terça-feira, 26 de janeiro de 2010

HISTÓRIA DA CIÊNCIA, FILOSOFIA E HITORIOGRAFIA III

Ao modo de refletir sobre História da Ciência proposto por Gaston Bachelard se somaram as reflexões do professor russo Alexandre Koyré. Vivendo e trabalhando em Paris, ele assumiu a tese da descontinuidade, compreendendo que em cada momento, em cada grupo social, os cientistas adotam diferentes pressupostos teóricos, atendem diferentes necessidades e formulam distintas hipóteses para produzir conhecimento.
O discurso a respeito da descontinuidade, no entanto, foi radicalizado na década de 60 por Thomas Kuhn. Usando a noção de paradigma, ele esclareceu que a descontinuidade ocorre como necessidade social. Paradigma seria o conjunto de regras, normas, crenças e teorias que dá direção à ciência numa determinada época, num dado grupo social. Em torno de cada paradigma o conhecimento científico se acumularia, sofrendo aprimoramentos. Porém, a partir de um determinado ponto, o paradigma não mais conseguiria explicar alguns fenômenos e entraria em crise.
A crise de um paradigma, portanto, pode ocasionar uma revolução na ciência. Durante o período de crise vários paradigmas buscam substituir o anterior. Ocorre que os novos paradigmas ainda não incorporaram completamente os valores cientificamente aceitos e por isto sofrem modificações até que estejam completamente legitimados.


Por isso a escolha de um entre os vários novos paradigmas diz Kuhn, não é tão certo e linear como os livros didáticos ou os compêndios de História da Ciência tinham feito crer. Como todos são incompletos, a escolha da comunidade vai ocorrer por motivos estéticos, emocionais, e até políticos, ou seja, razões nada lógicas entram na escolha do novo paradigma. Quando a crise passa essa espécie de irracionalidade é esquecida. E a história, olhando para o novo paradigma já estabelecido, que parece explicar mais e melhor os fenômenos, acaba por colaborar com a impressão geral de que o conhecimento científico se acumula de uma forma continuada e natural (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 84).


Kuhn esclarece ainda que o novo paradigma não explica de modo mais adequado os fenômenos anteriores. Na verdade, não apenas o paradigma é substituído, mas também a compreensão dominante a respeito da ciência e dos seus fenômenos, os valores e as teorias vigentes. Enfim, todo o quadro conceitual, todas as práticas.
O estudo da história da ciência, das instituições científicas e da difusão das suas práticas formativas e de pesquisa pode ser uma importante ferramenta para o desenvolvimento de cada um dos campos específicos, possibilitando o debate sobre os itinerários teórico-metodológicos e a reflexão sobre as formas de transmissão da cultura científica e tecnológica. A tarefa contemporânea para os que se dedicam a pesquisar História da Ciência reivindica a superação dos limites que estão postos pelos debates em torno desse campo.
Este esforço situa o historiador no âmbito da chamada Nova História das Ciências - NHC, cujas redefinições rejeitam todas as possibilidades de engessamento do conhecimento histórico. “Os novos significados atribuídos às práticas científicas pela NHC permitem afastar modelos prontos que poderiam conformar e explicar (...) modelos aplicáveis em qualquer época e lugar da trajetória de constituição dos saberes” (VALENTE, 2002: 93). Na verdade, não é possível uma escrita da história que admita modelos válidos para qualquer período e contexto.
A organização das redes de instituições científicas foi uma novidade que começou a surgir no século XVII em muitos Estados europeus. Era o momento das demonstrações públicas dos experimentos científicos que despertavam a curiosidade de todos. Blaise Pascal subiu e desceu um morro várias vezes seguido por uma multidão para medir a pressão atmosférica e demonstrar a utilidade de uma nova invenção, o barômetro. A curiosidade se manifestava também através da leitura e fazia com que os cientistas começassem a escrever usando uma linguagem mais acessível ao público em geral. Em muitos lugares da Inglaterra era normal que ao final do dia as pessoas se reunissem em torno do professor, do farmacêutico ou de outro sábio da comunidade para que estes lessem textos científicos como se fosse a leitura de uma novela. Nesse processo começaram a surgir leituras científicas especiais dirigidas a grupos específicos, como damas, nobres, cavalheiros rurais e artesãos, dentre outros. Na França era prática corrente a realização de aulas públicas sobre temas científicos (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 47).
Ainda no século XVII, a Inglaterra e a França começaram a institucionalizar o processo de produção do conhecimento científico, através da organização da Royal Society e da Academie des Sciences. A base era o modelo de Isaac Newton, que ajudava a definir o que era e o que não deveria ser ciência (SCHWARTZMAN, 1979). Em 1831, os britânicos criaram a Britsh Association for the Advance of Science. Os ingleses estavam preocupados com o emprego da ciência para a incorporação de tecnologias que aperfeiçoassem a agricultura, a indústria têxtil, o uso do carvão como fonte de energia, principalmente com a criação da máquina a vapor, a mineração, o transporte e a produção de ferro e aço (SANTOS, 1998: 27).
No século XIX, a Alemanha tomara a dianteira desse processo e conseguira organizar uma estrutura de instituições universitárias de pesquisa e formação de recursos humanos. Outras nações buscaram também estabelecer uma organização nesse sentido, muitas delas procurando orientar-se pelo modelo alemão, a exemplo dos Estados Unidos da América. Com o objetivo de estimular o atendimento das necessidades de crescimento econômico, um dos modelos que encantou o mundo foi o das estações agrícolas experimentais, financiadas pelo Estado e dirigidas pelos produtores e por suas associações (SANTOS, 1998: 26).
Durante a segunda metade do século XIX, os cientistas renunciaram definitivamente à denominação de filósofos naturais e as ciências ganharam um grau cada vez maior de especialização. À medida que se especializavam, os cientistas iam fechando os seus campos e impedindo que curiosos tivessem acesso a esses saberes. Deste modo, eles se transformavam nas únicas pessoas autorizadas a falar sobre a área. A necessidade de produzir a memória sobre esses campos fez com que, muitas vezes, tais cientistas se transmutassem em historiadores para mostrar o percurso glorioso do seu campo e produzir exemplos que servissem às novas gerações de pesquisadores.
A ciência do século XX continuou surpreendendo a todos. A teoria da relatividade, a teoria quântica, a engenharia genética, a robótica, os experimentos científicos realizados durante as duas grandes guerras, os horrores da Química, as plantas transgênicas, a participação da ciência em desastres ambientais. Mas, também, o conhecimento da ciência moderna estava absolutamente entranhado na vida cotidiana dos indivíduos. Desconhecer a atividade científica seria inviabilizar a sobrevivência da espécie.


