terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

HISTÓRIA DA CIÊNCIA, FILOSOFIA E HITORIOGRAFIA VII

No primeiro século da colonização, em 1555, quando Nicolas Villegagnon fundou a França Antártica na Baía de Guanabara, o almirante Coligny montou a estratégia de estabelecer colônias protestantes no Brasil. Em 1557 chegou o primeiro contingente de refugiados huguenotes que o almirante havia solicitado a Jean Calvin. O Visitador-Geral Heitor Furtado de Mendonça, quando da primeira visitação do Santo Ofício a Pernambuco já denuncia em seu relato uma forte presença de comerciantes protestantes alemães. Gilberto Freyre relata problemas vividos pela Província de Pernambuco, em 1858, a fim de sepultar alemães protestantes, quando estes faleciam em Recife. Problema que era resolvido sempre pelo Cônsul de Sua Majestade Britânica, que autorizava o sepultamento no Cemitério dos Ingleses.
De um modo geral, o mercado editorial brasileiro do século XIX dá bem a medida dessa influência. A primeira editora brasileira, a Livraria Universal, fundada em 1833 (PAIXÃO, 1996: 14), tinha como sua principal atividade a tradução de originais alemães. Outro bom indicador é o processo de estabelecimento das colônias de alemães que se expandiu desde as primeiras décadas do século XIX, a partir da Bahia. A primeira dessas colônias a funcionar no país foi a Leopoldina, instalada em 1823, na vila Viçosa, região de Porto Seguro. Segundo Antônio Moniz de Souza seus fundadores eram naturalistas.


O estado prodigioso desta colônia está acima de tudo que dizer-se possa. O arranjo, a limpeza, a economia, o verdadeiro método de agricultores civilizados, a boa ordem é por esta gente posta em prática. Suas casas bem repartidas e mobiliadas, as mobílias são por eles mesmos feitas, suas hortas são abundantes de toda hortaliça; grandes pomares; eles usam de máquinas que suavizam o trabalho, cultivam os frutos do Brasil; porém o café é o seu forte ; seus escravos são mais felizes que a maior parte de seus vizinhos livres, que sem hábito do trabalho jazem na miséria. (...) os colonos na abundância, possuindo já embarcações em que fazem as exportações dos seus gêneros para a Bahia e Rio de Janeiro (SOUZA, 2000: 189-190).


Em 1916 foi criada no Brasil a instituição que receberia, em 1922, a denominação de Academia Brasileira de Ciências – ABC. A criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, em 1948, representou um passo importante na luta pela afirmação e pela participação política dos cientistas no Brasil. Segundo Ana Maria Fernandes, “no Brasil, a educação e a ciência são, em termos financeiros, largamente patrocinadas e sustentadas pelo Estado” (FERNANDES, 1990: 20). Portanto, na prática, o reconhecimento significa ser aceito pelo Estado, pelos governos como interlocutor que porta algum grau de legitimidade. Para compreender a atuação política da ABC e da SBPC é importante atentar os significados que teve para a ciência brasileira o golpe militar de 1964. Em relação ao período da ditadura militar iniciada em 1964, certamente ainda não vivemos o suficiente e, por enquanto, temos sido capazes, apenas, de apontar as suas mazelas sem termos conseguido produzir análises consistentes e equilibradas a respeito da sua política científica e dos modos como buscou se legitimar junto à população brasileira.
Todavia, há indícios reveladores de que, cada vez mais os brasileiros sentem haver chegado a hora de ajustar o descompasso entre memória e história no que concerne ao período de 1964 a 1984. Em algumas situações, dentre os que estão se debruçando sobre este passado, há partícipes ativos dele. Depoentes e produtores de uma dada memória que busca persuadir a todos quanto a justeza da sua versão e desqualificar a visão do oponente.
Este trabalho coloca em discussão o fato de que as análises da política educacional implementada no Brasil durante vinte anos, a partir de 1964, necessitam renunciar a um certo maniqueísmo que prioriza apenas as denúncias das mazelas e produz o esquecimento de alterações fundamentais no sentido do apoio financeiro a ciência e a tecnologia e a qualificação dos serviços oferecidos nesse campo, sob padrões que até então o país desconhecia, legitimando os governantes ditatoriais junto a amplos setores da população brasileira.
Reconhecer os eventuais avanços da política de desenvolvimento científico e tecnológico implementada naquele período, não implica negar o caráter ditatorial do governo que conduzia tal política. Na verdade, significa exercer com honestidade o ofício de historiador, extraindo dos documentos escritos e orais, bem como dos múltiplos indícios iconográficos, a necessária reflexão, colocando ao alcance dos mais jovens os escaninhos que a memória insiste em esquecer, muitas vezes fugindo de polêmicas presentes nas contraditórias versões.
Esta é uma necessidade que se impõe principalmente em relação aos trabalhos acadêmicos. Lucilia de Almeida Neves Delgado revela que mesmo a bibliografia decorrente da pesquisa acadêmica tem sido razoavelmente maniqueísta (DELGADO, 2004, 17).


O ano de 1964 é tomado como um ponto crucial na análise porque, se o regime militar, como conseqüência de sua própria natureza, coagiu a comunidade científica, também apoiou financeiramente a ciência e a tecnologia como nunca antes no Brasil. Esse apoio financeiro pode-se explicar pelas políticas do regime autoritário brasileiro que se baseavam no planejamento, nos tecnocratas e numa economia fortemente estatizada. Tal como foi usualmente caracterizado, o Estado militar brasileiro baseava-se numa aliança entre a burguesia nacional e internacional, os militares como grupo dirigente, e os tecnocratas (FERNANDES, 1990: 20).


É evidente que o caso da história da ciência e das suas práticas em Sergipe requer que se constitua e coloque em circulação uma memória, forma prática de oferecer as bases empíricas para a organização de um campo científico: o da História. A História é, por assim dizer, a forma científica de organização da memória. Esta, por ser fruto de uma escolha efetuada pela ação temporal das configurações humanas, se apresenta sob a condição de monumento. Ou, quando tomada pelos historiadores, submetida ao trabalho destes, caracterizada como documento. O historiador Jacques Le Goff lembra que a palavra latina


monumentum remete para a raiz indo-européia men, que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O monumentum é um sinal do passado... é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos. O monumento tem como característica o ligar-se ao poder de perpetuação voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são testemunhos escritos (LE GOFF, Jacques, 1984: 95-106).


As contribuições memorialísticas são sempre bem vindas. Principalmente, quando bem ordenadas e expostas de um modo que vai além dos limites da própria memória.
Estudar a história da formação do campo científico no Brasil, de modo a oferecer maior clareza à constituição do conhecimento histórico quanto a esta questão é, no dizer de Marta Maria Chagas de Carvalho, analisar as práticas adotadas para “civilizar bárbaros, desinfetar corpos, extirpar vícios, lapidar sentimentos, apurar sensibilidades, moldar gestos e implantar hábitos de civilidade” (CARVALHO, 2002: 5).

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