quinta-feira, 25 de março de 2010

BOTÂNICA E HISTÓRIA III

O livro de Antonio Moniz de Souza, além de estudar o meio ambiente e as espécies vegetais, é um testemunho importante do processo de transição e da vida das pessoas no momento em que o Estado brasileiro ganhava autonomia e se separava do império português.
Além deste livro, Antonio Moniz de Souza publicou mais quatro importantes trabalhos: Máximas e pensamentos praticados por Antonio Moniz de Souza, o homem da natureza em suas viagens pelos sertões do Brasil desde 1812 até 1840. O trabalho foi organizado por um amigo de Moniz de Souza e publicado com 56 páginas, pela Tipografia Niteroiense, em 1843; “Petição dirigida a S. M. I.”, publicada pelo jornal Philantropo do Rio de Janeiro, número 67, de 12 de julho de 1850; e, “Tratamento da morféia pela casca da raiz de sucupira”, publicado no Correio Sergipense, de oito de agosto de 1855.
O pesquisador Jackson da Silva Lima reproduziu o texto publicado no Correio Sergipense por Antonio Moniz de Souza (LIMA, 1971, 232). Através dele é possível perceber as preocupações do naturalista quanto ao fato de que os seus estudos pudessem contribuir para salvar vidas, ao tempo em que os médicos do início do século XIX, lutando pela legitimação do seu saber e pela delimitação do seu campo profissional, resistiam a admitir a incorporação das contribuições do botânico desprovido de formação em Medicina. Contudo, o botânico sergipano nunca deixou de enviar para os médicos e as boticas a Ipicacoanha, o Gurenhen, a Sucupira e outras raízes e plantas medicinais que recolhia em suas incursões pelas matas. Era evidente o entusiasmo de Moniz de Souza para com as possibilidades curativas que identificara na flora:


Nos sertões por onde percorri nas minhas longas viagens, encontrei um número de medicamentos extraordinários, os quais todos que pude colher os apresentava aos médicos, e os dava não só a estes, como a Academia de Medicina, mas sempre foram desprezadas, porque poucos foram os que se puseram em prática, talvez por não ser eu médico; mas, entre estes medicamentos, os quais ainda me pretendo ocupar, como já o fiz a respeito da casca de gurenhen para o tratamento da asma, inflamação do fígado, e de todas as úlceras, e agora o faço para falar da casca da raiz da sucupira para o tratamento da morféia, por ter tido ocasião de ver nas matas do Japão, na Província de Sergipe um homem, o qual dizia ter sofrido esta terrível moléstia e se achava curado com o uso do cozimento e banhos desta casca, tanto interna quanto externamente: mas não é isso que me obriga a publicar uma coisa que tanto bem pode causar à humanidade, é ainda o ter eu aconselhado o uso deste medicamento a uma pessoa atacada desta moléstia, e esta achar-se com muitas melhoras. A sucupira é planta que produz nas matas e nos campos agrestes, é árvore de construção e há duas qualidades dela, uma vermelha e outra branca, porém a de que se faz uso é da branca produzida nos campos agrestes. Agora só me resta pedir à Academia Imperial de Medicina, a todos os médicos e ao mundo inteiro a quem ofereço este meu trabalho que mande vir este medicamento, e que dele façam uso os desgraçados sofredores desta tão cruel moléstia, pois estou certo que muitos deverão melhorar os seus sofrimentos (LIMA, Jackson da Silva. História da literatura sergipana. v. I. Aracaju, Livraria Regina, 1971. p. 232).


Ao publicar este texto, Antonio Moniz de Souza deixou claro que anteriormente ocupara as páginas do mesmo periódico, através de carta dirigida ao editor, também reproduzida por Jackson da Silva Lima:


Sr. Redator – Fiado na bondade de v. m. animo a pedir-lhe pela segunda vez a continuação do seu obséquio em imprimir o seguinte anúncio sobre a casca da raiz da sucupira no tratamento da morféia, assim como m’o fez a respeito da casca de gurenhen para o tratamento da asma, etc.; ficando v. m. na certeza de que faz-me com isto um particular favor, e à humanidade um grande serviço. AntonioMoniz de Souza.


Apesar desse tipo de registro o próprio Moniz de Souza confessou, em outras ocasiões, haver recebido o estímulo, inclusive financeiro, de diversas autoridades e até de médicos para que prosseguisse com as suas pesquisas. Médicos que, aliás, em várias ocasiões mantiveram um diálogo aberto com Antônio Moniz de Souza e aproveitaram do conhecimento sobre as plantas que este aportava como contribuição à Medicina.