Se você resolvesse fechar a boca para tudo que tem química, com certeza iria morrer de fome. Já que a química está presente em todo o universo, o que inclui os produtos naturais. Enfim, quem estaria preparado para fazer a crítica à ciência? E para ser seu ouvidor diante da sociedade? (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 69).


O campo de estudos sobre a história da ciência e da tecnologia em Sergipe ainda é incipiente. Existem alguns esforços encetados pela Universidade Federal de Sergipe, pela Universidade Tiradentes e pelo Instituto de Tecnologia e Pesquisas de Sergipe. Vale também registrar o esforço que vem sendo feito, recentemente pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Sergipe – FAP/SE, estimulando algumas iniciativas. Na mesma direção, assiste-se a uma preocupação crescente no país com a memória da ciência e da tecnologia, revelando esforços para a recuperação de informações sobre o passado.
A rede de ensino superior em Sergipe é muito recente. As atividades desse grau de ensino começaram em 1923, mas foram interrompidas e somente a partir de 1948, com a criação da Escola de Química e da Faculdade de Ciências Econômicas de Sergipe, elas se tornaram perenes. Em 1950 foram criadas a Faculdade de Direito e a Faculdade Católica de Filosofia. “Dessa forma, nos primeiros anos da década de 50, a sociedade sergipana passava a contar com quatro faculdades que ofereciam os cursos de Química Industrial, Ciências Econômicas, Direito, Filosofia, Geografia e História, Matemática e Línguas Neolatinas e Anglo-Germânicas” (SANTOS, 1999:11). No ano de 1960, a Faculdade de Direito foi federalizada e um ano depois entrou em funcionamento a Faculdade de Medicina.
A Universidade Federal de Sergipe foi constituída somente em 1968, com 10 cursos, 576 alunos e 168 professores. Ao ser organizada, a instituição foi vista pelas elites locais apenas como uma agência formadora que retiraria das famílias mais poderosas o ônus financeiro e afetivo de apartar-se dos seus filhos que tinham a necessidade de migrar principalmente para a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, a fim de concluir os estudos universitários.
A consciência social de que estava sendo inaugurada uma agência formadora de pessoal de alta qualificação destinada a desenvolver a pesquisa científica é mais nova e somente começou a concretizar-se durante a segunda metade da década de 1980, para ganhar impulso e concretizar-se nos cinco últimos anos do século XX. Atualmente, de um total de 58 cursos de graduação oferecidos pela Universidade Federal de Sergipe, 17 estabelecem a obrigatoriedade da pesquisa de conclusão de curso para obtenção do diploma de graduado por parte do aluno. Isto significa que no mínimo cerca de 30 por cento dos alunos dos cursos de graduação da UFS fazem pesquisa compulsória.
No caso da Universidade Federal de Sergipe, a pesquisa de pós-graduação é recentíssima. Tão recente que a UFS mantém apenas um programa de doutoramento, no caso em Geografia. É do ano de 1983 a resolução do Conselho do Ensino e da Pesquisa que estabeleceu as Normais Gerais para os Programas de Pós-Graduação da Universidade Federal de Sergipe e a constituição dos quatro primeiros núcleos de pós-graduação: Geografia, Fisiologia, Estuários e Manguezais e Educação. Em 1987, foi criado o Núcleo de Pós-Graduação em Ciências Sociais. O primeiro curso de mestrado, o de Geografia, iniciou suas atividades na segunda metade da década de 1980. Na primeira metade da década de 1990 começaram a funcionar os cursos de mestrado em Educação, Ciências Sociais, Física, Saúde da Criança e Desenvolvimento e Meio Ambiente. Os resultados dessas iniciativas podem ser percebidos através da expansão do campo da pesquisa científica no Estado.
Fazer pesquisa é uma atividade de custo elevado que demanda um razoável aporte de recursos que as universidades nem sempre conseguem captar com facilidade. Há necessidade de recursos humanos bem formados que disponham de meios materiais suficientes. A realidade atual, contudo, é bem distinta dos primeiros anos do ensino superior em Sergipe, na década de 1950, quando os professores eram na sua totalidade portadores apenas de diplomas de graduação. A pós-graduação ainda não era vista como necessidade na carreira docente dos profissionais das instituições de ensino superior brasileiras. No caso sergipano, nos primeiros anos da década de 1960 houve um esforço inicial em direção da pós-graduação, quando um grupo de alunos recém diplomados pela Faculdade de Ciências Econômicas viajou para Santiago do Chile, a fim de fazer curso de especialização na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL.
