sábado, 18 de dezembro de 2010

PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL - IV

Nas leituras que fizera de Dewey durante a sua segunda viagem aos Estados Unidos da América, Anísio encontrou um crítico dos impasses da democracia americana diante de problemas como a imigração crescente que sufocava o país diante da enorme quantidade de estrangeiros que ali chegavam a cada ano. Como intelectual militante, Dewey se caracteriza por atuar assistindo instituições com fins filantrópicos e voltadas para o auxílio material e educacional aos imigrantes pobres. Ele afirmava que os estrangeiros não representavam nenhum perigo ao seu país e que o problema estava nas próprias instituições norte-americanas. O discurso pragmatista de Dewey era otimista diante do fenômeno da imigração, por ver nele possibilidades concretas de alteração da estrutura de classes sociais do país e um intenso movimento de ascensão social. Por outro lado, a imigração vinha forçando uma expansão na oferta da escola pública por parte do governo o que provoca também um crescimento das associações e movimentos docentes.

Anísio Teixeira conheceu as idéias de Dewey quando este já era um professor universitário importante que havia trabalhado em universidades como Vermont, John Hopkins, Michigan, Chicago e Columbia. A sua obra se espraiava por campos como filosofia, ética, psicologia, ciência política, sociologia e educação. Já havia participado de experiências pedagógicas importantes, como a escola elementar da Universidade de Chicago e a Hull House. Anísio se empenhou, entre o final da década de 1920 e a década de 1950, a divulgar a obra de Dewey no Brasil. Clarice Nunes informa que um dos primeiros trabalhos publicados foi Vida e educação, reunindo dois ensaios:


“um sobre a teoria da educação deweyana na sua perspectiva de reconstrução da experiência, e outro que discutia o programa escolar e trabalhava as noções de interesse e esforço. Ambos eram precedidos por uma apresentação de Anísio que, à época, era professor de filosofia da educação na Escola Normal de Salvador.”


Após renunciar ao cargo de diretor da instrução pública do Distrito Federal, Anísio Teixeira publicou a versão que traduzira de Democracia e Educação. Neste livro estão os fundamentos teóricos adotados por Anísio no seu trabalho de reforma do sistema de ensino do Rio de Janeiro. Na década de 1950 ele supervisionou a tradução do livro Reconstruction in philosophy, realizada por Eugênio Marcondes Rocha e Jacob Thealdi.

John Dewey ingressou na Universidade em 1882 e se entusiasmou com os estudos de lógica. Eram estudos hegelianos, inspirados nas sínteses sujeito-objeto, matéria-espírito, divino-humano. Em Hegel, Dewey rejeitou o caráter metafísico da formulação do pensamento.

Era para os professores que John Dewey escrevia. Em How we think , que ganhou sua primeira edição brasileira em 1930, ele mostrou


“ao professor que é possível aprender a pensar de forma conseqüente, isto é, elaborar métodos de julgamento adequados e planos de aperfeiçoamento que fizessem dos erros lições úteis, no sentido de deixar claros os métodos insuficientes de aplicação da inteligência.”


Neste livro, Dewey estabelece as finalidades educacionais do pensamento:


“criar pessoas conscientes da sua ação e criar a possibilidade de reinventar a ciência e a própria vida. Pensar bem, segundo seu ponto de vista, requer a curiosidade vigilante, a intensidade do interesse concentrado e o exame contínuo de cada passo projetado.”

domingo, 5 de dezembro de 2010

PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL - III

TEIXEIRA NA AMÉRICA


Anísio Teixeira viajou para os Estados Unidos da América pela primeira vez em abril de 1927, após haver sido diretor de instrução pública do Estado da Bahia, onde trabalhou na implementação de uma reforma educacional moldada pelo que entendia ser, àquele momento, o discurso educacional renovador. Matriculou-se no Teachers College da Columbia University, onde permaneceria até o final de agosto, para em seguida visitar as instituições educacionais de seis Estados norte-americanos, como convidado do International Institute do Teachers College. Esta viagem por diferentes regiões dos Estados Unidos da América se encerrou no mês de novembro e possibilitou a Anísio Teixeira produzir o relatório publicado sob o título de Aspectos americanos da educação. Nesse documento Anísio faz referência as idéias de John Dewey e de Edward Lee Thorndike. Reconhecendo em ambos a mesma importância, Teixeira demonstra ser indispensável levar em consideração


“a concepção quantitativista do segundo, cuja proposta era tudo avaliar, calcular e medir, criando métodos de investigação cuja aplicação geral fora realizada em 1911, por iniciativa da Junta para a Economia de Tempo, organizada pela Sociedade Nacional de Educação dos Estados Unidos.”


Ao final do ano de 1927, os estudos de Anísio Teixeira na Columbia University davam-lhe a certeza de que era cada vez mais necessário estudar Dewey e Thorndike. Com o primeiro era possível aprender os sentidos moral e social da democracia e com o segundo o controle dos resultados dos serviços escolares. É importante anotar que naquele momento John Dewey ainda não era o mais importante dentre os pedagogos do país e suas idéias ainda não haviam sido adotadas de modo mais amplo. Ele ainda estava sendo descoberto. O acompanhamento da criança e de todo o seu processo de aprendizagem, desde o momento em que se inicia o trabalho escolar. Era neste âmbito que se colocava o sistema de inspeção escolar adotado nos Estados Unidos da América que tinha, para Anísio Teixeira, o sentido de orientação pedagógica. Como os americanos, ele estava fascinado com os testes de capacidade mental, de aquisição educativa, de situação econômica e social, de saúde e capacidade física. Instrumentos que, na sua opinião, poderiam contribuir para equalizar os diferentes níveis de aprendizagem existentes na escola, contribuindo para com a organização do trabalho do professor.

A viagem que fez no segundo semestre do ano levou Anísio a valorizar a organização docente e as experiências das instituições escolares da zona rural norte-americana. A aprendizagem proporcionada aos estudantes dos hábitos de direção e auto-governo, representadas pelos conselhos escolares de alguns estabelecimentos de ensino. Do mesmo modo, os estímulos ao espírito de investigação e a valorização das práticas de leitura. Teixeira enxergava nesses elementos a possibilidade de renovação espiritual que pretendia para a escola brasileira.

Ao retornar ao Brasil, no final do ano de 1927, Anísio Teixeira trouxe na bagagem um forte entusiasmo pelas idéias pedagógicas norte-americanas, especialmente aqueles formuladas por Dewey e Thorndike, além de uma sólida amizade que estabelecera com o escritor Monteiro Lobato, à época adido comercial do Brasil em Nova York. Em 1928 ele retornou outra vez aos Estados Unidos. Agora, para permanecer durante dez meses, como bolsista do Macy Student Fund do International Institute, outra vez matriculado no Teachers College, em Nova York. Estudou currículo, educação comparada, análise do trabalho escolar em áreas rurais e teoria filosófica geral da educação. Neste último campo teve Kilpatrick como orientador de estudos. Dentre os autores que leu nesse período, importa anotar os estudos dos textos de William James, Bertrand Russel, Edward Thorndike e John Dewey. Este último fora professor de Kilpatrick.

Edward Lee Thorndike se entusiasmara com a obra de William James após haver lido o seu Principles of Psychology. Em 1895, estudando em Harvard, Thorndike teve a oportunidade de ser aluno do próprio James e iniciar sua própria trajetória científica. Foi James que despertou nele o entusiasmo pela Psicologia Experimental, uma vez que este trouxera os fundamentos desse tipo de pesquisa dos laboratórios que conhecera na Alemanha, ao estudar com Wilhelm Wundt. Os laboratórios tinham como fundamento a idéia evolucionista de que o homem é uma espécie animal mais evoluída. Foi justamente esta a concepção que os pragmatistas norte-americanos se empenharam em reformular. Começou a fazer experim,entos comportamentais com pintos, frangos, patos, peixes, ratos, macacos e outros animais. Em 1898 concluiu a sua tese de doutorado na Columbia University, com o título de Animal Intelligence. Discute as possibilidades de aprendizagem dos bichos. Tomou esses experimentos como ponto de partida para formular uma psicologia educacional. Passou aestudar a atividade mental do homem. Em 1899 assumiu o posto de professor do Teachers College da Columbia University. Foi a partir dessa posição que ele pesquisou as diferenças individuais, elaborando testes de medidas destas, a partir da influência dos trabalhos de Galton. Para Thorndike havia uma necessidade fundamental: tratar cientificamente as diferenças individuais.


“Ao elaborar trabalhos quantitativos através do uso de testes para medir as diferenças individuais, aperfeiçoou por um lado os testes como critério de medida, e por outro, os experimentos psicológicos, direcionando-os para uma perspectiva cada vez mais científica.”

sábado, 4 de dezembro de 2010

PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL II

Os Estados Unidos estavam consolidando a expansão da fronteira agrícola do Oeste e, com ela, a visão de que os fazendeiros dedicados tinham todas as chances, porque o trabalho era uma fonte de oportunidades sem limitações. As dificuldades econômicas que surgiam enfrentavam reações do pragmatismo, que se dispunha a construção de um novo tipo de liberalismo, com fundamento num sólido otimismo e propondo reformas que priorizavam a ação individual. Os pragmatistas faziam um discurso que representava um tipo de reação à crise da ordem social, propunha mudanças e não abria mão da idéia de que quem controla a sociedade é ela própria – o social control. Eram o ativismo e as lutas por reformas sociais que forneciam o alento do qual o pragmatismo se nutria.


“Uma coisa, entretanto, não deve ser esquecida, a complexa relação entre uma visão coletivista e o compromisso com os indivíduos. Trata-se de uma tensão que não se resolve com facilidade, e aparece tanto no pragmatismo – considerado como uma filosofia social ou como uma filosofia da educação – quanto na tradição sociológica que se formou sob sua influência.”


Toda esta configuração se apresentava numa sociedade que vivia, dentre os seus dramas, o espetáculo do inchaço das cidades, uma repressão cruel ao movimento dos trabalhadores, a expansão dos cortiços ao redor das minas de carvão e das indústrias. Havia, da parte de muitos pastores protestantes uma certa ansiedade no sentido de adaptar melhor o país à pregação moral do cristianismo. Ademais, boa parte do clero vinha perdendo prestígio político e econômico após a Guerra Civil. A doutrina religiosa recebia uma forte contestação da teoria evolucionista. Assumir a bandeiras das reformas sociais era uma tentativa de recompor o prestígio que se fora. Por outro lado, este período foi também marcado pela formação da vigorosa é influente camada média de profissionais que se consolidou no país. O pragmatismo dirigia, assim, o seu discurso às pessoas que buscavam ascender socialmente com base nos seus méritos profissionais. Principalmente aos intelectuais que buscavam, através das universidades, colaborar com o desenvolvimento da nação. Esse grupo sensibilizava políticos e homens de negócios que liberavam somas cada vez maiores para as instituições universitárias.

Os últimos anos do século XIX foram um período de criação de grandes universidades norte-americanas. Modernas, sem o compromisso das tradicionais universidades européias, instituições como a John Hopkins University e a Universidade de Chicago foram instaladas, respectivamente, em 1876 e 1892. Esta última, a Universidade de Chicago, se transformou num centro de pesquisas científicas que amparou os intelectuais pragmatistas, principalmente John Dewey e George Herbert Mead. O debate intelectual realizado na Universidade de Chicago era pródigo em críticas ao


“formalismo e fatalismo dos sistemas filosóficos europeus: o apriorismo de Kant, a metafísica formal de Hegel, o mecanicismo de Spencer, etc. Era preciso passar do formalismo para a experiência, pois afinal de contas todos esses sistemas eram produtos da vida humana.”


O pensamento filosófico de John Dewey, de George Herbert Mead e de outros intelectuais da Universidade de Chicago incorporou boa parte das críticas de Charles Peirce às idéias do formalismo cartesiano e também da psicologia de William James. Trabalhando em Harvard, James fora professor de Herbert Mead, através de quem suas idéias chegaram ao debate dos intelectuais de Chicago. É a contribuição dele que ajuda a superar a clássica dicotomia entre a realidade externa do mundo e a realidade interna da mente. Os pragmatistas propõem que todo o conhecimento resulta da atividade que muda a mente e o mundo conhecido. A atividade é biológica, psicológica e ética. Mantém relação com o conceito de função e com a noção de processo orgânico.


