domingo, 21 de fevereiro de 2010

AGRONOMIA E HISTÓRIA IV

O livro de Bittencourt Calasans se inicia com o que o autor denominou de “Parte Histórica”. Ali aparecem as origens das práticas agrícolas, numa discussão que remete aos egípicios, aos gregos, aos romanos, aos chineses e aos persas, antes de chegar ao Brasil. Também faz uma exposição sobre a cana de açúcar, suas origens e suas espécies, revelando que a primeira espécie de cana aqui introduzida foi a Caiana, no Rio de Janeiro, em 1570, por Mem de Sá. Posteriormente, o marquês de Barbacena mandou buscar na Jamaica as espécies Malabar e Batávia. Diz que desde o século XIII a planta é conhecida na Arábia, tendo daí se expandido para a Síria, Chipre, Turquia e Sicília. Depois, foi levada pelos portugueses desde a Sicília até as ilhas da Madeira, de Porto Santo e São Tomé. Os espanhóis a trouxeram para a América, plantando-a em São Domingos, a partir de 1506.
O autor produz um diagnóstico do plantio da cana e do fabrico do açúcar no país, identificando um completo atraso nas suas técnicas, defendendo a necessidade da difusão dos saberes da ciência agronômica no Brasil. Para ele, uma das primeiras necessidades era a da substituição da cana Caiana pelas espécies Salangor e Transparente. A espécie Salangor, entendia Calasans, produzia um caldo abundante, doce e fácil de clarificar, resultando num açúcar alvo e de boa granulação. Do mesmo modo, a cana Transparente que, ademais, tinha a facilidade de crescer também em terrenos arenosos e fracos. Sugere também o plantio da cana China, por ser dura, por ser resistente à seca, induzindo que ela deveria ser plantada ao redor dos canaviais e à margem das estradas, onde é maior o estrago sofrido pela planta. Aponta o texto os três grandes inimigos da cultura da cana de açúcar no Brasil do século XIX: a formiga, a raposa e o guaxinim, acrescendo porém um quarto e inusitado adversário desse tipo de lavoura: os “incisivos dentes da raça humana, outro inimigo não menos terrível das canas alheias” (CALASANS, João José de Bittencourt. O agricultor sergipano da canna de assucar. Salvador, Typ. De Camillo de Lellis Masson & C.,1869. p. 13).
No caso específico das variedades de cana de açúcar plantadas em Sergipe, algumas delas, como a Rajada ou Pitu e a Flor de Cuba, somente seriam aqui introduzidas no final do século XIX (FRANCO, Emmanuel. Viagens. Uma semente plantada. Aracaju, Gráfica Editora J. Andrade, 2005. p. 11).
Após a parte que considera histórica, já no primeiro capítulo do seu estudo, Bittencourt Calasans discute os problemas referentes ao modo de lavrar ou revolver a terra; a gradagem; os sulcos para o plantio da cana; e, os instrumentos aratórios e suas partes componentes. O segundo capítulo se debruça sobre a mecanização agrícola, tratando dos motores animados e inanimados aplicados ao fabrico do açúcar e à plantação da cana. Já os capítulos terceiro, quarto e quinto, com os quais o livro se encerra, são dedicados exclusivamente ao processo industrial de fabricação do açúcar.
Os estudos de Bittencourt Calasans se debruçam sobre os solos de Sergipe e sua adequação ao plantio da cana, chegando a conclusão que são boas para este cultivo tanto as terras de massapê quanto as chamadas areias gordas. Em outras palavras, a formação do canavial para aquele estudioso independia de ser a terra calcária, ferruginosa, arenosa ou de outra composição. A restrição feita por ele era a de que os terrenos nos quais se plantava cana não podiam ser pantanosos, mas sim deveriam ser de fácil esgotamento. A preferência recaía sobre os terrenos ditos abaulados. Os pântanos poderiam ser utilizados, desde que os agricultores se dispusessem a utilizar uma técnica que dizia Bittencourt Calasans ser desconhecida da agricultura sergipana: a drenagem, já amplamente utilizada na Inglaterra, Bélgica, França e Estados Unidos da América, segundo as suas anotações.
