quinta-feira, 2 de setembro de 2010

AGRÔNOMOS X DOCENTES: MEMÓRIAS DAS DISPUTAS PELO PODER NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO

Na década de 20 dos anos novecentos, havia uma consciência disseminada no país acerca da competência do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio para a gestão dos patronatos agrícolas. Assim, mesmo sendo uma instituição estadual, o Patronato Agrícola São Maurício, no Estado de Sergipe, foi dirigido por um técnico indicado por aquele ministério. Era, então, administrado pelo seu diretor e por um Conselho de Assistência Privada . O fato de o Patronato ser gerido por um Conselho de Assistência Privada objetivava envolver a sociedade civil com as responsabilidades de regeneração da infância pobre, uma vez que esse tipo de atividade era encarado pelo governo como


obra de solidariedade humana (...). A solução do problema, ao lado do socorro dos poderes públicos à infância desvalida, impõe-se, paralelamente, o socorro particular, entreajudando-se, ambos, nesse mister sacro-santo de previdência econômica e criminal (...). Dessa colaboração somente felizes resultados há a esperar-se, porquanto de uma conjugação de esforços, diligências e cuidados recíprocos, mais copiosas serão as messes e mais dilatado o alcance dos benefícios previstos .


Nomeados pelo presidente do Estado para um mandato de três anos, os membros do Conselho tinham como competências:


I – Agenciar recursos, donativos e somas que garantam o perfeito funcionamento do Patronato, no caso de lhe vir a faltar o auxilio da administração publica.
II – Representar ao Presidente do Estado contra a má direção do estabelecimento e qualquer fato ou circunstancia que possa afetar à moralidade e bom nome dos respectivos funcionários.
III – Facilitar a colocação do menor em fazendas particulares, uma vez concluído o aprendizado no Patronato.
IV – instituir obras de fundo moral e educativo com anuência da diretoria e de modo que não perturbem os trabalhos regulamentares.
V – Fundar uma caixa Econômica pelos Menores Abandonados, cujos recursos serão aplicados em adquirir para os alunos que concluirem o curso os instrumentos agrários ou oficinais mais necessários .


Não obstante buscar a colaboração da sociedade civil através de instituições como o Conselho de Assistência Privada, o governo estadual lamentava as dificuldades existentes para manter a instituição funcionando, afirmando que o setor privado e o governo federal não tinham a necessária sensibilidade para esse tipo de investimento:


Instituição de nobres fins humano-sociais, continua, sem outros recursos que os do Estado, a satisfazer os intuitos de sua criação, o que mais facilmente seria conseguido, se lhe não falecessem o concurso dos particulares e o auxílio da União. Acorressem, como era de esperar, esses subsídios, e teríamos a grande satisfação de anunciar completo o numero de internados, fixado em 200. Infelizmente, os recursos isolados do Estado assim não o permitiram. Atualmente recebem ali instrução moral, cívica, intelectual e profissional, 80 menores arrancados ao vicio e as más companhias, os quais amanhã, serão cidadãos úteis á Pátria .


Do ponto de vista acadêmico, contudo, todo o ensino da agricultura e a orientação geral dos serviços de campo ficavam a cargo do diretor do Centro Agrícola Epitácio Pessoa.
Desde o princípio, o cargo de diretor da instituição era um posto de representatividade política bastante evidente, que conferia prestígio ao seu ocupante. Com a federalização do Patronato, em 1934, e a sua transformação em Aprendizado, este poder ficou mais visível. Principalmente depois que, em 1940, uma legislação federal formalizou a criação da função gratificada de Diretor de Aprendizado Agrícola .
Quando, em 1964, a denominação do estabelecimento mudou para Colégio Agrícola Benjamin Constant, o poder na Escola ainda era completamente exercido pelos engenheiros agrônomos e o delegado estadual do Ministério da Agricultura tinha uma influência significativa no processo político de escolha do diretor . O controle da rede federal de escolas estava subordinado ao Ministério da Agricultura, que mantinha, com sede no Rio de Janeiro, a Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário – SEAV. A Delegacia do Ministério da Agricultura no Estado funcionava com um colegiado integrado pelo Delegado , pelo diretor de defesa animal, pelo diretor de defesa vegetal e pelo diretor do Colégio Agrícola.
Com a transferência do ensino agrícola federal do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação , os engenheiros agrônomos passariam a influenciar menos a instituição. A transferência gerou algumas polêmicas, mas há vozes que participaram do processo e que continuam a considerar que o MEC é um espaço mais adequado para a definição da política própria ao ensino agrícola que o Ministério da Agricultura:


A Escola foi melhor [quando] subordinada ao MEC. Quando ela passou para o MEC ela melhorou. Foi devagarzinho, mas o MEC tinha melhores cabeças. O MEC era mais preparado para administrar a Escola que o Ministério da Agricultura. O pessoal do MEC tinha melhor formação .


Contudo, outros professores que também participaram do mesmo processo divergem deste ponto de vista: “Houve discussões acaloradas, na época de Laonte Gama. Vieram algumas pessoas do Ministério da Educação aqui para dar cursos. Aquilo não era curso, aquilo era doutrinação” . O entendimento dos que preferiam o Colégio Agrícola Benjamin Constant sob o controle do Ministério da Agricultura era o de que a filosofia dominante no Ministério da Educação comprometia a qualidade do ensino oferecido pela escola. Nesse conflito se revelam as posições em disputa e as divergências existentes entre a orientação pedagógica dos agrônomos e a proposta que o MEC procurava implementar.


[Vieram} duas mocinhas [técnicas do MEC]. [Uma delas] perguntou: “o que é Educação?” Depois que todo mundo verteu seus pontos de vista, aí [ela] disse: “Tá todo mundo errado. A educação é tudo isso e mais alguma coisa”. Quer dizer, foi uma lição formidável. Eram muito inteligentes, mas por debaixo disso existia um veneno, eu considero um veneno. Elas vieram para aqui, com o objetivo de modificar qualitativamente o ensino. E eu disse na época: mas isso não é crime professora, nós estamos indo à frente. Elas não souberam me dizer quais as razões que elas estavam pedindo para você ensinar menos. O professor Tenisson [Aragão] se levantou inflamado: “Não há Ministério aqui que me faça... que me obrigue dar menos do que eu dou, eu vou dar... vou dizer um negócio a vocês eu vou dar mais”. O professor Giovane levantou muito mansamente e disse: “as funções algébricas, matemáticas, o meu conteúdo, é o conteúdo que a gente aprendia no ginásio antigo. Quer dizer se vocês querem minimizar isso...” .

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