“Isto envolve a idéia de um agente que deseja, sente e tem emoções, e implica um objeto ou fim em vista do qual o movimento está dirigido. Mas nesta visão de atividade concreta a função biológica não é apenas um processo mecânico, nem o agente um ser espiritual sobrenatural, nem o fim é qualquer tipo de absoluto.”


Na opinião de John Dewey, George Herbert Mead foi o mais importante intelectual do grupo de pragmatistas que trabalhou em Chicago. Ele abriu para a ciência a possibilidade de investigar o nexo existente entre os processos sociais e as ações dos indivíduos. Ao falar durante os funerais dele, em 1931, Dewey disse que Mead “passou a vida tentando resolver a antítese proposta por Wilhelm wundt – ‘o problema da mente e da consciência individual em relação ao mundo e à sociedade.’” George Herbert Mead estudou em Leipzig, com Wilhelm Wundt.

domingo, 21 de novembro de 2010

PRAGMATISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL

Anísio Teixeira foi, dentre os intelectuais que constituíram o chamado grupo dos Pioneiros da Educação Nova, aquele que mais se empenhou na divulgação e na aplicação à realidade social brasileira dos padrões de organização escolar correspondentes ao pensamento pragmatista norte-americano. Foi esse movimento que permitiu, nos Estados Unidos da América, durante primeira década do século XX, a redefinição do estatuto da Pedagogia como programa de reconstrução social. Tal redefinição projetou o seu principal teórico, John Dewey, de quem Anísio foi aluno, tradutor e divulgador da obra no Brasil. A obra de Dewey fez a síntese das aspirações sociais norte-americanas da segunda metade do século XIX, tomando como base o evolucionismo de Charles Darwin e o pragmatismo de William James.

No prefácio do livro de Carlos Monarcha, A reinvenção da cidade e da multidão , Mirian Warde acentua o caráter imediatista do pensamento educacional brasileiro, afirmando que nós, os pedagogos, temos horror à teoria e à história. Talvez esta fragilidade contribua de algum modo para a escassez de estudos no campo educacional brasileiro que discutam de modo consistente o pensamento pragmatista norte-americano e as idéias de Dewey e Anísio Teixeira, de modo a superar a dicotômica representação que o movimento escolanovista ganhou entre nós. De um lado, visto por alguns herdeiros da memória produzida pelos próprios Pioneiros, como portador de todas as possibilidades de superação das contradições sociais e, portanto, merecedor da imediata e irrefletida adesão. De outro lado, demonizado por algumas interpretações que emergiram a partir da produção acadêmica dos programas de pós-graduação em educação criados no Brasil a partir da década de 1970. Esta última visão, põe ênfase nos compromissos do escolanovismo com a reificação do pensamento burguês e, de plano, o rejeita.


O PRAGMATISMO


O pragmatismo é uma visão de mundo e uma corrente filosófica que se desenvolveu nos Estados Unidos da América a partir das três últimas décadas do século XIX. O conjunto de idéias que constitui essa corrente foi sistematizado inicialmente por Charles Peirce, William James, John Dewey e Herbert Mead. O discurso pragmatista gira em torno da idéia de interação social, tal como formulada pela filosofia social de Dewey e Mead. Essas idéias terminaram influenciando o conjunto de estudos sociológicos desenvolvidos entre os anos de 1915 e 1940, conhecidos sob o rótulo de Escola de Chicago. Segundo Carlos Moreira , os intelectuais pragmatistas norte-americanos


“têm em comum a idéia de que os hábitos e a consciência dos indivíduos são elaborados por meio das interações sociais. Dewey explorou tal perspectiva no âmbito da educação, tendo Mead dado um tratamento a essa questão mais próximo da linguagem da psicologia social.”


Vale lembrar que a sociedade norte-americana do final do século XIX estava consolidando as características da sua formação cultural relacionadas ao individualismo moral de origem religiosa legado pelo puritanismo protestante.


“Os puritanos desenvolveram uma religião onde a introspecção é um elemento nuclear. Eles eram ‘individualistas’, principalmente em sua versão evangélica, entendendo que as pessoas podiam ter uma relação direta com Deus, sem a necessidade da intermediação de instituições hierarquizadas ou regras formais.”


A esta, somava-se a idéia da necessidade de trabalhar arduamente para sobreviver, sempre com muita introspecção. Eles defendiam a idéia de coesão social e autocontrole, ou, no máximo um eficaz controle informal.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ANOTAÇÕES A RESPEITO DA ESCOLARIZAÇÃO DA MULHER

Data de 1848 a implantação, em Laranjeiras, da primeira instituição do gênero na Província de Sergipe, o Colégio Nossa Senhora Santana, fundado e dirigido por Possidônia de Santa Cruz de Bragança. A escola ofereceu ensino para moças, em regime de internato e externato, atendendo meninas e jovens do sexo feminino. Em 1889 seu controle foi adquirido pela professora Quintina Diniz, ex-aluna da mesma instituição e responsável pela sua transferência para Aracaju, em 1906. No final do século XIX e na primeira década do século XX, uma epidemia de varíola que grassou em Sergipe fez com que muitas famílias e instituições escolares se transferissem de Laranjeiras para Aracaju, temendo os efeitos da moléstia. O Colégio Nossa Senhora Santana funcionou durante 93 anos, até encerrar suas atividades, em 1941.
Uma importante característica das instituições de ensino privado em Aracaju, como de resto no Brasil, diz respeito ao fato de serem escolas dirigidas e mantidas predominantemente por organizações religiosas católicas ou protestantes ou empresas familiares, nas quais diferentes membros da família, como mãe, irmãs, tias e, muitas vezes, o pai, assumiam funções docentes, administrativas e de direção. Em Aracaju, como em todo o Brasil, os colégios secundários de orientação leiga ou religiosa, fundados e mantidos por particulares, tiveram um papel relevante desde o século XIX, até a metade do século XX. Esses estabelecimentos, estimulados pela concorrência, formavam a vanguarda do pensamento educacional pela adoção de modernas técnicas de ensino, pelo impulso dado ao estudo da ciência e pela ênfase emprestada às línguas modernas.
A pesquisadora Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas informa que a instrução primária feminina era oferecida predominantemente em escolas particulares . Estas geralmente mantinham internatos e começaram a crescer e se multiplicar a partir das últimas décadas do século XIX e se expandiram muito nas primeiras décadas do século XX. É o caso do Instituto América, dirigido por Norma Reis, professora de Francês da Escola Normal, que funcionou de 1920 a 1935, e possuía um corpo docente renomado. Era comum o fato de algumas professoras da Escola Normal serem proprietárias e dirigirem colégios particulares com internatos para moças, como o anteriormente citado Instituto América e o também referido Colégio Nossa Senhora Sant’Ana, de Quintina Diniz, professora de Psicologia e Pedagogia.
A partir de 1899, funcionou em Aracaju o Internato feminino da Escola Americana, mantida inicialmente pelos protestantes presbiterianos em Laranjeiras e transferida no ano anterior para a capital do Estado. Em Aracaju, sob a direção do reverendo Finley, a Escola Americana ofereceu à população um externato para ambos os sexos, com o curso primário e o intermediário; e um internato para o sexo feminino . No ano de 1900, a Escola Americana já contava com 50 alunos matriculados e dois professores, oferecendo internato e externato para meninos e meninas, funcionando na Rua Aurora, nº 7. As salas de aula possuíam carteiras de madeira e ferro vindas dos Estados Unidos. Um ano depois, o seu quadro docente era formado por seis professores, incluindo uma professora de Prendas e um professor de Música. A instituição anunciava estar “pronta a dar uma educação segundo os últimos métodos pedagógicos a todos os alunos que forem confiados a seu cuidado” . Foi considerada pelo Diretor da Instrução Pública, juntamente com o Colégio Brasil, o melhor estabelecimento particular de ensino em Sergipe.
Segundo Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, no jornal


Correio de Aracaju, no período de 1906-1908, no tocante à escolarização feminina, os anúncios dividiam espaço com registros minuciosos das festas realizadas nos estabelecimentos. Foram citadas, de forma recorrente, oito instituições. A maioria oferecia ensino primário e secundário: “Collegio Bôa Esperança” (dirigido por Mariana Braga); o “Collegio Nossa Senhora de Lourdes” (internato e externato, dirigido pela Irmã Thèophanes, da Congregação das Irmãs Sacramentinas); a “Escola Americana” (ensino primário misto, dirigida por Jovina Moreira); o “Collegio Santa Cruz – internato e externato” (ensino primário misto, dirigido por Maria Madalena de Santa Cruz e Santos); “Escola Primária de Sergipe” (ensino primário misto – dirigido por Alexandre José Teixeira e sua esposa); “Collegio Nossa Senhora Sant’Anna” (dirigido por Quintina Diniz), “Externato Zizi Góes” (ensino primário e secundário feminino - dirigido por Balthazarina Góes, com o auxílio de seu pai o Prof. Catedrático Balthazar Góes ), todos estes localizados em Aracaju .


Era comum que muitas alunas do ensino privado, depois da conclusão do ensino secundário (mesmo que não fosse um curso específico de formação de professoras), passassem a atuar como professoras nos mesmos estabelecimentos de ensino nos quais estudaram.
Chama também a atenção o fato de existir um número significativo de diretoras de escolas femininas em Aracaju, durante um período no qual a mulher, “submetida ao pátrio poder, quando solteira, ou ao poder legal do marido como chefe da sociedade conjugal, necessitava de autorização para assinar contratos de trabalho, sendo considerada incapaz no tocante ao exercício dos direitos civis e políticos” .

sábado, 23 de outubro de 2010

ZACHARIAS HORACIO DOS REIS

O Desembargador Zacharias Horacio dos Reis assumiu a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe no dia 10 de janeiro de 1911.

TRAJETÓRIA DE VIDA


Zacharias Horacio dos Reis, filho de Pedro Góes dos Reis e Maria Francisco dos Reis, nasceu no dia 8 de novembro de 1860, no termo de Abadia, na Bahia.
Em 27 de dezembro de 1892, foi nomeado Juiz municipal de Itabaiana e seis anos depois, em setembro de 1898, assinou o Termo de Compromisso como Juiz de Direito da Comarca do Rio Real. Por solicitação sua, no dia 28 de outubro de 1904 foi removido para a Comarca de Estância, exercendo no ano seguinte o cargo de Chefe de Polícia do Estado de Sergipe. Em 1906, foi nomeado Procurador Geral do Estado de Sergipe. A sua nomeação para o cargo de Desembargador data de 1904.
Nilo Batista, professor titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Cândido Mendes e também presidente do Instituto Carioca de Criminologia, proferiu uma palestra no dia 8 de maio de 2003 sobre as novas tendências do Direito Penal. Na ocasião, analisando o primeiro Código Penal republicano, verificou que ele estabelecia o critério da letalidade das lesões, antes mesmo de postular uma classificação legal de crimes formais e materiais, gerando, muitas vezes, perplexidades e soluções contraditórias. Para isso, ele deu como exemplo uma sentença datada em de março de 1891, da lavra do Juiz Municipal Zacharias Horácio dos Reis, prolatada em Simão Dias:


Podemos conhece-la porque João José do Monte fê-la publicar no 56º volume de sua revista de Direito. Em 19 de janeiro daquele ano, Manuel Pedro das Dores Bombinho, do lado de fora da Intendência Municipal, onde se realizava uma audiência chamou por José Leopoldo da Silveira Collete, e pediu-lhe que em seu favor elaborasse uma petição. Não sendo atendido, segiu-se um entrevero no qual Bombinho deu uma bofetada em Collete, quem, ao retornar à Intendência, caiu fulminado por uma asfixia produzida pela supressão brusca da circulação pulmonar, como verificou-se no dia da autopsia. Deixo de lado outros aspectos sedutores do caso, como ter ocorrido durante a vacatio do novo código, que foi apelidado por retroatividade benigna, e convido meus colegas a imaginar as dificuldades de fundamentação de nosso juiz Zacharias, sem uma orientação legal – só disponível a partir do Código de 1940 – acerca da irrelevância de concausas antecedentes em hipóteses de interrupção de nexo causal. Em seu formoso Tratado, publicado exatamente um século após a sentença que ora examinamos, Roxin recorda que o emprego judicial explítico da fórmula ´suprimir mentalmente´ deu-se pela primeira vez em 1910, num aresto do Tribunal do Reich. Nosso juiz não empregou explicitamente a fórmula, talvez porque já lhe bastasse, evitando redundância, a supressão da circulação pulmonar que os facultativos lhe haviam asseverado, porém o critério foi substancialmente utilizado: ´todas as testemunhas – escreveu ele – dão a luta e a bofetada como causa da apoplexia, e portanto como causa eficiente da morte, porquanto sem aquela causa não haveria este efeito; se a luta não haveria supressão da circulação pulmonar, e sem esta não se daria a morte´. Nada mal para um contemporâneo de Thyren.


