assunto e por autor nas estantes da instituição, sem que houvesse qualquer preocupação em mantê-los numa sala ou outro espaço que servisse para preservar a unidade e a identidade da Biblioteca Sílvio Romero. Assim eles permaneceram até o ano de 1974, quando a Biblioteca Pública do Estado de Sergipe, já então denominada Biblioteca Pública Epifânio Dória numa homenagem ao seu maior bibliófilo , ganhou um novo edifício. Com a mudança para o novo prédio, parte do acervo geral da Biblioteca foi encaixotada e após a mudança permaneceu indisponível nos depósitos da instituição durante 21 anos. Em 1995, ao assumir o cargo de secretário de Estado da cultura, o jornalista Luiz Antônio Barreto designou o pesquisador Jackson da Silva Lima para o cargo de diretor do Instituto da Memória e da Documentação – Imedoc, ao qual está subordinada a Biblioteca Pública Epifânio Dória. O novo diretor estabeleceu como prioridade “recuperar o acervo antigo da Biblioteca Pública Epiphânio Dórea – BPED, que jazia num depósito infecto, quase sem iluminação, amontoado entre móveis imprestáveis e ferros-velhos, juntamente com os periódicos nacionais e estrangeiros” . Jackson da Silva Lima assumiu pessoalmente a coordenação do trabalho da equipe da Biblioteca, para desmontar a “vergonhosa lixeira, separando os livros, periódicos e documentos importantes das sucatas existentes, já danificados pela poeira, umidade, ratos, baratas e roedores de todos os gêneros” . Foram necessários oito meses de trabalho para recuperar o acervo.
A Biblioteca Pública Epifânio Dória acresceu às suas estantes, colocando à disposição dos leitores, aproximadamente 15 mil títulos, além de redescobrir velhos catálogos organizados no começo do século XX. Desse total foi possível formar um banco de teses médicas e reagrupar as bibliotecas que originalmente pertenceram a Gumercindo Bessa, aos irmãos Felisbelo e Laudelino Freire, e também a Biblioteca de Sílvio Romero. Esta última está organizada em duas salas, com os livros distribuídos em 18 estantes de aço , e é atualmente uma importante fonte para estudos que ajudam a compreender a atuação daquele escritor. O acervo pode ser identificado a partir de dois catálogos: o velho, do início do século XX, organizado apenas por autor, e um novo, digitalizado, que permite três tipos de consulta – registro de entrada, título e autor.

A REMUNERAÇÃO, OS CONCURSOS E ALGUNS PROFESSORES E PROFESSORAS: ASPECTOS DA PROFISSÃO DOCENTE NA HISTÓRIA DE ARACAJU - X

CONSIDERAÇÕES FINAIS


A pesquisa em História da Educação ampliou as possibilidades de estudo a partir da utilização de documentos e fontes não tradicionais. Não apenas a legislação educacional e os relatórios produzidos por governantes e autoridades do ensino, regulamentos, programas de ensino e dados estatísticos constituem um acervo documental legítimo, mas também outros testemunhos e vestígios deixados pelo homem. É legítimo utilizar memórias, diários, cartas, biografias, fotografias, literatura, música, pintura, histórias de vida, depoimentos, anúncios e relatos de festas escolares publicados em jornais e revistas, assim como discursos e outros dispositivos produzidos por homens e mulheres, bem como dicionários biográficos e coletâneas de biografias de personalidades.
No caso dos estudos a respeito da carreira docente na cidade de Aracaju, são muitos os tipos documentais passíveis de utilização. O documento é um instrumento valioso para o historiador, servindo de suporte às interpretações necessárias à compreensão do objeto proposto.
O estudo da carreira docente em Aracaju permite apreender aspectos relativos a instituições, práticas e saberes na cidade. No campo educacional participam das disputas e do jogo as instituições escolares, as associações culturais e profissionais relacionadas com a escolarização, alunos, pais, professores, diretores e autoridades educacionais. O campo educacional que se estabeleceu na cidade de Aracaju foi revelado neste trabalho a partir das relações entre instituições educacionais, práticas escolares e intelectuais da educação. Foi possível perceber a expansão da oferta de serviços educacionais, através do aumento de número de instituições escolares, da qualificação dos intelectuais da educação e de permanentes mudanças nos padrões adotados para as práticas escolares adotados.
Ainda há muito a aprender sobre a administração do ensino e a carreira docente durante os 150 anos da cidade de Aracaju.


