terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O FANTASMA DOS PIONEIROS: OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E O DEBATE SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL REPUBLICANA NO FINAL DO SÉCULO XX - II

Clarice Nunes concentra os seus esforços na tarefa de buscar o processo de construção do estilo moderno de vida urbana no Rio de Janeiro, através da escola. A própria pesquisadora esclarece que a História da Educação “ainda é uma história a ser escrita a muitas cabeças e mãos” . Esta pesquisadora, portanto teve uma preocupação fundamental: mostrar como a cidade de São Paulo foi tomada como protótipo da cidade brasileira, o que serviu, no caso da História da Educação, para embaralhar diferentes versões da Escola Nova. Ela revelou a necessidade de alguns estudos dirigirem o olhar sobre a cultura urbana, iluminando “a especificidade das experiências escolares vividas nos grandes centros do país nas décadas de vinte e trinta” . Esta autora tem razão ao afirmar que “é impossível examinar a trajetória da escola sem mencionar os intelectuais que a forjaram” . E é justamente nesse ponto que ela diferencia o trabalho de Anísio Teixeira daquele executado por outras expressões do Movimento dos Pioneiros: “ele ampliou o seu olhar sobre a cidade e precisou suas formas de intervenção, atingindo em cheio códigos culturais inscritos nas relações pessoais e estremecendo representações cristalizadas na realidade” . Esta ação de Anísio Teixeira se dá, não esqueçamos, sobre um espaço urbano – o Rio de Janeiro. Em tal espaço “a legislação escolar, com conteúdos práticos, codificou espaços, saberes, poderes, definindo o que era considerado justo e, ao mesmo tempo, delimitando um conjunto de soluções jurídicas para problemas postos pelo contexto pedagógico” .
Zaia Brandão é Pedagoga pela PUC do Rio de Janeiro, mesma instituição na qual obteve, em 1973, o título de mestre em Educação, e o de doutora, em 1992, na mesma área. Continua atuando como professora associada da PUC do Rio de Janeiro. No seu trabalho de dedicou a estudar as contradições existentes no interior do grupo em torno do qual Fernando de Azevedo construiu sua história/monumento. O trabalho de Zaia Brandão, mesmo atribuindo serem os debates em torno da esperança nos resultados da aplicação da ciência à vida social próprios dos valores da primeira metade do século XX, reconhece que o tema da Educação como força civilizatória já aparecera no discurso dos intelectuais do Império que “insistentemente preconizavam o derramar da instrução por todas as classes” . Segundo Zaia Brandão, no momento em que a geração das décadas de 20 e 30 da centúria novecentista atuou, “o imaginário social estava carregado de esperanças nos resultados da aplicação da ciência à vida social” . A partir da inserção de Paschoal Lemme – ligado ao Partido Comunista – no bloco que se formou em torno do trabalho de Fernando de Azevedo, Zaia Brandão buscou entender como se deu essa relação e as representações que foram feitas acerca dela. A pesquisadora partiu do pressuposto segundo o qual o pensamento marxista teria sido silenciado pelos educadores liberais do movimento dos Pioneiros da Educação Nova . Tomando como substrato teórico da sua tese algumas idéias de Pierre Bourdieu, Zaia Brandão revelou como entre nós uma significativa parcela do trabalho historiográfico em Educação vem priorizando uma determinada história dos vencidos, na qual, vítimas e réus são separados, numa construção historiográfica que concorda com a existência de idéias liberais “fora do lugar” e através da leitura “teológica” de certa tradição marxista “o solo histórico do objeto de estudo tem sido utilizado exclusivamente para ilustrar uma determinada explicação que, quase sempre, é extraída diretamente dessa teoria desencarnada” .
Os trabalhos feitos pelos pesquisadores aqui mencionados enfatizam a importância de observar o método da pesquisa histórica nos estudos do campo da História da Educação. Apanhando esse tipo de entendimento este estudo compreende que há evidências históricas que permitem opor restrições a idéias correntes, como aquela que afirma serem frágeis as instituições culturais do século XIX; de que vivíamos exclusivamente sob a égide de um agrarismo atrasado e pernicioso; de que não existiam instituições políticas democráticas. Muitas vezes o estudioso de História precisa aprender a


não cobrar de momentos históricos passados (...) o que não seja desses momentos , impedir a tentação de levantar questões e buscar respostas para um determinado momento tendo por referência questões e respostas que só emergiram depois de esgotadas aquelas conjunturas... (...) Dizendo de outro modo, é preciso não cobrar das forças presentes em momentos passados o que estava acima das possibilidades, da consciência daquelas forças .


