domingo, 29 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO VI

DEPOIS DO COLÉGIO AGRÍCOLA


O período da ditadura militar que se iniciou em 1964 deu muita visibilidade ao trabalho da Escola que, em face de duas reformas do ensino , recebera a denominação de Colégio Agrícola Benjamin Constant, em 1964, e passou a chamar-se Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, em 1979. Em maio de 1965, foi encaminhado ao Conselho Federal de Educação - CFE um projeto destinado a adaptar o ensino agrícola à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A proposta era de que as disciplinas específicas do ensino agrícola, constitutivas da parte diversificada do currículo, fossem escolhidas pela própria escola e submetidas à aprovação da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário.
Na década de 1970, em pleno auge da ditadura militar iniciada em 1964, o Banco Mundial fez um financiamento para o ensino agrícola no Brasil com o objetivo de reorganizar sete escolas: uma no Rio Grande do Sul; uma em Jundiaí, no Estado de São Paulo; uma em Brasília; uma no Rio de Janeiro; uma em Pernambuco; uma em Belém, no Estado do Pará; e, uma em Sergipe.
O projeto de reforma administrativa e acadêmica que se implementara no Colégio foi inspirado em idêntico trabalho que se realizava na escola agrícola de Jundiaí, no Estado de São Paulo, também sob os auspícios do Banco Mundial. Ali, o professor Laonte Gama da Silva permaneceu durante 45 dias, acompanhado da sua mulher e também professora do Colégio Agrícola Benjamin Constant, Gilda Vasconcelos Gama da Silva . Foi a partir da experiência de Jundiaí que se implementou em Sergipe o Sistema Escola-Fazenda . O Sistema Escola-Fazenda originou-se no país no Colégio Agrícola Estadual de Presidente Prudente, no ano de 1961, no Estado de São Paulo. Em 1967, houve uma expansão deste sistema na rede de escolas agrícolas federais. Foi o sucesso da experiência de São Paulo que levou o Banco Mundial a apoiar a implantação do Sistema Escola-Fazenda nas oito escolas agrícolas incluídas no Empréstimo 755-BR .
A escola-fazenda incorporava a filosofia do aprender a fazer fazendo. Mas, aprender a fazer fazendo implicava em produção. “Ninguém iria ensinar um método que não era utilizado” . O projeto articulava as atividades do ensino com as de produção agrícola, com a participação de docentes e estudantes. Nessas práticas, era ensinado o processo produtivo propriamente dito e também as técnicas de gerenciamento. Visando conciliar o trinômio educação-trabalho-produção, este tipo de escola deve viver em função de seu solo, clima, cultura, criações e produtividade agropecuária. Os estudantes aprendiam a apropriar todos os custos de produção. De acordo com o sistema, todas as tarefas, desde a plantação até a comercialização eram feitas pelos próprios alunos que assim eram preparados para administrar uma propriedade agrícola.
Após a entrada em vigor da lei 5.692/71, o Sistema Escola-Fazenda foi encarado como uma ferramenta capaz de por em prática os princípios da nova legislação, no que diz respeito a “preparação do profissional qualificado para o setor primário da economia” .
O currículo dos cursos oferecidos pelo Colégio foi totalmente reorganizado, adequando-se à filosofia do Sistema Escola-Fazenda. Os alunos do curso de técnico agrícola, na primeira série, se dedicavam ao estudo dos animais domésticos de pequeno porte. Também estudavam as lavouras de milho, feijão e arroz; na segunda série aprendiam sobre os animais de médio porte. No que diz respeito ao cultivo os estudantes se debruçavam sobre as culturas de mandioca e cana-de-açúcar; e, na terceira série a preocupação era com os grandes animais, além de se retomar o estudo sobre as culturas específicas já vistas nas séries anteriores e se intentar compreender o manejo de distintos produtos agricultáveis. A mudança fez com que o currículo passasse a oferecer “mais que 40% (ao invés de aproximadamente 20%) de trabalho prático” .
O Sistema Escola-Fazenda era composto por quatro distintas áreas de atividade: Área de Cultura Geral e Tecnológica; Área de Atividades de Laboratório e Prática de Produção – LPP; Área de Atividades em Programa Agrícola Orientado – PAO; e, Área da Cooperativa Escolar. A área de Cultura Geral e Tecnológica era destinada ao desenvolvimento das atividades de aprendizagem teórico-prática em sala de aula. Visava “levar o aluno à aquisição de conhecimentos e ao desenvolvimento de hábitos e atitudes necessárias à vida profissional e à participação na comunidade” . A área de atividades em Laboratório de Prática e Produção – LPP era destinada a demonstrações práticas pelos professores e experimentação pelos alunos. Visava “criar condições ideais ao cumprimento da finalidade educativa da escola, utilizando as mais variadas técnicas de exploração agropecuária” . A área era representada pelo conjunto de Projetos elaborados pelos professores das disciplinas técnicas a fim de sedimentar o conhecimento adquirido em sala de aula.


A extensão dos Projetos em LPP é planejada tendo em vista a disponibilidade diária de mão-de-obra, o custo da produção, as necessidades da Escola, o mercado consumidor e os recursos financeiros disponíveis. A predeterminação da produção se justifica pelo fato de contar esta área de atividades, , exclusivamente, com a mão-de-obra-aluno, e ser a produção obtida destinada a dois fins: uma parte ao consumo da Escola e a outra comercializada para garantir a continuidade dos Projetos .


Estas condições impunham ao professor e ao aluno a necessidade de, no planejamento, procederem a um estudo minucioso do mercado local, observando a aceitação dos produtos. Dado o seu sentido utilitário, os empreendimentos em LPP, além de educativos, eram economicamente rentáveis, o que permitia aos alunos o estímulo dos créditos à execução de novos Projetos.
Por sua vez, a área de Atividades em Programa Agrícola Orientado – PAO era caracterizada por conjuntos de projetos agropecuários que permitiam um número variado de práticas. Sua finalidade principal era desenvolver habilidades e destreza até um nível ótimo de eficiência, iniciativa, capacidade administrativa e cooperação entre os alunos. Os projetos eram “de inteira responsabilidade e iniciativa dos grupos de alunos que recebem orientação e supervisão dos professores das disciplinas às quais os Projetos estão referidos” . Para desenvolvimento desses Projetos, a Escola reservava áreas específicas e adequadas denominadas “Áreas do PAO”. Dessas áreas, cada grupo escolhia


a gleba conveniente com a aprovação do professor-orientador e a [utilizava] durante o período correspondente ao ciclo da cultura ou criação ao qual o Projeto se [referia], gratuitamente ou mediante pagamento de uma taxa de aluguel. No caso de Projetos que [exigiam] construções e instalações específicas, o grupo [podia] executa-las com recursos próprios, da Escola ou por intermédio da Cooperativa .