BIBLIOGRAFIA


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BARRETO, Luiz Antônio. 100 anos de História Constitucional. Aracaju, BANESE/CNI/SESI/SENAI/IEL. 1992.

BOURDIEU, Pierre. “Algumas propriedades dos campos”. In: Questões de Sociologia. São Paulo: Marco Zero, 1980.

CALASANS, José. “O ensino publico em Aracaju (1830-1871)”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Vol. XI. N 20. Aracaju. 1949-1951. p 96-120.

CAMPOS, Guilherme de Souza. Mensagem do Presidente do Estado de Sergipe, Guilherme de Souza Campos. Aracaju, 1908.

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FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. Vestidas de azul e branco: um estudo sobre as representações de ex-normalistas (1920-1950). São Cristóvão, Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação/NPGED, 2003a.

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FREITAS, Itamar. “A aposentadoria do professor provincial: Sergipe – 1834/1880”. In: XVI Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste, 2003, Aracaju. Anais do XVI Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe/Núcleo de Pós-Graduação em Educação, 2003c. p. 112-113.

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SOUZA, João Teles de. Cinqüenta anos de evangelismo. Aracaju, s/ed., s/d.

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quinta-feira, 3 de março de 2011

A REMUNERAÇÃO, OS CONCURSOS E ALGUNS PROFESSORES E PROFESSORAS: ASPECTOS DA PROFISSÃO DOCENTE NA HISTÓRIA DE ARACAJU - IX

Distinta é a trajetória da catedrática das Cadeiras de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal, professora Quintina Diniz, também lembrada como importante intelectual da educação durante a primeira metade do século XX, em Aracaju. Além de professora e diretora do Colégio Sant’Ana, que funcionou até 1941, em 1934 ela foi eleita, através do Partido Social Democrático, como deputada estadual. Tendo sido a primeira mulher sergipana a ocupar um cargo eletivo e a única a participar de uma Assembléia Constituinte no Estado (PINA, 1987, 24).
Uma outra importante intelectual da educação em Aracaju durante a primeira metade do século XX era Penélope Magalhães dos Santos. Educada nos Estados Unidos da América, lecionou Inglês na Escola Normal por mais de quinze anos. Segundo a pesquisadora Ester Fraga Vilas Boas Carvalho do Nascimento,


Penélope (14/08/1886–1982) era laranjeirense, filha caçula de Mariana Magalhães, católica, e do Chefe de Polícia, Sr. Emídio. Um fato curioso foi que, apesar dos seus pais não serem casados civilmente, foram aceitos pela Igreja Presbiteriana de Laranjeiras. Como a Escola Americana oferecia aulas de música, a menina Penélope logo se interessou a aprender piano. Convidaram-na, em 1898, para estudar na Califórnia e, apesar de sua mãe não concordar com a sua ida, seu pai aprovou (NASCIMENTO, 2004).


Penélope permaneceu durante doze anos nos Estados Unidos, onde fez o curso pedagógico e o de Teologia. Quando retornou ao Brasil, em 1910, seu pai havia falecido e ela foi convidada a lecionar no Colégio de Ponte Nova, na Bahia. Lá, casou-se com o estudante Manoel Antonio dos Santos, com o qual teve três filhos: Martinho Lutero, Esdras e Lysias. Anos depois, ela assumiu a cátedra de Inglês na Escola Normal de Aracaju, ensinando também em outros colégios particulares . Sobre a professora Penélope, João Teles de Souza afirmou


que, embora membro da Igreja de Laranjeiras, mas quase que residindo na capital, em vista de sua função de professora de inglês na Escola Normal, muito contribuiu para o impulso maior na divulgação do Evangelho, principalmente entre os intelectuais da terra (SOUZA, s/d, 15).