O Desembargador Zacharias Horacio dos Reis encerrou sua carreira de magistrado com a aposentadoria, no dia primeiro de agosto de 1912.

sábado, 16 de outubro de 2010

OS ESTUDOS SOBRE INTELECTUAIS NA HISTORIOGRAFIA DE MARIA THETIS NUNES

Mas, não é menor a importância dos estudos que Maria Thetis Nunes realizou sobre outros seis intelectuais brasileiros, como o professor Álvaro Vieira Pinto , de quem foi aluna no Instituto Superior de Estudos Brasileiros – o ISEB; o general José Ignácio de Abreu e Lima ; o historiador Nelson Werneck Sodré , também seu professor no período isebiano; o escultor Aleijadinho ; o engenheiro Antônio Pereira Rebouças ; e o marechal João Batista de Matos .
Do mesmo modo, Maria Thetis Nunes escreveu sobre sete intelectuais nascidos no exterior: o padre Inácio de Tolosa ; o Marquês de Pombal ; o artista plástico Jean Baptiste Debret ; os escritores William Faulkner e Martin Fierro ; o arquiteto Gran Jean de Montigny ; e, Pero Vaz de Caminha .


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os estudos sobre intelectuais realizados por Maria Thetis Nunes remetem a dois grandes pólos das suas preocupações: a Historiografia e a História da Educação. Nada menos de quinze trabalhos podem ser enquadrados fundamentalmente no campo da História educacional, enquanto a Historiografia é contemplada com doze textos. Outra preocupação muito constante nos estudos sobre intelectuais realizados pela autora diz respeito ao campo da arte (cinco trabalhos) e a atividades como a literatura, medicina, engenharia e agitação cultural. Mas também há estudos que contemplam a Filosofia, a Política, a Sociologia, o Jornalismo, os militares, a Arquitetura e a formação territorial e étnica do Estado de Sergipe.
A maior parte desses estudos traz a marca forte de uma vigorosa memorialista que se motivou explicitamente em efemérides, como o falecimento de alguns dos intelectuais que analisou ou celebrações das datas de nascimento ou de morte dessas personalidades, para analisá-los. Ela celebra, principalmente, a memória de intelectuais que atuaram no Estado de Sergipe, em alguns casos buscando legitimá-los post mortem e em outros reificando a legitimação que eles obtiveram ainda vivos. Porém, outras motivações não estão afastadas, como a necessidade de produzir textos para participar de eventos científicos ou concorrer a premiações oferecidas a pesquisadores por instituições governamentais.
De uma maneira geral, os textos produzidos por Maria Thetis Nunes sobre intelectuais são pródigos em elogios à ação destes, à exceção dos trabalhos historiográficos a respeito do professor Acrísio Torres Araújo, que trazem consigo o tom da polêmica por divergir do entendimento daquele autor. Todavia, o fato de constarem da lista de autores que ela analisou é, sem dúvida, mais uma chancela legitimadora do trabalho de todos. Os seus intelectuais atuaram invariavelmente como instrumentos fundamentais para a modernização da vida brasileira, viabilizando o progresso. Essa idéia de que a sociedade estava sempre orientada na direção do progresso foi comum entre os intelectuais apresentados por Maria Thetis Nunes e também assumida por ela como ferramenta de análise. Pela leitura dos intelectuais feita pela autora, é visível a sua crença no progresso, da mesma maneira que a tradição intelectual na qual a mesma se inclui. Afinal, não é possível esquecer que Comte, Marx e Engels acreditavam na condição humana, mesmo que suas concepções de progresso muitas vezes divergissem.
Os modos de interpretar os seus intelectuais assumidos por Maria Thetis Nunes, leva a uma homogeneização dos padrões de comportamento destes, mesmo quando eles têm posições teóricas e políticas distanciadas. A autora busca sempre a regularidade de fatos que ocorrem continuadamente. Por isto, encontra evidências que justificam diferentes perspectivas. A “razão de Estado”, de Nicolau Maquiavel, tanto pode ser um instrumento conceitual para explicar a formação política dos Estados nacionais quanto a atuação de grupos privados em uma dada sociedade. Os direitos e garantias individuais do homem tanto podem ser lidos como valor democrático universal quanto na condição de exercício da ideologia burguesa para submeter os seus oponentes de classe. Daí a explicação histórica, necessariamente, buscada por Maria Thetis em regularidades humanas que ultrapassam os limites de explicações como o antagonismo católicos X protestantes, burguesia X proletariado ou qualquer outro que se pretenda estabelecer, falando em nome da dialética com a qual opera.
Um leitor eventualmente menos atento ou alguém que se relacione com o Marxismo a partir da posição de um “beato” tem dificuldade em compreender como Maria Thetis opera com os seus intelectuais. Mesmo sendo entusiasta de uma certa vertente do Marxismo, a autora toma as posições dos intelectuais buscando entender os autores com os quais se relaciona maduramente, a partir dos seus propósitos. Por isto, na maior parte das vezes a sua crítica ao trabalho intelectual é bastante parcimoniosa e quase imperceptível.
Certamente, abordagens sobre intelectuais como as produzidas por Maria Thetis Nunes são importantes contribuições que servem para reafirmar a condição do indivíduo como sujeito da história, colocando em destaque as personalidades, no processo da vida social. As análises memorialísticas da autora estão para além das simples biografias, dando voz aos intelectuais estudados.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

OS ESTUDOS SOBRE INTELECTUAIS NA HISTORIOGRAFIA DE MARIA THETIS NUNES - III

Os dois estudos sobre intelectuais publicados por Maria Thetis Nunes em 1983 estão voltados para a História da Educação . Em 1984, três estudos: um sobre o agitador cultural Eurico Amado, um outro sobre o processo de formação do território e do povo sergipano e mais um sobre uma professora contemporânea sua . Dois estudos sobre o magistério , um sobre o jornalismo e um outro acerca de problemas historiográficos dão o tom dos trabalhos sobre os intelectuais que a autora publicou no ano de 1985. Em 1986, as temáticas versaram sobre a Sociologia e a Historiografia . Este último tema continuaria presente na produção do ano seguinte, com dois estudos , enquanto dois outros retomaram o velho debate sobre os docentes dos quais a autora fora aluna . Dois trabalhos produzidos em 1988 se debruçaram a respeito de um professor e de um literato , enquanto no ano de 1989 um filósofo foi objeto do único texto sobre intelectuais publicado pela autora naquele ano.
Por fim, entre os anos de 1992 e 1999, doze trabalhos sobre intelectuais marcaram a produção de Maria Thetis Nunes. Um sobre o magistério, publicado em 1992 ; um outro acerca da historiografia , em 1994; um tendo a política como tema e um outro a respeito da historiografia , ambos em 1996. A produção do ano de 1998 reúne quatro trabalhos: dois tendo o magistério como temática , um outro a respeito de um importante engenheiro brasileiro e um quarto acerca do professor José Calasans . Em 1999, também foram quatro os artigos sobre intelectuais publicados pela autora: ela voltou a escrever sobre o engenheiro Rebouças , fez um trabalho sobre o magistério , produziu mais um a respeito da historiografia e um outro sobre um importante agitador cultural .
Os trinta e oito intelectuais estudados por Maria Thetis Nunes, contudo, marcaram não apenas a vida de Sergipe, Estado no qual a historiadora viveu e produziu por mais tempo. Plenamente identificados com a vida de Sergipe estão vinte e cinco deles. Professores nascidos em Sergipe, como José Antônio da Costa Melo , Norma Monte Alegre , Luis Carlos Rollemberg Dantas , Jorge de Oliveira Neto , Arthur Fortes , Manuel Luiz Azevedo d’Araujo , José Rollemberg Leite , Garcia Moreno , João Ribeiro , Joaquim Sobral , Clodomir Silva , Felte Bezerra , José Calazans , Ovídio Valois Correia , Tobias Barreto e Alberto Carvalho . Nesse mesmo grupo há pessoas que nasceram em outros Estados, mas marcaram a vida sergipana, a exemplo de Acrísio Torres Araújo , natural do Ceará, que atuou na cidade de Aracaju como docente, livreiro e autor de livros didáticos de História e Geografia de Sergipe. Também nascidos em Sergipe são historiadores, como Felisbelo Freire e Carvalho Lima Junior ; artistas plásticos, a exemplo de Horácio Hora e Jenner Augusto ; médicos, como Manuel Bonfim ; agitadores culturais como Eurico Amado e Gilberto Amado ; políticos, a exemplo de Fausto Cardoso ; sociólogos, como Florentino Teles de Meneses ; profissionais do Direito, a exemplo de Armindo Guaraná ; clérigos, como D. Mário Miranda Vilas Boas ; e, jornalistas, como Orlando Dantas .

domingo, 10 de outubro de 2010

Professores e pesquisadores de Filosofia lançam manifesto pró-Dilma

(Transcrito de CARTA MAIOR - http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17035)

Um grupo de professores e pesquisadores de Filosofia, de várias universidades do Brasil, decidiu lançar um manifesto em apoio à candidatura de Dilma Rousseff para a Presidência da República. "Cremos que sua chegada à Presidência representará a continuidade, aprofundamento e aperfeiçoamento do combate à pobreza e à desigualdade que marcou os últimos oito anos", diz o texto. Os professores e pesquisadores de Filosofia também manifestam preocupação com a instrumentalização do discurso religioso na presente corrida presidencial.

Redação

Um grupo de professores e pesquisadores de Filosofia, de várias universidades do Brasil, decidiu lançar um manifesto em apoio à candidatura de Dilma Rousseff para a Presidência da República. "Cremos que sua chegada à Presidência representará a continuidade, aprofundamento e aperfeiçoamento do combate à pobreza e à desigualdade que marcou os últimos oito anos. Há razões para duvidar que um eventual governo José Serra ofereça os mesmos prospectos", diz o texto. Os professores e pesquisadores de Filosofia também manifestam preocupação com a instrumentalização do discurso religioso na presente corrida presidencial.

Segue a íntegra do manifesto que já tem a assinatura de dezenas de professores e pesquisadores, como Paulo Francisco Estrella Faria (UFRGS), Andréa Loparic (USP), Raul Landim Filho (UFRJ), Oswaldo Porchat (USP-Unicamp), João Vergílio Cuter (USP), Guido Antonio de Almeida (UFRJ) e Plinio Junqueira Smith (Unifesp), apenas para citar alguns. (Veja aqui a lista completa dos signatários)

Professores e pesquisadores de Filosofia, abaixo assinados, manifestamos nosso apoio à candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República. Seguem-se nossas razões.

Os valores de nossa Constituição exigem compromisso e responsabilidade por parte dos representantes políticos e dos intelectuais

Nesta semana completam-se vinte e dois anos de promulgação da Constituição Federal. Embora marcada por contradições de uma sociedade que recém começava a acordar da longa noite do arbítrio, ela logrou afirmar valores que animam sonhos generosos com o futuro de nosso país. Entre os objetivos da República Federativa do Brasil estão “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

A vitalidade de nossa República depende do efetivo compromisso com tais objetivos, para além da mera adesão verbal. Por parte de nossos representantes, ele deve traduzir-se em projetos claros e ações efetivas, sujeitos à responsabilização política pelos cidadãos. Dos intelectuais, espera-se o exame racionalmente responsável desses projetos e ações.

Os oito anos de governo Lula constituíram um formidável movimento na direção desses objetivos. Reconheça-se o papel do governo anterior na conquista de relativa estabilidade econômica. Ao atual governo, porém, deve-se tributar o feito inédito de conciliar crescimento da economia, controle da inflação e significativo desenvolvimento social. Nesses oito anos, a pobreza foi reduzida em mais de 40%; mais de 30 milhões de brasileiros ascenderam à classe média; a desigualdade de renda sofreu uma queda palpável. Não se tratou de um efeito natural e inevitável da estabilidade econômica. Trata-se do resultado de políticas públicas resolutamente implementadas pelo atual governo – as quais não se limitam ao Bolsa Família, mas têm nesse programa seu carro-chefe.

