domingo, 29 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO VI

DEPOIS DO COLÉGIO AGRÍCOLA


O período da ditadura militar que se iniciou em 1964 deu muita visibilidade ao trabalho da Escola que, em face de duas reformas do ensino , recebera a denominação de Colégio Agrícola Benjamin Constant, em 1964, e passou a chamar-se Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, em 1979. Em maio de 1965, foi encaminhado ao Conselho Federal de Educação - CFE um projeto destinado a adaptar o ensino agrícola à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A proposta era de que as disciplinas específicas do ensino agrícola, constitutivas da parte diversificada do currículo, fossem escolhidas pela própria escola e submetidas à aprovação da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário.
Na década de 1970, em pleno auge da ditadura militar iniciada em 1964, o Banco Mundial fez um financiamento para o ensino agrícola no Brasil com o objetivo de reorganizar sete escolas: uma no Rio Grande do Sul; uma em Jundiaí, no Estado de São Paulo; uma em Brasília; uma no Rio de Janeiro; uma em Pernambuco; uma em Belém, no Estado do Pará; e, uma em Sergipe.
O projeto de reforma administrativa e acadêmica que se implementara no Colégio foi inspirado em idêntico trabalho que se realizava na escola agrícola de Jundiaí, no Estado de São Paulo, também sob os auspícios do Banco Mundial. Ali, o professor Laonte Gama da Silva permaneceu durante 45 dias, acompanhado da sua mulher e também professora do Colégio Agrícola Benjamin Constant, Gilda Vasconcelos Gama da Silva . Foi a partir da experiência de Jundiaí que se implementou em Sergipe o Sistema Escola-Fazenda . O Sistema Escola-Fazenda originou-se no país no Colégio Agrícola Estadual de Presidente Prudente, no ano de 1961, no Estado de São Paulo. Em 1967, houve uma expansão deste sistema na rede de escolas agrícolas federais. Foi o sucesso da experiência de São Paulo que levou o Banco Mundial a apoiar a implantação do Sistema Escola-Fazenda nas oito escolas agrícolas incluídas no Empréstimo 755-BR .
A escola-fazenda incorporava a filosofia do aprender a fazer fazendo. Mas, aprender a fazer fazendo implicava em produção. “Ninguém iria ensinar um método que não era utilizado” . O projeto articulava as atividades do ensino com as de produção agrícola, com a participação de docentes e estudantes. Nessas práticas, era ensinado o processo produtivo propriamente dito e também as técnicas de gerenciamento. Visando conciliar o trinômio educação-trabalho-produção, este tipo de escola deve viver em função de seu solo, clima, cultura, criações e produtividade agropecuária. Os estudantes aprendiam a apropriar todos os custos de produção. De acordo com o sistema, todas as tarefas, desde a plantação até a comercialização eram feitas pelos próprios alunos que assim eram preparados para administrar uma propriedade agrícola.
Após a entrada em vigor da lei 5.692/71, o Sistema Escola-Fazenda foi encarado como uma ferramenta capaz de por em prática os princípios da nova legislação, no que diz respeito a “preparação do profissional qualificado para o setor primário da economia” .
O currículo dos cursos oferecidos pelo Colégio foi totalmente reorganizado, adequando-se à filosofia do Sistema Escola-Fazenda. Os alunos do curso de técnico agrícola, na primeira série, se dedicavam ao estudo dos animais domésticos de pequeno porte. Também estudavam as lavouras de milho, feijão e arroz; na segunda série aprendiam sobre os animais de médio porte. No que diz respeito ao cultivo os estudantes se debruçavam sobre as culturas de mandioca e cana-de-açúcar; e, na terceira série a preocupação era com os grandes animais, além de se retomar o estudo sobre as culturas específicas já vistas nas séries anteriores e se intentar compreender o manejo de distintos produtos agricultáveis. A mudança fez com que o currículo passasse a oferecer “mais que 40% (ao invés de aproximadamente 20%) de trabalho prático” .
O Sistema Escola-Fazenda era composto por quatro distintas áreas de atividade: Área de Cultura Geral e Tecnológica; Área de Atividades de Laboratório e Prática de Produção – LPP; Área de Atividades em Programa Agrícola Orientado – PAO; e, Área da Cooperativa Escolar. A área de Cultura Geral e Tecnológica era destinada ao desenvolvimento das atividades de aprendizagem teórico-prática em sala de aula. Visava “levar o aluno à aquisição de conhecimentos e ao desenvolvimento de hábitos e atitudes necessárias à vida profissional e à participação na comunidade” . A área de atividades em Laboratório de Prática e Produção – LPP era destinada a demonstrações práticas pelos professores e experimentação pelos alunos. Visava “criar condições ideais ao cumprimento da finalidade educativa da escola, utilizando as mais variadas técnicas de exploração agropecuária” . A área era representada pelo conjunto de Projetos elaborados pelos professores das disciplinas técnicas a fim de sedimentar o conhecimento adquirido em sala de aula.