As pesquisas do autor aqui apresentado apontavam os meses de julho, agosto, setembro, outubro e novembro como os mais adequados ao plantio da cana em Sergipe. Considerava ser aquele período o de maior facilidade para lavrar o terreno, como também para manter o ciclo da cultura, de modo que as plantas amadurecessem e permitissem que os engenhos moessem ininterruptamente entre os meses de agosto a fevereiro, posto que o açúcar deveria ser colocado no mercado durante o nosso verão, quando se obtinha melhor preço. No período entre uma moagem e outra, os produtores de açúcar deveriam cuidar de culturas leguminosas, feijão, milho, arroz e mandioca.
Bittencourt Calasans discutia exaustivamente as técnicas de lavrar a terra. Para ele, as lavras profundas eram mais adequadas por protegerem o terreno do excesso de umidade e criarem elementos para que as plantas pudessem resistir aos ataques de agentes externos. Via ainda como técnica indispensável ao êxito do plantio a gradagem, através do emprego da grade de Geddes, para aplainar, ciscar e afofar a terra cortada e revirada pelo arado misturando a terra com a matéria orgânica nela existente e tornando-a porosa. Após a gradagem, os sulco para o plantio da cana deveriam ser feitos imediatamente por arados puxados a cavalos, por serem estes mais ágeis e de melhor acabamento que os arados puxados por bois, os regos paralelos destinados ao plantio.
Dois meses após o plantio deveria ser feita a primeira limpa do canavial por um pequeno arado puxado por um cavalo. Essa técnica, chamada de abaclamento, Calasans afirma haver aprendido nos Estados Unidos da América, servindo para o expurgo de ervas daninhas. Do mesmo modo, a operação deveria ser repetida aos seis, aos oito e aos nove meses após o plantio, de modo a colaborar ainda com a remoção das folhas secas, acelerando a maturação. Após o corte, a palha deveria ser colocada entre as valas e coberta de terra, para enriquecer a matéria orgânica existente no terreno. Além disto deveria ser adicionado também o bagaço verde resultante da moagem da cana, porém fazia a ressalva de que, prioritariamente, este bagaço deveria ser queimado nas caldeiras das usinas como combustível. O autor condenava a prática de fazer queimadas nos terrenos após a colheita da cana, afirmando que este método empobrecia a terra, deixando apenas cinzas e tocos secos. Admitia, porém, essa queima, quando o canavial fosse muito antigo ou estivesse sendo vítimas de ataques de pragas como besouros e lagartas.
O debate sobre mecanização agrícola costumava entusiasmar Bittencourt Calasans. Ele afirmava ser obrigatório aos plantadores de cana o uso do arado grande de lavrar ou de revolver no plano, denominados sub-solo número um e sub-solo número dois. Além deste, também o arado de ladeira, o arado médio, o arado de duas orelhas, o cultivador, a grade de Geddes e o rolo eram tidos como indispensáveis. O entusiasmo do autor para com a mecanização se justificava em nome do combate que este fazia ao trabalho escravo, em relação ao qual se declarava contrário. Entendia que o homem fora dotado de razão para conhecer o que mais lhe convinha. E de vontade livre para por em prática os ditames da sua razão. Privá-lo da escolha e do livre exercício do trabalho seria assim atentar ao mesmo tempo contra os direitos da sua inteligência e da sua liberdade.