Algumas dessas ervas, raízes, e mais drogas de decidido préstimo naqueles países, onde mais pelas virtudes delas que pelos conhecimentos dos habitantes, fazem curas milagrosas, são as mesmas que já por vezes tenho apresentado em varias partes, e muito mais na Bahia, (...) aos peritos da arte médica, (...) examinadas, primeiro para ordem do Exmo. Conde dos Arcos, insigne patrocinador dos gênios e artes, a quem tanto deve a Bahia, e depois pelo de Palma, quando ali governaram. Foi por todos aprovado o meu trabalho, atenta a utilidade e eficácia desses remédios, com que a bem da existência humana tanto se pode enriquecer a Medicina; e aqueles Exmos. Condes patrocinaram, e animaram as más fadigas, não tanto para indução, que para elas me fizeram verbalmente, quanto para subscrição em que primeiro assinaram, e concorreram com duas ofertas generosas de companhia com os professores médicos, e outros muitos cidadãos e proprietários do Recôncavo, em virtude do que continuei nas descobertas, e conduzi o fruto delas; que de novo apresentei e fui muito (...) aceito (SOUZA, Antonio Moniz. “Descobertas curiosas que nos reinos vegetal, animal e mineral, por sítios e sertões vários das brasílicas Províncias Bahia, Sergipe e Alagoas, fez o capitão Antonio Moniz de Souza e Oliveira, natural da primeira, com uma breve descrição primordial do lugar de nascimento e princípios de sua educação. Oferecidas ao Augusto Chefe da Nação Brasileira o Senhor D. Pedro Primeiro, Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil”. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Salvador, nº. 73, 1946. p. 129-174).


O nome de Antônio Moniz de Souza pode ser colocado ao lado de Langsdorf, Saint Hilaire, Spix, Martius e outros empreendedores de viagens científicas ao interior do Brasil com o objetivo de descobrir riquezas dos reinos animal, mineral e vegetal. Com a grande diferença de que os demais investigadores estavam a serviço de potências estrangeiras, enquanto Moniz de Souza viajou servindo aos interesses do Brasil.
O discurso do botânico Antônio Moniz de Souza incluía também uma expressiva preocupação para com a necessidade de preservar as espécies vegetais. Já nas primeiras décadas do século XIX estava denunciando o risco de extinção do Pau-Brasil e pregando a necessidade de proibir-se o corte de tal madeira, além de alertar para o fato de que a exploração da espécie servia apenas para enriquecer comerciantes e exportadores estrangeiros, afirmando que àquela altura já se estava também extinguindo, no território da Bahia, a Tabagiba, ou Amoreira, que até o século XVIII ali se encontrava abundantemente (SOUZA, Antonio Moniz de. Viagens e observações de um brasileiro. Organização e notas de Ubiratan Castro de Araújo. 3. ed. Salvador, Instituto Geográfico e Histórico Brasileiro, 2000. p. 85). Dois outros graves problemas à proteção ambiental do Brasil também apontados foram o da caça e o da produção agrícola. O entendimento era o de que os métodos empregados então pela agricultura eram extremamente danosos, principalmente o hábito de “no tempo de estio lançar fogo às frondosas matas para se divertirem com o incêndio e (...) para na limpa que o fogo faz plantar alguns pés de abóboras”, reduzindo a cinzas “léguas de matas aformoseadas de preciosos troncos” (SOUZA, Antonio Moniz de. Viagens e observações de um brasileiro. Organização e notas de Ubiratan Castro de Araújo. 3. ed. Salvador, Instituto Geográfico e Histórico Brasileiro, 2000. p. 98). Também denunciava a extração do óleo de Copaíba, afirmando que para a colheita do produto as árvores eram derrubadas com machado, comprometendo a reprodução da espécie. Do mesmo modo, a caça era uma atividade extrativista tida também como destruidora e desordenada, que agredia o meio ambiente indistintamente. Todo o extrativismo, aliás, era entendido por ele como ruim, fosse a extração do mel de abelhas, de frutos ou a matança de animais.


O caçador meleiro, homem estúpido e insensível, vai arrombar o cortiço das abelhas para lhes roubar todo o mel, único recurso que elas têm para o seu sustento. Chega o insensato com machado junto da frondosa árvore, em cujo tronco está depositado o cortiço de abelhas, lança-lhe o machado desbaratando o asilo dos incansáveis e industriosos animaizinhos, estes saem a defender a sua propriedade com as tênues armas que a natureza lhes concedeu, mas quando encontram desmanchada a sua casa, e julgam já baldados os seus esforços e inútil a resistência, vão reunir-se aos filhinhos postos e lançados por terra sem vida (SOUZA, Antonio Moniz de. Viagens e observações de um brasileiro. Organização e notas de Ubiratan Castro de Araújo. 3. ed. Salvador, Instituto Geográfico e Histórico Brasileiro, 2000. p. 99).

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