segunda-feira, 27 de setembro de 2010

JOSÉ CALASANS E OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO - III

OS USOS DA HERANÇA


O trabalho de José Calasans produziu bons resultados. Em 1958, sob os influxos da administração de Anísio Teixeira no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP, o professor José Antônio Nunes Mendonça publicou, pela Livraria Regina, os resultados da sua pesquisa, A educação em Sergipe. Todavia, o seu discurso está fortemente ancorado nos estudos que Calasans realizara anteriormente. O livro História da Educação em Sergipe, de Maria Thétis Nunes, publicado em 1984, pela Editora Paz e Terra, também toma muito das fontes trabalhadas por Calasans para a sua construção discursiva a respeito dos problemas educacionais da província de Sergipe.
O professor José Antônio Nunes Mendonça ao publicar o seu livro, A educação em Sergipe, inaugurou uma espécie de história de introdução na historiografia educacional sergipana. Usou a história sob a perspectiva do presentismo próprio aos estudos feitos à época, sob inspiração de A cultura brasileira, de Fernando de Azevedo , para construir um quadro interpretativo sob o qual a política educacional em Sergipe não fizera nenhum tipo de avanço antes que o grupo do autor sergipano passasse a intervir no palco da tomada de decisões. Ao utilizar a história dessa maneira, o professor Nunes Mendonça renunciou ao modelo historiográfico que fora legado por Calasans e optou por alguns usos da História que apreendera nos seus contatos com intelectuais como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, como se explicita na leitura da correspondência que trocava permanentemente com esses dois importantes estudiosos da educação brasileira. Como já foi demonstrado por vários trabalhos, principalmente


Azevedo traçou um percurso da educação no Brasil. Buscou no período jesuítico sua formação. Apontou na reforma pombalina a destruição do educacional então existente. E considerou o período republicano, principalmente fins da década de 1920, como a era da renovação educacional. Caracterizou os primeiros tempos da educação no Brasil como sendo uma fase literária e elitista. O que, segundo o autor só começou a mudar com a reforma educacional de 1928, ocorrida no Distrito Federal. Este fato teria sido responsável pelo caráter cientificista e democrático da educação no Brasil. Note-se que sua obra defendeu que o grupo ao qual o autor pertencia seria o responsável pela inauguração do verdadeiro ensino no país .


Maria Rita de Almeida Toledo afirma que o trabalho de Fernando de Azevedo pode ser definido principalmente pelo seu caráter histórico, posto que os problemas historiográficos não preocupavam o autor. Todavia, Azevedo estabeleceu os parâmetros delimitadores dos estudos sobre Educação que seriam adotados pelas gerações futuras de pesquisadores.
Não obstante as suas dificuldades historiográficas, Nunes Mendonça mantinha em comum com José Calasans a mesma crença, já referenciada, nas potencialidades civilizatórias da Educação. Os estudos de História da Educação realizados pelo professor Nunes Mendonça trazem a forte marca do esperançoso discurso da Pedagogia, carregado das certezas de um vir-a-ser coerente com os projetos que eram formulados. Daí a ênfase ter sido posta naquilo “que deveria ser a realidade e não naquilo que ela é. Essa ligação também gerou uma tendência em explicar os fenômenos educativos do passado por si mesmos, sem nenhuma relação com outros aspectos da sociedade”. Rigorosamente, a produção de Nunes Mendonça foi menos História da Educação e mais Sociologia, Filosofia e Pedagogia. No seu trabalho a História é um processo contínuo que objetiva um fim previamente definido.
Sob a ótica do rigor historiográfico, Maria Thétis Nunes, certamente recebeu uma formação mais refinada que a de Nunes Mendonça. Por isto, mesmo se distanciando de José Calasans do ponto de vista teórico, ela esteve mais próxima na condição de cultora do uso das fontes. Foi com ela que os pesquisadores de História da Educação em Sergipe assumiram as interpretações de caráter marxista em seus textos, a partir de 1962, com a publicação do livro Ensino secundário e sociedade brasileira . Maria Thétis Nunes, a sua autora, era uma aplicada estagiária do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, no qual se ligou a intelectuais como Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto. Apesar desse primeiro livro encontrar dificuldades para continuar circulando no Brasil sob a ditadura militar a partir de 1964, a autora manteve a sua atividade de pesquisadora, trabalhando sob o viés da teoria marxista tal como concebida pela esquerda isebiana. Em 1984, Thétis Nunes publicou a História da Educação em Sergipe, mantendo a mesma perspectiva teórica e o mesmo rigor metodológico que assumira já no estudo de 1962. Historiadora de profissão, ao tratar da Educação sob a perspectiva isebiana, Thétis assumiu o viés interpretativo que diz ser a História fundamentalmente a história das lutas de classes, licenciando-se para, a partir daí, fazer uma série de operações analíticas, nas quais as evidências que extrai das fontes se prestam a localizar as relações entre burguesia e proletariado. Também para identificar os interesses que as classes dominantes defendem. A maior parte dos seus estudos recebeu a marca do determinismo econômico e subordinou o movimento da história exclusivamente às estruturas e à dinâmica da economia.
Na sua interpretação assumiu também os pressupostos da História monumento que Fernando de Azevedo estabeleceu , sob os quais somente se viabiliza uma política educacional consistente no Brasil depois que o campo foi dominado pela ação dos chamados “Pioneiros da Educação Nova”.


Apoiada nos marcos cronológicos estabelecidos por Fernando de Azevedo, lançou seu olhar sobre a legislação referente à educação no período em foco. Para contextualizar o seu objeto se valeu de fontes secundárias (bibliográficas e manuscritas) a fim de apreender o panorama econômico, base do seu estudo. Entendeu que a educação no Brasil, desde as suas origens, se constituiu num transplante de idéias importadas de outras realidades e que, por isso não se ajustavam ao panorama nacional. Dessa forma, afirmou que o Estado sempre abdicou da responsabilidade sobre o sistema educacional. Apoiando-se em sólida base documental, Thétis Nunes interrogou suas fontes de modo a manter a escrita da história dentro do viés econômico determinista. Sua obra é ponto de referência .


Isso reflete o interesse pelo campo da História da Educação e a importância que passou a ter naquela década a pesquisadora Maria Thétis Nunes. Sozinha, até os dias atuais, e partindo da sua posição no Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, ela publicou vinte e três trabalhos sobre o tema. Um deles, o seu livro História da Educação em Sergipe, veio se juntar aos trabalhos anteriormente produzidos por José Calasans e Nunes Mendonça, tornando-se referência obrigatória dentre os estudos sergipanos da área.

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