domingo, 8 de novembro de 2009

EDUCAÇÃO E TRABALHO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO II

EDUCAÇÃO E TRABALHO NO PATRONATO SÃO MAURÍCIO


Até a década de 1980, no hall de entrada do edifício principal da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, estava estampada a seguinte frase: “Aqui aprendemos para fazer e fazemos para aprender” . A frase é síntese do espírito que presidiu as atividades formativas da instituição desde que o Patronato São Maurício foi fundado em 1924. Organizando a assistência do poder público aos enjeitados e preparando novos trabalhadores, o Patronato foi criado com o propósito contribuir para a fixação dos seus alunos ao campo. Esse processo de regeneração através da aprendizagem do trabalho incluía o fornecimento de utensílios ali produzidos a algumas instituições da vida sergipana: “todas essas oficinas estão em atividade, ressaltando o fato de, desde julho último, ter começado, nas de sapataria, o fabrico do calçado necessário às praças do Batalhão Militar do Estado” . A maior parte do tempo durante o qual os alunos permaneciam no patronato era, portanto, ocupada pelo ensino de artes ou ofícios.

As atividades produtivas implementadas para dar suporte ao ensino profissional tinha[m], entre suas atribuições, a de concorrer para a manutenção dos serviços oferecidos aos alunos e funcionários; este era o destino de determinada parcela do que era produzido na instituição; outra, era comercializada .


Da mesma maneira que o governo federal, o governante sergipano pretendia que o patronato tivesse uma produção capaz de contribuir para com a sua própria manutenção.
O período que vai de 1918 a 1934 foi a época durante a qual o governo brasileiro enfatizou a sua política de difusão dos patronatos agrícolas. Esse tipo de instituição era voltado à formação técnica de trabalhadores e levava em consideração os fundamentos científicos necessários à racionalização da atividade agrícola. Além do mais, foi um processo eficaz de intervenção na vida social, ajudando o Estado a organizar os pobres, numa tentativa de impor padrões mais modernos, tanto no espaço urbano como no meio rural. Esse ruralismo pedagógico, que foi muito forte no cenário educacional brasileiro da década de 1920, teve como arautos alguns “pensadores sociais do começo do século, como Sílvio Romero e Alberto Torres” . Estes intelectuais pretendiam transformar o ensino primário em instrumento de fixação do homem ao campo, amortizando os impactos causados pelo movimento migratório, numa cruzada de “valorização do país agrícola, através da regionalização da escola e do ideário ruralista nas instituições escolaes” .
Assim, o governo demonstrava sua preocupação não apenas com a vida na cidade, mas, também, afirmava a necessidade de cuidar do produtor de alimentos, concorrendo “para minorar os problemas decorrentes da falta de preparação daqueles que trabalhavam e diretamente lidavam com a agropecuária” . Isto representava um esforço governamental no sentido de fazer, outra vez, crescer a população rural e reduzir a migração em busca do espaço urbano – discussão fundamental à época.


A migração era tomada como um dos problemas que perspassava as áreas rurais: a busca de oportunidades educacionais e de preparação profissional, entre outras, estimulava o deslocamento de populações em direção aos centros urbanos. O ensino profissional agrícola era pensado enquanto meio possível de estimular o aumento da população rural ao fixá-la .


Dentre outras necessidades, os patronatos também apareciam como ação governamental que fazia intervenção sobre o momentoso problema da instrução popular, visto como responsável por aquilo que se costumava denominar de atraso intelectual e material do Brasil. Aos baixos indicadores de oferta do ensino público, à época, se imputava não apenas o encargo do analfabetismo, mas também “a indigência e a vagabundagem” . Deste modo, os patronatos agrícolas ofereceriam a cultura moral à infância ensinando, além disto, a ler, compreender e raciocinar. Todavia, os patronatos não eram, sob a ótica do projeto posto pelo governo, instituições de produção e difusão de conhecimento científico, de conhecimento técnico acadêmico. Mesmo porque, no encerramento do Congresso Nacional de Agricultura realizado em 1901, os seus participantes deixaram isto muito claro: “O Congresso Nacional de Agricultura condena a repetição de tentativas que dêem ao ensino agrícola a feição especulativa acadêmica dos primeiros institutos” .
O Patronato, desde o início das suas atividades foi destinado a receber alunos oriundos do meio rural, os filhos de famílias pobres, meninos de rua e também aqueles que não conseguiam se ajustar socialmente, num momento em que “a legislação já prescrevia a separação entre menores e adultos no tratamento dispensado pelos agentes encarregados da ordem e repressão” . Como aconteceu, em todo o país, com o projeto dos patronatos do governo federal, o Patronato São Maurício também serviria para


intervir sobre um problema específico dos centros urbanos, qual seja o da infância abandonada e daquela que tinha dificuldade de ser mantida por seu grupo familiar; para eles seria encaminhada parte da infância que estava pelas ruas, os órfãos, os que eram tomados pelas forças de segurança e aqueles que seus responsáveis declaravam sem recursos para mantê-los ou por serem de difícil controle. Os problemas urbanos eram pensados tomando por base o campo, concebido como uma de suas origens. O que era proposto era o retorno para o campo daqueles que eram problemas nas cidades .