Para a execução dos projetos do PAO poderiam também ser utilizadas as instalações já existentes, quando disponíveis, desde que o grupo repusesse, em espécie, a desvalorização e o uso pelo tempo em que as ocupava.
A distribuição dos alunos no Sistema Escola-Fazenda leva o Colégio Agrícola Benjamin Constant a dividir os alunos em grupos de 40 para as aulas teóricas, enquanto as aulas de laboratório eram dadas para grupos de 20 alunos. Para o trabalho de campo os grupos eram menores – geralmente 10 alunos.
A área da Cooperativa Escolar era o componente-chave do Sistema Escola-Fazenda, que permitia o seu pleno funcionamento em direção aos seus objetivos.
No ano de 1985, o projeto Escola-Fazenda foi alterado, substituindo-se o Laboratório de Prática e Produção - LPP pelas Unidades Educativas de Produção – UEPs. Os demais componentes do Sistema - a Sala de Aula e a Cooperativa - permanecem até os dias atuais. Os bens produzidos em cada UEP são encaminhados à Cooperativa-escola e destinados ao refeitório da Escola, para sua própria subsistência. O eventual excedente serve à comercialização. “A renda proveniente desta comercialização é aplicada na aquisição de insumos para a continuidade dos projetos” .
A reforma do Colégio Agrícola Benjamin Constant esteve articulada com o conjunto de circunstâncias próprias à reforma do ensino proposta pela lei 5.692/71. À medida que expandia seus serviços, a escola estabeleceu um convênio com a Secretaria da Educação do Estado de Sergipe objetivando a oferta de cursos em regime de intercomplementaridade. O envolvimento do Colégio Agrícola Benjamin Constant foi tão intenso que o diretor Laonte Gama da Silva participou diretamente, em São Paulo, da equipe que coordenou os trabalhos de elaboração do catálogo de habilitações básicas referentes ao setor primário previstas no escopo da nova lei. Foi nesse contexto que o Colégio Agrícola decidiu abrir o curso de Técnico em Laticínios. Além dos cursos regulares, o projeto da escola oferecia cursos especiais para a comunidade envolvida com a produção agrícola em Sergipe: Inseminação artificial e Tratorista.
Para a pesquisadora Maria da Glória de Rosa, a reforma do ensino vivida pelo Brasil a partir da vigência da lei 5.692/71 representou a adoção no país, “pós um atraso de 20 anos, [d]a filosofia global da escola voltada para o trabalho – recomendada em suas linhas gerais a todos os povos do mundo no histórico documento ‘Education in Technological Society’, dos 21 sábios e educadores que a UNESCO reuniu em junho de 1950, na França, e entre os quais se encontrava o educador brasileiro Lourenço Filho” .
Com a nova lei, o ensino agrícola foi formalmente extinto, uma vez que foram criadas as habilitações profissionais oferecidas pelo ensino de segundo grau e definidas por uma base de formação comum e uma parte especial diversificada para cada profissão. O espírito da reforma, segundo o secretário da educação do Estado de São Paulo, José Bonifácio Coutinho Nogueira, fora “a instituição da profissionalização universal” . O Parecer 3474/75, do Conselho Federal de Educação, revela bem o caráter das mudanças em relação ao ensino agrícola:


Sendo a agricultura uma atividade fundamental para o processo nacional de desenvolvimento, há que difundir o seu estudo de forma mais eficiente, do que aquela que tradicionalmente vinha sendo feita pelas chamadas escolas agrícolas, as quais, pelo distanciamento em que funcionavam, geralmente segregadas da comunidade, e pelo tipo de clientela que recolhiam, o que não raro as tornavam fronteiriças de entidades assistenciais, pouco contribuíram para justificar as largas expectativas que cercaram a sua criação. Conhecimentos agropecuários podem ser ministrados em qualquer tipo de escola de 2o. grau e a qualquer aluno que por eles se interessem, sem que necessariamente a escola se localize em zona rural ou o aluno provenha de famílias ligadas a atividades do setor primário. (...) não se trata de formar técnicos agrícolas ou zootécnicos, até porque não existe para esse tipo de profissional, um mercado de trabalho que apresente variadas e numerosas oportunidades de emprego .


O plano elaborado pelo Ministério da Educação e Cultura para o período de 1975 a 1979 previa a expansão e melhoria da rede de ensino de primeiro e segundo graus. O MEC obteve recursos junto ao Banco Mundial para a reforma do ensino agrícola e o Colégio Agrícola Benjamin recebeu fortes investimentos. A Escola dominou a tecnologia da inseminação artificial e projetava já organizar os laboratórios que permitissem fazer transplante de embrião. O Colégio Agrícola Benjamin Constant passou a produzir pintos de um dia que abasteciam as necessidades do Colégio Agrícola de Catu, no Estado da Bahia, e do Colégio Agrícola do Estado de Alagoas. Isto era possível porque, com os recursos do Banco Mundial, foi instalado um incubatório destinado a essa produção . A partir do ano de 1968 a avicultura se transformara em uma das mais importantes dentre as atividades do Colégio. O aviário obteve êxito também do ponto de vista comercial e a instituição recebeu muitos técnicos especializados que ofereciam cursos para treinar professores e estudantes. Nessas ocasiões, o Colégio convidava outras pessoas interessadas na atividade para que participassem das palestras .

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO V

Na década de 1950, com muita clareza, o governo brasileiro intensificou a sua prática de buscar no modelo norte-americano os padrões com os quais operava a sua rede escolar agrícola. Tornara-se, então, comum o Ministério da Agricultura organizar excursões para levar profissionais brasileiros a observarem os padrões de funcionamento das instituições do ensino agrícola dos Estados Unidos da América. Em 1955, realizou-se uma excursão de técnicos em educação da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário e diretores de várias escolas federalizadas e equiparadas. Foram visitadas instituições norte-americanas de ensino agrícola localizadas em Washington e nos


Estados da Virgínia, Indiana, Alabama, Nova York, Kentucki, Carolina do Norte, Iowa e Mississipi. Foram visitados (...) as Universidades de Perdue e de Kentucki, o Colégio Estadual de Carolina do Norte... (...) A viagem incluiu também Porto Rico, onde foi visitada a Universidade e Costa Rica, onde os excursionistas se inteiraram dos trabalhos a cargo do Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas, de Turrialba .


No mesmo período em que o Ministério da Agricultura organizava essas excursões, funcionava a Comissão Brasileiro-Americana de Educação para as Populações Rurais – CBAR, que executava 34 projetos em todo o país, com recursos da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário e assistência técnica da Fundação Getúlio Vargas - FGV . A CBAR representava parte do acordo firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos da América, com o “objetivo de estimular e ampliar o intercâmbio de idéias e de processos pedagógicos, no campo da educação rural. Para a execução do convênio, está prevista a cessão, por parte do Institute of Inter American Affairs, de um corpo de especialistas para a colaboração necessária” .
As preocupações com os padrões pedagógicos de funcionamento da instituição fizeram com que, durante a segunda metade da década de 1950 fossem organizados seminários destinados a professores, tendo como objeto discussões sobre temas da Sociologia e Psicologia da Educação, Didática e Higiene Rural .
Depois da vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em dezembro de 1961, ficou estabelecido que o ensino médio seria ministrado em dois ciclos: o ginasial e o colegial. A determinação incluía os cursos secundários, além da formação de professores para o ensino primário e pré-primário. Abrangia ainda os cursos industrial, comercial e agrícola. O artigo 47 do diploma legal “previa a existência de ginásios e colégios técnicos, industriais, comerciais e agrícolas, com valor equivalente ao ensino secundário. E, particularmente ao ensino agrícola, sugeria algumas medidas: organizar um ensino da agricultura de nível médio (...)” . Em função da nova lei, a partir do ano de 1962, a Escola Agrotécnica Benjamin Constant criou o curso de formação para Técnico Agrícola.