Tais políticas assinalam o compromisso do governo Lula com a realização dos objetivos de nossa República. Como ministra, Dilma Rousseff exerceu um papel central no sucesso dessa gestão. Cremos que sua chegada à Presidência representará a continuidade, aprofundamento e aperfeiçoamento do combate à pobreza e à desigualdade que marcou os últimos oito anos.

Há razões para duvidar que um eventual governo José Serra ofereça os mesmos prospectos. É notório o desprezo com que os programas sociais do atual governo – em particular o Bolsa Família – foram inicialmente recebidos pelos atores da coligação que sustenta o candidato. Frente ao sucesso de tais programas, José Serra vem agora verbalizar sua adesão a eles, quando não arroga para si sua primeira concepção. Não tendo ainda, passado o primeiro turno, apresentado um programa de governo, ele nos lança toda sorte de promessas – algumas das quais em franco contraste com sua gestão como governador de São Paulo – sem esclarecer como concretizá-las. O caráter errático de sua campanha justifica ceticismo quanto à consistência de seus compromissos. Seu discurso pautado por conveniências eleitorais indica aversão à responsabilidade que se espera de nossos representantes. Ironicamente, os intelectuais associados ao seu projeto político costumam tachar o governo Lula e a candidatura Dilma de populistas.

O compromisso com a inclusão social é um compromisso com a democracia
A despeito da súbita conversão da oposição às políticas sociais do atual governo, ainda ecoam entre nós os chavões disseminados por ela sobre os programas de transferência de renda implementados nos últimos anos: eles consistiriam em mera esmola assistencialista desprovida de mecanismos que possibilitem a autonomia de seus beneficiários; mais grave, constituiriam instrumento de controle populista sobre as massas pobres, visando à perpetuação no poder do PT e de seus aliados. Tais chavões repousam sobre um equívoco de direito e de fato.

A história da democracia, desde seus primeiros momentos na pólis ateniense, é a história da progressiva incorporação à comunidade política dos que outrora se viam destituídos de voz nos processos decisórios coletivos. Que tal incorporação se mostre efetiva pressupõe que os cidadãos disponham das condições materiais básicas para seu reconhecimento como tais. A cidadania exige o que Kant caracterizou como independência: o cidadão deve ser “seu próprio senhor (sui iuris)”, por conseguinte possuir “alguma propriedade (e qualquer habilidade, ofício, arte ou ciência pode contar como propriedade) que lhe possibilite o sustento”. Nossa Constituição vai ao encontro dessa exigência ao reservar um capítulo aos direitos sociais.

Os programas de transferência de renda implementados pelo governo não apenas ajudaram a proteger o país da crise econômica mundial – por induzirem o crescimento do mercado interno –, mas fortaleceram nossa democracia ao criar bases concretas para a cidadania de milhões de brasileiros. Se atentarmos ao seu formato institucional, veremos que eles proporcionam condições para a progressiva autonomia de seus beneficiários, ao invés de prendê-los em um círculo de dependência. Que mulheres e homens beneficiados por tais programas confiram seus votos às forças que lutaram por implementá-los não deve surpreender ninguém – trata-se, afinal, da lógica mesma da governança democrática. Senhoras e senhores de seu destino, porém, sua relação com tais forças será propriamente política, não mais a subserviência em que os confinavam as oligarquias.

As liberdades públicas devem ser protegidas, em particular de seus paladinos de ocasião
Nos últimos oito anos – mas especialmente neste ano eleitoral – assistiu-se à reiterada acusação, por parte de alguns intelectuais e da grande imprensa, de que o presidente Lula e seu governo atentam contra as liberdades públicas. É verdade que não há governo cujos quadros estejam inteiramente imunes às tentações do abuso de poder; é justamente esse fato que informa o desenvolvimento dos sistemas de freios e contrapesos do moderno Estado de Direito. Todavia, à parte episódios singulares – seguidos das sanções e reparos cabíveis –, um olhar sóbrio sobre o nosso país não terá dificuldade em ver que o governo tem zelado pelas garantias fundamentais previstas na Constituição e respeitado a independência das instituições encarregadas de protegê-las, como o Ministério Público, a Procuradoria Geral da República e o Supremo Tribunal Federal.

Diante disso, foi com desgosto e preocupação que vimos personalidades e intelectuais ilustres de nosso país assinarem, há duas semanas, um autointitulado “Manifesto em Defesa da Democracia”, em que acusam o governo de tramas para “solapar o regime democrático”. À conveniência da candidatura oposicionista, inventam uma nova regra de conduta presidencial: o Presidente da República deve abster-se, em qualquer contexto, de fazer política ou apoiar candidaturas. Ironicamente, observada tal regra seria impossível a reeleição para o executivo federal – instituto criado durante o governo anterior, não sem sombra de casuísmo, em circunstâncias que não mereceram o alarme da maioria de seus signatários.

Grandes veículos de comunicação sistematicamente alardeiam que o governo Lula e a candidatura Dilma representam uma ameaça à liberdade de imprensa, enquanto se notabilizam por uma cobertura militante e nem sempre responsável da atual campanha presidencial. As críticas do Presidente à grande imprensa não exigem adesão, mas tampouco atentam contra o regime democrático, em que o Presidente goza dos mesmos direitos de todo cidadão, na forma da lei. Propostas de aperfeiçoamento dos marcos legais do setor devem ser examinadas com racionalidade, a exemplo do que tem acontecido em países como a França e a Inglaterra.

Se durante a campanha do primeiro turno houve um episódio a ameaçar a liberdade de imprensa no Brasil, terá sido o estranho requerimento da Dra. Sandra Cureau, vice-procuradora-geral Eleitoral, à revista Carta Capital. De efeito intimidativo e duvidoso lastro legal, o episódio não recebeu atenção dos grandes veículos de comunicação do país, tampouco ensejou a mobilização cívica daqueles que, poucos dias antes, publicavam um manifesto contra supostas ameaças do Presidente à democracia brasileira. O zelo pelas liberdades públicas não admite dois pesos e duas medidas. Quando a evocação das garantias fundamentais se vê aliciada pelo vale-tudo eleitoral, a Constituição é rebaixada à mera retórica.

Estamos convictos de que Dilma Rousseff, se eleita, saberá proteger as liberdades públicas. Comprometidos com a defesa dessas liberdades, recomendamos o voto nela.

Em defesa do Estado laico e do respeito à diversidade de orientações espirituais, contra a instrumentalização política do discurso religioso
A Constituição Federal é suficientemente clara na afirmação do caráter laico do Estado brasileiro. É garantida aos cidadãos brasileiros a liberdade de crença e consciência, não se admitindo que identidades religiosas se imponham como condição do exercício de direitos e do respeito à dignidade fundamental de cada um. Isso não significa que a religiosidade deva ser excluída da cena pública; exige, porém, intransigência com os que pregam o ódio e a intolerância em nome de uma orientação espiritual particular.

É, pois, com preocupação que testemunhamos a instrumentalização do discurso religioso na presente corrida presidencial. Em particular, deploramos a guarida de templos ao proselitismo a favor ou contra esta ou aquela candidatura – em clara afronta à legislação eleitoral. Dilma Rousseff, em particular, tem sido alvo de campanha difamatória baseada em ilações sobre suas convicções espirituais e na deliberada distorção das posições do atual governo sobre o aborto e a liberdade de manifestação religiosa. Conclamamos ambos os candidatos ora em disputa a não cederem às intimidações dos intolerantes. Temos confiança de que um eventual governo Dilma Rousseff preservará o caráter laico do Estado brasileiro e conduzirá adequadamente a discussão de temas que, embora sensíveis a religiosidades particulares, são de notório interesse público.

O compromisso com a expansão e qualificação da universidade é condição da construção de um país próspero, justo e com desenvolvimento sustentável
É incontroverso que a prosperidade de um país se deixa medir pela qualidade e pelo grau de universalização da educação de suas crianças e de seus jovens. O Brasil tem muito por fazer nesse sentido, uma tarefa de gerações. O atual governo tem dado passos na direção certa. Programas de transferência de renda condicionam benefícios a famílias à manutenção de suas crianças na escola, diminuindo a evasão no ensino fundamental. A criação e ampliação de escolas técnicas e institutos federais têm proporcionado o aumento de vagas públicas no ensino médio. Programas como o PRODOCENCIA e o PARFOR atendem à capacitação de professores em ambos os níveis.

Em poucas áreas da governança o contraste entre a administração atual e a anterior é tão flagrante quanto nas políticas para o ensino superior e a pesquisa científica e tecnológica associadas. Durante os oito anos do governo anterior, não se criou uma nova universidade federal sequer; os equipamentos das universidades federais viram-se em vergonhosa penúria; as verbas de pesquisa estiveram constantemente à mercê de contingenciamentos; o arrocho salarial, aliado à falta de perspectivas e reconhecimento, favoreceu a aposentaria precoce de inúmeros docentes, sem a realização de concursos públicos para a reposição satisfatória de professores. O consórcio partidário que cerca a candidatura José Serra – o mesmo que deu guarida ao governo anterior – deve explicar por que e como não reeditará essa situação.

O atual governo tem agido não apenas para a recuperação do ensino superior e da pesquisa universitária, após anos de sucateamento, como tem implementado políticas para sua expansão e qualificação – com resultados já reconhecidos pela comunidade científica internacional. O PROUNI – atacado por um dos partidos da coligação de José Serra – possibilitou o acesso à universidade para mais de 700.000 brasileiros de baixa renda. Através do REUNI, as universidades federais têm assistido a um grande crescimento na infraestrutura e na contratação, mediante concurso público, de docentes qualificados. Programas de fomento, levados a cabo pelo CNPq e pela CAPES, têm proporcionado um sensível aumento da pesquisa em ciência e tecnologia, premissa central para o desenvolvimento do país. Foram criadas 14 novas universidades federais, testemunhando-se a interiorização do ensino superior no Brasil, levando o conhecimento às regiões mais pobres, menos desenvolvidas e mais necessitadas de apoio do Estado.

Ademais, deve-se frisar que não há possibilidade de desenvolvimento sustentável e preservação de nossa biodiversidade – temas cujo protagonismo na atual campanha deve-se à contribuição de Marina Silva – sem investimentos pesados em ciência e tecnologia. Não se pode esperar que a iniciativa privada satisfaça inteiramente essa demanda. O papel do Estado como indutor da pesquisa científica é indispensável, exigindo um compromisso que se traduza em políticas públicas concretas. A ausência de projetos claros e consistentes da candidatura oposicionista, a par do lamentável retrospecto do governo anterior nessa área, motiva receios quanto ao futuro do ensino superior e do conhecimento científico no Brasil – e, com eles, da proteção de nosso meio-ambiente – no caso da vitória de José Serra. A perspectiva de continuidade e aperfeiçoamento das políticas do governo Lula para o ensino e a pesquisa universitários motiva nosso apoio à candidatura de Dilma Rousseff.

Por essas razões, apoiamos a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República. Para o povo brasileiro continuar em sua jornada de reencontro consigo mesmo. Para o Brasil continuar mudando!

06 de outubro de 2010

Professores(as) e pesquisadores(as) DE FILOSOFIA interessados em assinar o manifesto, favor enviar email com nome completo, vínculo institucional e demais informações que acharem relevantes para o endereço: manifestoprodilma@gmail.com.

(*) Devido a vários pedidos de pessoas sem vínculo institucional na área da filosofia, a equipe que elaborou o manifesto de professores e pesquisadores de Filosofia em apoio à candidatura de Dilma Rousseff decidiu criar uma petição “universal”, com o objetivo de permitir que qualquer indivíduo apóie o manifesto original. O endereço da petição é o seguinte:

http://www.PetitionOnline.com/prodilma/petition.html

sábado, 9 de outubro de 2010

Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022

Eleições 2010 - Manifesto


A Equipe do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022 tendo em vista a realização do 2º. turno das eleições presidenciais no Brasil, sente-se no dever de tomar uma posição em relação aos projetos político-sociais em confronto neste momento e apoiar a eleição da candidata Dilma Rousseff para Presidente da República.

