quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O FANTASMA DOS PIONEIROS: OS ESTUDOS DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E O DEBATE SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL REPUBLICANA NO FINAL DO SÉCULO XX

Três importantes pesquisadores da História da Educação no Brasil, com forte atuação nas três últimas décadas do século XX, permitem analisar o modo através do qual se operou a crítica historiográfica sobre a Escola Nova entre nós, a partir daquele período. Apanhando as análises publicadas nos últimos 30 anos daquela centúria, foi possível lançar um olhar em torno das contribuições de Zaia Brandão, Carlos Monarcha e Clarice Nunes e no modo como eles dialogaram com o discurso dos chamados Pioneiros da Educação Nova. Como é sabido, durante a década de 80 do século XX muitos pesquisadores da História da Educação Brasileira empreenderam uma releitura dos marcos teóricos estabelecidos pelos escolanovistas. Para este estudo, não obstante a fertilíssima contribuição oferecida pelos pesquisadores citados, sob determinadas circunstâncias eles não priorizaram os problemas de interpretação historiográfica situados na transição do século XIX para o século XX. De um modo geral, os estudos de História do Brasil (e não somente os de História da Educação) tomam essa transição levando em conta apenas as representações que fizeram dela, a posteriori, os republicanos positivistas.
Os estudos aqui analisados já demonstraram que a maior parte da bibliografia sobre Educação produzida no Brasil nas décadas de 60, 70 e 80 do século passado priorizou o período republicano, assumindo os marcos históricos estabelecidos a partir da obra de Fernando de Azevedo. Estudos como o realizado por Bruno Bontempi Junior demonstraram que no período de 1972 a 1988 foram produzidas no Brasil 146 dissertações e teses em História da Educação. Desse total, 116 têm como objeto o período republicano, enquanto apenas 25 analisam o período da monarquia. Efetivamente, em comparação com a bibliografia acerca do período republicano, são bem escassos os textos de História da Educação que se debruçam sobre o pensamento educacional do século XIX no Brasil. Todavia, é necessário rever a História da Educação Brasileira oitocentista, como vêm fazendo já alguns estudiosos, a exemplo de José Gonçalves Gondra, Marcos Cezar de Freitas, Luciano Mendes Faria Filho, Diana Gonçlaves Vidal e Cynthia Greive Veiga, dentre outros. O fato, é que existem outras visões que são alternativas ao discurso pedagógico segundo o qual os Jesuítas teriam moldado uma Educação que dominou o Brasil desde o século XVI até o início do século XX.
O debate que este texto faz a partir da inspiração que recebe dos estudos de Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão diz respeito ao modo pelo qual, usualmente, se faz a representação da monarquia brasileira nos estudos de História da Educação correntes entre nós. A visão mais conhecida do Brasil monárquico dá conta da existência de determinadas circunstâncias que impossibilitavam a intelectualidade nacional daquele período pensar a respeito do próprio Estado brasileiro e formular projetos correntes. Assim, boa parte da bibliografia não empreende a explicitação dos projetos brasileiros elaborados durante o século XIX sob outras condições, criando dificuldades à sua compreensão por inteiro.
Tanto Fernando de Azevedo como outros autores que se dedicaram antes dele ao exame das políticas desenvolvidas pelo governo monárquico no Brasil, insistem em representar aquele contexto enfatizando “a permanência do tipo de educação imposta pelos jesuítas, por um lado, e por outro a fragmentação causada pela política pombalina (...); os decretos governamentais e a distância desses da realidade (...)” reificando as posições interpretativas que foram assumidas no processo de luta que se travou entre os monarquistas e os republicanos a partir da segunda metade do século XIX. . No campo da História da Educação essas interpretações ganharam clareza principalmente a partir do trabalho da geração dos Pioneiros da Educação Nova.
O entendimento assinalado incorporou-se quase que integralmente ao conjunto de interpretações e explicações da Educação brasileira, tanto pelos liberais quanto por seus críticos – dentre os quais alguns estudiosos filiados a várias tendências interpretativas inspiradas pelo pensamento marxista. Todos eles – liberais e críticos dos liberais – aceitaram e, de certa forma, ainda continuam a aceitar os pressupostos e periodizações impostos pela geração dos Pioneiros da Educação Nova. As balizas que esse grupo estabeleceu continuam a ser aquelas aceitas ainda hoje como o campo possível de interpretações da História da Educação Brasileira. É possível que a partir de tais limites possamos encontrar elementos que expliquem porque entre nós continua a haver pouco interesse por trabalhos de pesquisa que tratem de analisar as explicações em torno dos problemas da reforma pombalina, do processo de desenvolvimento cultural vivido pelo Brasil durante o reinado do imperador D. Pedro II.
O mosaico da intelectualidade brasileira que atuou sob o império é extremamente complexo, pois essa intelectualidade viveu as contradições do seu tempo. Um tempo que era o do século do Romantismo, que marcou as visões de política, literatura, moral e ciência dos homens. Um tempo de luta dura entre a moral religiosa e o ateísmo. De consolidação do evolucionismo. Período no qual o Brasil conheceu o liberalismo do Segundo Império e a decadência da sua monarquia. Período no qual se lutou pela preservação da unidade nacional, na única monarquia que sobreviveu ao processo de liberação política do continente americano, onde se adotou a República como modelo de Estado.
As tintas sombreadas utilizadas pelos historiadores da cultura e da Educação para pintar o quadro do Brasil naquele período consolidaram a visão de que estávamos naquele momento indigentes de ciência em função das tradições que herdáramos sob a influência dos jesuítas. De maneira geral, os estudiosos do tema afirmam que até os primeiros anos deste século o conhecimento no Brasil estava bastante limitado e quase restrito às letras. Para esse tipo de afirmação, partem sempre do pressuposto de que os jesuítas continuaram a dirigir a intelectualidade brasileira até que, com o advento da República, os positivistas reformassem a estrutura do nosso ensino, mesmo porque, sob tais interpretações, as reformas que aconteceram sob a monarquia objetivariam apenas permitir que tudo continuasse a ser exatamente como fora até então.
Para essas interpretações o campo da ciência no Brasil estaria tolhido pelo fato de o nosso sistema escolar, naquele momento, não apresentar um nível de organização satisfatório, sem conseguir sequer articular os diversos graus da hierarquia institucional ou até mesmo o funcionamento de instituições escolares de igual nível. Daí defluem muitas críticas à política cultural do governo monárquico. Alguns estudiosos chegaram a afirmar ter sido o Colégio Pedro II a única instituição de cultura geral importante criada durante os dois governos imperiais. Mas, ainda assim, para autores como Fernando de Azevedo, a