domingo, 22 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO IV

DEPOIS DO APRENDIZADO


Os registros do Aprendizado Agrícola Benjamin Constant referentes ao ano de 1939 revelam que no encerramento daquele ano letivo eram oferecidos o ensino primário elementar e práticas de agricultura e de oficinas de madeira, ferro e couro a cem alunos . Essa formação compreendia um curso de quatro anos assim organizado: série elementar, série média, primeira série superior e segunda série superior. A série elementar era freqüentada pelo maior contingente de estudantes . Revelando uma seletividade expressiva, do total de estudantes, apenas seis cursavam a segunda série superior, a última do ensino primário do Aprendizado.
As atividades de prática agrícola estavam concentradas, naquele momento na aprendizagem dos tratos com a pecuária leiteira. A produção dos alunos era consumida na própria escola. Contudo, havia um excedente de cerca de cem litros de leite, a cada mês, que eram comercializados . Além da pecuária, as práticas agrícolas estavam sendo ensinadas, principalmente através do cultivo de coco, palmeiras imperiais, fumo e trigo. A estas eram somadas as práticas de avicultura. Todas as práticas eram oferecidas no campo e em laboratórios mantidos pela instituição.
O Aprendizado Agrícola Benjamin Constant tinha um projeto pedagógico que valorizava sobremodo a formação cívica. Um ato do Ministério da Agricultura determinou a organização, em cada estabelecimento de ensino profissional agrícola, de um centro cívico, filiado à Juventude Brasileira . Assim, as atividades relativas à Juventude Brasileira deveriam ser executadas dentro do período regular dos trabalhos escolares. O projeto de modernização do ensino agrícola executado durante a Era Vargas, contudo, introduziu práticas que foram vistas, à época, como inovadoras na área. A instituição da Orientação educacional nos Aprendizados buscava “mediante a aplicação de processos pedagógicos adequados, e em face da individualidade de cada aluno e de seus problemas, não a necessária adaptação e encaminhamento, mas ainda a elevação das qualidades morais” . Para o cumprimento desses objetivos, a orientação educacional deveria dotar o ambiente escolar de cooperativas, revistas e jornais, clubes ou grêmios que pudessem aperfeiçoar o convívio social entre os estudantes e destes com os professores, refinando as práticas de sociabilidade.
Uma portaria ministerial do ano de 1943 reformulou o currículo dos aprendizados agrícolas de todo o país . O Aprendizado Agrícola Benjamin Constant passou, então a oferecer três tipos de cursos: o Ensino Agrícola Básico, o Ensino Rural e os Cursos de Adaptação. Tal Portaria buscava adaptar os aprendizados agrícolas de todo o país às determinações de um decreto-lei federal que criou os Núcleos de Agricultura, e Zootecnia, com o objetivo de “promover o ensino técnico” .
O Ensino Agrícola Básico era ministrado em três anos e aqueles que o concluíam recebiam o diploma de Capataz rural. No primeiro ano os alunos assistiam aulas teóricas de Português, Matemática, Geografia e História do Brasil, Desenho, Noções de Agricultura Geral e máquinas agrícolas. As aulas práticas eram de Olericultura, Jardinocultura, Fruticultura, Silvicultura e Trabalho nas oficinas. As disciplinas teóricas do segundo ano eram Português, Matemáticas, Ciências físicas e naturais, Desenho, Culturas regionais e Criação de animais domésticos. No rol das aulas práticas constavam Avicultura, Apicultura, Sericicultura, Psicultura e Trabalhos nas oficinas. Já no terceiro ano eram ministradas aulas teóricas de Português, Matemática, Pequenas indústrias agrícolas, Economia rural e administração, Educação sanitária e Desenho. Neste, que era o último ano do curso, os alunos escolhiam, dentre cinco, uma especialidade da sua preferência, na qual recebiam as aulas práticas: Horticultura, Culturas regionais, Produção animal, Máquinas agrícolas e Indústrias agrícolas.
Já o curso de Ensino Rural do Aprendizado Agrícola Benjamin Constant tinha a duração de dois anos e oferecia um certificado de Trabalhador rural. Durante os dois anos, os alunos assistiam aulas de Português e Aritmética. No primeiro ano, além destas, eram dadas também aulas de Noções de Geografia e Corografia do Brasil, História Pátria, Desenho à mão livre, Noções elementares de Agricultura e Máquinas agrícolas. A grade curricular do segundo ano completava o quadro teórico com a oferta de disciplinas como Noções de Ciências físicas e naturais, Desenho linear e Noções de criação de animais domésticos Durante os dois anos, as práticas incluíam Trabalho nas oficinas. No primeiro ano de práticas eram oferecidas aulas de Olericultura, Fruticultura e Jardinocultura, enquanto no segundo ano os alunos praticavam Avicultura, Apicultura, Sericicultura e Piscicultura.
Por último, o Curso de Adaptação buscava dar ao trabalhador, jovem ou adulto, não habilitado ou diplomado, uma qualificação profissional, um certificado de habilitação profissional. Era uma espécie de curso livre, organizado em épocas determinadas sobre temas específicos: Avicultura, Apicultura, Sericicultura, Máquinas agrícolas, Defesa agrícola, Tratamento e alimentação dos animais domésticos, Indústrias agrícolas, Combate às pragas e moléstias das plantas cultivadas e outros.
Encerrado o período do Estado Novo, o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra conseguiu aprovar a Lei Orgânica do Ensino Agrícola. A proposta fora apresentada ainda durante a gestão do presidente Getúlio Vargas, no período em que o Ministério da Agricultura estava sob a administração de Apolônio Sales. Com a nova lei o ensino agrícola foi reorganizado e incorporou novos métodos, transformando-se em um ramo que oferecia até o ensino médio, destinado à preparação profissional dos trabalhadores da agricultura. Da mesma maneira que os demais ramos do ensino médio compreendia dois ciclos: o primeiro tinha a duração de quatro anos, enquanto o segundo ciclo tinha a duração de três anos. No primeiro ciclo era oferecido o curso de Iniciação Agrícola, durante dois anos, período no qual o currículo privilegiava a preparação do operário agrícola qualificado. Nos dois anos seguintes do primeiro ciclo era realizada a formação em Mestria Agrícola, preparando para o exercício do trabalho de Mestre Agrícola. No segundo ciclo, ou colegial, de três anos, eram oferecidos os cursos agrícolas técnicos e pedagógicos. Durante os três anos dos cursos agrícolas técnicos era oferecida formação agrícola em sete áreas: Agricultura, Horticultura, Zootecnia, Práticas Veterinárias, Indústrias Agrícolas, Laticínios e Mecânica Agrícola. Os cursos agrícolas pedagógicos eram destinados à formação de docentes e pessoal administrativo para o ensino agrícola. Durante dois anos era feita a formação necessária ao magistério de economia rural doméstica e durante um ano, o aluno era preparado para a administração do ensino agrícola .
No final da década de 1950, a Escola Agrotécnica Benjamin Constant oferecia dois cursos: o de Técnico Agrícola e o de Economia Doméstica. O curso de Técnico Agrícola estava mais articulado às práticas tradicionalmente desenvolvidas na Escola. O curso de Economia Doméstica era ainda uma novidade no trabalho da instituição. Os cursos da Escola ganharam uma valorização importante a partir do ano de 1957, quando a Escola Agrícola Benjamin Constant foi transformada em Escola Agrotécnica Benjamin Constant. Essa mudança de denominação significava que partir daquele ano começou a ser ministrado o ensino secundário agrícola, em três anos. O curso agrotécnico correspondia então aos cursos clássico e científico e conferia aos concludentes o diploma de técnico agrícola que possibilitava a inscrição dos seus portadores nos exames vestibulares para as escolas superiores do país .
Os anos do final da década de 1950 e início da década seguinte representam um período de grandes transformações em vários países, no sentido da valorização do ensino secundário agrícola. Nos Estados Unidos da América, a modalidade foi estimulada após a vigência da lei de estímulo à educação vocacional aprovada em 1963 . No Brasil, esses padrões estavam associados à perspectiva nacional-desenvolvimentista. Para esta corrente de pensamento, a educação escolar seria a principal ferramenta indutora das políticas de desenvolvimento econômico.
Não obstante as atividades produtivas terem sido sempre uma tônica das práticas educativas da Escola, são freqüentes os registros que dão conta da insubordinação dos alunos em resistência a este tipo de atividade . Mesmo assim, as atividades do curso agrotécnico possibilitaram um aumento na produção das culturas plantadas na Escola. No primeiro ano de funcionamento do curso foram plantados 20 hectares de mandioca, 25 de arroz, 20 de capim guatemala, 30 de capim sempre verde e gordura, oito mil covas de inhame, um hectare de café sombreado, mil covas de bananeira. Além disso, foram feitos três mil enxertos de citrus e mangueiras e plantadas mudas de canafístula, oitizeiro, cróton, flamboyant, fícus-benjamin e sebes de eucalipto. As atividades de horticultura incluíram o cultivo de 15.600 metros quadrados, com o emprego intensivo de máquinas agrícolas . Ademais, foi significativa também a produção de abóbora, acelga, alface, berinjela, aipim, cebola, cebolinha, cenoura, chicória, coco, coentro, couve, ervilha, hortelã, macaxeira, maxixe, mostarda, pepino, pimenta, pimentão, quiabo, rabanete, repolho e tomate . No que diz respeito à produção de carne, os resultados também foram significativos: 5.007 quilos de carne bovina, 600 quilos de carne suína e 181 quilos de carne ovina . As atividades agroindustriais resultaram ainda na produção de 13.850 quilos de arroz beneficiado, 2.856 quilos de farinha de mandioca, 540 quilos de farelo de arroz, 635 de fubá de milho e 328 de fubá de arroz .
Um outro avanço do ponto de vista das atividades da Escola, observado após a sua transformação em Escola Agrotécnica Benjamin Constant foi o fato de se haver acelerado o processo de implantação do Núcleo de Indústrias Rurais, a partir do ano de 1958, superando entraves orçamentários que até então estavam impedindo tal implantação. Um bom exemplo é o da fábrica-escola de laticínios, cujos equipamentos se encontravam na instituição desde o ano de 1954, mas que não entravam em funcionamento por falta de recursos financeiros para investir nas necessárias obras de engenharia civil requisitadas para a construção do edifício e instalação da infra-estrutura , o que somente ocorreu no ano de 1958.
Ao definir, na década de 1950, o homem que imaginava devesse ser aquele formado pela escola que dirigia, o professor João Fernandes de Sousa revelou os fundamentos filosóficos do seu projeto pedagógico:


Seria, sem dúvida, o ideal conseguirmos “The right man in the right place”, porém a nossa é feita em bases bem diversas. Diz a pedagogia moderna que necessitamos do homo-utilissimus, a sociedade não precisa do homo sapiens nem do homo faber. Êstes princípios estão contidos na expressão ´men sana in corpore sano´. Pouco útil, ou talvez nocivo a uma sociedade que possui um homem de um Q.I. elevado, mas cheio de complexos consigo mesmo ou com a própria comunidade que, por fôrça, o agasalha .