Esta nossa decisão, amadurecida nas discussões internas do Projeto, baseia-se no fato de sabermos que mais do que duas candidaturas, estão em confronto pelo menos dois projetos político-culturais diferentes para o Brasil. Acreditamos que a candidatura de Dilma Rousseff representa a continuidade de um projeto que, depois de mais de cinco(05) séculos, vem possibilitando, efetivamente, a inclusão sócio-econômica de milhões de brasileiros e brasileiras.

A Equipe do Projeto bem sabe que várias das ações e das políticas do governo liderado por Lula da Silva, cuja continuidade Dilma Rousseff representa, são passíveis de críticas as mais diversas. Em várias de nossas ações, sobretudo nos Seminários Anuais e no Programa Rádio que mantemos, nós as fazemos publicamente.

No entanto, estas críticas não nos impedem de perceber os enormes avanços deste governo em direção a políticas sociais de efetiva inclusão dos setores populares e nem nos impedem de vislumbrar que uma eventual vitória de José Serra significaria um retrocesso nestas políticas, a exemplo do que foi o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Por isso, no que se refere especificamente à nossa área de atuação, a educação, é com tranqüilidade que assumimos como nossas as palavras dos Reitores das Universidades Federais em recente Manifesto de à Nação Brasileira, quando eles afirmam que:


“Da pré-escola ao pós-doutoramento - ciclo completo educacional e acadêmico de formação das pessoas na busca pelo crescimento pessoal e profissional - consideramos que o Brasil encontrou o rumo nos últimos anos, graças a políticas, aumento orçamentário, ações e programas implementados pelo Governo Lula com a participação decisiva e direta de seus ministros, os quais reconhecemos, destacando o nome do Ministro Fernando Haddad.

Aliás, de forma mais ampla, assistimos a um crescimento muito significativo do País em vários domínios: ocorreu a redução marcante da miséria e da pobreza; promoveu-se a inclusão social de milhões de brasileiros, com a geração de empregos e renda; cresceu a autoestima da população, a confiança e a credibilidade internacional, num cl aro reconhecimento de que este é um País sério, solidário, de paz e de povo trabalhador. Caminhamos a passos largos para alcançar patamares mais elevados no cenário global, como uma Nação livre e soberana que não se submete aos ditames e aos interesses de países ou organizações estrangeiras.

Este período do Governo Lula ficará registrado na história como aquele em que mais se investiu em educação pública: foram criadas e consolidadas 14 novas universidades federais; institui-se a Universidade Aberta do Brasil; foram construídos mais de 100 campi universitários pelo interior do País; e ocorreu a criação e a ampliação, sem precedentes históricos, de Escolas Técnicas e Institutos Federais. Através do PROUNI, possibilitou-se o acesso ao ensino superior a mais de 700.000 jovens. Com a implantação do REUNI, estamos recuperando nossas Universidades Federais, de norte a sul e de leste a oeste. No geral, estamos dobrando de tamanho nossas In stituições e criando milhares de novos cursos, com investimentos crescentes em infraestrutura e contratação, por concurso público, de profissionais qualificados. Essas políticas devem continuar para consolidar os programas atuais e, inclusive, serem ampliadas no plano Federal, exigindo-se que os Estados e Municípios também cumpram com as suas responsabilidades sociais e constitucionais, colocando a educação como uma prioridade central de seus governos.

Por tudo isso e na dimensão de nossas responsabilidades enquanto educadores, dirigentes universitários e cidadãos que desejam ver o País continuar avançando sem retrocessos, dirigimo-nos à sociedade brasileira para afirmar, com convicção, que estamos no rumo certo e que devemos continuar lutando e exigindo dos próximos governantes a continuidade das políticas e investimentos na educação em todos os níveis, assim como na ciência, na tecnologia e na inovação, de que o Brasil tanto precisa para se inserir, de uma forma ainda mais decisiva, neste mundo contemporâneo em constantes transformações.

Finalizamos este manifesto prestando o nosso reconhecimento e a nossa gratidão ao Presidente Lula por tudo que fez pelo País, em especial, no que se refere às políticas para educação, ciência e tecnologia. Ele também foi incansável em afirmar, sempre, que recurso aplicado em educação não é gasto, mas sim investimento no futuro do País. Foi exemplo, ainda, ao receber em reunião anual, durante os seus 8 anos de mandato, os Reitores das Universidades Federais para debater políticas e ações para o setor, encaminhando soluções concretas, inclusive, relativas à Autonomia Universitária.” (EDUCAÇÃO - O BRASIL NO RUMO CERTO - Manifesto de Reitores das Universidades Federais à Nação Brasileira – out./2010.)

Por todos estes motivos e pelo fato de nosso projeto ter, no centro de suas preocupações, a busca de articulação dos projetos educacionais com os projetos de nação para o Brasil, não poderíamos nos omitir neste momento. Para nós, um dos poucos projetos de efetivo desenvolvimento social, econômico, cultura e educacional colocados em prática no Brasil corre o risco de se ver derrotado justamente por aqueles grupos que, ao longo de nossa história, mobilizando os argumentos mais falaciosos, tudo fizeram para aqui construir uma sociedade injusta, antidemocrática e desigual. Contra isto nos mobilizamos; a favor da eleição de Dilma Rousseff nos MANIFESTAMOS

Belo Horizonte, outubro de 2010.



Equipe do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022.

www.fae.ufmg.br/pensareducacao




Prof. Luciano Mendes de Faria Filho
Faculdade de Educação - UFMG
*Projeto Pensar a Educação Pensar o
Brasil 1822-2022
www.fae.ufmg.br/pensareducacao
*Grupo de Estudos e Pesquisas em
História da Educação
www.fae.ufmg.br/gephe

EDUCAÇÃO – O BRASIL NO RUMO CERTO

(Manifesto de Reitores das Universidades Federais à Nação Brasileira)

Da pré-escola ao pós-doutoramento - ciclo completo educacional e acadêmico de formação das pessoas na busca pelo crescimento pessoal e profissional - consideramos que o Brasil encontrou o rumo nos últimos anos, graças a políticas, aumento orçamentário, ações e programas implementados pelo Governo Lula com a participação decisiva e direta de seus ministros, os quais reconhecemos, destacando o nome do Ministro Fernando Haddad.

Aliás, de forma mais ampla, assistimos a um crescimento muito significativo do País em vários domínios: ocorreu a redução marcante da miséria e da pobreza; promoveu-se a inclusão social de milhões de brasileiros, com a geração de empregos e renda; cresceu a autoestima da população, a confiança e a credibilidade internacional, num claro reconhecimento de que este é um País sério, solidário, de paz e de povo trabalhador. Caminhamos a passos largos para alcançar patamares mais elevados no cenário global, como uma Nação livre e soberana que não se submete aos ditames e aos interesses de países ou organizações estrangeiras.

Este período do Governo Lula ficará registrado na história como aquele em que mais se investiu em educação pública: foram criadas e consolidadas 14 novas universidades federais; institui-se a Universidade Aberta do Brasil; foram construídos mais de 100 campi universitários pelo interior do País; e ocorreu a criação e a ampliação, sem precedentes históricos, de Escolas Técnicas e Institutos Federais. Através do PROUNI, possibilitou-se o acesso ao ensino superior a mais de 700.000 jovens. Com a implantação do REUNI, estamos recuperando nossas Universidades Federais, de norte a sul e de leste a oeste. No geral, estamos dobrando de tamanho nossas Instituições e criando milhares de novos cursos, com investimentos crescentes em infraestrutura e contratação, por concurso público, de profissionais qualificados. Essas políticas devem continuar para consolidar os programas atuais e, inclusive, serem ampliadas no plano Federal, exigindo-se que os Estados e Municípios também cumpram com as suas responsabilidades sociais e constitucionais, colocando a educação como uma prioridade central de seus governos.

Por tudo isso e na dimensão de nossas responsabilidades enquanto educadores, dirigentes universitários e cidadãos que desejam ver o País continuar avançando sem retrocessos, dirigimo-nos à sociedade brasileira para afirmar, com convicção, que estamos no rumo certo e que devemos continuar lutando e exigindo dos próximos governantes a continuidade das políticas e investimentos na educação em todos os níveis, assim como na ciência, na tecnologia e na inovação, de que o Brasil tanto precisa para se inserir, de uma forma ainda mais decisiva, neste mundo contemporâneo em constantes transformações.

Finalizamos este manifesto prestando o nosso reconhecimento e a nossa gratidão ao Presidente Lula por tudo que fez pelo País, em especial, no que se refere às políticas para educação, ciência e tecnologia. Ele também foi incansável em afirmar, sempre, que recurso aplicado em educação não é gasto, mas sim investimento no futuro do País. Foi exemplo, ainda, ao receber em reunião anual, durante os seus 8 anos de mandato, os Reitores das Universidades Federais para debater políticas e ações para o setor, encaminhando soluções concretas, inclusive, relativas à Autonomia Universitária.

Assinam os Reitores:
Alan Barbiero - Universidade Federal do Tocantins (UFT)
José Weber Freire Macedo – Univ. Fed. do Vale do São Francisco (UNIVASF)
Aloisio Teixeira - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Josivan Barbosa Menezes - Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA)
Amaro Henrique Pessoa Lins - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Malvina Tânia Tuttman – Univ. Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Ana Dayse Rezende Dórea - Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Maria Beatriz Luce – Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)
Antonio César Gonçalves Borges - Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Maria Lúcia Cavalli Neder - Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Carlos Alexandre Netto - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Miguel Badenes P. Filho – Centro Fed. de Ed. Tec. (CEFET RJ)
Carlos Eduardo Cantarelli – Univ. Tec. Federal do Paraná (UTFPR)
Miriam da Costa Oliveira - Univ.. Fed. de Ciênc. da Saúde de POA (UFCSPA)
Célia Maria da Silva Oliveira – Univ. Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Natalino Salgado Filho - Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Damião Duque de Farias - Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Paulo Gabriel S. Nacif – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
Felipe .Martins Müller - Universidade Federal da Santa Maria (UFSM).
Pedro Angelo A. Abreu – Univ. Fed. do Vale do Jequetinhonha e Mucuri (UFVJM)
Hélgio Trindade – Univ. Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)
Ricardo Motta Miranda – Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Hélio Waldman – Universidade Federal do ABC (UFABC)
Roberto de Souza Salles - Universidade Federal Fluminense (UFF)
Henrique Duque Chaves Filho – Univ. Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Romulo Soares Polari - Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Jesualdo Pereira Farias - Universidade Federal do Ceará – (UFC )
Sueo Numazawa - Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA)
João Carlos Brahm Cousin - Universidade Federal do Rio Grande – (FURG)
Targino de Araújo Filho – Univ. Federal de São Carlos (UFSCar)
José Carlos Tavares Carvalho - Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)
Thompson F. Mariz - Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
José Geraldo de Sousa Júnior - Universidade Federal de Brasília (UNB)
Valmar C. de Andrade - Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
José Seixas Lourenço – Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)
Virmondes Rodrigues Júnior – Univ. Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
Walter Manna Albertoni - Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