Maria Rita Soares de Andrade considerou a professora Penélope Magalhães a mulher mais erudita de Sergipe.

Educada no centro fértil e liberal que é a América do Norte, D. Penélope trouxe para o seu Estado um vasto cabedal, que aqui transfunde altruisticamente a quantos buscam ensinamentos no seu talento e na sua cultura. Nunca publicou livros. Mas podemos afirmar que os teria de certo publicado, se outras fossem as circunstâncias do nosso meio, se não nos fosse a vida tão dificultosa. É um espírito sumamente adiantado, e maneja com habilidade o português, o francês, e o inglês – idioma em que é a mestra dos mestres (ANDRADE, 1929, 153).


Penélope Magalhães foi a primeira diretora do Jardim de Infância Augusto Maynard, inaugurado na cidade de Aracaju no início da década de 30 do século passado. Na década de 40 do mesmo século ela mudou-se de Aracaju (NASCIMENTO, 2004).
Jovina Moreira de Carvalho, era uma professora formada pela Escola Normal do Estado de São Paulo que dirigiu a Escola Americana de Aracaju em 1908 (NASCIMENTO, 2004).
Gertrudes Torres de Souza (1905-1993) foi professora da Escola Normal, ensinando Psicologia da Educação e Práticas de Ensino no Curso de Aperfeiçoamento. Sob a sua orientação, a Escola Normal abriu uma turma de educação infantil destinada a ao estágio das alunas (NASCIMENTO, 2004).
A passagem da primeira para a segunda metade do mesmo século foi marcada pela atuação de outras intelectuais como a professora Glorita Portugal, que também atuava na Escola de Comércio, Leonor Telles de Menezes, Júlia Teles Costa e Ceicinha Melo. Esta última obteve a sua formação como professora na própria Escola Normal e concluiu o curso aos dezesseis anos de idade. Ensinava Literatura e Moral e Cívica na Escola Normal e foi fundadora e primeira presidente da Legião Feminina de Combate ao Câncer, além de sócia fundadora da Sociedade de Cultura Artística de Sergipe. Era poetisa e foi paraninfa das turmas de formandas dos anos de 1943 e 1946 (PINA, 1994, 339). Dentre outras professoras da Escola Normal nesse período estão Luísa Paes Guedes e Sílvia de Oliveira Ribeiro Diniz, de Português; Leonísia Fortes, de Aritmética; Clotilde Machado, de Álgebra; Judith de Oliveira Ribeiro, de Corografia Geral; Carmem Souza, de Corografia do Brasil; Amélia Cardoso, de Francês; Edila Sousa, de Desenho; Zinah Montes, de Trabalhos Manuais; Mariana Braga, de Geometria; Mariana Diniz, de Filenila Nascimento e Maria da Conceição Sobral, de Música; e, Eloah Passos, de Ginástica.
Maria Thétis Nunes foi, na década de 50 do século XX, uma aplicada estagiária do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, no qual ligou-se a intelectuais como Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto. Historiadora, trabalho como professora e diretora do Atheneu Sergipense, foi adida cultura do Brasil na Argentina, professora da Faculdade de ciências Econômicas, da Faculdade de Filosofia e da Universidade Federal de Sergipe.

Educació i Història

SOLÀ GUSSINYER, Pere (coord.), “Centenari Ferrer i Guàrdia: un balanc historiogràfic i pedagògic”, Educació i Història, 16, 2010, pp. 9-208. ISSN: 1134-0258.