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO III

De um modo geral, a pretensão era a do soerguimento moral dos menores. O que se pretendia era a utilização do trabalho para apresentar às crianças os princípios educativos, os instrumentos de socialização e a obtenção da formação moral. Todavia, o patronato,como já evidenciado, era uma instituição de atendimento à infância e não de ensino técnico profissional. Apesar disto, o Regulamento do Patronato Agrícola São Maurício admitia uma possibilidade de premiar os alunos que mais se destacassem com bolsas de estudos que permitissem o prosseguimento da formação: “Ao educando que durante o ano se distinguir de modo notável, poderá o Governo promover a continuação dos seus estudos agrícolas em qualquer estabelecimento de ensino médio ou superior do país” .
Ao longo da história da instituição, no entanto, não é possível afirmar que isto haja ocorrido, ao menos nos períodos em que ela funcionou como patronato e aprendizado. Era mais freqüente que, após a conclusão dos seus estudos primários, os alunos fossem encaminhados a outras instituições assemelhadas, destinadas ao preparo profissional, principalmente as organizações militares. Um bom exemplo, é o encaminhamento feito ao Capitão dos Portos do Estado de Sergipe, em fevereiro de 1940, pelo professor José Augusto de Lima, diretor do Aprendizado Agrícola Benjamin Constant:


Apresentando-vos o menor José Pedro Cavalcanti, aluno que concluiu o curso do 4. ano primário elementar desta Instituição, rogo-vos a fineza de o instruirdes a respeito das inscrições á matrícula nas Escolas de Aprendizes Marinheiros Nacionais, quanto a sua época, localidade, matérias necessárias aos respectivos exames e outros quaisquer requisitos indispensáveis á sua pretensão .


Solicitar vagas na Marinha para os alunos que concluíam o ensino primário nas instituições de ensino agrícola era prática que persistia desde a época dos Patronatos e que fora veementemente condenada por Juarez Távora, em 1934, quando este exercia o cargo de ministro da agricultura: “A prova mais evidente de que os patronatos agrícolas não correspondem à finalidade deste Ministério está nos reiterados pedidos que anualmente se faziam aos Ministérios da Guerra e da Marinha, para a colocação da maior parte dos alunos que ali concluíam seu curso” .
Em 1931, quando o Patronato de Menores Francisco Sá passou a chamar-se Patronato de Menores Cyro de Azevedo , já havia, no Ministério da Agricultura, um forte debate acerca do caráter de atendimento à infância que possuíam os patronatos brasileiros. Na prática, isto representava o início da implantação do processo de transformação dos patronatos de instituições de atendimento à infância em escolas de ensino técnico profissionalizante.
No debate acerca do ensino agrícola, portanto, a posição dos patronatos se situava na periferia confirmando não serem eles instituições de formação técnica e sim organizações voltadas para atender a infância pobre, os que vagavam pelas ruas das cidades, de modo a preparar trabalhadores rurais que conhecessem minimamente as suas atividades. Era isto que se buscava através da instrução elementar agrícola. Uma forma de instrução que não se punha sequer no contexto das discussões acerca da difusão do ensino primário obrigatório que marcou a vida brasileira durante as primeiras décadas do século XX, não obstante a forte influência que o seu discurso pedagógico, embalado sob o rótulo da educação técnica profissionalizante, recebera do método intuitivo, das lições de coisas. Os patronatos procuraram fazer com que os que ali se internavam aprendessem através da imitação, vendo e fazendo. A prática do método intuitivo ou “lições de coisas”, tinha sido prevista ainda no século XIX pela legislação escolar do Império e continuava a gozar de muito prestígio durante as primeiras décadas do século XX.
O curso do Patronato Agrícola São Maurício era de quatro anos, dos quais o último exclusivamente destinado ao estágio . O ensino estava voltado às práticas agrícolas. Os conteúdos deste ensino profissional compreendiam cultura de cereais e de plantas industriais; fertilizantes e seleção de sementes; preparação da terra; plantio, irrigação e colheita; jardinicultura, horticultura e pomicultura; pastos naturais e seu melhor aproveitamento pelas espécies pecuárias; prados artificiais; higiene, criação e alimentação dos animais domésticos; montagem, funcionamento, governo e conservação de máquinas agrícolas; conhecimento e uso de ferramentas, instrumentos e utensílios. Por ser o centro das atividades do Patronato, o ensino profissional era essencialmente prático, não podendo nunca as demais espécies de ensino e exercícios ocupar mais de um terço do tempo útil de cada dia de trabalho .
Estas práticas geravam produtos que eram comercializados. Dos resultados financeiros que se obtinha com a venda, cinqüenta por cento ficavam como renda do Patronato, trinta por cento serviam para formar um pecúlio em nome do interno , quinze por cento constituíam um fundo patrimonial e cinco por cento eram correspondentes a uma renda mensal à qual o aluno fazia jus.
Além desta formação agrícola, que era a principal, os internos recebiam também o ensino primário. Os cursos primário e profissional, com duração de três anos, ofereciam as seguintes disciplinas: Noções elementares de Agrologia; Lavras; Noções da vida vegetal; Estudo da semente; Alimentação da planta, os adubos; Moléstias das plantas, remédios; Culturas (solo, adubo, sementes, colheita e conservação dos produtos); Prática de enxertia, poda, adubação; Noções elementares de anatomia animal; Alimentação dos animais domésticos; Higiene; Estudo das diferentes indústrias animais; Melhoramento dos animais e sua exploração; Moléstias contagiosas e meios mais comuns de combatê-las; Ferraduras e arte veterinária; Prática de sangria, preparo de rações, penso dos animais, equitação, etc; Noções elementares de mecânica agrícola; Descrição sumária dos principais materiais que entram na construção das máquinas; Combustíveis e lubrificantes; Conhecimento prático das máquinas de cultura (arados, grades, rolos, capinadeira, destorroadores, ceifadeiras etc.); Noções sobre aparelhos de leiteria e fecularia, etc; Noções sobre os motores inanimados, locomoveis, tratores e motores diversos; Noções sumárias sobre os motores animados; Prática de lavras, capinações, montagem e desmontagem de máquinas agrícolas; Noções sumárias sobre os principais materiais de construção, trabalhos de pedra, argamassa e olaria; Construções rurais, casa de sapé e de pau a pique, abertura de canais, valas, etc; Noções sumárias sobre agrimensura; Contabilidade agrícola, livros que o agricultor ou criador deve ter de preferência; Noções sobre os diversos processos de embalagem de frutas .
Em 1927, a formação profissional dos menores acontecia nas oficinas de sapataria e marcenaria. Eram ministradas aulas práticas de corte, solamento e apalazamento . Nesse processo de formação também eram importantes os trabalhos da marcenaria. As aulas práticas estavam voltadas para o de aparelhamento de tábuas com emprego de plaina e serra de volta, torno, cantil e formão . Já a formação agrícola incluiu aulas práticas de humos, sílica, argila, calcário, solo, sub-solo, horticultura e jardinicultura .

domingo, 8 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO II

EDUCAÇÃO E TRABALHO NO PATRONATO SÃO MAURÍCIO


Até a década de 1980, no hall de entrada do edifício principal da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, estava estampada a seguinte frase: “Aqui aprendemos para fazer e fazemos para aprender” . A frase é síntese do espírito que presidiu as atividades formativas da instituição desde que o Patronato São Maurício foi fundado em 1924. Organizando a assistência do poder público aos enjeitados e preparando novos trabalhadores, o Patronato foi criado com o propósito contribuir para a fixação dos seus alunos ao campo. Esse processo de regeneração através da aprendizagem do trabalho incluía o fornecimento de utensílios ali produzidos a algumas instituições da vida sergipana: “todas essas oficinas estão em atividade, ressaltando o fato de, desde julho último, ter começado, nas de sapataria, o fabrico do calçado necessário às praças do Batalhão Militar do Estado” . A maior parte do tempo durante o qual os alunos permaneciam no patronato era, portanto, ocupada pelo ensino de artes ou ofícios.

