sábado, 17 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA III

O livro de Bittencourt Calasans se inicia com o que o autor denominou de “Parte Histórica”. Ali aparecem as origens das práticas agrícolas, numa discussão que remete aos egípicios, aos gregos, aos romanos, aos chineses e aos persas, antes de chegar ao Brasil. Também faz uma exposição sobre a cana de açúcar, suas origens e suas espécies, revelando que a primeira espécie de cana aqui introduzida foi a Caiana, no Rio de Janeiro, em 1570, por Mem de Sá. Posteriormente, o marquês de Barbacena mandou buscar na Jamaica as espécies Malabar e Batávia. Diz que desde o século XIII a planta é conhecida na Arábia, tendo daí se expandido para a Síria, Chipre, Turquia e Sicília. Depois, foi levada pelos portugueses desde a Sicília até as ilhas da Madeira, de Porto Santo e São Tomé. Os espanhóis a trouxeram para a América, plantando-a em São Domingos, a partir de 1506.
O autor produz um diagnóstico do plantio da cana e do fabrico do açúcar no país, identificando um completo atraso nas suas técnicas, defendendo a necessidade da difusão dos saberes da ciência agronômica no Brasil. Para ele, uma das primeiras necessidades era a da substituição da cana Caiana pelas espécies Salangor e Transparente. A espécie Salangor, entendia Calasans, produzia um caldo abundante, doce e fácil de clarificar, resultando num açúcar alvo e de boa granulação. Do mesmo modo, a cana Transparente que, ademais, tinha a facilidade de crescer também em terrenos arenosos e fracos. Sugere também o plantio da cana China, por ser dura, por ser resistente à seca, induzindo que ela deveria ser plantada ao redor dos canaviais e à margem das estradas, onde é maior o estrago sofrido pela planta. Aponta o texto os três grandes inimigos da cultura da cana de açúcar no Brasil do século XIX: a formiga, a raposa e o guaxinim, acrescendo porém um quarto e inusitado adversário desse tipo de lavoura: os “incisivos dentes da raça humana, outro inimigo não menos terrível das canas alheias” (CALASANS, 1869: 13).
No caso específico das variedades de cana de açúcar plantadas em Sergipe, algumas delas, como a Rajada ou Pitu e a Flor de Cuba, somente seriam aqui introduzidas no final do século XIX (FRANCO, 2005: 11).
Após a parte que considera histórica, já no primeiro capítulo do seu estudo, Bittencourt Calasans discute os problemas referentes ao modo de lavrar ou revolver a terra; a gradagem; os sulcos para o plantio da cana; e, os instrumentos aratórios e suas partes componentes. O segundo capítulo se debruça sobre a mecanização agrícola, tratando dos motores animados e inanimados aplicados ao fabrico do açúcar e à plantação da cana. Já os capítulos terceiro, quarto e quinto, com os quais o livro se encerra, são dedicados exclusivamente ao processo industrial de fabricação do açúcar.
Os estudos de Bittencourt Calasans se debruçam sobre os solos de Sergipe e sua adequação ao plantio da cana, chegando a conclusão que são boas para este cultivo tanto as terras de massapê quanto as chamadas areias gordas. Em outras palavras, a formação do canavial para aquele estudioso independia de ser a terra calcária, ferruginosa, arenosa ou de outra composição. A restrição feita por ele era a de que os terrenos nos quais se plantava cana não podiam ser pantanosos, mas sim deveriam ser de fácil esgotamento. A preferência recaía sobre os terrenos ditos abaulados. Os pântanos poderiam ser utilizados, desde que os agricultores se dispusessem a utilizar uma técnica que dizia Bittencourt Calasans ser desconhecida da agricultura sergipana: a drenagem, já amplamente utilizada na Inglaterra, Bélgica, França e Estados Unidos da América, segundo as suas anotações.
As pesquisas do autor aqui apresentado apontavam os meses de julho, agosto, setembro, outubro e novembro como os mais adequados ao plantio da cana em Sergipe. Considerava ser aquele período o de maior facilidade para lavrar o terreno, como também para manter o ciclo da cultura, de modo que as plantas amadurecessem e permitissem que os engenhos moessem ininterruptamente entre os meses de agosto a fevereiro, posto que o açúcar deveria ser colocado no mercado durante o nosso verão, quando se obtinha melhor preço. No período entre uma moagem e outra, os produtores de açúcar deveriam cuidar de culturas leguminosas, feijão, milho, arroz e mandioca.