O recente surto de expansão da pesquisa científica em Sergipe recebeu uma contribuição importante depois que, em 1999, foi criada a Fundação de Amparo à Pesquisa de Sergipe – FAP. Reorganizada administrativamente no início do ano de 2005 e incorporada pela estrutura do Instituto Tecnológico e de Pesquisas de Sergipe – ITPS, a instituição destina-se ao financiamento da pesquisa científica e tecnológica e conta com recursos públicos constitucionalmente assegurados.
A mentalidade vigorante no Brasil do século XIX já reivindicava a organização das práticas científicas em instituições de ensino superior e sociedades de especialistas. O cientificismo predominante afirmava que somente o conhecimento obtido através dos padrões de produção do saber científico tornaria possível o progresso, telos almejado pelo mundo ocidental, através das vozes mais autorizadas do continente europeu, dos Estados Unidos da América, do Brasil e de muitas outras nações.
Ao analisar-se a influência alemã na cultura brasileira ao longo do século XIX, sobressai a contribuição dos evolucionistas e monistas daquele país. O aporte da cultura alemã contribuiu para com a sistematização de todo um quadro de cientificismo, buscando consolidar no Brasil um pensamento científico assentado sobre base materialista. Todas as coisas eram subordinadas ao movimento da matéria. Um materialismo respaldado pelo evolucionismo que rejeitava qualquer possibilidade de conciliação entre os interesses científicos e religiosos. Era dessa forma que se punha o evolucionismo de Ernest Haeckel.
Desde o século XVIII, a pesquisa científica internacional tinha como principal característica o trabalho desenvolvido pelos naturalistas, através da descrição e da classificação de plantas, animais e fenômenos geológicos. “Foram lançadas as bases iniciais das teorias evolucionistas, e Lavoisier deu início à Química moderna. Avançou o estudo da matéria, da eletricidade, do magnetismo e dos fenômenos de calor e energia” (SANTOS, 1998: 28). O avanço desse modelo na centúria seguinte fez com que se multiplicassem as turbinas, os dínamos, os motores elétricos e as instalações químicas (BERNAL, 1969).
O processo de expansão da atividade científica e a intensificação das suas relações com a economia de mercado fizeram com que as sociedades científicas nem sempre conseguissem conter os experimentos e a produção do conhecimento científico estimulados pelas corporações econômicas e pela iniciativa individual de muitos estudiosos. Ademais, se multiplicavam geometricamente as sociedades de Química, de Geologia, de Astronomia e de tantos outros campos, bem como o interesse da imprensa periódica especializada e o interesse dos jornais, de um modo geral, pelos temas científicos.
No Brasil do século XIX, após a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, foram criadas instituições científicas como a Academia de Guardas-Marinha, o Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia, a Escola Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional, a Imprensa Régia, a Academia Real Militar, o Museu Real e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Inaugurou-se também o ciclo de viagens e expedições científicas. Todavia, desde o período colonial havia uma atividade científica desenvolvida por diferentes intelectuais europeus que de estabeleceram no Brasil e por intelectuais brasileiros que estudaram em universidades européias. Alguns períodos chamam a atenção, como o da ocupação holandesa, quando Maurício de Nassau, no século XVII, trouxe para o território brasileiro um grupo de cientistas encarregados de realizar estudos sobre a natureza tropical brasileira. Foi grande, nesse período, a contribuição do


médico de Amsterdã, Guilherme Piso (Willem Pies), e George Marcgrave, naturalista alemão, que fizeram, sobre a medicina colonial e a flora e a fauna do país, observações de interesse científico, reunidas posteriormente (em 1648) na sua famosa Historia naturalis Brasiliae (Azevedo, 1994: 29).

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