quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O DISCURSO CIVILIZATÓRIO NO BRASIL

Sob a monarquia do século XIX, principalmente a do Segundo Império, foi muito forte o discurso civilizador. Em 1841, um relatório do Ministério da Justiça distinguia os habitantes do litoral, os civilizados, dos demais habitantes do sertão, tidos como bárbaros pelas autoridades monárquicas (MATTOS, Ilmar R de. O tempo saquarema. São Paulo. Hucitec, 1987: 33), principalmente no período de governo dos dirigentes Saquaremas. Era muito caro a este grupo de senadores, magistrados, ministros, conselheiros de Estado, bispos, professores, médicos, jornalistas, literatos e os ocupantes de cargos nos mais distintos escalões administrativos do Império, além daqueles que poderiam ser classificados como agentes “não públicos”, a preocupação em justificar suas ações pelos parâmetros fixados tanto com base na adesão aos princípios de ordem e civilização quanto pela ação visando a sua difusão. Os cidadãos que viviam o momento de consolidação do Império do Brasil, os homens livres, tanto precisavam se reconhecer quanto serem reconhecidos como membros de uma comunidade – o mundo civilizado – animada pelo ideal do progresso. O Império vendia a imagem de ocupar um lugar distinto entre as nações, no mundo civilizado, pela sua posição geográfica (MATOS, 1987: 13).
O discurso civilizatório fazia com que até mesmo alguns elementos de crítica ao regime monárquico fossem tomados em favor da Monarquia. Assim, providências como a repressão ao tráfico, adotadas a partir da década de 50 do século XIX, apareciam como uma ação civilizadora da Coroa, apresentando a esta na condição de uma entidade que agiria sempre acima dos partidos e dos interesses particulares e imediatos, e preocupada em depurar sua maior criação – o Império, face iluminada da classe senhorial (MATOS, 1987: 227).
A preocupação em civilizar o Brasil fez com que, no mesmo século XIX, se discutisse a imigração de estrangeiros. Esta era entendida como uma forma de trazer novos hábitos culturais, de difundir o cultivo de outros produtos e técnicas agrícolas e industriais ou, ainda, de acordo com a mentalidade vigente, aumentar o contingente demográfico de europeus e seus descendentes – os únicos capazes de produzirem uma sociedade civilizada, segundo o entendimento à época dominante.
Foi também em nome da civilização que o Brasil aprofundou um vigoroso debate educacional a respeito do ensino agrícola durante a segunda metade do século XIX. Essas discussões persistiram, atravessando as primeiras décadas do século XX. Um debate que reunia juristas, políticos, médicos, clérigos, militares e professores, dentre outros. Todos eles buscando apoiar-se em preceitos cientificistas.


Tratava-se, antes de tudo, de uma verdadeira cruzada civilizatória a que se atiravam os eugenistas, estes arautos dos tempos modernos. Na sua missão, ocuparam todos os espaços possíveis: as academias médicas, as sociedades filantrópicas, as casas legislativas, as escolas, as delegacias de polícia, os tribunais de justiça, estabelecendo uma verdadeira rede de solidariedade entre discursos, instituições e personagens, entre estes o médico, o pedagogo, o jurista, os agentes do controle social repressivo, a dona de casa, o pai preocupado com o destino de sua prole (MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da raça. Médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas, Editora Unicamp, 1994: 15).


Sob a inflexão eugenista, os projetos que debatiam o ensino agrícola buscaram sua inserção no âmbito do debate educacional, questão que, de resto, mobilizava amplos setores da vida social, “conquistava participantes e para a qual confluíam aspectos diversos, delineando um rol temático que integrava os investimentos das elites urbanas em luta pela hegemonia” (OLIVEIRA, Milton Ramon Pires de. Formar cidadãos úteis: os patronatos agrícolas e a infância pobre na Primeira República. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2003: 58).
Contudo, os ideais civilizatórios não foram exclusividade do ensino agrícola. Outros discursos acerca da escolarização adotados no início do século XX, como o das escolas de aprendizes e artífices buscavam tal finalidade. Segundo Vera Regina Beltrão Marques, partia-se do pressuposto que somente a instrução do povo propiciaria a conquista da cidadania, culminando na transformação do país em uma nação civilizada (MARQUES, 1994). No mesmo período, a Associação Brasileira de Educação (ABE) enfatizava em seus discursos “a educação moral e disciplina para o trabalho como pressupostos indispensáveis para alcançar a civilização” (MARQUES, 1994: 105). Esse mesmo entendimento civilizatório que contaminou a nação foi responsável pela criação de uma rede nacional de patronatos agrícolas que, através de suas práticas educativas, buscava formar cidadãos civilizados.
Civilizar significava também proteger a sociedade contra a desordem, capacitando e ocupando os desocupados e ociosos, os então chamados “desfavorecidos da fortuna”, de modo a propagar os valores atribuídos à sociedade industrial, associando o conceito de civilização aos ideais do progresso e da democracia (CUNHA, Luiz Antonio Rodrigues da. “O ensino industrial-manufatureiro no Brasil”. In: Revista Brasileira de Educação. São Paulo, nº.14, mai/ago, 2000: 94).
Todos estes discursos levavam em consideração o fato de que como espaço que reúne um grande número de pessoas e que tem objetivos civilizatórios de transmissão dos padrões culturais em circulação, a escola inclui dentre os seus procedimentos disciplinadores o ensino da renúncia à violência física, estabelecendo convenções destinadas a controlar a conduta, modelar os afetos e regular as maneiras. E ao faze-lo, pensava não apenas em alunos oriundos dos grupos sociais mais pobres. O sentido civilizatório estava presente nas diversas escolas, fossem elas destinadas ao atendimento de alunos mais pobres ou aos filhos das famílias mais abastadas.

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