OS ESTUDOS SOBRE INTELECTUAIS NA HISTORIOGRAFIA DE MARIA THETIS NUNES - II

Durante trinta e um anos, no período de 1968 a 1999, a professora Maria Thetis Nunes publicou cinqüenta e quatro trabalhos, estudando a vida e a obra de trinta e oito intelectuais. Foram vinte e cinco professores, sete historiadores, quatro políticos, quatro artistas plásticos, quatro literatos, três clérigos, três engenheiros, três médicos, dois militares, um economista, um arquiteto, um filólogo, um filósofo e um sociólogo.
Os dois primeiros estudos sobre intelectuais publicados por Maria Thetis Nunes datam do ano de 1968 : um trabalho sobre o escritor William Faulkner e um outro sobre D. Mário de Miranda Vilas Boas, importante líder do clero católico, formado pelas primeiras turmas do Seminário Diocesano Sagrado Coração de Jesus, criado em Sergipe no ano de 1913 pelo bispo D. José Thomaz.
Na década de 70 do século XX, foram dezessete os estudos sobre intelectuais produzidos pela autora aqui estudada. Os três estudos realizados no ano de 1972 versaram sobre arte , enfatizando os trabalhos do Aleijadinho e de Debret. Eles foram realizados no contexto das comemorações do sesquicentenário da independência do Brasil, celebrado naquele ano. Dos quatro trabalhos que circularam no ano de 1973, dois traziam a marca da polêmica. A autora produziu dois textos críticos a respeito da historiografia do professor Acrísio Torres Araújo , à época professor da Escola Normal Rui Barbosa, em Aracaju, e um celebrado autor de livros didáticos sobre a História de Sergipe. Os outros analisaram as trajetórias de vida de Clodomir Silva e Pero Vaz de Caminha . Em 1974 a literatura e a arte voltaram a ser temáticas da predileção de Maria Thetis Nunes nos seus estudos sobre intelectuais. De quatro trabalhos publicados, três tinham tal perfil: um estudo sobre Jenner Augusto , um outro sobre Horácio Hora e mais um a respeito da obra de Martin Fierro . O outro texto teve como preocupação os cinqüenta anos da morte do dicionarista Armindo Guaraná . Em 1975, apenas um trabalho sobre intelectuais, analisando a obra do professor José Calazans . No ano de 1976, a marca dos estudos sobre intelectuais publicados por Maria Thetis Nunes é a atividade médica: um texto sobre o médico Garcia Moreno e um outro a respeito de Manuel Bonfim . O terceiro trabalho versa sobre um militar . Um estudo sobre arquitetura marcou o ano de 1977, enquanto no ano seguinte a autora se voltou a estudar um professor do Atheneu Sergipense .
Durante a década de 80 está concentrada a maior parte da produção dos estudos de Maria Thetis Nunes sobre intelectuais. No período de 1980 a 1989, ela publicou vinte e dois trabalhos acerca do tema. Dois textos circularam em 1980, dedicados a estudar docentes contemporâneos da autora . Um deles, Joaquim Vieira Sobral, era o diretor do Atheneu Sergipense no momento em que, adolescente recém chegada de Itabaiana, Maria Thetis ingressou no curso ginasial, em 1935, conforme revela em entrevista que concedeu a Maria Nely Santos: “vivi a época mágica do Atheneu de grande desenvolvimento, de grande movimento cultural, de grandes professores e do grande diretor Joaquim Vieira Sobral, a quem eu devo muito por ter me dado um apoio forte” . No ano seguinte, mais um trabalho sobre o magistério . Desta vez um estudo muito importante para Maria Thetis, posto que examinava a figura do seu professor de História no Atheneu Sergipense, Arthur Fortes:


Arthur Fortes estava com 54 anos quando lhe ministrou a primeira aula de História. Daí em diante, ouviu e recebeu seus ensinamentos por sete anos ininterruptos. Tempo suficiente para o florescimento de uma amizade nutrida pelo respeito, pelo carinho e pela admiração. Como se não bastassem os dotes intelectuais do professor Arthur Fortes, fisicamente era uma figura bonita, elegante e carismática. Um gentleman. Tantas qualidades num só indivíduo impressionaram profundamente a jovem aluna, que acabou associando a figura do pai à dele .


Antes, porém, que se encerrasse o ano seria publicado um estudo tratando de um intelectual militar . O general José Inácio de Abreu e Lima durante toda a sua vida se notabilizou pela forma radical com que defendera suas posições liberais. Pertenceu ao estado-maior do exército de Simon Bolívar e ao voltar a Pernambuco, sua terra natal, tinha o prestígio que lhe foi conferido pelas condecorações que recebeu como libertador da Nova Granada e da Venezuela, depois de ter ficado ausente da terra onde nasceu, durante 24 anos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

OS ESTUDOS SOBRE INTELECTUAIS NA HISTORIOGRAFIA DE MARIA THETIS NUNES

A discussão a respeito dos intelectuais na historiografia de Maria Thetis Nunes feita por este trabalho está dividida em dois momentos. No primeiro são apresentados os dados da copiosa contribuição desta autora a esse campo de estudos específicos, colocando em relevo dados estatísticos a respeito da sua produção. Num segundo momento são analisados os traços dominantes da produção dessa historiadora sobre os intelectuais. São examinados, principalmente os temas e as abordagens pelos quais a autora opta.
São muito importantes os estudos em torno dos intelectuais. Recompor suas trajetórias, seus lugares suas intervenções na cena cultural e política pode ensejar uma compreensão mais acurada dos processos mediante os quais foram cotejados e postos em disputa padrões de formação da vida social. A obra da professora Maria Thetis Nunes tem se debruçado sobre um grande número de intelectuais que, de diferentes origens acadêmica e profissional deram suporte à vida cultural brasileira. Os intelectuais estudados por esta autora marcam a vida do Brasil.
Cabe, então, esclarecer o sentido deste trabalho. O que aqui foi chamado de “Os estudos sobre intelectuais na historiografia de Maria Thetis Nunes” é um trabalho introdutório acerca do modo como os intelectuais aparecem na obra da autora examinada . É evidente que toda a sua produção bibliográfica está pontuada pela presença de intelectuais e do diálogo que a autora mantém com estes. Contudo, o que interessa aqui não são as aparições referenciais, mas os estudos produzidos especificamente para analisar obras e trajetórias de vida dos intelectuais. Os limites deste texto estão, portanto, circunscritos aos cinqüenta e quatro trabalhos sobre intelectuais produzidos pela autora. O dado por si já demonstra o destaque que tem na obra de Maria Thetis Nunes o estudo da intelectualidade, uma vez que, estatisticamente, sem valorar a produção e computando-se apenas título por título, esse tipo de trabalho representa metade da produção da autora.
O trabalho de Maria Thetis Nunes pode ser avaliado pela sua produção como pesquisadora. A partir da sua posição no Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, ela publicou inúmeros livros e artigos sobre uma ampla diversidade de temas do campo, tornando-se referência importante para os estudos da área. No final da década de 50 do século XX e início da década de 60, ela foi uma aplicada estagiária do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, no qual se ligou a intelectuais como Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto, onde aprendeu a pesquisar sob o viés da teoria marxista tal como concebida pela esquerda isebiana. A obra de Maria Thetis Nunes é marcada por uma recorrente perspectiva teórica e pelo mesmo padrão metodológico que assumiu na década de 50. O viés interpretativo que a autora adotou assume ser a história fundamentalmente a história das lutas de classes. A partir daí ela fez uma série de operações analíticas, nas quais as evidências que extraiu das fontes se prestaram a localizar as relações entre burguesia e proletariado. Do mesmo modo, para identificar os interesses que as classes dominantes defendem.
Pelo pioneirismo dos seus estudos e pelo esmero com o rigor metodológico da perspectiva epistemológica que assumiu, Maria Thetis Nunes inspirou teórica e metodologicamente as gerações de pesquisadores que têm trabalhado tomando os seus estudos como fonte. Como ela, os que incorporaram os seus estudos assumiram os fundamentos do Marxismo. Por contraditório que possa parecer, o conjunto de estudos realizado por Maria Thetis Nunes sobre intelectuais leva à reflexão a respeito do papel que o indivíduo exerce na história. Thetis valoriza a importância do sujeito/indivíduo. Como lembra Vavy Pacheco Borges,


os problemas de interpretação de uma vida são riquíssimos, pois nos defrontam com tudo que constitui nossa própria vida e as dos que nos cercam. Num círculo vicioso, exigem de nós auto-conhecimento e preocupação com a compreensão dos outros seres humanos; mas, ao mesmo tempo, podem acabar por reforçar em nós tudo isso .


Ao estudar a trajetória dos intelectuais é necessário compreender as pressões sociais que atuam sobre o indivíduo. Este é um esforço presente nos estudos de Thetis Nunes. Não basta apenas produzir uma narrativa histórica, mas, como faz a autora, de certa maneira, elaborar um modelo teórico. Ela busca apreender na estrutura os modos através dos quais a sociedade atua sobre o indivíduo, uma vez que, como entende, mesmo sendo autônomo o intelectual está subordinado a tal estrutura, posto ser “simplesmente impossível para uma pessoa ter uma propensão natural geneticamente enraizada de fazer algo” .
É, portanto, objetivo deste estudo, conhecer os principais intelectuais sobre os quais Maria Thetis Nunes se debruçou, conhecer o esforço de compreensão da intelectualidade empreendido pela autora. É, portanto, uma leitura compreensiva que decorre da necessidade de examinar sob diferentes ângulos a obra de uma intelectual produtiva que têm atuado contemporaneamente no cenário dos estudos de História. É inegável que esse campo de estudo, que se detém sobre os intelectuais, tem visto crescer a sua importância nas últimas décadas e tem sido objeto da preocupação permanente dos historiadores. No caso dos estudos produzidos a partir da Universidade Federal de Sergipe, não é difícil obter tal comprovação .
O conjunto de estudos realizados por Maria Thetis Nunes é constituído principalmente por artigos publicados em revistas científicas e jornais. Sem dúvida, jornais e revistas são importantes publicações periódicas, veículos importantes para a difusão e legitimação do discurso dos intelectuais. “O jornal como veículo rápido de notícias, a revista menos sujeita às contingências da rapidez e mais adequada para refletir diferentes aspectos da vida cultural e atender a interesses específicos” . Mas, há também trabalhos em anais de eventos científicos dos quais ela participou e onde divulgou parte dessa produção, além das separatas que produziu. A maior parte dessas histórias de vida apresentadas por Maria Thetis se pautou em dados que invariavelmente incluem data e local de nascimento, filiação, prole, formação educacional, profissão, exercício de funções públicas e morte.
Em Thetis Nunes, os estudos sobre intelectuais têm cumprido diversos papéis. Dentre eles o de celebração de uma memória que cria vínculos de identidade entre os pesquisadores do tempo presente e autores e obras que atuaram sobre o tempo passado. A partir da discussão que Thetis Nunes faz com e sobre os seus intelectuais, emergem problemas que concernem à historiografia, à teoria da história que orienta a sua produção. Nos seus intelectuais, a autora busca os sentidos da experiência histórica e da vivência dos homens que analisa . Ao verificar essa experiência, ela trabalha o sentido da construção de um passado glorioso para o Brasil e os seus intelectuais. É explícita em relação a esse tipo de problema ao falar de Tobias Barreto e da defesa que fez este autor em relação aos direitos da mulher . Ou, quando apresenta o trabalho do historiador e político Felisbelo Freire , afirmando que o regimento da instrução pública aprovado por este governante do Estado de Sergipe, no período republicano, antecipou a reforma Benjamim Constant, implementada posteriormente a partir do Rio de Janeiro, a capital da nascente República. Esta é uma discussão ao gosto da historiadora Maria Thetis Nunes. A polêmica a respeito do pertencimento das idéias e a busca incansável das novidades que podem nascer na periferia.

sábado, 2 de outubro de 2010

JOSÉ CALASANS E OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO - IV

Através deste balanço, é possível perceber que os estudos de História da Educação realizados por José Calasans foram feitos como iniciativa individual. Nunes Mendonça e Maria Thétis Nunes receberam amparo institucional através do INEP, do ISEB e da Universidade Federal de Sergipe.
O pioneirismo dos estudos e o esmero com o rigor metodológico de José Calasans, Nunes Mendonça e Thétis Nunes foi o que fez com que eles se transformassem nessa espécie de “Santíssima Trindade” da historiografia educacional sergipana, inspirando teórica e metodologicamente as gerações de pesquisadores que têm trabalhado tomando os seus estudos como fonte. Mesmo se reconhecendo que no caso de Nunes Mendonça este fez História na condição de sociólogo. Do legado desses autores, a herança mais forte é tributária da teoria marxista assumida pelos trabalhos da pesquisadora Maria Thétis Nunes.
Nos estudos de Nunes Mendonça há “uma recorrência a 1930 como explicação para períodos posteriores” , numa delimitação temporal recorrente na historiografia da educação brasileira. Quanto a essa periodização, há uma marcante diferença em relação aos trabalhos de José Calasans e Maria Thétis Nunes que se debruçaram sobre o século XIX.
Os estudos sobre História da Educação produzidos em diferentes períodos e sob distintas perspectivas teóricas por esses três autores contribuíram, seja como estudos historiográficos de valor, seja como elementos de construção de uma memória. Mas, é importante abrir perspectivas para um exame mais aprofundado da natureza, qualidade e tendências dos seus trabalhos, bem como da contribuição dos diversos autores e instituições, analisando-os de per si. Sem a contribuição deles, teria sido muito difícil que ocorresse o que se pode observar em Sergipe a partir da década de 90 do século XX: um grande avanço dos estudos em História da Educação.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