As atividades produtivas implementadas para dar suporte ao ensino profissional tinha[m], entre suas atribuições, a de concorrer para a manutenção dos serviços oferecidos aos alunos e funcionários; este era o destino de determinada parcela do que era produzido na instituição; outra, era comercializada .


Da mesma maneira que o governo federal, o governante sergipano pretendia que o patronato tivesse uma produção capaz de contribuir para com a sua própria manutenção.
O período que vai de 1918 a 1934 foi a época durante a qual o governo brasileiro enfatizou a sua política de difusão dos patronatos agrícolas. Esse tipo de instituição era voltado à formação técnica de trabalhadores e levava em consideração os fundamentos científicos necessários à racionalização da atividade agrícola. Além do mais, foi um processo eficaz de intervenção na vida social, ajudando o Estado a organizar os pobres, numa tentativa de impor padrões mais modernos, tanto no espaço urbano como no meio rural. Esse ruralismo pedagógico, que foi muito forte no cenário educacional brasileiro da década de 1920, teve como arautos alguns “pensadores sociais do começo do século, como Sílvio Romero e Alberto Torres” . Estes intelectuais pretendiam transformar o ensino primário em instrumento de fixação do homem ao campo, amortizando os impactos causados pelo movimento migratório, numa cruzada de “valorização do país agrícola, através da regionalização da escola e do ideário ruralista nas instituições escolaes” .
Assim, o governo demonstrava sua preocupação não apenas com a vida na cidade, mas, também, afirmava a necessidade de cuidar do produtor de alimentos, concorrendo “para minorar os problemas decorrentes da falta de preparação daqueles que trabalhavam e diretamente lidavam com a agropecuária” . Isto representava um esforço governamental no sentido de fazer, outra vez, crescer a população rural e reduzir a migração em busca do espaço urbano – discussão fundamental à época.


A migração era tomada como um dos problemas que perspassava as áreas rurais: a busca de oportunidades educacionais e de preparação profissional, entre outras, estimulava o deslocamento de populações em direção aos centros urbanos. O ensino profissional agrícola era pensado enquanto meio possível de estimular o aumento da população rural ao fixá-la .


Dentre outras necessidades, os patronatos também apareciam como ação governamental que fazia intervenção sobre o momentoso problema da instrução popular, visto como responsável por aquilo que se costumava denominar de atraso intelectual e material do Brasil. Aos baixos indicadores de oferta do ensino público, à época, se imputava não apenas o encargo do analfabetismo, mas também “a indigência e a vagabundagem” . Deste modo, os patronatos agrícolas ofereceriam a cultura moral à infância ensinando, além disto, a ler, compreender e raciocinar. Todavia, os patronatos não eram, sob a ótica do projeto posto pelo governo, instituições de produção e difusão de conhecimento científico, de conhecimento técnico acadêmico. Mesmo porque, no encerramento do Congresso Nacional de Agricultura realizado em 1901, os seus participantes deixaram isto muito claro: “O Congresso Nacional de Agricultura condena a repetição de tentativas que dêem ao ensino agrícola a feição especulativa acadêmica dos primeiros institutos” .
O Patronato, desde o início das suas atividades foi destinado a receber alunos oriundos do meio rural, os filhos de famílias pobres, meninos de rua e também aqueles que não conseguiam se ajustar socialmente, num momento em que “a legislação já prescrevia a separação entre menores e adultos no tratamento dispensado pelos agentes encarregados da ordem e repressão” . Como aconteceu, em todo o país, com o projeto dos patronatos do governo federal, o Patronato São Maurício também serviria para


intervir sobre um problema específico dos centros urbanos, qual seja o da infância abandonada e daquela que tinha dificuldade de ser mantida por seu grupo familiar; para eles seria encaminhada parte da infância que estava pelas ruas, os órfãos, os que eram tomados pelas forças de segurança e aqueles que seus responsáveis declaravam sem recursos para mantê-los ou por serem de difícil controle. Os problemas urbanos eram pensados tomando por base o campo, concebido como uma de suas origens. O que era proposto era o retorno para o campo daqueles que eram problemas nas cidades .


O ensino agrícola que fora proposto pelo discurso republicano buscava delimitar a sua diferenciação quanto ao ensino agrícola proposto no período monárquico afirmando ser este último correspondente a um saber especulativo e de caráter acadêmico próprio à formação das elites. Assim, os republicanos buscaram afirmar-se como portadores de um projeto de ensino aplicado e de natureza técnica. Este, de resto, era o discurso que os intelectuais da educação, e não apenas aqueles dedicados a pensar o ensino agrícola faziam, estabelecendo uma contraposição Império X República. Um discurso que se tornou quase consensual juntamente com a certeza de que todo ambiente dos anos oitocentos na sociedade brasileira teria sido dominado exclusivamente pelo bacharelismo. É necessário admitir a possibilidade de questionamento dessa tese e tentar compreender que as chamadas idéias científicas daquele período não passavam ao largo da sociedade brasileira, como a historiografia costuma apontar . Ao dar ênfase no discurso a respeito do ensino técnico agrícola no início do século XX, afirmando que o ensino acadêmico era próprio da formação da elite, os republicanos ocultaram um fato importante: em verdade, os filhos da elite dirigente continuaram a receber ensino técnico, tal como ocorria antes em algumas instituições de ensino superior do Império. Os dirigentes do setor agrícola eram formados nas faculdades que desde a segunda metade do século XIX foram criadas com tal objetivo.


A implementação desse ensino ficaria a cargo de instituições educacionais, articuladas a outras, voltadas para a produção de conhecimento. A sistematização dos experimentos e sua difusão seriam subsídios para a conformação de uma agricultura que fugiria ao modelo tido como um dos responsáveis pela situação de atraso atribuída ao campo .
Todavia, ao definirem a instrução agrícola, de caráter primário, como sendo destinada à formação dos trabalhadores agrícolas, os intelectuais republicanos estabeleceram que esta tomaria as instituições de assistência como o modelo adequado à sua implementação. Estavam, deste modo, concretizando um dos pontos centrais em torno do qual girava a prévia definição de que “foi em torno a quatro temas ou expedientes regeneradores, que se definiram as grandes linhas de intervenção propostas no debate ruralista como capazes de superá-los: o do povoamento/colonização; educação; modernização/racionalização produtiva e crédito/cooperativismo” .
O caráter técnico do ensino, tão propagado, ficara, portanto, restrito apenas à educação superior agrícola, enquanto a instrução agrícola havia assumido o caráter assistencial que a definira durante toda a etapa de funcionamento dos patronatos, preocupados primordialmente com a preparação de trabalhadores para a atividade agropecuária e não com a formação de técnicos. Uma atividade, a dos patronatos, voltada quase que exclusivamente para aquilo que a historiografia mais recente chamou de “pobres livres”, e a produção sociológica e etnológica denominou de “sertanejos, caipiras, roceiros ou caboclos”, “contingentes percebidos como propensos a migrarem dos campos às cidades – dado muitas vezes tomado como um ‘traço cultural’ de herança indígena, os errantes por natureza e estado – contribuindo para a situação extremamente tensa das maiores cidades da época” .
Por isto, “entre as concepções iluministas e autoritárias é possível também situar as propostas de constituição de instituições, entre elas a dos patronatos agrícolas. Inseri-los no debate sobre educação agrícola, conquanto aí figurassem à época aqui delimitada, não é suficiente” .
O Aprendizado São Maurício, em consonância com as definições tomadas para a política nacional do setor, ministrava dois cursos: o primário e o profissional. A formação profissional incluía o cultivo de hortas e pequenas plantações de mandioca, milho e batata do reino. Além disso, nas oficinas de sapataria eram preparadas as botinas dos internos e as destinadas ao Batalhão Militar do Estado. Os alunos também tinham atividades práticas nas oficinas de marcenaria e ferraria. Todo o conjunto de atividades era avaliado positivamente pelo diretor Juvenal Canário. Para ele, os alunos estavam apresentando


mutações progressivas mais acentuadas, no caráter, na inteligência, nos costumes e na escrita e leitura, observadas e comprovadas pelos dados apresentados em mapa demonstrativo de aproveitamento e conduta dos educandos; ensino profissional elementar, ministrado praticamente nas oficinas de sapataria, marcenaria e ferraria, já apresentando trabalhos em aulas, como elemento educativo, ensino de musica, jogos recreativos e cultura física, com apreciações religiosas, em termos de visitas, e resultados satisfatórios, conforme consta de mapas, e finalmente já produzindo .

