segunda-feira, 26 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA VI

Apesar desse quadro, algumas importantes lideranças do setor agrícola da região Nordeste, como Henrique Augusto Millet, insistiam, em 1878, que a mão-de-obra não era problema para a economia agrária: “Sei que não temos agora falta de braços, pois milhares de retirantes entulham as povoações do litoral e não há trabalho para todos” .
As preocupações com a modernização da agricultura e as suas relações com a educação, no início do século XX, são reveladoras de uma coerência existente entre os discursos que faziam os empresários e autoridades do setor agrícola. Por ocasião do Congresso Nacional de Agricultura que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1901, o documento produzido era eloqüente: “O Congresso Nacional de Agricultura, no intuito de organizar todos os elementos de instrução ou educação agrícola e de difundir a maior soma de meios para instituí-la e praticá-la, combinando e desenvolvendo igualmente todas as iniciativas, recursos, atividades e energias do trabalho e da produção, em uma orientação esclarecida, adiantada e segura, pede aos poderes públicos do país que seja criada a seção ou departamento de agricultura, a parte ou junto ao atual Ministério da Indústria e Viação”.
O projeto da Sociedade Nacional de Agricultura coincidia com aquilo que pensava o governo federal e os governantes dos Estados. A modernização agrícola poderia ser obtida através da difusão do ensino técnico agrícola e da mecanização. Assim, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio era visto como uma ferramenta eficaz para introduzir princípios científicos nas atividades agrícolas brasileiras. A crença era de que o ensino geral de agricultura haveria de se organizar com as forças e elementos que lhe fornecessem o Departamento de Agricultura, os colégios ou escolas agrícolas e as estações agronômicas e campos de experiência e demonstração. A instrução elementar agrícola seria dada nos orfanatos, asilos, colônias especialmente consagrados a este fim, isto é, ao preparo do trabalhador agrícola. Em todas estas instituições o ensino deveria ser prático e útil, e o indivíduo, que se dedicava ao mister da lavoura, deveria adaptar o seu condicionamento físico, moral e intelectual às necessidades da vida, aparelhando-se devidamente para as lutas e rigores do trabalho.
Durante a Primeira República as ciências agrárias, da mesma maneira que outros campos acadêmicos buscaram legitimar-se sob a condição de serem conhecimentos científicos suficientes para a solução dos problemas da atividade agropecuária brasileira. Este tipo de ação era orientado pelo discurso dos agrônomos, num comportamento próprio


a uma categoria em processo de legitimação profissional: a tentativa de construir a própria demanda por seus serviços. E isso, a meu ver, em muito interferiria em suas representações acerca da situação agrícola do país, posto que desta dependeriam a defesa de seu espaço e a definição de seu papel face aos demais atores sociais em disputa .


Acentuando de modo muito forte o discurso de crítica à agricultura brasileira sob o Império, os agrônomos se apresentavam como construtores da nacionalidade, através daquilo que era fundamental à nação: a agricultura. “Cabia-lhes resgatá-la de um suposto entorpecimento e atraso” .
As pressões pela afirmação do campo possibilitaram a criação, em 1899, da escola que deu origem a atual Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande Sul e, em 1901, a instituição que posteriormente transformar-se-ia na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo.
Os debates sobre os problemas da agricultura em Sergipe se intensificaram no início do século XX. Tal como ocorrera no século XIX, muitas pessoas com formação superior em diversas áreas se aventuravam pelos estudos de Agronomia e publicavam trabalhos agronômicos na imprensa. Foi este o caso do engenheiro mecânico Adalardo Carvalho Lisboa Nogueira, criador de gado bovino no município de Laranjeiras, que publicou um conjunto de artigos sob o título “Interesses Agrícolas” . A publicação desse tipo de trabalho estava inserida no contexto de um amplo debate que levaria o governo estadual a buscar a tecnificação intensiva das atividades do setor agrícola e a criar, em 1915, a Diretoria de Obras, Agricultura, Indústria e Viação.
Esse tipo de propósito já era visível desde que as primeiras discussões a respeito da implantação de uma escola agrícola primária no Quissamã foram iniciadas, ainda em 1912. O governo da União decidira criar centros agrícolas em vários Estados. A fim de atender tal objetivo, o presidente José de Siqueira Menezes fez a desapropriação da fazenda Quissamã, área então situada no município de Nossa Senhora do Socorro. O início do governo Wenceslau Braz, em 1915, e a Reforma Carlos Maximiliano fizeram com que o governo federal abandonasse a idéia. Assim, a escola agrícola projetada por Siqueira Menezes não chegou a ser implantada. O projeto proposto durante o governo do presidente Wenceslau Braz materializar-se-ia em 1918, sob a forma dos patronatos agrícolas. Nesse contexto, uma outra importante tentativa de implantação de uma escola agrícola em Sergipe foi comandada pelo presidente Oliveira Valadão, em 1916. O objetivo era o de obter a melhoria da produtividade agrícola para atender à demanda dos mercados consumidores, incentivando o emprego de máquinas e implementos na agricultura. A Escola Prática de Agricultura a ser criada deveria funcionar em Aracaju e manter dois campos de demonstração em localidades do interior do Estado. Era pretensão do governo fazer com que a escola funcionasse de modo exclusivamente prático. Os alunos do último ano do curso primário deveriam receber ensinamentos da agricultura e aprender a servir-se, a utilizar-se racionalmente de aparelhos aperfeiçoados, a fazer seleção de sementes, a conhecer a natureza dos terrenos e certificar-se das vantagens de tais processos. Além dessa tentativa, o governo do general Valadão estimulou o ensino da agricultura no ensino primário, ao introduzir no currículo a disciplina “Ciências Naturais (lições de cousas) e aplicações à zootécnica e agricultura”.
As leituras das propostas formuladas para o ensino agrícola a partir do século XIX são indicadores que se somam ao entendimento, já esboçado por alguns pesquisadores, segundo o qual as alterações que se operaram na vida brasileira ao longo da passagem do século XIX para o século XX, e também no processo de substituição da Monarquia pela República, não são tão rápidas e tão radicais como muitas vezes se crê. As mudanças registradas nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX são, assim, parte de um processo que se produziu no Brasil ao longo dos anos oitocentos e que obedece a uma dinâmica própria que não se subordina diretamente à substituição do regime monárquico pelo republicano.
O período que vai de 1918 a 1934 foi a época durante a qual o governo brasileiro enfatizou a sua política de difusão dos patronatos agrícolas. Esse tipo de instituição era voltado à formação técnica de trabalhadores e levava em consideração os fundamentos científicos necessários à racionalização da atividade agrícola. O ruralismo pedagógico, que foi muito forte no cenário educacional brasileiro da década de 1920, teve como arautos alguns “pensadores sociais do começo do século, como Sílvio Romero e Alberto Torres” . Estes intelectuais pretendiam transformar o ensino primário em instrumento de fixação do homem ao campo, amortizando os impactos causados pelo movimento migratório, numa cruzada de “valorização do país agrícola, através da regionalização da escola e do ideário ruralista nas instituições escolares” .

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