JOSÉ CALASANS E OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO - III

OS USOS DA HERANÇA


O trabalho de José Calasans produziu bons resultados. Em 1958, sob os influxos da administração de Anísio Teixeira no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP, o professor José Antônio Nunes Mendonça publicou, pela Livraria Regina, os resultados da sua pesquisa, A educação em Sergipe. Todavia, o seu discurso está fortemente ancorado nos estudos que Calasans realizara anteriormente. O livro História da Educação em Sergipe, de Maria Thétis Nunes, publicado em 1984, pela Editora Paz e Terra, também toma muito das fontes trabalhadas por Calasans para a sua construção discursiva a respeito dos problemas educacionais da província de Sergipe.
O professor José Antônio Nunes Mendonça ao publicar o seu livro, A educação em Sergipe, inaugurou uma espécie de história de introdução na historiografia educacional sergipana. Usou a história sob a perspectiva do presentismo próprio aos estudos feitos à época, sob inspiração de A cultura brasileira, de Fernando de Azevedo , para construir um quadro interpretativo sob o qual a política educacional em Sergipe não fizera nenhum tipo de avanço antes que o grupo do autor sergipano passasse a intervir no palco da tomada de decisões. Ao utilizar a história dessa maneira, o professor Nunes Mendonça renunciou ao modelo historiográfico que fora legado por Calasans e optou por alguns usos da História que apreendera nos seus contatos com intelectuais como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, como se explicita na leitura da correspondência que trocava permanentemente com esses dois importantes estudiosos da educação brasileira. Como já foi demonstrado por vários trabalhos, principalmente


Azevedo traçou um percurso da educação no Brasil. Buscou no período jesuítico sua formação. Apontou na reforma pombalina a destruição do educacional então existente. E considerou o período republicano, principalmente fins da década de 1920, como a era da renovação educacional. Caracterizou os primeiros tempos da educação no Brasil como sendo uma fase literária e elitista. O que, segundo o autor só começou a mudar com a reforma educacional de 1928, ocorrida no Distrito Federal. Este fato teria sido responsável pelo caráter cientificista e democrático da educação no Brasil. Note-se que sua obra defendeu que o grupo ao qual o autor pertencia seria o responsável pela inauguração do verdadeiro ensino no país .


Maria Rita de Almeida Toledo afirma que o trabalho de Fernando de Azevedo pode ser definido principalmente pelo seu caráter histórico, posto que os problemas historiográficos não preocupavam o autor. Todavia, Azevedo estabeleceu os parâmetros delimitadores dos estudos sobre Educação que seriam adotados pelas gerações futuras de pesquisadores.
Não obstante as suas dificuldades historiográficas, Nunes Mendonça mantinha em comum com José Calasans a mesma crença, já referenciada, nas potencialidades civilizatórias da Educação. Os estudos de História da Educação realizados pelo professor Nunes Mendonça trazem a forte marca do esperançoso discurso da Pedagogia, carregado das certezas de um vir-a-ser coerente com os projetos que eram formulados. Daí a ênfase ter sido posta naquilo “que deveria ser a realidade e não naquilo que ela é. Essa ligação também gerou uma tendência em explicar os fenômenos educativos do passado por si mesmos, sem nenhuma relação com outros aspectos da sociedade”. Rigorosamente, a produção de Nunes Mendonça foi menos História da Educação e mais Sociologia, Filosofia e Pedagogia. No seu trabalho a História é um processo contínuo que objetiva um fim previamente definido.
Sob a ótica do rigor historiográfico, Maria Thétis Nunes, certamente recebeu uma formação mais refinada que a de Nunes Mendonça. Por isto, mesmo se distanciando de José Calasans do ponto de vista teórico, ela esteve mais próxima na condição de cultora do uso das fontes. Foi com ela que os pesquisadores de História da Educação em Sergipe assumiram as interpretações de caráter marxista em seus textos, a partir de 1962, com a publicação do livro Ensino secundário e sociedade brasileira . Maria Thétis Nunes, a sua autora, era uma aplicada estagiária do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, no qual se ligou a intelectuais como Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto. Apesar desse primeiro livro encontrar dificuldades para continuar circulando no Brasil sob a ditadura militar a partir de 1964, a autora manteve a sua atividade de pesquisadora, trabalhando sob o viés da teoria marxista tal como concebida pela esquerda isebiana. Em 1984, Thétis Nunes publicou a História da Educação em Sergipe, mantendo a mesma perspectiva teórica e o mesmo rigor metodológico que assumira já no estudo de 1962. Historiadora de profissão, ao tratar da Educação sob a perspectiva isebiana, Thétis assumiu o viés interpretativo que diz ser a História fundamentalmente a história das lutas de classes, licenciando-se para, a partir daí, fazer uma série de operações analíticas, nas quais as evidências que extrai das fontes se prestam a localizar as relações entre burguesia e proletariado. Também para identificar os interesses que as classes dominantes defendem. A maior parte dos seus estudos recebeu a marca do determinismo econômico e subordinou o movimento da história exclusivamente às estruturas e à dinâmica da economia.
Na sua interpretação assumiu também os pressupostos da História monumento que Fernando de Azevedo estabeleceu , sob os quais somente se viabiliza uma política educacional consistente no Brasil depois que o campo foi dominado pela ação dos chamados “Pioneiros da Educação Nova”.


Apoiada nos marcos cronológicos estabelecidos por Fernando de Azevedo, lançou seu olhar sobre a legislação referente à educação no período em foco. Para contextualizar o seu objeto se valeu de fontes secundárias (bibliográficas e manuscritas) a fim de apreender o panorama econômico, base do seu estudo. Entendeu que a educação no Brasil, desde as suas origens, se constituiu num transplante de idéias importadas de outras realidades e que, por isso não se ajustavam ao panorama nacional. Dessa forma, afirmou que o Estado sempre abdicou da responsabilidade sobre o sistema educacional. Apoiando-se em sólida base documental, Thétis Nunes interrogou suas fontes de modo a manter a escrita da história dentro do viés econômico determinista. Sua obra é ponto de referência .


Isso reflete o interesse pelo campo da História da Educação e a importância que passou a ter naquela década a pesquisadora Maria Thétis Nunes. Sozinha, até os dias atuais, e partindo da sua posição no Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, ela publicou vinte e três trabalhos sobre o tema. Um deles, o seu livro História da Educação em Sergipe, veio se juntar aos trabalhos anteriormente produzidos por José Calasans e Nunes Mendonça, tornando-se referência obrigatória dentre os estudos sergipanos da área.

sábado, 25 de setembro de 2010

JOSÉ CALASANS E OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO - II

Ao estudar a história do Colégio Imaculada Conceição, no município de Capela, instituição dirigida pelas irmãs concepcionistas, Sandra Maria dos Santos registrou alguns embates que ocorreram entre a equipe que José Calasans integrava e as freiras que comandavam aquela instituição escolar. No livro de crônicas do Colégio, as irmãs escreveram que a equipe comandada pelo professor Arício Fortes chegou de surpresa para uma inspeção: além de não ter havido qualquer prévio aviso, era o dia 17 de março de 1938, data na qual ninguém esperava tal visita, pois Aracaju celebrava naquele ocasião o 83o aniversário da mudança da capital: “o fizeram de um modo grosseiro e desdenhoso nos livros do secretário e nos aposentos da casa destinados às alunas internas e externas”. Estes embates e as queixas que deles ficaram registradas devem ser tomados e entendidos no contexto dos conflitos do período e são reveladores da importância do tipo de trabalho que realizava Calasans naquele momento, como bem diz trecho de uma carta enviada por Alceu Amoroso Lima a Gustavo Capanema no dia 19 de março do ano de 1935: “no terreno da educação, é que se está travando a grande batalha moderna das idéias”.
Calasans procurou revestir a sua atuação profissional no Departamento de Educação de um caráter eminentemente técnico, tal como o fizeram outros intelectuais que trabalharam sob as mesmas circunstâncias em diferentes níveis de governo e regiões do Brasil, a exemplo de Lourenço Filho que dirigiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep, como Calasans, também defensor de idéias próprias ao movimento da Escola Nova. O professor sergipano defendia as idéias que Alceu Amoroso Lima considerava “naturalista, materialista, imediatista e estatista”, no dizer de Raquel Gandini, em Intelectuais, Estado e Educação.
Inspecionar as escolas foi importante para o Estado Novo, porque a inspeção se colocou para a administração pública como uma tecnologia que possibilitava o controle, a regulamentação, o reconhecimento e a cassação das atividades das escolas e dos professores. A presença de Calasans no Departamento de Educação se colocava sob o contexto das necessidades dessa política que impôs ao Estado de Sergipe o remanejamento e a reorganização da sua rede de escolas, o aparelhamento dos seus órgãos centrais, a admissão e remoção de professores, coisas que ocorreram na segunda metade da década de 30 e durante a primeira metade do decênio seguinte.


A HISTORIOGRAFIA EDUCACIONAL DE CALASANS


Foi na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe que circulou o texto do professor José Calasans, “Ensino público em Aracaju – (1830-1871)” . Trata-se da primeira incursão do autor na área. Depois disso, em 1992, o Governo do Estado de Sergipe publicou, através da Fundação Estadual de Cultura – Fundesc, o livro Aracaju e outros temas sergipanos , no qual estão inclusos dois textos do campo da História da Educação: um sobre livros didáticos e um outro enfocando o trabalho do professor Brício Cardoso e o ensino normal em Sergipe.
Do texto de José Calasans que circulou na edição 1949/51 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, “Ensino público em Aracaju (1830-1871)”, é possível afirmar ter sido o primeiro estudo de História da Educação em Sergipe que tinha um compromisso com os métodos da História e que buscou entender o processo efetivamente vivido. O rigor metodológico do professor Calasans apontava para a necessidade da construção de uma História da Educação em Aracaju dedicada às instituições educacionais, práticas escolares, movimentos estudantis e outros objetos. Os seus estudos da área são textos fundadores. A partir deles foi periodizada, pela primeira vez, a História da Educação em Aracaju.
O primeiro período que Calasans estabeleceu corresponde aos anos de 1830 a 1855, dando ênfase à mudança da capital da cidade de São Cristóvão para a cidade de Aracaju, fundada no mesmo ano de 1855, e suas implicações na Educação. O segundo período, de 1855 a 1871, faz referência ao ensino masculino, às dificuldades de implantação das cadeiras de Latim, Filosofia e Francês e ao sucesso do ensino feminino. Além de dar importância à figura do professor Brício Cardoso como diretor da Escola Normal, revelando a utilização do método Lancaster ou Monitorial na instituição.
Até agora, seis trabalhos historiográficos voltaram o seu olhar para os estudos de História da Educação em Sergipe realizados por Calasans: o compêndio de Maria Thétis Nunes; um estudo de Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas; um de Cristina Almeida Valença; e, três de Jorge Carvalho do Nascimento, dos quais um deles produzido em parceria com Itamar Freitas. Este último texto, intitulado “A temática da educação na Revista do IHGS”, é revelador da importância de José Calasans como estudioso da História da Educação em Sergipe:


O trabalho de José Calasans é (...) o mais importante dentre os que se especializaram na área, durante a primeira metade do século XX. (...) Nos anos 1940, José Calasans já incorporara o discurso que os historiadores do nosso tempo legaram ao campo da História da Educação. O professor Calasans propõe que a história da educação da cidade de Aracaju seja estudada, levando-se em consideração instituições e práticas escolares. No seu tempo, a maior parte dos textos da área privilegiava as idéias pedagógicas e a organização legislativa dos sistemas de ensino. Inversamente, Calasans analisa e dá sentido ao trabalho de professoras e professores primários e secundários; às práticas do ensino público e do ensino privado; à ação estudantil; às experiências pedagógicas; aos edifícios e aos equipamentos escolares.


O fato de o primeiro estudo de História da Educação em Sergipe do qual efetivamente se pode afirmar que tinha um compromisso com os métodos da História e que buscou entender o processo efetivamente vivido ter sido o inaugural artigo do professor José Calasans, “Ensino público em Aracaju (1830-1871)”, de 1951, é por si mais do que suficiente para revelar a importância deste pesquisador da Educação. A sua crença nas potencialidades civilizatórias educacionais, própria da geração dos brasileiros que foram influenciados pelo movimento da Educação Nova, ao lado do seu rigor historiográfico, são indicadores, quando acrescidos dos argumentos até agora esboçados, da necessidade de que é urgente aos pesquisadores de História da Educação a tarefa de estudar com seriedade e profundidade a contribuição de José Calasans.

