quinta-feira, 22 de abril de 2010

ENGENHARIA E HISTÓRIA IV

Não apenas Bittencourt Calasans, mas também alguns outros proprietários de engenho mantinham esse tipo de posição em face do escravismo. Um deles, Vicente Luiz de Freitas Barreto, proprietário dos engenhos Varzinha, São Luiz e São Vicente, em Laranjeiras, Massacará, em Maruim, e Limoeiro, em Santo Amaro, ao morrer, em junho de 1856, deixou em seu testamento a determinação de que os seus 150 escravos deveriam ser libertados, decisão que foi cumprida pela viúva (FRANCO, 2005: 222).
Além de produzir açúcar, a Província de Sergipe sempre foi também uma importante produtora de cereais. Nos próprios engenhos havia a necessidade de alimentar os escravos e as demais pessoas que ali viviam, o que fazia com que se reservasse uma determinada área de terra para o plantio de cereais e de mandioca. Fora dos engenhos e nas regiões da Província que não se dedicavam a produção açucareira era importante cultivar mandioca, feijão, milho e arroz. A principal região produtora de arroz em Sergipe era a do Baixo São Francisco. Nas lagoas inundadas anualmente pelas cheias do rio, os agricultores haviam aprendido a cultivar arroz. Era também importante para a vida econômica da Província a produção de fumo, ticum, mamona, coco, café, amendoim, algodão e uva (ALMEIDA, 1978: 21). Outra importante atividade rural em Sergipe era a pecuária de bovinos, ovinos, suínos, eqüinos e caprinos.
Não obstante o entusiasmo econômico existente na Província entre 1850 e 1855 com o bom andamento dos negócios, pesquisadores como a professora Maria da Glória Santana de Almeida indicam que do ponto de vista da tecnologia agrícola, Sergipe se ressentia da “falta de técnicas no tratamento do terreno e na semeadura e o esperdício espacial da propriedade”, reduzindo sensivelmente os terrenos dedicados propriamente ao plantio da cana (ALMEIDA, 1978: 19).
Toda essa atividade, entretanto, não era suficiente para impedir a existência de problemas quanto a produção e distribuição de alimentos em Sergipe, já que a cultura da cana era predominante nas áreas mais férteis. A população de Sergipe se alimentava fundamentalmente de farinha de mandioca, milho, arroz, feijão, carne fresca e carne salgada. Ao descrever os hábitos alimentares em Maroim, na metade do século XIX, a alemã Adolphine Schramm elogiou o consumo de frutas e várias outras práticas de alimentação, vendo como ponto alto a ótima sopa de carne que consumia diariamente, além da carne cozida com molho picante, as verduras, o maxixe, o chuchu, a abóbora, a farinha de mandioca, a galinha ao molho pardo, o enrolado de carne, os bolinhos de carne, a salada de arenque, os bolinhos de peixe, a carne assada com feijão preto, o inhame, a salada de batata, a carne de carneiro e a carne de porco (FREITAS, 1991). Da mesma maneira, criticou a mania de comer feijoada, a dificuldade para encontrar leite, a escassez de ovos de galinha e os preços dos gêneros alimentícios, que considerava muito caros. Alguns desses alimentos eram importados. A charque vinha do Rio Grande do Sul e do Ceará. O bacalhau vinha da Europa. Maria da Glória Santana de Almeida entende que


havia uma debilidade alimentar crônica da população sergipana que, facilmente, se transformava em catástrofe, quando se alterava a quantidade normal de alimentos levada aos mercados. A comprovação disso pode-se conseguir pelos sucessivos registros de epidemias que ceifaram muitas vidas. O estado de subnutrição facilitava a constante proliferação de doenças infecto-contagiosas como a varíola, a febre amarela, o tifo, corriqueiramente registradas nos relatórios da Saúde Pública (ALMEIDA, 1978: 24).


Entre os anos de 1857 e 1859 Sergipe viveu uma grande crise de abastecimento que resultou em muitas mortes e no registro de saques a armazéns e outras casas comerciais. Nesse mesmo período a seca que atingia o sertão dizimou parte do rebanho sergipano, seja pelo mau aproveitamento dos terrenos que não recebiam o tratamento devido e possível em face do conhecimento agronômico então existente, seja pela ausência de práticas de melhoramento das raças dos animais de criação. Do ponto de vista das plantações, à exceção da lavoura canavieira, eram raros hábitos como os de adubação, aragem, armazenamento de água e irrigação. A adubação conhecida era apenas aquela que utiliza esterco de gado, técnica introduzida no agreste do Estado de Sergipe por agricultores da região do Minho, em Portugal, que aqui se estabeleceram (FRANCO, 2005: 11). Na produção agrícola sergipana, os instrumentos mais utilizados eram pá, enxada, machado e fogo (ALMEIDA, 1978: 37).
As interpretações da pesquisadora Maria da Glória Santana de Almeida sobre a crise dos alimentos dão conta do quadro existente na agricultura sergipana durante o século XIX. Contudo, é possível afirmar que a partir da metade dos anos 800 o conhecimento agronômico científico em Sergipe foi incorporado de maneira mais acelerada, alterando de modo substancial o panorama de então. Os estudos realizados por João José Bitencourt de Calasans e já aqui analisados são fortes indicadores de tais modificações. Memorialistas como Emmanuel Franco indicam a presença de um agrônomo francês, o Dr. Guiot, trabalhando na produção canavieira em Sergipe durante a segunda metade do século XIX. Apesar de não oferecer maiores indicações sobre esse profissional, afirma que ele esteve envolvido com os estudos que identificaram a Gomose da cana de açucar, nas décadas de 60 e 70 daquela centúria, no mesmo período em que Pasteur estava divulgando as suas descobertas no mundo microbiano (FRANCO, 2005: 18).
A segunda metade do século XIX foi um período de amplas discussões, por parte dos políticos, intelectuais e líderes do setor agrícola a respeito da necessidade de criar instituições que fomentassem o conhecimento de técnicas agrícolas; fundação de casas de crédito rural; diversificação das culturas (estímulo ao plantio de chá e café); e, introdução de colonos europeus.
No ano de 1869, o mais importante descaroçador de algodão em funcionamento na Província de Sergipe, era movido a vapor, com capacidade diária de processamento de 600 arrobas e estava instalado em Maruim, como um dos negócios da empresa Schramm.
O uso das terras agricultáveis para a produção de alimentos implicava também em alimentar o gado bovino, responsável pela produção de leite e carne. Esse problema sempre foi sentido, principalmente no sertão, nos períodos de estiagem, quando faltava alimento para as pessoas e para os animais. A alimentação do gado bovino em áreas do sertão sujeitas a períodos de estiagem prolongada começou a melhorar a partir da década de 60 do século XX, com a introdução intensiva da palma forrageira. A partir de 1964 a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene estimulou a introdução da palma fornecendo mudas e um auxílio em dinheiro para os proprietários rurais que quisessem plantar cinco hectares do vegetal. Não obstante ela ser reconhecidamente pobre em nutrientes, é vista como um importante alimento para o gado à época da seca. Quando cortada a cada dois anos e servida na cocheira, a planta pode durar até dez anos, ajudando o gado a resistir à seca (FRANCO, 2005: 150).
A palma forrageira tem facilidade em se adaptar aos solos que possuem potássio e sódio em abundância, como os solos da caatinga. Os melhores meses para o plantio são janeiro, fevereiro, abril e dezembro, podendo ser consorciada com milho, feijão e mandioca. Além disso, a palma é uma planta que cobra poucos tratos, exigindo apenas uma roçagem anual. Porém, a planta necessita de terrenos sombreados pelo mato.

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