sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A HISTORIOGRAFIA E A POLÍTICA EDUCACIONAL DA DITADURA MILITAR V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Os derrotados de ontem, na luta aberta, podem ser os vitoriosos de amanhã, na memória coletiva” (REIS, 2004, 30). A historiografia sobre a última ditadura militar brasileira consagrou a imagem dos militares como “gorilas” à medida que estes perdiam popularidade e legitimidade. Todavia, é fundamental lembrar que a deposição do presidente João Goulart foi obra não apenas dos militares e do capital nacional e estrangeiro, mas também das multidões lideradas por executivos e parlamentares da UDN e do PSD acostumados à consagração através do voto popular e de multidões reunidas por setores conservadores da Igreja Católica em torno de movimentos como a “Marcha com Deus, pela família e pela liberdade”.
Amplos setores da população brasileira legitimaram o milagre brasileiro, gerador de contentamento e euforia, “potencializados pela conquista do tri-campeonato mundial de futebol e pela recuperação da auto-estima nacional” (Idem, 2004, 41-2), ao longo da década de 1970. Ao mesmo tempo que os brasileiros opositores da ditadura eram torturados nos quartéis e demais agências de segurança do Estado, a população do país vivia sob um contexto de grande mobilidade geográfica e social numa nação que parecia estável e próspera. Nesse contexto, a ditadura contava com índices de popularidade elevados e o general Emílio Garrastazu Médici era aplaudido pelo povo nos estádios de futebol, num momento em que o regime aglutinava as forças de direita e de centro que o sustentavam e legitimavam, em nome de uma eficiência e modernização que efetivamente existiam.
É difícil a qualquer sociedade, no momento em que está vivendo sob instituições e valores democráticos, compreender que apoiou a construção de uma ditadura que tinha na tortura uma de suas estratégias. Mas, que outro comprometimento teria produzido uma transição como a brasileira: lenta, gradual, segura e com anistia para todos? Por mais que desagrade a memória dos brasileiros, a ditadura foi uma obra coletiva, processada pela maioria da população. Foi um processo histórico, um processo social. Não foi inventada, não foi imposta. É necessário assumir tal compreensão, se a sociedade brasileira pretende evitar novos períodos como aquele.
A ditadura nasceu tentando apagar da memória o embate social do período que a antecedeu, massacrando parte dos grupos de esquerda que portavam a bandeira do poder e das reformas sociais e revolucionárias do período anterior. Do mesmo modo, quando saímos do período ditatorial, os novos vencedores produziram uma memória que transformou os militares em únicos responsáveis pelo arbítrio. Além destes, quase ninguém mais teria apoiado a ditadura, segundo os ditames das novas versões que foram fixadas pelos vencedores. “Muito poucos, raríssimos, nela se reconhecem ou com ela desejam ainda se identificar. Ao contrário, como se viu quase todos resistiram” (Idem, ibidem, 50).
Este processo, por contraditório que pareça, é tão ruim quanto a construção da memória sobre os seus oponentes, produzida pelos ditadores. Para os brasileiros a reconstrução da nação democrática tem significado estabelecer uma memória na qual todos aparecem reconciliados. Assim, os que estão assumindo o poder sob a nova ordem podem remeter os seus próprios embates às raízes de um passado glorioso de combate às nódoas da ditadura, pavimentando a sua condição de heróis. Os que construíram e defenderam a ditadura se diluem e ficam esquecidos. E para isto, é necessário produzir a história de um processo passado no qual tudo foi ruim, no qual só existiram misérias. Inclusive algumas conquistas da política educacional que resultaram de demandas do movimento popular.
A análise da política educacional sob a ditadura militar impõe a apropriação de informações e um domínio do fazer historiográfico que ultrapassa a simples manifestação de vontade subordinada ao conjunto de valores próprios à posição política de cada analista. Esse tipo de análise impõe disposição e capacidade de compreender que esta política foi uma das mais importantes estratégias de legitimação, dentre as várias utilizadas pelos governos ditatoriais, para convencer a população brasileira da importância e do compromisso do seu projeto para a sociedade. Mesmo quando isto desagrada e desautoriza o discurso fácil da história militante.


BIBLIOGRAFIA


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