JOSÉ CALASANS E OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

A partir da década de 50 do século XX, três importantes pesquisadores contribuíram para com a consolidação do campo de estudos da História da Educação em Sergipe: José Calasans, Nunes Mendonça e Maria Thétis Nunes. Tentar compreender hoje como se configura o quadro dos estudos dessa disciplina em Sergipe é dialogar com esta “Santíssima Trindade” de estudiosos e perceber que alguns elementos interpretativos legados por eles continuam presentes na produção historiográfica educacional dos nossos dias. O propósito deste trabalho é verificar um pouco da atuação desses autores e as diferentes leituras que dela foi feita por seguidores e oponentes e as circunstâncias sob as quais as suas contribuições circularam, principalmente a partir do pioneiro trabalho realizado pelo professor José Calasans.
Em 1951, Calasans publicou o artigo “Ensino público em Aracaju – (1830-1871)” , marco fundador do campo sergipano desse tipo de estudo. No final da mesma década, em 1958, foi publicado pela Livraria Regina o livro do professor Nunes Mendonça, A Educação em Sergipe . Em 1962, como estagiária do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, Maria Thétis Nunes publicou Ensino secundário e sociedade brasileira e, em 1984, como professora do Departamento de História da Universidade Federal, a História da Educação em Sergipe , a única síntese produzida até hoje sobre o assunto.


O PROFESSOR CALASANS


Ainda são incipientes os estudos que têm se debruçado sobre o trabalho de José Calasans como pesquisador da História da Educação. A sua importância como pesquisador da História do Brasil tem chamado a atenção de muitos estudiosos da historiografia brasileira para a obra deste sergipano que passou a maior parte da sua vida produtiva vivendo na cidade de Salvador, onde se vinculou institucionalmente à Universidade Federal da Bahia, na qual chegou a exercer a função de vice-reitor. A produção baiana de José Calasans despertou muita curiosidade, principalmente nos estudiosos dos episódios que envolvem a guerra de Canudos e a saga de Antônio Conselheiro, tema do qual ele se transformou num dos mais importantes dentre os muitos pesquisadores. Não obstante a sua grande contribuição ao campo da História na UFBA, José Calasans deixou registros da sua marca de pesquisador em Sergipe, antes de mudar-se para a Bahia. Esses registros tem sido objeto da preocupação de poucos pesquisadores, é certo, mas de modo crescente vem merecendo reflexões por parte de estudiosos como Maria Thétis Nunes e Luiz Antonio Barreto. Também digno de registro é o trabalho de Carlos Antônio dos Santos, O Senhor da Velha Guarda: notas acerca do pensamento historiográfico de José Calasans. Trata-se de uma monografia apresentada para conclusão do curso de graduação em História da UFS no ano de 1999, sob a orientação da professora Lenalda Andrade Santos.
Nos últimos tempos, a obra de Calasans encontrou em Itamar Freitas um bom inventariante e analista. Ao encerrar uma série de artigos que publicou no jornal Gazeta de Sergipe sob o título “Diálogos com Calasans”, este autor afirma que buscou “demonstrar o valor do trabalho pioneiro de Calasans, tanto em relação à história da historiografia como no esboço do tipo ideal de escrita da história no início dos anos 1970”. Depois de destacar a vida social, a política e a cultura, o analista aqui citado acrescenta a importância da “atividade historiadora em pelo menos três ‘gêneros’ trabalhados por Calasans: historiografia didática, biografia, e história dos municípios”.
Há um aspecto pouco difundido da vida e da obra de José Calasans: as suas contribuições à Educação em Sergipe, tomadas sob três pontos de vista - o do professor, o do administrador da política educacional e o do pesquisador de História da Educação. A preocupação central deste trabalho diz respeito a sua contribuição como historiador da Educação.
Com toda certeza, todos têm conhecimento do óbvio fato de haver Calasans contribuído como professor, posto que esta foi, ao longo da sua vida, a sua mais importante atividade laboral. Mas, quando se trata de dar conteúdo a este aspecto da sua existência, são quase inexistentes os estudos que nos permitam compreender quem foi o professor Calasans, sob quais padrões intelectuais atuou e de que modo se vinculou institucionalmente. Falo não da sua atividade como docente e pesquisador da Universidade Federal da Bahia, mas sim busco os registros do seu trabalho nas instituições escolares de Sergipe, antes da sua mudança para Salvador. Alguns estudos da área indicam que o professor aqui analisado atuou como docente da Escola Normal Rui Barbosa, em Aracaju, a partir da década de 40 do século XX, mas ainda não deram conta de esclarecer o seu trabalho na congregação daquele centro de formação de professores, o programa que oferecia nas disciplinas que ministrava, os livros que adotava, sua relação com os alunos e outros aspectos da sua prática pedagógica. Os estudiosos do campo até agora centraram as suas atenções, ainda que timidamente, apenas sobre a tese de concurso com a qual ele foi aprovado, em 1942, para a cadeira de História do Brasil e de Sergipe: Aracaju: contribuição à História da capital de Sergipe, trabalho publicado no mesmo ano de 1942 pela Livraria Regina.
Como administrador da política educacional, José Calasans integrou a equipe do professor Arício Fortes, quando este dirigiu o Departamento de Educação do Estado de Sergipe. Ao ocupar tal cargo, o diretor geral Arício Fortes se assessorou do professor José Calasans, que ocupou a função de Assistente Técnico. O professor José de Alencar Cardoso, o Zezinho Cardoso, também integrava o núcleo central do poder no Departamento, na condição de Inspetor Geral do Ensino Primário. Eles três, juntos, faziam de dois em dois meses visitas inspecionadoras, sem prévio aviso, a determinados estabelecimentos de ensino. Os estudos de História da Educação em Sergipe ainda não deram conta de esquadrinhar esse período da história das práticas escolares no Estado. Todavia, alguns trabalhos já forneceram indícios que podem permitir uma melhor compreensão da importância que tinham naquele período as práticas de inspeção escolar.
Como intelectual, Calasans participava de um importante órgão administrativo do Estado, o que impõe a necessidade de realização de estudos que auxiliem a compreender a sua visão, o seu papel e a sua relação com a sociedade e com a Educação. Na sua função de Assistente Técnico do Departamento de Educação, Calasans foi um dos profissionais encarregados de propor e fundamentar técnica e cientificamente a política educacional do Estado Novo em Sergipe. Política que nacionalmente sofria fortes influxos do pensamento de Alceu Amoroso Lima, certamente um dos intelectuais que mais opinou durante a gestão de Gustavo Capanema. Isto não significava uma generalização das formas de pensar e agir de todos os agentes intelectuais que desempenhavam os seus papéis técnicos. Assim, não obstante a intransigente defesa do ensino religioso católico feita por Alceu de Amoroso Lima, não foram poucos os conflitos vividos em Sergipe entre José Calasans e os demais membros da equipe do diretor do Departamento de Educação, Arício Fortes, quando juntos tomaram medidas que desagradaram os interesses das instituições escolares mantidas pela Igreja Católica no Estado.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A REMUNERAÇÃO, OS CONCURSOS E ALGUNS PROFESSORES E PROFESSORAS: ASPECTOS DA PROFISSÃO DOCENTE NA HISTÓRIA DE ARACAJU

A organização do sistema de ensino da nova capital da Província de Sergipe começou em abril de 1855. Naquele ano, em Aracaju, existiam apenas duas Cadeiras de Instrução Primária: uma masculina e outra feminina . Além destas, funcionavam duas Cadeiras de Instrução Secundária: uma de Latim e outra de Filosofia . O Liceu de São Cristóvão foi extinto e a sua Cadeira de Filosofia transferida para Aracaju . Na mesma oportunidade, a cidade ganhou uma Cadeira de Gramática e Língua Latina . A Cadeira de primeiras letras do sexo feminino da vila de Socorro e a Cadeira de primeiras letras do sexo masculino de São Cristóvão foram ambas transferidas para a capital. Além disso, em setembro de 1856, foi criada uma outra Cadeira de primeiras letras para o sexo masculino em Aracaju .
A partir de junho de 1858, o professor Braz Diniz Villas-Boas, já jubilado, assumiu a regência da Cadeira de Latim, ocupando-a até 11 de junho de 1864, quando foi outra vez aposentado . Em julho do mesmo ano de 1864 foram criadas as seguintes Cadeiras de Instrução Secundária: Gramática e Língua Francesa; Gramática e Língua Inglesa; Aritmética, Álgebra e Geometria; Geografia e História; Gramática Filosófica e Análise dos Clássicos; Pedagogia ; Instrução Religiosa; Caligrafia; Noções Gerais de Geometria Plana e Noções sobre Pesos e Medidas do Império . Todos esses cargos deveriam ser providos através de concurso, em exame público prestado perante o presidente da Província. As aulas das novas disciplinas criadas deveriam ser ministradas de segunda a sábado, à exceção dos dias santos e feriados. A Província deveria fornecer as casas e os utensílios necessários às aulas públicas de primeiras letras, enquanto o professor de Pedagogia teria o status de professor de escola normal. No seu programa de trabalho estava prevista uma preleção diária sobre instrução religiosa. Esse mesmo professor deveria inspecionar as aulas de primeiras letras e estimular que os alunos destinados à carreira do magistério atuassem como monitores dos exercícios escolares.
Os futuros professores deveriam fazer estudos complementares de Aritmética, Gramática Filosófica, Geografia e História, Instrução Religiosa, Caligrafia, Noções Gerais de Geometria e Noções sobre Pesos e Medidas do Império. Este programa era exclusivo para os homens. No caso das mulheres que seguiriam a carreira do magistério, era facultado adquirir particularmente o conhecimento das disciplinas “que fazem o objeto do ensino do seu sexo” . Os que pretendiam exercer o magistério elementar, atuando na instrução primária, deveriam realizar os estudos normais complementares durante um período de dois anos.
Todo esse conjunto de providências, prescritas pela Resolução n. 713, de 20 de julho de 1864, tinha dois objetivos: estabelecer uma Escola Normal em Sergipe e extinguir o Liceu Sergipense, que funcionava em São Cristóvão, a antiga capital.
O processo de formação de um sistema de ensino eficaz em Aracaju se ampliou em 1868, com a criação de mais duas Cadeiras do ensino primário: uma do sexo masculino e outra do sexo feminino .
Os professores do ensino primário da Vila de Santo Antônio do Aracaju receberam algumas vantagens, mas tiveram que esperar vinte anos, após a vigência da Resolução 413, de 17 de março de 1855, para gozarem dos mesmos privilégios que eram concedidos aos professores que atuavam na antiga capital da Província, São Cristóvão. Somente em 1875 uma Resolução da Assembléia Provincial concedeu a equiparação . Anteriormente, em 1866, a professora de ensino primário da capital passara a ter os mesmos vencimentos e vantagens do professor do sexo masculino . Para o sexo feminino, mais uma outra Cadeira do ensino primário voltou a ser criada em 1870 . Em 1878, existiam cinco Cadeiras públicas do ensino primário para o sexo feminino, regidas pelas seguintes professoras: Francisca Xavier do Monte Carmelo, no Alto do Pirro; Francina da Glória Muniz Telles, na rua de Japaratuba; Anna Resende Mundim, na Praça da Matriz; Esmeralda Alcina de Barros, na rua de Itabaiana; e, Mathilde d´Oliveira, na casa da Secretaria da Polícia. As cadeiras públicas de ensino primário para o sexo masculino, estavam distribuídas da seguinte maneira: Alexandre José Teixeira, Alto do Pirro; José Avelino de Moraes, na casa da Secretaria da Polícia; e, Cypriano José Pinheiro, na Praça da Matriz .
Durante o último quartel do século XIX, o governo da Província foi pródigo na criação de Cadeiras destinadas ao ensino elementar misto. A criação de tais Cadeiras não significa que meninos e meninas passaram a freqüentar a mesma sala de aula. Na verdade, especificamente misto, era o professor. Essas Cadeiras funcionavam com duas sessões diárias: uma que funcionava das nove às doze horas, destinada aos alunos de um sexo, e outra das duas às cinco horas da tarde, para os alunos do outro sexo .