sábado, 7 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO

Jorge Carvalho do Nascimento



A Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão é uma autarquia federal, vinculada à Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação, localizada na região leste do Estado de Sergipe, situada no quilômetro 96 da BR 101, Povoado Quissamã, Município de São Cristóvão, distante do centro urbano da capital aproximadamente 18 quilômetros. Atualmente, a Escola está em processo de transformação e integração ao INstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - IFET/SE, juntamente com o antigo Centro Federal de Educação Tecnológica - Cefet/SE. A Escola teve sua origem no Patronato São Maurício , que fora criado em 1924. Oferecia curso de aprendizes e artífices a crianças e adolescentes com problemas de ajustamento social e emocional. Atualmente é o único estabelecimento escolar do Estado de Sergipe a oferecer cursos de nível médio para a formação de técnicos destinados ao setor primário da economia. A instituição adota, desde o ano de 1924, o regime de internato.
Ao final da gestão de Graccho Cardoso, em 1926, o Patronato teve sua denominação alterada e contava com oitenta alunos matriculados. Os patronatos tinham o caráter de instituições de assistência social destinadas a abrigar e educar menores e preocupadas em readaptá-los à vida social. A nova denominação, Patronato de Menores Francisco de Sá, homenageava o ministro da viação do governo Arthur Bernardes . Em 1931, o Interventor Federal, Augusto Maynard Gomes, modificou a denominação do Patronato, que passou a chamar-se Patronato de Menores Cyro de Azevedo . Dez anos após a sua instalação, o Patronato de Menores Cyro de Azevedo foi federalizado e transformado em Aprendizado Agrícola de Sergipe. Os aprendizados eram estabelecimentos de ensino profissional de nível primário, nos quais os alunos aprendiam e começavam a exercer os misteres da profissão de trabalhador rural. Em 1939, o Aprendizado Agrícola de Sergipe recebeu a denominação de Aprendizado Agrícola Benjamin Constant e contava então com uma matrícula de cem alunos.
No mês de agosto de 1946, a Lei Orgânica do Ensino Agrícola estruturou o ensino técnico profissional no Brasil. O Aprendizado recebeu então nova denominação: Escola de Iniciação Agrícola Benjamin Constant . Esse tipo de Escola ministrava o curso de Iniciação Agrícola, qualificando em dois anos operários agrícolas e oferecendo também o curso de Mestria Agrícola. O nome de Escola Agrícola Benjamin Constant foi atribuído no ano de 1952 , quando a instituição passou a ministrar os ensinos primário e ginasial. Em 1957, a Escola Agrícola foi transformada em Escola Agrotécnica Benjamin Constant. As escolas agrotécnicas foram criadas com o objetivo de formar técnicos agrícolas em nível médio, mantendo dois cursos: o de Técnico Agrícola e o de Técnico em Economia Doméstica . A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 4.024/61) fez com que, em 1964, outra vez fosse modificada a denominação para Colégio Agrícola Benjamin Constant. No regime da LDB de 1961, o Colégio era um estabelecimento de ensino secundário, no caso específico que aqui se analisa, destinado à formação de técnicos para o setor agrícola. A última alteração no nome da instituição aconteceu em 1979, quando passou a chamar-se Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão. Em 1993, a Escola foi transformada em autarquia federal ligada ao Ministério da Educação e do Desporto, através da Lei nº 8.731, de 16 de novembro de 1993.


DENOMINAÇÕES DA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO (1924-2004)
DENOMINAÇÃO ANO DE ADOÇÃO
Patronato São Maurício 1924
Patronato de Menores Francisco de Sá 1926
Patronato de Menores Cyro de Azevedo 1931
Aprendizado Agrícola de Sergipe 1934
Aprendizado Agrícola Benjamin Constant 1939
Escola de Iniciação Agrícola Benjamin Constant 1946
Escola Agrícola Benjamin Constant 1952
Escola Agrotécnica Benjamin Constant 1957
Colégio Agrícola Benjamin Constant 1964
Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão 1979
Fonte: Coleção de leis e decretos do Estado de Sergipe referente aos anos de 1924, 1926 e 1931 e coleção das edições do Diário Oficial da União referentes aos anos de 1934, 1939, 1946, 1952, 1957, 1964 e 1979.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A HISTORIOGRAFIA E A POLÍTICA EDUCACIONAL DA DITADURA MILITAR V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Os derrotados de ontem, na luta aberta, podem ser os vitoriosos de amanhã, na memória coletiva” (REIS, 2004, 30). A historiografia sobre a última ditadura militar brasileira consagrou a imagem dos militares como “gorilas” à medida que estes perdiam popularidade e legitimidade. Todavia, é fundamental lembrar que a deposição do presidente João Goulart foi obra não apenas dos militares e do capital nacional e estrangeiro, mas também das multidões lideradas por executivos e parlamentares da UDN e do PSD acostumados à consagração através do voto popular e de multidões reunidas por setores conservadores da Igreja Católica em torno de movimentos como a “Marcha com Deus, pela família e pela liberdade”.
Amplos setores da população brasileira legitimaram o milagre brasileiro, gerador de contentamento e euforia, “potencializados pela conquista do tri-campeonato mundial de futebol e pela recuperação da auto-estima nacional” (Idem, 2004, 41-2), ao longo da década de 1970. Ao mesmo tempo que os brasileiros opositores da ditadura eram torturados nos quartéis e demais agências de segurança do Estado, a população do país vivia sob um contexto de grande mobilidade geográfica e social numa nação que parecia estável e próspera. Nesse contexto, a ditadura contava com índices de popularidade elevados e o general Emílio Garrastazu Médici era aplaudido pelo povo nos estádios de futebol, num momento em que o regime aglutinava as forças de direita e de centro que o sustentavam e legitimavam, em nome de uma eficiência e modernização que efetivamente existiam.
É difícil a qualquer sociedade, no momento em que está vivendo sob instituições e valores democráticos, compreender que apoiou a construção de uma ditadura que tinha na tortura uma de suas estratégias. Mas, que outro comprometimento teria produzido uma transição como a brasileira: lenta, gradual, segura e com anistia para todos? Por mais que desagrade a memória dos brasileiros, a ditadura foi uma obra coletiva, processada pela maioria da população. Foi um processo histórico, um processo social. Não foi inventada, não foi imposta. É necessário assumir tal compreensão, se a sociedade brasileira pretende evitar novos períodos como aquele.
A ditadura nasceu tentando apagar da memória o embate social do período que a antecedeu, massacrando parte dos grupos de esquerda que portavam a bandeira do poder e das reformas sociais e revolucionárias do período anterior. Do mesmo modo, quando saímos do período ditatorial, os novos vencedores produziram uma memória que transformou os militares em únicos responsáveis pelo arbítrio. Além destes, quase ninguém mais teria apoiado a ditadura, segundo os ditames das novas versões que foram fixadas pelos vencedores. “Muito poucos, raríssimos, nela se reconhecem ou com ela desejam ainda se identificar. Ao contrário, como se viu quase todos resistiram” (Idem, ibidem, 50).
Este processo, por contraditório que pareça, é tão ruim quanto a construção da memória sobre os seus oponentes, produzida pelos ditadores. Para os brasileiros a reconstrução da nação democrática tem significado estabelecer uma memória na qual todos aparecem reconciliados. Assim, os que estão assumindo o poder sob a nova ordem podem remeter os seus próprios embates às raízes de um passado glorioso de combate às nódoas da ditadura, pavimentando a sua condição de heróis. Os que construíram e defenderam a ditadura se diluem e ficam esquecidos. E para isto, é necessário produzir a história de um processo passado no qual tudo foi ruim, no qual só existiram misérias. Inclusive algumas conquistas da política educacional que resultaram de demandas do movimento popular.
A análise da política educacional sob a ditadura militar impõe a apropriação de informações e um domínio do fazer historiográfico que ultrapassa a simples manifestação de vontade subordinada ao conjunto de valores próprios à posição política de cada analista. Esse tipo de análise impõe disposição e capacidade de compreender que esta política foi uma das mais importantes estratégias de legitimação, dentre as várias utilizadas pelos governos ditatoriais, para convencer a população brasileira da importância e do compromisso do seu projeto para a sociedade. Mesmo quando isto desagrada e desautoriza o discurso fácil da história militante.