A extensão dos Projetos em LPP é planejada tendo em vista a disponibilidade diária de mão-de-obra, o custo da produção, as necessidades da Escola, o mercado consumidor e os recursos financeiros disponíveis. A predeterminação da produção se justifica pelo fato de contar esta área de atividades, , exclusivamente, com a mão-de-obra-aluno, e ser a produção obtida destinada a dois fins: uma parte ao consumo da Escola e a outra comercializada para garantir a continuidade dos Projetos .


Estas condições impunham ao professor e ao aluno a necessidade de, no planejamento, procederem a um estudo minucioso do mercado local, observando a aceitação dos produtos. Dado o seu sentido utilitário, os empreendimentos em LPP, além de educativos, eram economicamente rentáveis, o que permitia aos alunos o estímulo dos créditos à execução de novos Projetos.
Por sua vez, a área de Atividades em Programa Agrícola Orientado – PAO era caracterizada por conjuntos de projetos agropecuários que permitiam um número variado de práticas. Sua finalidade principal era desenvolver habilidades e destreza até um nível ótimo de eficiência, iniciativa, capacidade administrativa e cooperação entre os alunos. Os projetos eram “de inteira responsabilidade e iniciativa dos grupos de alunos que recebem orientação e supervisão dos professores das disciplinas às quais os Projetos estão referidos” . Para desenvolvimento desses Projetos, a Escola reservava áreas específicas e adequadas denominadas “Áreas do PAO”. Dessas áreas, cada grupo escolhia


a gleba conveniente com a aprovação do professor-orientador e a [utilizava] durante o período correspondente ao ciclo da cultura ou criação ao qual o Projeto se [referia], gratuitamente ou mediante pagamento de uma taxa de aluguel. No caso de Projetos que [exigiam] construções e instalações específicas, o grupo [podia] executa-las com recursos próprios, da Escola ou por intermédio da Cooperativa .


