sábado, 25 de setembro de 2010

JOSÉ CALASANS E OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

A partir da década de 50 do século XX, três importantes pesquisadores contribuíram para com a consolidação do campo de estudos da História da Educação em Sergipe: José Calasans, Nunes Mendonça e Maria Thétis Nunes. Tentar compreender hoje como se configura o quadro dos estudos dessa disciplina em Sergipe é dialogar com esta “Santíssima Trindade” de estudiosos e perceber que alguns elementos interpretativos legados por eles continuam presentes na produção historiográfica educacional dos nossos dias. O propósito deste trabalho é verificar um pouco da atuação desses autores e as diferentes leituras que dela foi feita por seguidores e oponentes e as circunstâncias sob as quais as suas contribuições circularam, principalmente a partir do pioneiro trabalho realizado pelo professor José Calasans.
Em 1951, Calasans publicou o artigo “Ensino público em Aracaju – (1830-1871)” , marco fundador do campo sergipano desse tipo de estudo. No final da mesma década, em 1958, foi publicado pela Livraria Regina o livro do professor Nunes Mendonça, A Educação em Sergipe . Em 1962, como estagiária do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, Maria Thétis Nunes publicou Ensino secundário e sociedade brasileira e, em 1984, como professora do Departamento de História da Universidade Federal, a História da Educação em Sergipe , a única síntese produzida até hoje sobre o assunto.


O PROFESSOR CALASANS


Ainda são incipientes os estudos que têm se debruçado sobre o trabalho de José Calasans como pesquisador da História da Educação. A sua importância como pesquisador da História do Brasil tem chamado a atenção de muitos estudiosos da historiografia brasileira para a obra deste sergipano que passou a maior parte da sua vida produtiva vivendo na cidade de Salvador, onde se vinculou institucionalmente à Universidade Federal da Bahia, na qual chegou a exercer a função de vice-reitor. A produção baiana de José Calasans despertou muita curiosidade, principalmente nos estudiosos dos episódios que envolvem a guerra de Canudos e a saga de Antônio Conselheiro, tema do qual ele se transformou num dos mais importantes dentre os muitos pesquisadores. Não obstante a sua grande contribuição ao campo da História na UFBA, José Calasans deixou registros da sua marca de pesquisador em Sergipe, antes de mudar-se para a Bahia. Esses registros tem sido objeto da preocupação de poucos pesquisadores, é certo, mas de modo crescente vem merecendo reflexões por parte de estudiosos como Maria Thétis Nunes e Luiz Antonio Barreto. Também digno de registro é o trabalho de Carlos Antônio dos Santos, O Senhor da Velha Guarda: notas acerca do pensamento historiográfico de José Calasans. Trata-se de uma monografia apresentada para conclusão do curso de graduação em História da UFS no ano de 1999, sob a orientação da professora Lenalda Andrade Santos.
Nos últimos tempos, a obra de Calasans encontrou em Itamar Freitas um bom inventariante e analista. Ao encerrar uma série de artigos que publicou no jornal Gazeta de Sergipe sob o título “Diálogos com Calasans”, este autor afirma que buscou “demonstrar o valor do trabalho pioneiro de Calasans, tanto em relação à história da historiografia como no esboço do tipo ideal de escrita da história no início dos anos 1970”. Depois de destacar a vida social, a política e a cultura, o analista aqui citado acrescenta a importância da “atividade historiadora em pelo menos três ‘gêneros’ trabalhados por Calasans: historiografia didática, biografia, e história dos municípios”.
Há um aspecto pouco difundido da vida e da obra de José Calasans: as suas contribuições à Educação em Sergipe, tomadas sob três pontos de vista - o do professor, o do administrador da política educacional e o do pesquisador de História da Educação. A preocupação central deste trabalho diz respeito a sua contribuição como historiador da Educação.
Com toda certeza, todos têm conhecimento do óbvio fato de haver Calasans contribuído como professor, posto que esta foi, ao longo da sua vida, a sua mais importante atividade laboral. Mas, quando se trata de dar conteúdo a este aspecto da sua existência, são quase inexistentes os estudos que nos permitam compreender quem foi o professor Calasans, sob quais padrões intelectuais atuou e de que modo se vinculou institucionalmente. Falo não da sua atividade como docente e pesquisador da Universidade Federal da Bahia, mas sim busco os registros do seu trabalho nas instituições escolares de Sergipe, antes da sua mudança para Salvador. Alguns estudos da área indicam que o professor aqui analisado atuou como docente da Escola Normal Rui Barbosa, em Aracaju, a partir da década de 40 do século XX, mas ainda não deram conta de esclarecer o seu trabalho na congregação daquele centro de formação de professores, o programa que oferecia nas disciplinas que ministrava, os livros que adotava, sua relação com os alunos e outros aspectos da sua prática pedagógica. Os estudiosos do campo até agora centraram as suas atenções, ainda que timidamente, apenas sobre a tese de concurso com a qual ele foi aprovado, em 1942, para a cadeira de História do Brasil e de Sergipe: Aracaju: contribuição à História da capital de Sergipe, trabalho publicado no mesmo ano de 1942 pela Livraria Regina.
Como administrador da política educacional, José Calasans integrou a equipe do professor Arício Fortes, quando este dirigiu o Departamento de Educação do Estado de Sergipe. Ao ocupar tal cargo, o diretor geral Arício Fortes se assessorou do professor José Calasans, que ocupou a função de Assistente Técnico. O professor José de Alencar Cardoso, o Zezinho Cardoso, também integrava o núcleo central do poder no Departamento, na condição de Inspetor Geral do Ensino Primário. Eles três, juntos, faziam de dois em dois meses visitas inspecionadoras, sem prévio aviso, a determinados estabelecimentos de ensino. Os estudos de História da Educação em Sergipe ainda não deram conta de esquadrinhar esse período da história das práticas escolares no Estado. Todavia, alguns trabalhos já forneceram indícios que podem permitir uma melhor compreensão da importância que tinham naquele período as práticas de inspeção escolar.
Como intelectual, Calasans participava de um importante órgão administrativo do Estado, o que impõe a necessidade de realização de estudos que auxiliem a compreender a sua visão, o seu papel e a sua relação com a sociedade e com a Educação. Na sua função de Assistente Técnico do Departamento de Educação, Calasans foi um dos profissionais encarregados de propor e fundamentar técnica e cientificamente a política educacional do Estado Novo em Sergipe. Política que nacionalmente sofria fortes influxos do pensamento de Alceu Amoroso Lima, certamente um dos intelectuais que mais opinou durante a gestão de Gustavo Capanema. Isto não significava uma generalização das formas de pensar e agir de todos os agentes intelectuais que desempenhavam os seus papéis técnicos. Assim, não obstante a intransigente defesa do ensino religioso católico feita por Alceu de Amoroso Lima, não foram poucos os conflitos vividos em Sergipe entre José Calasans e os demais membros da equipe do diretor do Departamento de Educação, Arício Fortes, quando juntos tomaram medidas que desagradaram os interesses das instituições escolares mantidas pela Igreja Católica no Estado.

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