Quero dizer, que o trabalho do homem deve ser livre. Sendo livre o trabalho, o obreiro pode convencionar com o empresário a paga do serviço que há de prestar; tem o dever de presta-lo, porque a isso se obrigou, e é de seu interesse. Mas para o escravo a remuneração do serviço está a arbítrio do senhor, que a pode reduzir, como de feito a reduz ao mínimo; e essa injustiça é bastante para tirar ao escravo a boa vontade de trabalhar (CALASANS, João José de Bittencourt. O agricultor sergipano da canna de assucar. Salvador, Typ. De Camillo de Lellis Masson & C.,1869. p. 39).


Bittencourt via, portanto, a escravidão como uma enfermidade prejudicial aos interesses da sociedade brasileira, uma contradição num Estado que se propunha civilizado, uma vez que violava os


princípios mais sagrados da religião, da moral, e do direito natural, constituindo sociedades cheias de perigos, para os senhores, de sofrimentos para os escravos, e dando em resultado um trabalho o mais caro de todos! (...) essa escravidão dizemos deve ser banida, com a devida circunspecção dentre nós (CALASANS, João José de Bittencourt. O agricultor sergipano da canna de assucar. Salvador, Typ. De Camillo de Lellis Masson & C.,1869. p. 39).


Não apenas Bittencourt Calasans, mas também alguns outros proprietários de engenho mantinham esse tipo de posição em face do escravismo. Um deles, Vicente Luiz de Freitas Barreto, proprietário dos engenhos Varzinha, São Luiz e São Vicente, em Laranjeiras, Massacará, em Maruim, e Limoeiro, em Santo Amaro, ao morrer, em junho de 1856, deixou em seu testamento a determinação de que os seus 150 escravos deveriam ser libertados, decisão que foi cumprida pela viúva (FRANCO, Emmanuel. Viagens. Uma semente plantada. Aracaju, Gráfica Editora J. Andrade, 2005. p. 222).
Além de produzir açúcar, a Província de Sergipe sempre foi também uma importante produtora de cereais. Nos próprios engenhos havia a necessidade de alimentar os escravos e as demais pessoas que ali viviam, o que fazia com que se reservasse uma determinada área de terra para o plantio de cereais e de mandioca. Fora dos engenhos e nas regiões da Província que não se dedicavam a produção açucareira era importante cultivar mandioca, feijão, milho e arroz. A principal região produtora de arroz em Sergipe era a do Baixo São Francisco. Nas lagoas inundadas anualmente pelas cheias do rio, os agricultores haviam aprendido a cultivar arroz. Era também importante para a vida econômica da Província a produção de fumo, ticum, mamona, coco, café, amendoim, algodão e uva (ALMEIDA, Maria da Glória Santana de. “Estrutura de produção: a crise de alimentos na província de Sergipe (1855-1860)”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, nº 27, 1965-1978. p. 21). Outra importante atividade rural em Sergipe era a pecuária de bovinos, ovinos, suínos, eqüinos e caprinos.
Não obstante o entusiasmo econômico existente na Província entre 1850 e 1855 com o bom andamento dos negócios, pesquisadores como a professora Maria da Glória Santana de Almeida indicam que do ponto de vista da tecnologia agrícola, Sergipe se ressentia da “falta de técnicas no tratamento do terreno e na semeadura e o esperdício espacial da propriedade”, reduzindo sensivelmente os terrenos dedicados propriamente ao plantio da cana (ALMEIDA, Maria da Glória Santana de. “Estrutura de produção: a crise de alimentos na província de Sergipe (1855-1860)”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, nº 27, 1965-1978. p. 19).
Toda essa atividade, entretanto, não era suficiente para impedir a existência de problemas quanto a produção e distribuição de alimentos em Sergipe, já que a cultura da cana era predominante nas áreas mais férteis. A população de Sergipe se alimentava fundamentalmente de farinha de mandioca, milho, arroz, feijão, carne fresca e carne salgada. Ao descrever os hábitos alimentares em Maroim, na metade do século XIX, a alemã Adolphine Schramm elogiou o consumo de frutas e várias outras práticas de alimentação, vendo como ponto alto a ótima sopa de carne que consumia diariamente, além da carne cozida com molho picante, as verduras, o maxixe, o chuchu, a abóbora, a farinha de mandioca, a galinha ao molho pardo, o enrolado de carne, os bolinhos de carne, a salada de arenque, os bolinhos de peixe, a carne assada com feijão preto, o inhame, a salada de batata, a carne de carneiro e a carne de porco (FREITAS, 1991). Da mesma maneira, criticou a mania de comer feijoada, a dificuldade para encontrar leite, a escassez de ovos de galinha e os preços dos gêneros alimentícios, que considerava muito caros. Alguns desses alimentos eram importados. A charque vinha do Rio Grande do Sul e do Ceará. O bacalhau vinha da Europa. Maria da Glória Santana de Almeida entende que


havia uma debilidade alimentar crônica da população sergipana que, facilmente, se transformava em catástrofe, quando se alterava a quantidade normal de alimentos levada aos mercados. A comprovação disso pode-se conseguir pelos sucessivos registros de epidemias que ceifaram muitas vidas. O estado de subnutrição facilitava a constante proliferação de doenças infecto-contagiosas como a varíola, a febre amarela, o tifo, corriqueiramente registradas nos relatórios da Saúde Pública (ALMEIDA, Maria da Glória Santana de. “Estrutura de produção: a crise de alimentos na província de Sergipe (1855-1860)”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, nº 27, 1965-1978. p. 24).

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