O ensino agrícola que fora proposto pelo discurso republicano buscava delimitar a sua diferenciação quanto ao ensino agrícola proposto no período monárquico afirmando ser este último correspondente a um saber especulativo e de caráter acadêmico próprio à formação das elites. Assim, os republicanos buscaram afirmar-se como portadores de um projeto de ensino aplicado e de natureza técnica. Este, de resto, era o discurso que os intelectuais da educação, e não apenas aqueles dedicados a pensar o ensino agrícola faziam, estabelecendo uma contraposição Império X República. Um discurso que se tornou quase consensual juntamente com a certeza de que todo ambiente dos anos oitocentos na sociedade brasileira teria sido dominado exclusivamente pelo bacharelismo. É necessário admitir a possibilidade de questionamento dessa tese e tentar compreender que as chamadas idéias científicas daquele período não passavam ao largo da sociedade brasileira, como a historiografia costuma apontar . Ao dar ênfase no discurso a respeito do ensino técnico agrícola no início do século XX, afirmando que o ensino acadêmico era próprio da formação da elite, os republicanos ocultaram um fato importante: em verdade, os filhos da elite dirigente continuaram a receber ensino técnico, tal como ocorria antes em algumas instituições de ensino superior do Império. Os dirigentes do setor agrícola eram formados nas faculdades que desde a segunda metade do século XIX foram criadas com tal objetivo.


A implementação desse ensino ficaria a cargo de instituições educacionais, articuladas a outras, voltadas para a produção de conhecimento. A sistematização dos experimentos e sua difusão seriam subsídios para a conformação de uma agricultura que fugiria ao modelo tido como um dos responsáveis pela situação de atraso atribuída ao campo .
Todavia, ao definirem a instrução agrícola, de caráter primário, como sendo destinada à formação dos trabalhadores agrícolas, os intelectuais republicanos estabeleceram que esta tomaria as instituições de assistência como o modelo adequado à sua implementação. Estavam, deste modo, concretizando um dos pontos centrais em torno do qual girava a prévia definição de que “foi em torno a quatro temas ou expedientes regeneradores, que se definiram as grandes linhas de intervenção propostas no debate ruralista como capazes de superá-los: o do povoamento/colonização; educação; modernização/racionalização produtiva e crédito/cooperativismo” .
O caráter técnico do ensino, tão propagado, ficara, portanto, restrito apenas à educação superior agrícola, enquanto a instrução agrícola havia assumido o caráter assistencial que a definira durante toda a etapa de funcionamento dos patronatos, preocupados primordialmente com a preparação de trabalhadores para a atividade agropecuária e não com a formação de técnicos. Uma atividade, a dos patronatos, voltada quase que exclusivamente para aquilo que a historiografia mais recente chamou de “pobres livres”, e a produção sociológica e etnológica denominou de “sertanejos, caipiras, roceiros ou caboclos”, “contingentes percebidos como propensos a migrarem dos campos às cidades – dado muitas vezes tomado como um ‘traço cultural’ de herança indígena, os errantes por natureza e estado – contribuindo para a situação extremamente tensa das maiores cidades da época” .
Por isto, “entre as concepções iluministas e autoritárias é possível também situar as propostas de constituição de instituições, entre elas a dos patronatos agrícolas. Inseri-los no debate sobre educação agrícola, conquanto aí figurassem à época aqui delimitada, não é suficiente” .
O Aprendizado São Maurício, em consonância com as definições tomadas para a política nacional do setor, ministrava dois cursos: o primário e o profissional. A formação profissional incluía o cultivo de hortas e pequenas plantações de mandioca, milho e batata do reino. Além disso, nas oficinas de sapataria eram preparadas as botinas dos internos e as destinadas ao Batalhão Militar do Estado. Os alunos também tinham atividades práticas nas oficinas de marcenaria e ferraria. Todo o conjunto de atividades era avaliado positivamente pelo diretor Juvenal Canário. Para ele, os alunos estavam apresentando


mutações progressivas mais acentuadas, no caráter, na inteligência, nos costumes e na escrita e leitura, observadas e comprovadas pelos dados apresentados em mapa demonstrativo de aproveitamento e conduta dos educandos; ensino profissional elementar, ministrado praticamente nas oficinas de sapataria, marcenaria e ferraria, já apresentando trabalhos em aulas, como elemento educativo, ensino de musica, jogos recreativos e cultura física, com apreciações religiosas, em termos de visitas, e resultados satisfatórios, conforme consta de mapas, e finalmente já produzindo .

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