sábado, 25 de setembro de 2010

JOSÉ CALASANS E OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO - II

Ao estudar a história do Colégio Imaculada Conceição, no município de Capela, instituição dirigida pelas irmãs concepcionistas, Sandra Maria dos Santos registrou alguns embates que ocorreram entre a equipe que José Calasans integrava e as freiras que comandavam aquela instituição escolar. No livro de crônicas do Colégio, as irmãs escreveram que a equipe comandada pelo professor Arício Fortes chegou de surpresa para uma inspeção: além de não ter havido qualquer prévio aviso, era o dia 17 de março de 1938, data na qual ninguém esperava tal visita, pois Aracaju celebrava naquele ocasião o 83o aniversário da mudança da capital: “o fizeram de um modo grosseiro e desdenhoso nos livros do secretário e nos aposentos da casa destinados às alunas internas e externas”. Estes embates e as queixas que deles ficaram registradas devem ser tomados e entendidos no contexto dos conflitos do período e são reveladores da importância do tipo de trabalho que realizava Calasans naquele momento, como bem diz trecho de uma carta enviada por Alceu Amoroso Lima a Gustavo Capanema no dia 19 de março do ano de 1935: “no terreno da educação, é que se está travando a grande batalha moderna das idéias”.
Calasans procurou revestir a sua atuação profissional no Departamento de Educação de um caráter eminentemente técnico, tal como o fizeram outros intelectuais que trabalharam sob as mesmas circunstâncias em diferentes níveis de governo e regiões do Brasil, a exemplo de Lourenço Filho que dirigiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep, como Calasans, também defensor de idéias próprias ao movimento da Escola Nova. O professor sergipano defendia as idéias que Alceu Amoroso Lima considerava “naturalista, materialista, imediatista e estatista”, no dizer de Raquel Gandini, em Intelectuais, Estado e Educação.
Inspecionar as escolas foi importante para o Estado Novo, porque a inspeção se colocou para a administração pública como uma tecnologia que possibilitava o controle, a regulamentação, o reconhecimento e a cassação das atividades das escolas e dos professores. A presença de Calasans no Departamento de Educação se colocava sob o contexto das necessidades dessa política que impôs ao Estado de Sergipe o remanejamento e a reorganização da sua rede de escolas, o aparelhamento dos seus órgãos centrais, a admissão e remoção de professores, coisas que ocorreram na segunda metade da década de 30 e durante a primeira metade do decênio seguinte.


A HISTORIOGRAFIA EDUCACIONAL DE CALASANS


Foi na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe que circulou o texto do professor José Calasans, “Ensino público em Aracaju – (1830-1871)” . Trata-se da primeira incursão do autor na área. Depois disso, em 1992, o Governo do Estado de Sergipe publicou, através da Fundação Estadual de Cultura – Fundesc, o livro Aracaju e outros temas sergipanos , no qual estão inclusos dois textos do campo da História da Educação: um sobre livros didáticos e um outro enfocando o trabalho do professor Brício Cardoso e o ensino normal em Sergipe.
Do texto de José Calasans que circulou na edição 1949/51 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, “Ensino público em Aracaju (1830-1871)”, é possível afirmar ter sido o primeiro estudo de História da Educação em Sergipe que tinha um compromisso com os métodos da História e que buscou entender o processo efetivamente vivido. O rigor metodológico do professor Calasans apontava para a necessidade da construção de uma História da Educação em Aracaju dedicada às instituições educacionais, práticas escolares, movimentos estudantis e outros objetos. Os seus estudos da área são textos fundadores. A partir deles foi periodizada, pela primeira vez, a História da Educação em Aracaju.
O primeiro período que Calasans estabeleceu corresponde aos anos de 1830 a 1855, dando ênfase à mudança da capital da cidade de São Cristóvão para a cidade de Aracaju, fundada no mesmo ano de 1855, e suas implicações na Educação. O segundo período, de 1855 a 1871, faz referência ao ensino masculino, às dificuldades de implantação das cadeiras de Latim, Filosofia e Francês e ao sucesso do ensino feminino. Além de dar importância à figura do professor Brício Cardoso como diretor da Escola Normal, revelando a utilização do método Lancaster ou Monitorial na instituição.
Até agora, seis trabalhos historiográficos voltaram o seu olhar para os estudos de História da Educação em Sergipe realizados por Calasans: o compêndio de Maria Thétis Nunes; um estudo de Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas; um de Cristina Almeida Valença; e, três de Jorge Carvalho do Nascimento, dos quais um deles produzido em parceria com Itamar Freitas. Este último texto, intitulado “A temática da educação na Revista do IHGS”, é revelador da importância de José Calasans como estudioso da História da Educação em Sergipe:


O trabalho de José Calasans é (...) o mais importante dentre os que se especializaram na área, durante a primeira metade do século XX. (...) Nos anos 1940, José Calasans já incorporara o discurso que os historiadores do nosso tempo legaram ao campo da História da Educação. O professor Calasans propõe que a história da educação da cidade de Aracaju seja estudada, levando-se em consideração instituições e práticas escolares. No seu tempo, a maior parte dos textos da área privilegiava as idéias pedagógicas e a organização legislativa dos sistemas de ensino. Inversamente, Calasans analisa e dá sentido ao trabalho de professoras e professores primários e secundários; às práticas do ensino público e do ensino privado; à ação estudantil; às experiências pedagógicas; aos edifícios e aos equipamentos escolares.


O fato de o primeiro estudo de História da Educação em Sergipe do qual efetivamente se pode afirmar que tinha um compromisso com os métodos da História e que buscou entender o processo efetivamente vivido ter sido o inaugural artigo do professor José Calasans, “Ensino público em Aracaju (1830-1871)”, de 1951, é por si mais do que suficiente para revelar a importância deste pesquisador da Educação. A sua crença nas potencialidades civilizatórias educacionais, própria da geração dos brasileiros que foram influenciados pelo movimento da Educação Nova, ao lado do seu rigor historiográfico, são indicadores, quando acrescidos dos argumentos até agora esboçados, da necessidade de que é urgente aos pesquisadores de História da Educação a tarefa de estudar com seriedade e profundidade a contribuição de José Calasans.

Nenhum comentário:

Postar um comentário