Bittencourt Calasans discutia exaustivamente as técnicas de lavrar a terra. Para ele, as lavras profundas eram mais adequadas por protegerem o terreno do excesso de umidade e criarem elementos para que as plantas pudessem resistir aos ataques de agentes externos. Via ainda como técnica indispensável ao êxito do plantio a gradagem, através do emprego da grade de Geddes, para aplainar, ciscar e afofar a terra cortada e revirada pelo arado misturando a terra com a matéria orgânica nela existente e tornando-a porosa. Após a gradagem, os sulco para o plantio da cana deveriam ser feitos imediatamente por arados puxados a cavalos, por serem estes mais ágeis e de melhor acabamento que os arados puxados por bois, os regos paralelos destinados ao plantio.
Dois meses após o plantio deveria ser feita a primeira limpa do canavial por um pequeno arado puxado por um cavalo. Essa técnica, chamada de abaclamento, Calasans afirma haver aprendido nos Estados Unidos da América, servindo para o expurgo de ervas daninhas. Do mesmo modo, a operação deveria ser repetida aos seis, aos oito e aos nove meses após o plantio, de modo a colaborar ainda com a remoção das folhas secas, acelerando a maturação. Após o corte, a palha deveria ser colocada entre as valas e coberta de terra, para enriquecer a matéria orgânica existente no terreno. Além disto deveria ser adicionado também o bagaço verde resultante da moagem da cana, porém fazia a ressalva de que, prioritariamente, este bagaço deveria ser queimado nas caldeiras das usinas como combustível. O autor condenava a prática de fazer queimadas nos terrenos após a colheita da cana, afirmando que este método empobrecia a terra, deixando apenas cinzas e tocos secos. Admitia, porém, essa queima, quando o canavial fosse muito antigo ou estivesse sendo vítimas de ataques de pragas como besouros e lagartas.
O debate sobre mecanização agrícola costumava entusiasmar Bittencourt Calasans. Ele afirmava ser obrigatório aos plantadores de cana o uso do arado grande de lavrar ou de revolver no plano, denominados sub-solo número um e sub-solo número dois. Além deste, também o arado de ladeira, o arado médio, o arado de duas orelhas, o cultivador, a grade de Geddes e o rolo eram tidos como indispensáveis. O entusiasmo do autor para com a mecanização se justificava em nome do combate que este fazia ao trabalho escravo, em relação ao qual se declarava contrário. Entendia que o homem fora dotado de razão para conhecer o que mais lhe convinha. E de vontade livre para por em prática os ditames da sua razão. Privá-lo da escolha e do livre exercício do trabalho seria assim atentar ao mesmo tempo contra os direitos da sua inteligência e da sua liberdade.


Quero dizer, que o trabalho do homem deve ser livre. Sendo livre o trabalho, o obreiro pode convencionar com o empresário a paga do serviço que há de prestar; tem o dever de presta-lo, porque a isso se obrigou, e é de seu interesse. Mas para o escravo a remuneração do serviço está a arbítrio do senhor, que a pode reduzir, como de feito a reduz ao mínimo; e essa injustiça é bastante para tirar ao escravo a boa vontade de trabalhar (CALASANS, 1869: 39).


Bittencourt via, portanto, a escravidão como uma enfermidade prejudicial aos interesses da sociedade brasileira, uma contradição num Estado que se propunha civilizado, uma vez que violava os


princípios mais sagrados da religião, da moral, e do direito natural, constituindo sociedades cheias de perigos, para os senhores, de sofrimentos para os escravos, e dando em resultado um trabalho o mais caro de todos! (...) essa escravidão dizemos deve ser banida, com a devida circunspecção dentre nós (CALASANS, 1869: 39).

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