La revista Educació i História de la Sociedad de Historia de la Educación de los Países de Lengua Catalana dedica un número monográfico, coordinado y presentado por Pere Solà, a la figura y obra (con especial atención a su concepción de la educación y a su práctica educativa) de Ferrer Guardia, con motivo del centenario de su muerte por fusilamiento en 1909. En primer lugar, el coordinador del monográfico, Pere Solà, ofrece una revisión o “dossier” historiográfico y pedagógico sobre el pedagogo racionalista y la experiencia de la Escuela Moderna (1901-1909). A este primer trabajo siguen otros de Jordi Riba sobre el filósofo Jean-Marie Guyau (1854-1887) de quien Sol Ferrer decía que su padre lo consideraba el autor que más le había influido, y de nuevo de Pere Solà sobre, en este caso, las coordenadas morales y filosófico-educativas de Ferrer, a partir del análisis de las prácticamente inéditas Feuilles détachées, incluidas en un apéndice del monográfico, y de sus Principios de moral científica para uso de las escuelas racionalistas. El siguiente trabajo, a cargo de Pascual Velázquez y Antonio Viñao versa sobre la Editorial Publicaciones de la Escuela Moderna (1901-1936) fundada por Ferrer Guardia, los avatares que experimentó tras su muerte, y la concepción que tenía Ferrer de la misma dentro de un programa más amplio de educación popular. Otra aportación, la de Pere Alzina, trata sobre el obrerismo educativo en las islas Baleares desde la revolución de 1868 al final de la guerra civil (escuelas laicas, librepensadoras, republicanas y socialistas). Por su parte, Anna Ribera analiza las formas en que el proyecto pedagógico y la figura mártir de Ferrer se difundieron en México durante la década revolucionaria de 1910 de la mano de la prensa y las organizaciones anarquistas y anarcosindicalistas. Por último Josep Lluís Rodríguez estudia el movimiento asociativo popular catalán entre 1874 y 1936 y su papel en el origen de la educación y formación de adultos en Cataluña. El monográfico se completa con un apéndice documental que incluye el texto inédito de Feuilles detachées (edición y notas de Pere Solà) y un texto titulado “Elementos de un proceso de un crimen de Estado” con el discurso del auditor de guerra contra Ferrer Guardia y comentarios críticos asimismo de Pere Solá. El número está accesible en http://www.iec.cat/periodiques.





Resenhado por

Pedro L. Moreno

quarta-feira, 2 de março de 2011

A REMUNERAÇÃO, OS CONCURSOS E ALGUNS PROFESSORES E PROFESSORAS: ASPECTOS DA PROFISSÃO DOCENTE NA HISTÓRIA DE ARACAJU - VIII

