sábado, 29 de janeiro de 2011

O PROFESSOR CALASANS E A POLÍTICA EDUCACIONAL

Ainda são incipientes os estudos de pesquisadores sergipanos que têm se debruçado sobre o trabalho de José Calazans. A sua importância como pesquisador da História do Brasil tem chamado a atenção de muitos estudiosos da historiografia brasileira para a obra deste sergipano que passou a maior parte da sua vida produtiva vivendo na cidade de Salvador, onde se vinculou institucionalmente à Universidade Federal da Bahia, na qual chegou a exercer a função de vice-reitor. A produção baiana de José Calazans despertou a curiosidade, principalmente dos estudiosos dos episódios que envolvem a guerra de canudos e a saga de Antônio Conselheiro, tema do qual ele se transformou num dos mais importantes dentre os muitos pesquisadores. Não obstante a sua grande contribuição ao campo da História realizada na UFBA, José Calazans deixou registros da sua marca de pesquisador em Sergipe, antes de mudar-se para a Bahia. Esses registros têm sido objeto da preocupação de poucos pesquisadores, é certo, mas de modo crescente vem merecendo reflexões por parte de estudiosos como Maria Thétis Nunes e Luiz Antonio Barreto. Também digno de registro é o trabalho de Carlos Antônio dos Santos, O Senhor da Velha Guarda: notas acerca do pensamento historiográfico de José Calazans. Trata-se de uma monografia apresentada para conclusão do curso de graduação em História da UFS no ano de 1999, sob a orientação da professora Lenalda Andrade Santos.
Nos últimos tempos, a obra de Calazans encontrou em Itamar Freitas um bom inventariante e analista. Ao encerrar uma série de artigos que publicou no jornal Gazeta de Sergipe sob o título “Diálogos com Calasans”, este autor afirma que buscou “demonstrar o valor do trabalho pioneiro de Calasans, tanto em relação à história da historiografia como no esboço do tipo ideal de escrita da história no início dos anos 1970. Nesse suposto diálogo, ficou evidenciado o crescimento considerável dos estudos sobre a economia”. Depois de destacar a vida social, a política e a cultura, o analista aqui citado acrescenta a importância da “atividade historiadora em pelo menos três ‘gêneros’ trabalhados por Calasans: historiografia didática, biografia, e história dos municípios”.

A preocupação central deste artigo é com um aspecto pouco difundido da vida e da obra de José Calazans: as suas contribuições à educação em Sergipe, tomadas sob três pontos de vista - o professor, o administrador da política educacional e o pesquisador de História da Educação. Com toda certeza, todos têm conhecimento do óbvio fato de haver Calazans contribuído como professor, posto que esta foi, ao longo da sua vida, a sua principal atividade econômica. Mas, quando se trata de dar conteúdo a este aspecto da sua existência, são quase inexistentes os estudos que nos permitem compreender quem foi o professor Calazans, sob quais padrões intelectuais atuou e de que modo se vinculou institucionalmente. Falo não da sua atividade como docente e pesquisador da Universidade Federal da Bahia, mas sim busco os registros do seu trabalho nas instituições escolares de Sergipe, antes da sua mudança para Salvador. Alguns estudos da área indicam que o professor aqui analisado atuou como docente da Escola Normal Rui Barbosa a partir da década de 1940, mas ainda não deram conta de esclarecer o seu trabalho na congregação daquele centro de formação de professores, o programa que oferecia nas disciplinas que ministrava, os livros que adotava, sua relação com os alunos e outros aspectos da sua prática pedagógica. Os estudiosos do campo até agora centraram as suas atenções, ainda que timidamente, apenas sobre a tese de concurso com a qual este foi aprovado, em 1942, para a cadeira de História do Brasil e de Sergipe: Aracaju: contribuição à história da capital de Sergipe, trabalho publicado no mesmo ano pela Livraria Regina.
Como administrador da política educacional, José Calazans integrou a equipe do professor Arício Fortes, quando este dirigiu o Departamento de Educação. Ao ocupar tal cargo, o diretor geral Arício Fortes se assessorou do professor José Calazans, que ocupou a função de Assistente Técnico. O professor Zezinho Cardoso também integrava o núcleo central do poder no Departamento, na condição de Inspetor Geral do Ensino Primário. Eles três, juntos, faziam de dois em dois meses visitas inspecionadoras, sem prévio aviso, a determinados estabelecimentos de ensino. Os estudos de História da Educação em Sergipe ainda não deram conta de esquadrinhar esse período da nossa história educacional. Todavia, alguns trabalhos já nos fornecem indícios que podem permitir uma melhor compreensão da importância que tinham naquele período as práticas de inspeção escolar. Como intelectual, Calazans participava de um importante órgão administrativo do Estado, o que impõe a necessidade de realização de estudos que nos auxiliem a compreender a sua visão, o seu papel e a sua relação com a sociedade e com a educação. Na sua função de Assessor Técnico do Departamento de Educação, Calazans foi um dos encarregados de propor e fundamentar técnica e cientificamente a política educacional do Estado Novo em Sergipe. Política que nacionalmente sofria fortes influxos do pensamento de Alceu Amoroso Lima, certamente um dos intelectuais que mais opinou durante a gestão de Gustavo Capanema. Isto não significava uma generalização das formas de pensar e agir de todos os agentes intelectuais que desempenhavam os seus papéis técnicos. Assim, não obstante a intransigente defesa do ensino religioso católico feita por Alceu de Amoroso Lima, não foram poucos os conflitos vividos em Sergipe entre José Calazans e os demais membros da equipe do diretor do Departamento de Educação, Arício Fortes, quando juntos tomaram medidas que desagradaram os interesses das instituições escolares mantidas pela Igreja Católica no Estado.
Ao estudar a história do Colégio Imaculada Conceição, em Capela, dirigido pelas irmãs concepcionistas, Sandra Maria dos Santos registrou alguns embates que ocorreram entre a equipe que José Calazans integrava e as freiras que comandavam aquela instituição escolar. No livro de crônicas do Colégio as irmãs escreveram que a equipe comandada pelo professor Arício Fortes chegou de surpresa: além de não ter havido qualquer prévio aviso, era o dia 17 de março de 1938, data na qual ninguém esperava tal visita, pois Aracaju celebrava naquele ocasião o 83o aniversário da mudança da capital: “o fizeram de um modo grosseiro e desdenhoso nos livros do secretario e nos aposentos da casa destinados as alunas internas e externas”. Estes embates e as queixas que deles ficaram registradas devem ser tomados e entendidos no contexto dos conflitos do período e são reveladores da importância do tipo de trabalho que realizava Calazans naquele momento, como bem diz trecho de uma carta enviada por Alceu Amoroso Lima a Gustavo Capanema no dia 19 de março do ano de 1935: “no terreno da educação, é que se está travando a grande batalha moderna das idéias”. Calazans procurou revestir a sua atuação profissional no Departamento de Educação de um caráter eminentemente técnico, tal como o fizeram outros intelectuais que trabalharam sob as mesmas circunstâncias em diferentes níveis de governo e regiões do Brasil, a exemplo de Lourenço Filho que dirigiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep, como Calazans, também defensor de idéias próprias ao movimento da Escola Nova. O professor sergipano defendia as idéias que Alceu Amoroso Lima, no dizer de Raquel Gandini, em Intelectuais, Estado e Educação, considerava “naturalista, materialista, imediatista e estatista”.

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