segunda-feira, 2 de maio de 2011

HISTÓRIA DE PORTUGAL PARA ESTUDANTES BRASILEIROS: A BIBLIOTECA DO POVO E DAS ESCOLAS

As dificuldades do mercado brasileiro do livro didático possibilitaram que durante toda a segunda metade do século XIX e pelo menos durante as duas primeiras décadas do século XX muitos editores portugueses continuassem a produzir livros escolares destinados a estudantes portugueses e brasileiros. História de Portugal foi o livro com o qual a Biblioteca do Povo e das Escolas começou a circular em 1881. A coleção de 237 livros, publicados durante 42 anos, entre 1881 e 1913, pela Editora David Corazzi, de Lisboa, circulou em Portugal e no Brasil. O autor do primeiro livro da coleção apresentou aos estudantes brasileiros uma história portuguesa na qual desfilam os feitos das quatro dinastias: Borgonha, Aviz, Filipina e Bragança, enfatizando, principalmente, os feitos de D. Sancho I, D. Diniz, D. Duarte, D. Manuel, D.João III, D. Sebastião, D. João V, D. Maria I e D. Pedro V. Este trabalho analisa a circulação da História de Portugal no contexto da coleção, entre 1881 e 1913, bem como a trajetória portuguesa apresentada aos estudantes brasileiros. Com esta finalidade foram analisados os 237 volumes da coleção e os comentários que a Imprensa do Brasil e de Portugal fez acerca do trabalho e do seu autor. A análise buscou compreender o discurso do autor e também as estratégias da Casa Editora David Corazzi. Os livros da coleção se propunham a ser propaganda de instrução para portugueses e brasileiros. O editor dava à série de livros a natureza de um empreendimento civilizador que buscava inocular gradualmente o espírito das pessoas com o germe de noções indispensáveis à modernidade do final do século XIX. O discurso civilizador valorizava a escola como sendo a agência destinada, por excelência, ao cultivo das grandes virtudes, ao fortalecimento dos espíritos, à formação do homem do futuro, o homem consciente. O baixo preço dos livros criava a possibilidade de superação daquilo que se entendia ser uma das maiores dificuldades ao desenvolvimento da instrução popular: a má seleção e a carestia dos livros adotados nas escolas. A História de Portugal era o livro de estréia em função do projeto inicial da coleção. Era pretensão abranger sete grandes áreas do conhecimento: Educação Corporal, Zoologia, Física, História, Literatura, Jurisprudência e Lingüística. Não obstante a sua enorme importância, os títulos da Biblioteca do Povo e das Escolas têm sido praticamente desconhecidos pela maioria dos estudos a respeito do livro e do mercado editorial no Brasil. A História de Portugal, de João Cesário de Lacerda ajuda a compreender o quadro de mentalidades existentes à época e do projeto que se punha à escola como centro de formação em Portugal e no Brasil das últimas décadas do século XIX e das primeiras décadas do século XX. O livro foi publicado um ano depois da celebração do tri-centenário de nascimento do poeta Luis de Camões. O texto busca estabelecer para Portugal o mesmo caráter épico que a história do país ganhou em Os Lusíadas, exaltando a nacionalidade portuguesa. O discurso épico do livro, contudo, apresenta um caráter melancólico, lamentando que Portugal, ao final do século XIX, já não mais apresente a mesma importância política de outrora, inerente aos grandes Estados. Contudo, busca produzir em Portugal a marca distintiva de ser uma sociedade liberal na qual são evidentes as marcas das liberdades e garantias individuais. Da mesma maneira o texto procura valorizar as relações entre Portugal e o Brasil, após a proclamação da independência brasileira em 1822, ressaltando o equilíbrio do herdeiro do trono de Portugal, o Duque de Bragança, no Brasil, o imperador D. Pedro II. Sublinha o seu espírito democrático e o seu desprendimento ao abdicar à coroa do Brasil em 1831, para lutar pela reconquista da coroa portuguesa.