Como administrador da política educacional, José Calazans integrou a equipe do professor Arício Fortes, quando este dirigiu o Departamento de Educação, ocupando a função de Assistente Técnico. Apesar de mais conhecido que o técnico em política educacional, o historiador da educação José Calazans ainda não teve a sua obra devidamente analisada, não obstante ter sido pioneiro nesse campo.
O professor Josafá Brandão lecionou durante a primeira metade do século XX na Escola Normal. Era respeitado e temido nas suas aulas de Física e Química. Esta era a mesma imagem docente cultivada pelo professor Passos Cabral, responsável pelo ensino de Literatura.
Outros chamavam a atenção pelo fato de serem eruditos, como o professor José Augusto da Rocha Lima, técnico em educação da Diretoria de Instrução Pública e catedrático da Escola Normal, onde lecionava História Geral, Pedologia, Psicologia, Pedagogia e Língua Portuguesa. Rocha Lima foi padre e professor do Seminário de Aracaju, onde lecionou Francês, Latim, Português, História, Geografia, Exegese Bíblica e Teologia Dogmática. Fundou a Academia Santo Tomás de Aquino, que reunia intelectuais católicos e foi membro da Academia Sergipana de Letras. Diplomou-se em direito e abandonou a vida sacerdotal. No Atheneu Sergipense, Rocha Lima foi diretor e professor de Latim e Literatura, além de ter sido o primeiro presidente da Academia Sergipana de Letras e de haver presidido o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Como Helvécio de Andrade, Rocha Lima também tem sido objeto de poucos estudos por parte dos pesquisadores sergipanos de História da Educação. Entretanto, um foco de luz começa a ser lançado sobre ele, a partir da pesquisa que vem sendo desenvolvida no Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe pela professora Neide Sobral.
No mesmo período, na Escola Normal, Clóvis Conceição foi professor de Ciências; Acrísio Cruz lecionou Ciências Físicas e Naturais e foi diretor do Departamento de Educação ; e, Manoel Franco Freire, que lecionava Português, fora diretor da Instrução Pública.
Ao analisar a intelectualidade que atuava em Aracaju e em outras importantes cidades da Província de Sergipe, o pesquisador Jackson da Silva Lima estabeleceu a existência de dois grandes blocos que pontuavam em várias atividades, principalmente no campo da educação, a partir da segunda metade do século XIX até a metade do século XX: os espiritualistas e os cientificistas (LIMA, 1995). No bloco dos intelectuais espiritualistas ele elencou Brício Cardoso, Sancho Pimentel, o padre Olímpio Campos, José Nogueira, João Antonio Barreto, Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior, Domingos de Oliveira Ribeiro e outros. O Espiritualismo ganhou maior repercussão a partir do ano 1871, animado pelas idéias de Brício Cardoso.
No grupo dos cientificistas marcaram presença Guedes Cabral, os seguidores de Tobias Barreto e de Felisbelo Freire, além de figuras como Helvécio de Andrade, Rodrigues Dória e Gumercindo Bessa, Oliveira Telles, Prado Sampaio, Florentino Menezes, Adolpho Ávila Lima e Costa Filho, entre outros.
Um dos elementos centrais desse embate dizia respeito a difusão dos padrões de civilidade, a formação moral e o patriotismo. Assim, o ensino de religião era tido pelos espiritualistas como indispensável no conjunto das práticas escolares.
Este embate, contudo, não foi exceção no ambiente dos intelectuais da educação que atuavam na cidade de Aracaju. A disputa pela ocupação de espaços no campo dos intelectuais da educação se expressava como muito vigor, principalmente através da imprensa. Assim, embates como este foram comuns em outras oportunidades, envolvendo intelectuais que desfrutavam de muito prestígio. Os embates, muitas vezes, descambavam do campo meramente acadêmico e invadiam as questões pessoais. Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas analisou a polêmica que envolveu dois professores da Escola Normal: Ítala Silva de Oliveira e Helvécio de Andrade. Ambos já vinham manifestando várias divergências. Contudo, a polêmica se acirrou depois que o professor Clodomir Silva, tio de Ítala, sofreu o revés de uma reprovação em concurso público para o cargo de professor da Escola.


Ele havia prestado concurso na Escola Normal para cadeira de Português e, no entanto, a banca examinadora, formada pelas docentes Etelvina Amália de Siqueira, Norma Reis e Clotildes Machado aprovou, em primeiro lugar, a sobrinha de Quintina Diniz, Sylvia de Oliveira Ribeiro. Itala criticou severamente o resultado e a composição da banca (FREITAS, 2003b, 138).


Nos seus textos, Ítala faz uma reflexão a respeito dos padrões de escolarização feminina para criticar o corpo docente da Escola Normal e o seu diretor e desafeto, Helvécio de Andrade:


E notório e sabido que na Escola Normal de Aracajú o elemento do feminino sobrepuja o masculino. Isto deveria se constituir grande satisfação para as feministas. Com pesar, porém, eu digo, não se dá tal. Com raras e honrosas exceções as mulheres da Escola Normal do meu Estado constituem uma ridicularização para o feminismo. Certamente direis: com assim, si ali se acha o que Sergipe possui de melhor em intelectualidades? Isto é um mero engano. Haveis de ouvir, ali, professores que dizem, que vão ás aulas, domar feras, ou então vereis no meio de um silencio a voz de alguma professora dizer quando eu ver e licencia!!! E este é o estabelecimento de ensino onde se preparam as professoras dos vossos filhinhos, caros leitores. Também ali a calúnia tem seu santuário cuidadosamente erigido. Quem se não subordina àquela política, paga bem caro o seu tributo. A humilde escritora d’estas linhas também tem sido vítima dos caprichos d’aquele bloco, e principalmente do Diretor da Instrução Pública. Ao sabor da sua vontade s.s. tem movido contra mim uma guerra baixa. E porque? Em primeiro lugar porque externei o ano passado, pela imprensa a minha opinião sobre a conferencia de alguém com quem s.s. é desafiado. Depois porque sabe que, moça cheia de aspirações e desejos eu não me acho a par do grande movimento pedagógico moderno só por meio de revistas e jornais, e porque conhece que tive um professor de Pedagogia, de quem s.s. boas lições tem recebido, e que primus inter pares, soube me fazer compreender a missão nobilitante do educador contemporâneo da qual s.s. tem uma noção muito vaga. Esta é a razão porque esta luta vil é movida contra mim. Uma vez que isto saiu ao correr da pena cumpre me dizer que lhe tenho a consciência do meu valor próprio e a altivez necessária para em tempo oportuno mostrar lhe que o futuro é meu, porque estudo e creio no poder da instrução e do trabalho. Melhor seria que s.s. me tratasse leal e sinceramente como é dever de todo homem cortês e educado. (...) Não era, pois, de admirar que tendo um tal Diretor e mulheres sem capacidade o concurso tivesse o resultado que teve. Tirados da sua obscuridade para regerem cadeiras de matérias que nunca estudaram elas (as componentes da bandalheira) arbitrárias como são, em geral, as pessoas sem instrução, procederam da forma que todos já devem saber. Eis explicado o motivo porque no concurso da Escola Normal essas mulheres procederam de tão feio modo. Não pense, pois, mais ninguém que o que elas fizeram todas fazem, não, que quando a mulher ou o homem são educados e instruídos como devem, quando eles sabem aquilatar o valor dos demais não pela beleza física, ou pela riqueza, estes fatos não se dão. Si o feminismo só contasse no seu seio d’estes elementos, o seu triunfo seria sempre uma utopia, e a obra que milhares de cérebros conceberam, durante centenas de anos, ruiria por terra. Valha-nos a certeza de que estes maus elementos são anulados pelos esforços dos que sabem que é justiça, que é direito e que é instrução. Sejam eliminados, pois, os maus elementos, seja a sociedade livrada d’eles, porque o seu contagio é perigosíssimo. Chama-se a mulher para colaborar, mais diretamente, na obra social, mais isto só quando se lhe tiver dado boa educação e melhor instrução, e então não mais ver se á estes fatos se repetirem; não mais ter-se-á a lamentar certos procedimentos. Aqui, fica a minha defesa feita em nome do feminismo, sublime e nobre ideal que alimenta hoje uma grande parte da humanidade, e que promete abrir à mulher novos horizontes e melhores dias. Perdoai, caros leitores o ter dito duramente a verdade, mas assim era mister (OLIVEIRA, 1916, 1).


Etelvina Amália de Siqueira construiu uma imagem de altivez e austeridade, além da reconhecida competência técnica na disciplina que ministrava. Etelvina Amália de Siqueira nasceu em 1862. Fora aluna da Escola Normal quando esta ainda funcionava no Asilo Nossa Senhora Pureza, tendo obtido o seu diploma de professora em 1885. Além de professora catedrática de Português na Escola Normal era poetisa, contista e jornalista-abolicionista. Nesta última condição participou ativamente da campanha abolicionista, atuando na sociedade “Cabana do Pai Tomás”, centro abolicionista que funcionou em Aracaju. Morreu em 1935.