BIBLIOGRAFIA


ALMEIDA, Jane Soares de. “As professoras no século XX: as mulheres como educadoras da infância”. In: Anais do III Congresso Brasileiro de História da Educação. Educação escolar em perspectiva histórica. Curitiba, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2004. CD Room.

BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, v. 25, 1964

. Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, v. 45, 1984.

. Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro, IBGE, 2004. CD Room.

CUNHA, Luiz Antônio e GÓES, Moacir. O Golpe na Educação. Rio de Janeiro: 1985.

DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. “1964: temporalidade e interpretações”. In: REIS, Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O golpe e a ditadura militar. 40 anos depois (1964-2004). Bauru, Edusc, 2004.

FERNANDES, Ana Maria. A construção da ciência no Brasil e a SBPC. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1990.

OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda de. “O esporte como conteúdo privilegiado das aulas de Educação Física nos anos da ditadura militar (1971-1984): o que têm a nos dizer os professores escolares?” In: Anais do III Congresso Brasileiro de História da Educação. Educação escolar em perspectiva histórica. Curitiba, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2004. CD Room.

REIS, Daniel Aarão. “Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória”. In: REIS, Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O golpe e a ditadura militar. 40 anos depois (1964-2004). Bauru, Edusc, 2004.

SAVIANI, Dermeval. “A escola pública brasileira no longo século XX”. In: Anais do III Congresso Brasileiro de História da Educação. Educação escolar em perspectiva histórica. Curitiba, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2004. CD Room.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A HISTORIOGRAFIA E A POLÍTICA EDUCACIONAL DA DITADURA MILITAR IV

OUTRAS LEITURAS POSSÍVEIS


A memória, como é sabido, revela, mas também silencia. “Não raro, é arbitrária, oculta evidências relevantes, e se compraz em alterar e modificar acontecimentos e fatos cruciais. Acuada, dissimula, manhosa, ou engana, traiçoeira” (REIS, 2004, 29). Os rumos que disciplinas como a Educação Física tomaram sob os governos militares podem receber interpretações distintas daquelas consagradas pela tradição de uma certa historiografia educacional brasileira. Autores como Marcos Taborda têm demonstrado que não apenas cumprindo a função de meio de controle do estudante é possível interpretar o ensino de Educação Física no período.


Essa historiografia, emergente nos anos 80 do séc. XX e fortemente influenciada no plano político pelos ventos do retorno à democracia, e pela influência das teorias crítico-reprodutivistas – de corte marxista ou não – no plano acadêmico, pouco avançou no sentido de perceber as reais motivações dos agentes escolares na adoção de um modelo de aula baseado no esporte – as chamadas progressões pedagógicas (OLIVEIRA, 2004).


Autores como Luiz Antônio Cunha e Moacir de Góes produziram interpretações sobre tal disciplina que parecem um pouco exageradas, afirmando que “a idéia força da ênfase na educação física era a seguinte: o estudante, cansado e enquadrado nas regras de um esporte, não teria disposição para entrar na política” (CUNHA e GÓES, 1985, 80). Taborda aponta que interpretações como esta são baseadas em esquemas que denomina de generalizantes e abstracionistas, uma vez que a consciência dos professores e estudantes seria absolutamente "ingênua" ou estaria "reificada".
É possível partir dos estudos de campos como o da história das disciplinas escolares e entender a ação de professores e alunos, verificando-se que o currículo é um campo de conflito, de disputas, compreendendo como naquele momento estudantes e docentes estavam pautados, internacionalmente, por um período de desenvolvimento, sem precedentes, das práticas esportivas em todo o planeta, que colocavam o esporte como fenômeno de massa valorizado sob a condição de espetáculo.
As décadas de 1960 e 1970 foram férteis em iniciativas importantes e políticas inovadoras como os colégios de aplicação, a implantação nacional de uma rede pública de escolas de primeiro e segundo graus, ampliando de uma maneira até então desconhecida as oportunidades de acesso à escolarização para os grupos mais pobres da população brasileira.
No que diz respeito a legislação do ensino que vigorava antes do golpe, autores importantes como Dermeval Saviani revelam que


o governo militar não considerou necessário modificá-la totalmente mediante a aprovação de uma nova lei de diretrizes e bases da educação nacional. Isso porque, dado que o golpe visava garantir a continuidade da ordem sócio-econômica que havia sido considerada ameaçada no quadro político presidido por João Goulart, as diretrizes gerais da educação, em vigor, não precisavam ser alteradas (SAVIANI, 2004).


Esta realidade impõe o afastamento de um certo tipo de maniqueísmo que estabelece terem alguns agido corretamente e outros de modo inadequado, dividindo o debate educacional numa peleja entre críticos e alienados. A política educacional, da mesma maneira que a prática dos professores e estudantes, foi ambígua. Aquela foi a realidade objetiva e não a dos nossos julgamentos de valor.
A lei 5.692/71 manteve vigentes os dispositivos aprovados pela lei 4.024/61, durante o regime democrático, quanto aos fins da educação, o direito à educação, a liberdade do ensino, a administração do ensino e os sistemas de ensino, sem que fossem, portanto, alteradas as diretrizes da educação nacional. Em outras palavras, a reforma educacional efetivada pela nova legislação aprovada pelos governos ditatoriais respondia também a demandas populares e a pressões do movimento social e dos grupos de elite, manifestadas ao longo de toda a primeira metade da década de 1960, como a extensão da obrigatoriedade do ensino básico para oito anos; o fim dos exames de admissão ao ginásio, mecanismo que impedia a continuidade dos estudos de alunos mais pobres; a equiparação de todos os cursos de nível médio, de modo a extinguir a segregação de alguns cursos técnicos que, mesmo depois da vigência da lei 4.024/61, ainda tinham dificultado o acesso de seus concludentes ao ensino superior; e, a expansão da oferta do ensino público de primeiro e segundo graus.
A reforma do ensino de primeiro grau fez com que houvesse um aumento visível dos investimentos do setor público na expansão da rede de instituições escolares destinadas a oferta dos antigos ensinos primário e ginasial, reunidos, após a reforma, nas oito séries do ensino de primeiro grau.
Quando são tomados os números referentes à matrícula do ensino de primeiro grau no período da ditadura militar, também é possível fazer algumas verificações pouco usuais.


No último ano em que o Brasil viveu sob o regime militar, a oferta de vagas no ensino de primeiro grau havia crescido 245,81 por cento.
Com a lei 5.692/71, também foi possível mudar muito o panorama da oferta de vagas no ensino de segundo grau.




Em vinte anos, a oferta de oportunidades no ensino de segundo grau experimentou um crescimento da ordem de 670,57 por cento.
A reforma do ensino superior, efetivada através da lei 5.540/68, foi resultante de pressões populares exercidas por estudantes e professores e também por grupos ligados ao regime golpista. Alunos e docentes pugnavam pela autonomia universitária, indissociabilidade entre ensino e pesquisa e abolição da cátedra. A reforma possibilitou a expansão da instituição universitária pública no Brasil e facilitou o processo de abertura de instituições privadas de ensino superior. Atendendo a pressões dos grupos de elite que apoiaram o golpe e tomando por base padrões internacionais, foram instituídos o sistema de crédito, a matrícula por disciplina, os cursos semestrais, os cursos de curta duração e a organização fundacional.