O Estado republicano brasileiro se constituiu trazendo consigo a expectativa do novo. Mas, levou também a que se produzissem deformações nas representações históricas do regime que o antecedeu. Os estudos sobre a História do Brasil republicano, principalmente aqueles produzidos a partir dos anos 20 do século passado, partiram da premissa segundo a qual o ambiente monárquico era constituído por um árido deserto cultural.
O modo como o problema da construção do moderno tem sido tratado pela historiografia brasileira nos dá a impressão de que o Brasil, em termos intelectuais esteve sempre recomeçando. Toda a idéia de modernidade entre nós tem sido negadora do já existente, tendo sempre como ponto de partida um caráter inauguratório do tempo. Há uma tendência a rejeitar o passado e afirmar que tudo começa a partir do momento em que a nova análise se referencia. Produz-se a impressão de um eterno recomeço de todas as interpretações culturais, mas em verdade é muito difícil recomeçar, sobretudo no que diz respeito a cultura. Existem fusões, mesmo quando estas são negadas.
O problema da representação histórica do Brasil feita pelas primeiras gerações de republicanos tem preocupado muitos investigadores e tem a maior relevância, principalmente para a compreensão da História da Educação entre nós. A visão que têm do passado os intelectuais brasileiros das quatro primeiras décadas do século XX tem sido muito questionada, principalmente em estudos que procuram desembaçar o debate em torno do trabalho dos chamados Pioneiros da Educação Nova.
São problemáticas as interpretações do século XIX que apresentam o Estado monárquico brasileiro como sendo completamente desaparelhado de projetos de Educação e cultura. Admitir a existência desses projetos não significa avalizá-los, como poder-se-ia pensar ao fazer o raciocínio inverso. E do mesmo modo, não significa apontar a suficiência do que existia. Mas não há como escamotear as evidências históricas que apontam a existência de tais projetos.
Cada vez mais vem sendo posta para os estudos historiográficos em torno de temas como Educação e cultura no Brasil a necessidade de retomar a preocupação existente no Segundo Império quanto as potencialidades civilizatórias desses campos – preocupação que foi ao longo do século XX transformada em tabula rasa por alguns textos de História da Educação brasileira, da mesma maneira que na maior parte dos textos que se dedicam a examinar historicamente questões em torno das políticas cultural e científica no Brasil. Trabalhos como os de Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão têm feito tal reconhecimento, mesmo que de forma marginal.
Os estudos realizados por estes autores procuraram destacar a importância da construção de novos objetos e da reconstrução de tantos outros tidos como velhos. Essa discussão emergiu com mais força entre nós a partir da segunda metade dos anos 80 do século XX com várias tentativas de dar conteúdo histórico aos estudos de História da Educação ao tempo em que era identificada a necessidade de libertá-la de posições pré-concebidas que marcavam a sua trajetória. Apesar de todo o esforço de tais pesquisadores, de maneira geral ainda ficou um pouco subjacente a idéia de que o Brasil do século XIX vivia sob determinadas circunstâncias que impossibilitavam a intelectualidade brasileira de pensar acerca do próprio Estado nacional e formular políticas coerentes. Tal idéia nem sempre apareceu de forma explícita e algumas vezes foi apresentada sutilmente.
Ao apresentar a República como inauguradora da modernidade no Brasil, alguns historiadores tiveram necessidade de fazer um complexo exercício de lógica histórica em face das evidências que podem ser recolhidas no século XIX, uma vez que apenas uma década daquele século foi vivida sob o governo republicano. Do ponto de vista da História da Educação tal problema pode ser observado claramente desde a hegemonização do movimento dos Pioneiros da Educação e ratificado claramente pela maior parte dos trabalhos sobre o tema. Irradiados predominantemente com base nas reflexões feitas na Universidade de São Paulo a partir dos anos 40 do século XX. Bruno Bontempi Junior analisou os problemas da historiografia na área ao comentar um texto de Mirian Jorge Warde, entendendo que


a autora aponta para o fato de que a maioria dos trabalhos não reflete os debates e avanços do campo dos estudos históricos “em termos de novas referências explicativas”, repisando os caminhos anteriormente abertos pela historiografia da educação, quando muito acrescentando novos dados .


Esse mesmo autor sugere que o projeto que Fernando de Azevedo legou para a historiografia educacional brasileira ficou bem claro, porque


a Revolução de 30 representa, para Azevedo, justamente o momento de rompimento com o agrarismo, com o obscurantismo das elites, com a educação tradicional. É o ponto culminante de um processo e, ao mesmo tempo, o início de uma fase de mudanças estruturais profundas na sociedade brasileira. Por isso, 1930 constitui o principal marco histórico na trajetória da educação brasileira na narrativa de Azevedo .


Vários estudos indicam e analisam em profundidade a enorme influência que as formulações interpretativas de Azevedo exerceram. Maria Rita de Almeida Toledo arrola várias marcas de tal influência em estudos de História da Educação brasileira. É na tentativa de criticar esse tipo de influência que uma vertente vem ganhando muita importância nos últimos anos ao fazer estudos que articulam a idéia de modernidade com a entrada em cena do grupo que viria a se constituir no Movimento dos Pioneiros da Educação Nova.

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