DEPOIS DO APRENDIZADO
Os registros do Aprendizado Agrícola Benjamin Constant referentes ao ano de 1939 revelam que no encerramento daquele ano letivo eram oferecidos o ensino primário elementar e práticas de agricultura e de oficinas de madeira, ferro e couro a cem alunos . Essa formação compreendia um curso de quatro anos assim organizado: série elementar, série média, primeira série superior e segunda série superior. A série elementar era freqüentada pelo maior contingente de estudantes . Revelando uma seletividade expressiva, do total de estudantes, apenas seis cursavam a segunda série superior, a última do ensino primário do Aprendizado.
As atividades de prática agrícola estavam concentradas, naquele momento na aprendizagem dos tratos com a pecuária leiteira. A produção dos alunos era consumida na própria escola. Contudo, havia um excedente de cerca de cem litros de leite, a cada mês, que eram comercializados . Além da pecuária, as práticas agrícolas estavam sendo ensinadas, principalmente através do cultivo de coco, palmeiras imperiais, fumo e trigo. A estas eram somadas as práticas de avicultura. Todas as práticas eram oferecidas no campo e em laboratórios mantidos pela instituição.
O Aprendizado Agrícola Benjamin Constant tinha um projeto pedagógico que valorizava sobremodo a formação cívica. Um ato do Ministério da Agricultura determinou a organização, em cada estabelecimento de ensino profissional agrícola, de um centro cívico, filiado à Juventude Brasileira . Assim, as atividades relativas à Juventude Brasileira deveriam ser executadas dentro do período regular dos trabalhos escolares. O projeto de modernização do ensino agrícola executado durante a Era Vargas, contudo, introduziu práticas que foram vistas, à época, como inovadoras na área. A instituição da Orientação educacional nos Aprendizados buscava “mediante a aplicação de processos pedagógicos adequados, e em face da individualidade de cada aluno e de seus problemas, não a necessária adaptação e encaminhamento, mas ainda a elevação das qualidades morais” . Para o cumprimento desses objetivos, a orientação educacional deveria dotar o ambiente escolar de cooperativas, revistas e jornais, clubes ou grêmios que pudessem aperfeiçoar o convívio social entre os estudantes e destes com os professores, refinando as práticas de sociabilidade.
Uma portaria ministerial do ano de 1943 reformulou o currículo dos aprendizados agrícolas de todo o país . O Aprendizado Agrícola Benjamin Constant passou, então a oferecer três tipos de cursos: o Ensino Agrícola Básico, o Ensino Rural e os Cursos de Adaptação. Tal Portaria buscava adaptar os aprendizados agrícolas de todo o país às determinações de um decreto-lei federal que criou os Núcleos de Agricultura, e Zootecnia, com o objetivo de “promover o ensino técnico” .
O Ensino Agrícola Básico era ministrado em três anos e aqueles que o concluíam recebiam o diploma de Capataz rural. No primeiro ano os alunos assistiam aulas teóricas de Português, Matemática, Geografia e História do Brasil, Desenho, Noções de Agricultura Geral e máquinas agrícolas. As aulas práticas eram de Olericultura, Jardinocultura, Fruticultura, Silvicultura e Trabalho nas oficinas. As disciplinas teóricas do segundo ano eram Português, Matemáticas, Ciências físicas e naturais, Desenho, Culturas regionais e Criação de animais domésticos. No rol das aulas práticas constavam Avicultura, Apicultura, Sericicultura, Psicultura e Trabalhos nas oficinas. Já no terceiro ano eram ministradas aulas teóricas de Português, Matemática, Pequenas indústrias agrícolas, Economia rural e administração, Educação sanitária e Desenho. Neste, que era o último ano do curso, os alunos escolhiam, dentre cinco, uma especialidade da sua preferência, na qual recebiam as aulas práticas: Horticultura, Culturas regionais, Produção animal, Máquinas agrícolas e Indústrias agrícolas.
Já o curso de Ensino Rural do Aprendizado Agrícola Benjamin Constant tinha a duração de dois anos e oferecia um certificado de Trabalhador rural. Durante os dois anos, os alunos assistiam aulas de Português e Aritmética. No primeiro ano, além destas, eram dadas também aulas de Noções de Geografia e Corografia do Brasil, História Pátria, Desenho à mão livre, Noções elementares de Agricultura e Máquinas agrícolas. A grade curricular do segundo ano completava o quadro teórico com a oferta de disciplinas como Noções de Ciências físicas e naturais, Desenho linear e Noções de criação de animais domésticos Durante os dois anos, as práticas incluíam Trabalho nas oficinas. No primeiro ano de práticas eram oferecidas aulas de Olericultura, Fruticultura e Jardinocultura, enquanto no segundo ano os alunos praticavam Avicultura, Apicultura, Sericicultura e Piscicultura.
Por último, o Curso de Adaptação buscava dar ao trabalhador, jovem ou adulto, não habilitado ou diplomado, uma qualificação profissional, um certificado de habilitação profissional. Era uma espécie de curso livre, organizado em épocas determinadas sobre temas específicos: Avicultura, Apicultura, Sericicultura, Máquinas agrícolas, Defesa agrícola, Tratamento e alimentação dos animais domésticos, Indústrias agrícolas, Combate às pragas e moléstias das plantas cultivadas e outros.