Durante os vinte anos de ditadura militar no Brasil, a matrícula no ensino superior de graduação cresceu 1.332,85 por cento. Esse crescimento contou com uma significativa participação do ensino privado que, em 1964 detinha o controle de 40,35 por cento do total das matrículas e no último ano da ditadura oferecia 59,92 das matrículas existentes. Todavia, o crescimento de vagas nas instituições públicas também foi da maior importância. Em 1964, existiam nas instituições públicas de ensino superior 59,65 por cento do total de matrículas. Em 1984, as vagas nas instituições públicas eram 40,18 por cento das matrículas. A oferta de vagas no setor público cresceu 895,56 por cento, enquanto essa ampliação nas instituições de ensino privado foi de 1.979 por cento. De todo modo, essa oferta contou com a participação do setor público através de programas de bolsas de estudo e de outros financiamentos, como o Programa de Crédito Educativo, possibilitando a presença de muitos trabalhadores e seus filhos como alunos das instituições de ensino superior. Outra característica dessa expansão do ensino superior privado foi a significativa oferta de cursos de graduação noturnos.
Para Dermeval Saviani,


um legado importante que nos foi deixado por esse período se refere à institucionalização e implantação dos Programas de Pós-Graduação, a partir do Parecer nº. 77, aprovado pelo Conselho Federal de Educação em 1969. Embora implantada segundo o espírito do projeto militar do “Brasil Grande” e da modernização integradora do país ao capitalismo de mercado associado-dependente, a pós-graduação se constituiu num espaço privilegiado para o incremento da produção científica e, no caso da educação, também para o desenvolvimento de uma tendência crítica que, embora não predominante, gerou estudos consistentes sobre cuja base foi possível formular a crítica e a denúncia sistemática da pedagogia dominante, alimentando um movimento de contra-ideologia (SAVIANI, 204).




Durante os vinte anos do regime militar a matrícula nessa modalidade de ensino cresceu 1.597,66 por cento. Os investimentos da ditadura militar na pós-graduação correram paralelamente ao que se investia em ciência e tecnologia. E neste particular, é muito importante a observação de Ana Maria Fernandes:


O ano de 1964 é tomado como um ponto crucial na análise porque, se o regime militar, como conseqüência de sua própria natureza, coagiu a comunidade científica, também apoiou financeiramente a ciência e a tecnologia como nunca antes no Brasil. Esse apoio financeiro pode-se explicar pelas políticas do regime autoritário brasileiro que se baseavam no planejamento, nos tecnocratas e numa economia fortemente estatizada. Tal como foi usualmente caracterizado, o Estado militar brasileiro baseava-se numa aliança entre a burguesia nacional e internacional, os militares como grupo dirigente, e os tecnocratas (FERNANDES, 1990: 20).


Os dados estatísticos aqui apresentados ganham maior relevo quando se considera que durante os vinte anos estudados, o crescimento da população brasileira foi de 56,80 por cento.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A HISTORIOGRAFIA E A POLÍTICA EDUCACIONAL DA DITADURA MILITAR III

A HISTORIOGRAFIA DOMINANTE


Parte significativa da historiografia que estudou a constituição e o desenvolvimento da política educacional da ditadura, o fez estabelecendo uma relação direta e automática entre o estado autoritário e a sua Doutrina de Segurança Nacional. Tais estudos revelam que a repressão atingiu escolas, professores e estudantes, proibindo quaisquer manifestações de caráter político.
Autores como Jane Soares de Almeida revelam que “a consciência cívica e patriótica seria estimulada junto à população e a escola seria uma das vias preferidas como espaço para se pregar o ufanismo nacional e o amor à Pátria” (ALMEIDA, 2004). A Lei n. 5692/71 fixaria um novo quadro normativo para o ensino de primeiro e segundo graus, obrigando a profissionalização em todos os cursos do segundo grau. Esse caráter era visto como uma ferramenta reforçadora da divisão da sociedade em classes, produzindo o fracasso dos objetivos proclamados pelo próprio dispositivo legal, que se propunha igualitário.
Fazendo a defesa da escolaridade obrigatória dos sete aos quatorze anos, a nova lei propôs a formação profissional dos professores que atuariam nas séries iniciais do primeiro grau através da Habilitação Específica de 2º grau para o Magistério, extinguindo assim o Curso Normal. Este dispositivo é visto como um dos instrumentos produtores daquilo que os críticos costumam chamar de desqualificação profissional do magistério:


No magistério se acentuou o processo de desvalorização profissional com o ingresso nas escolas da população de baixa renda. Nos cursos de formação de professores ingressam principalmente moças desejosas de uma alternativa a profissões ainda menos valorizadas, o que se concretiza com a abertura de cursos noturnos para as que já estão no mercado de trabalho (Idem).


Uma outra marca da política educacional implementada pelos governos da ditadura militar foi a da repressão ao movimento estudantil. Todo o período de vinte anos foi marcado por assassinatos e prisões de lideranças estudantis, pelo fechamento de entidades e pela invasão aos campi de diferentes instituições universitárias. Respaldado no poder dos atos institucionais, o Estado realizava prisões arbitrárias, torturava e assassinava. O controle sobre as práticas políticas no interior das instituições de ensino superior era feito através do Decreto Lei 477/69.
Foram muitos os consultores norte-americanos que se instalaram no Brasil sob a condição de agentes de desenvolvimento e modernização. Os que cuidavam da política educacional aportaram por aqui como técnicos encarregados da execução dos acordos MEC-USAID, orientando a reforma universitária (Lei 5.540/68) e a reforma do ensino de 1º e 2º graus (Lei 5692/71).
Após o golpe militar os generais que assumiram a Presidência da República editavam decretos regulamentando distintos aspectos do currículo, conferindo especial importância a disciplinas como Educação Moral e Cívica, Estudo de Problemas Brasileiros e Educação Física. Estabelecida como disciplina obrigatória desde a aprovação da lei 4024/61, a Educação Física foi regulamentada em março de 1966, através do Decreto nº 58.130.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A HISTORIOGRAFIA E A POLÍTICA EDUCACIONAL DA DITADURA MILITAR II

Todavia, há indícios reveladores de que, cada vez mais os brasileiros sentem haver chegado a hora de ajustar o descompasso entre memória e história no que concerne ao período de 1964 a 1984. Em algumas situações, dentre os que estão se debruçando sobre este passado, há partícipes ativos dele. Depoentes e produtores de uma dada memória que busca persuadir a todos quanto a justeza da sua versão e desqualificar a visão do oponente.
Este trabalho coloca em discussão o fato de que as análises da política educacional implementada no Brasil durante vinte anos, a partir de 1964, necessitam renunciar a um certo maniqueísmo que prioriza apenas as denúncias das mazelas e produz o esquecimento de alterações fundamentais no sentido da expansão e qualificação dos serviços oferecidos no ensino de primeiro e segundo graus e no ensino superior, sob padrões que até então o país desconhecia, legitimando os governantes ditatoriais junto a amplos setores da população brasileira.
Reconhecer os eventuais avanços da política educacional implementada naquele período, não implica negar o caráter ditatorial do governo que conduzia tal política. Na verdade, significa exercer com honestidade o ofício de historiador, extraindo dos documentos escritos e orais, bem como dos múltiplos indícios iconográficos, a necessária reflexão, colocando ao alcance dos mais jovens os escaninhos que a memória insiste em esquecer, muitas vezes fugindo de polêmicas presentes nas contraditórias versões.
Esta é uma necessidade que se impõe principalmente em relação aos trabalhos acadêmicos. Lucilia de Almeida Neves Delgado revela que mesmo a bibliografia decorrente da pesquisa acadêmica tem sido razoavelmente maniqueísta (DELGADO, 2004, 17). Alguns autores como Argelina Figueiredo e Jorge Ferreira, contudo, se distanciam dos demais pelo fato deles adotarem a premissa segundo a qual tanto os segmentos de esquerda, quanto os grupos conservadores e de direita seriam absolutamente descomprometidos com a democracia, uma vez que esta “não era prioritária nem na agenda da direita, nem na da esquerda” (Idem, 25).
É evidente que o período iniciado em 1964 representa a inauguração de uma ditadura cruenta. Contudo, isto não autoriza qualquer intérprete a negar as mudanças que ocorreram, promovendo transformações que não podem ser ocultadas pelas artimanhas da memória, que é sempre seletiva.