Para a execução dos projetos do PAO poderiam também ser utilizadas as instalações já existentes, quando disponíveis, desde que o grupo repusesse, em espécie, a desvalorização e o uso pelo tempo em que as ocupava.
A distribuição dos alunos no Sistema Escola-Fazenda leva o Colégio Agrícola Benjamin Constant a dividir os alunos em grupos de 40 para as aulas teóricas, enquanto as aulas de laboratório eram dadas para grupos de 20 alunos. Para o trabalho de campo os grupos eram menores – geralmente 10 alunos.
A área da Cooperativa Escolar era o componente-chave do Sistema Escola-Fazenda, que permitia o seu pleno funcionamento em direção aos seus objetivos.
No ano de 1985, o projeto Escola-Fazenda foi alterado, substituindo-se o Laboratório de Prática e Produção - LPP pelas Unidades Educativas de Produção – UEPs. Os demais componentes do Sistema - a Sala de Aula e a Cooperativa - permanecem até os dias atuais. Os bens produzidos em cada UEP são encaminhados à Cooperativa-escola e destinados ao refeitório da Escola, para sua própria subsistência. O eventual excedente serve à comercialização. “A renda proveniente desta comercialização é aplicada na aquisição de insumos para a continuidade dos projetos” .
A reforma do Colégio Agrícola Benjamin Constant esteve articulada com o conjunto de circunstâncias próprias à reforma do ensino proposta pela lei 5.692/71. À medida que expandia seus serviços, a escola estabeleceu um convênio com a Secretaria da Educação do Estado de Sergipe objetivando a oferta de cursos em regime de intercomplementaridade. O envolvimento do Colégio Agrícola Benjamin Constant foi tão intenso que o diretor Laonte Gama da Silva participou diretamente, em São Paulo, da equipe que coordenou os trabalhos de elaboração do catálogo de habilitações básicas referentes ao setor primário previstas no escopo da nova lei. Foi nesse contexto que o Colégio Agrícola decidiu abrir o curso de Técnico em Laticínios. Além dos cursos regulares, o projeto da escola oferecia cursos especiais para a comunidade envolvida com a produção agrícola em Sergipe: Inseminação artificial e Tratorista.
Para a pesquisadora Maria da Glória de Rosa, a reforma do ensino vivida pelo Brasil a partir da vigência da lei 5.692/71 representou a adoção no país, “pós um atraso de 20 anos, [d]a filosofia global da escola voltada para o trabalho – recomendada em suas linhas gerais a todos os povos do mundo no histórico documento ‘Education in Technological Society’, dos 21 sábios e educadores que a UNESCO reuniu em junho de 1950, na França, e entre os quais se encontrava o educador brasileiro Lourenço Filho” .
Com a nova lei, o ensino agrícola foi formalmente extinto, uma vez que foram criadas as habilitações profissionais oferecidas pelo ensino de segundo grau e definidas por uma base de formação comum e uma parte especial diversificada para cada profissão. O espírito da reforma, segundo o secretário da educação do Estado de São Paulo, José Bonifácio Coutinho Nogueira, fora “a instituição da profissionalização universal” . O Parecer 3474/75, do Conselho Federal de Educação, revela bem o caráter das mudanças em relação ao ensino agrícola:


Sendo a agricultura uma atividade fundamental para o processo nacional de desenvolvimento, há que difundir o seu estudo de forma mais eficiente, do que aquela que tradicionalmente vinha sendo feita pelas chamadas escolas agrícolas, as quais, pelo distanciamento em que funcionavam, geralmente segregadas da comunidade, e pelo tipo de clientela que recolhiam, o que não raro as tornavam fronteiriças de entidades assistenciais, pouco contribuíram para justificar as largas expectativas que cercaram a sua criação. Conhecimentos agropecuários podem ser ministrados em qualquer tipo de escola de 2o. grau e a qualquer aluno que por eles se interessem, sem que necessariamente a escola se localize em zona rural ou o aluno provenha de famílias ligadas a atividades do setor primário. (...) não se trata de formar técnicos agrícolas ou zootécnicos, até porque não existe para esse tipo de profissional, um mercado de trabalho que apresente variadas e numerosas oportunidades de emprego .


O plano elaborado pelo Ministério da Educação e Cultura para o período de 1975 a 1979 previa a expansão e melhoria da rede de ensino de primeiro e segundo graus. O MEC obteve recursos junto ao Banco Mundial para a reforma do ensino agrícola e o Colégio Agrícola Benjamin recebeu fortes investimentos. A Escola dominou a tecnologia da inseminação artificial e projetava já organizar os laboratórios que permitissem fazer transplante de embrião. O Colégio Agrícola Benjamin Constant passou a produzir pintos de um dia que abasteciam as necessidades do Colégio Agrícola de Catu, no Estado da Bahia, e do Colégio Agrícola do Estado de Alagoas. Isto era possível porque, com os recursos do Banco Mundial, foi instalado um incubatório destinado a essa produção . A partir do ano de 1968 a avicultura se transformara em uma das mais importantes dentre as atividades do Colégio. O aviário obteve êxito também do ponto de vista comercial e a instituição recebeu muitos técnicos especializados que ofereciam cursos para treinar professores e estudantes. Nessas ocasiões, o Colégio convidava outras pessoas interessadas na atividade para que participassem das palestras .

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