Encerrado o período do Estado Novo, o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra conseguiu aprovar a Lei Orgânica do Ensino Agrícola. A proposta fora apresentada ainda durante a gestão do presidente Getúlio Vargas, no período em que o Ministério da Agricultura estava sob a administração de Apolônio Sales. Com a nova lei o ensino agrícola foi reorganizado e incorporou novos métodos, transformando-se em um ramo que oferecia até o ensino médio, destinado à preparação profissional dos trabalhadores da agricultura. Da mesma maneira que os demais ramos do ensino médio compreendia dois ciclos: o primeiro tinha a duração de quatro anos, enquanto o segundo ciclo tinha a duração de três anos. No primeiro ciclo era oferecido o curso de Iniciação Agrícola, durante dois anos, período no qual o currículo privilegiava a preparação do operário agrícola qualificado. Nos dois anos seguintes do primeiro ciclo era realizada a formação em Mestria Agrícola, preparando para o exercício do trabalho de Mestre Agrícola. No segundo ciclo, ou colegial, de três anos, eram oferecidos os cursos agrícolas técnicos e pedagógicos. Durante os três anos dos cursos agrícolas técnicos era oferecida formação agrícola em sete áreas: Agricultura, Horticultura, Zootecnia, Práticas Veterinárias, Indústrias Agrícolas, Laticínios e Mecânica Agrícola. Os cursos agrícolas pedagógicos eram destinados à formação de docentes e pessoal administrativo para o ensino agrícola. Durante dois anos era feita a formação necessária ao magistério de economia rural doméstica e durante um ano, o aluno era preparado para a administração do ensino agrícola .
No final da década de 1950, a Escola Agrotécnica Benjamin Constant oferecia dois cursos: o de Técnico Agrícola e o de Economia Doméstica. O curso de Técnico Agrícola estava mais articulado às práticas tradicionalmente desenvolvidas na Escola. O curso de Economia Doméstica era ainda uma novidade no trabalho da instituição. Os cursos da Escola ganharam uma valorização importante a partir do ano de 1957, quando a Escola Agrícola Benjamin Constant foi transformada em Escola Agrotécnica Benjamin Constant. Essa mudança de denominação significava que partir daquele ano começou a ser ministrado o ensino secundário agrícola, em três anos. O curso agrotécnico correspondia então aos cursos clássico e científico e conferia aos concludentes o diploma de técnico agrícola que possibilitava a inscrição dos seus portadores nos exames vestibulares para as escolas superiores do país .
Os anos do final da década de 1950 e início da década seguinte representam um período de grandes transformações em vários países, no sentido da valorização do ensino secundário agrícola. Nos Estados Unidos da América, a modalidade foi estimulada após a vigência da lei de estímulo à educação vocacional aprovada em 1963 . No Brasil, esses padrões estavam associados à perspectiva nacional-desenvolvimentista. Para esta corrente de pensamento, a educação escolar seria a principal ferramenta indutora das políticas de desenvolvimento econômico.
Não obstante as atividades produtivas terem sido sempre uma tônica das práticas educativas da Escola, são freqüentes os registros que dão conta da insubordinação dos alunos em resistência a este tipo de atividade . Mesmo assim, as atividades do curso agrotécnico possibilitaram um aumento na produção das culturas plantadas na Escola. No primeiro ano de funcionamento do curso foram plantados 20 hectares de mandioca, 25 de arroz, 20 de capim guatemala, 30 de capim sempre verde e gordura, oito mil covas de inhame, um hectare de café sombreado, mil covas de bananeira. Além disso, foram feitos três mil enxertos de citrus e mangueiras e plantadas mudas de canafístula, oitizeiro, cróton, flamboyant, fícus-benjamin e sebes de eucalipto. As atividades de horticultura incluíram o cultivo de 15.600 metros quadrados, com o emprego intensivo de máquinas agrícolas . Ademais, foi significativa também a produção de abóbora, acelga, alface, berinjela, aipim, cebola, cebolinha, cenoura, chicória, coco, coentro, couve, ervilha, hortelã, macaxeira, maxixe, mostarda, pepino, pimenta, pimentão, quiabo, rabanete, repolho e tomate . No que diz respeito à produção de carne, os resultados também foram significativos: 5.007 quilos de carne bovina, 600 quilos de carne suína e 181 quilos de carne ovina . As atividades agroindustriais resultaram ainda na produção de 13.850 quilos de arroz beneficiado, 2.856 quilos de farinha de mandioca, 540 quilos de farelo de arroz, 635 de fubá de milho e 328 de fubá de arroz .
Um outro avanço do ponto de vista das atividades da Escola, observado após a sua transformação em Escola Agrotécnica Benjamin Constant foi o fato de se haver acelerado o processo de implantação do Núcleo de Indústrias Rurais, a partir do ano de 1958, superando entraves orçamentários que até então estavam impedindo tal implantação. Um bom exemplo é o da fábrica-escola de laticínios, cujos equipamentos se encontravam na instituição desde o ano de 1954, mas que não entravam em funcionamento por falta de recursos financeiros para investir nas necessárias obras de engenharia civil requisitadas para a construção do edifício e instalação da infra-estrutura , o que somente ocorreu no ano de 1958.
Ao definir, na década de 1950, o homem que imaginava devesse ser aquele formado pela escola que dirigia, o professor João Fernandes de Sousa revelou os fundamentos filosóficos do seu projeto pedagógico:
Seria, sem dúvida, o ideal conseguirmos “The right man in the right place”, porém a nossa é feita em bases bem diversas. Diz a pedagogia moderna que necessitamos do homo-utilissimus, a sociedade não precisa do homo sapiens nem do homo faber. Êstes princípios estão contidos na expressão ´men sana in corpore sano´. Pouco útil, ou talvez nocivo a uma sociedade que possui um homem de um Q.I. elevado, mas cheio de complexos consigo mesmo ou com a própria comunidade que, por fôrça, o agasalha .
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