sexta-feira, 13 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO III

De um modo geral, a pretensão era a do soerguimento moral dos menores. O que se pretendia era a utilização do trabalho para apresentar às crianças os princípios educativos, os instrumentos de socialização e a obtenção da formação moral. Todavia, o patronato,como já evidenciado, era uma instituição de atendimento à infância e não de ensino técnico profissional. Apesar disto, o Regulamento do Patronato Agrícola São Maurício admitia uma possibilidade de premiar os alunos que mais se destacassem com bolsas de estudos que permitissem o prosseguimento da formação: “Ao educando que durante o ano se distinguir de modo notável, poderá o Governo promover a continuação dos seus estudos agrícolas em qualquer estabelecimento de ensino médio ou superior do país” .
Ao longo da história da instituição, no entanto, não é possível afirmar que isto haja ocorrido, ao menos nos períodos em que ela funcionou como patronato e aprendizado. Era mais freqüente que, após a conclusão dos seus estudos primários, os alunos fossem encaminhados a outras instituições assemelhadas, destinadas ao preparo profissional, principalmente as organizações militares. Um bom exemplo, é o encaminhamento feito ao Capitão dos Portos do Estado de Sergipe, em fevereiro de 1940, pelo professor José Augusto de Lima, diretor do Aprendizado Agrícola Benjamin Constant:


Apresentando-vos o menor José Pedro Cavalcanti, aluno que concluiu o curso do 4. ano primário elementar desta Instituição, rogo-vos a fineza de o instruirdes a respeito das inscrições á matrícula nas Escolas de Aprendizes Marinheiros Nacionais, quanto a sua época, localidade, matérias necessárias aos respectivos exames e outros quaisquer requisitos indispensáveis á sua pretensão .


Solicitar vagas na Marinha para os alunos que concluíam o ensino primário nas instituições de ensino agrícola era prática que persistia desde a época dos Patronatos e que fora veementemente condenada por Juarez Távora, em 1934, quando este exercia o cargo de ministro da agricultura: “A prova mais evidente de que os patronatos agrícolas não correspondem à finalidade deste Ministério está nos reiterados pedidos que anualmente se faziam aos Ministérios da Guerra e da Marinha, para a colocação da maior parte dos alunos que ali concluíam seu curso” .
Em 1931, quando o Patronato de Menores Francisco Sá passou a chamar-se Patronato de Menores Cyro de Azevedo , já havia, no Ministério da Agricultura, um forte debate acerca do caráter de atendimento à infância que possuíam os patronatos brasileiros. Na prática, isto representava o início da implantação do processo de transformação dos patronatos de instituições de atendimento à infância em escolas de ensino técnico profissionalizante.
No debate acerca do ensino agrícola, portanto, a posição dos patronatos se situava na periferia confirmando não serem eles instituições de formação técnica e sim organizações voltadas para atender a infância pobre, os que vagavam pelas ruas das cidades, de modo a preparar trabalhadores rurais que conhecessem minimamente as suas atividades. Era isto que se buscava através da instrução elementar agrícola. Uma forma de instrução que não se punha sequer no contexto das discussões acerca da difusão do ensino primário obrigatório que marcou a vida brasileira durante as primeiras décadas do século XX, não obstante a forte influência que o seu discurso pedagógico, embalado sob o rótulo da educação técnica profissionalizante, recebera do método intuitivo, das lições de coisas. Os patronatos procuraram fazer com que os que ali se internavam aprendessem através da imitação, vendo e fazendo. A prática do método intuitivo ou “lições de coisas”, tinha sido prevista ainda no século XIX pela legislação escolar do Império e continuava a gozar de muito prestígio durante as primeiras décadas do século XX.
O curso do Patronato Agrícola São Maurício era de quatro anos, dos quais o último exclusivamente destinado ao estágio . O ensino estava voltado às práticas agrícolas. Os conteúdos deste ensino profissional compreendiam cultura de cereais e de plantas industriais; fertilizantes e seleção de sementes; preparação da terra; plantio, irrigação e colheita; jardinicultura, horticultura e pomicultura; pastos naturais e seu melhor aproveitamento pelas espécies pecuárias; prados artificiais; higiene, criação e alimentação dos animais domésticos; montagem, funcionamento, governo e conservação de máquinas agrícolas; conhecimento e uso de ferramentas, instrumentos e utensílios. Por ser o centro das atividades do Patronato, o ensino profissional era essencialmente prático, não podendo nunca as demais espécies de ensino e exercícios ocupar mais de um terço do tempo útil de cada dia de trabalho .
Estas práticas geravam produtos que eram comercializados. Dos resultados financeiros que se obtinha com a venda, cinqüenta por cento ficavam como renda do Patronato, trinta por cento serviam para formar um pecúlio em nome do interno , quinze por cento constituíam um fundo patrimonial e cinco por cento eram correspondentes a uma renda mensal à qual o aluno fazia jus.
Além desta formação agrícola, que era a principal, os internos recebiam também o ensino primário. Os cursos primário e profissional, com duração de três anos, ofereciam as seguintes disciplinas: Noções elementares de Agrologia; Lavras; Noções da vida vegetal; Estudo da semente; Alimentação da planta, os adubos; Moléstias das plantas, remédios; Culturas (solo, adubo, sementes, colheita e conservação dos produtos); Prática de enxertia, poda, adubação; Noções elementares de anatomia animal; Alimentação dos animais domésticos; Higiene; Estudo das diferentes indústrias animais; Melhoramento dos animais e sua exploração; Moléstias contagiosas e meios mais comuns de combatê-las; Ferraduras e arte veterinária; Prática de sangria, preparo de rações, penso dos animais, equitação, etc; Noções elementares de mecânica agrícola; Descrição sumária dos principais materiais que entram na construção das máquinas; Combustíveis e lubrificantes; Conhecimento prático das máquinas de cultura (arados, grades, rolos, capinadeira, destorroadores, ceifadeiras etc.); Noções sobre aparelhos de leiteria e fecularia, etc; Noções sobre os motores inanimados, locomoveis, tratores e motores diversos; Noções sumárias sobre os motores animados; Prática de lavras, capinações, montagem e desmontagem de máquinas agrícolas; Noções sumárias sobre os principais materiais de construção, trabalhos de pedra, argamassa e olaria; Construções rurais, casa de sapé e de pau a pique, abertura de canais, valas, etc; Noções sumárias sobre agrimensura; Contabilidade agrícola, livros que o agricultor ou criador deve ter de preferência; Noções sobre os diversos processos de embalagem de frutas .
Em 1927, a formação profissional dos menores acontecia nas oficinas de sapataria e marcenaria. Eram ministradas aulas práticas de corte, solamento e apalazamento . Nesse processo de formação também eram importantes os trabalhos da marcenaria. As aulas práticas estavam voltadas para o de aparelhamento de tábuas com emprego de plaina e serra de volta, torno, cantil e formão . Já a formação agrícola incluiu aulas práticas de humos, sílica, argila, calcário, solo, sub-solo, horticultura e jardinicultura .

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