obsessão dos estudos superiores profissionais, como um meio de tornar os indivíduos úteis à sociedade do tempo ou elevá-los às fileiras da elite dirigente e o espírito utilitário que se desenvolvia, parte sob a pressão das necessidades imediatas, parte pela predominância da cultura profissional, tinham de forçosamente prejudicar os progressos dos estudos científicos, já entravados numa certa medida pelo caráter de ensino básico geral, eminentemente literário e retórico, no Colégio Pedro II e nas instituições particulares do ensino secundário .


A REAVALIAÇÃO DO MOVIMENTO DOS PIONEIROS


A partir do final da década de 80 do século XX, alguns intelectuais da História da Educação Brasileira voltaram sua atenção para os problemas historiográficos como apontados neste texto e produziram uma análise que articulou a idéia de modernidade com a entrada em cena do grupo que viria a se constituir no movimento dos Pioneiros da Educação Nova. Três expressões importantes dessa linha interpretativa conquistaram muito espaço no debate a respeito do tema: Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão.
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo em 1976, Monarcha obteve o título de mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1987 e doutor em Educação também pela PUC paulistana em 1994, construindo uma bem sucedida carreira de docente e pesquisador na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp. Estudando o problema da representação histórica feita pela geração dos Pioneiros, Carlos Monarcha apontou que a visão do processo de formação da sociedade brasileira assumida por tal grupo trazia consigo “uma concepção de menoridade racional da sociedade civil” . Para este autor, ao estudar a História do Brasil e, particularmente, a História da Educação Brasileira, algumas vezes tem-se a impressão de haver a história estancado entre a Revolução Francesa do século XVIII e aquilo que é apresentado como sendo a revolução burguesa brasileira – “a revolução de 30”. “Vê-se a história do Brasil como fatalidade, simples repetição da trajetória da chamada história Universal. A partir da concepção da história progressiva, o contexto democrático-burguês, que se repete aqui como a “revolução de 30” . Carlos Monarcha centrou a preocupação do seu trabalho na relação escola/espaço urbano, tomando como ponto de partida empírico a cidade de São Paulo. Com um texto bastante arguto, Carlos Monarcha aponta a existência de “um acordo tácito que vê a República Velha como pólo de desvios e de ausências primordiais, fazendo com que a história propriamente dita – a História Universal – não se reproduzisse no Brasil” . Neste sentido, a Escola Nova teria operado deslocamentos no discurso dos liberais brasileiros, de forma a produzir mudanças sociais estritamente controladas, processando o que Gramsci designa como aggiornamento, com o objetivo de reificar a hegemonia burguesa entre nós. Na construção da sua prática, os escolanovistas teriam reduzido a política à ciência, transformando “a primeira num conjunto de procedimentos técnicos” .
Pedagoga pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Caetano do Sul desde 1971, Zilda Clarice Martins Nunes obteve o seu título de mestre em Educação no ano de 1979 pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e o de doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1991. Professora titular aposentada de História da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Clarice Nunes é reconhecida pela importância da sua contribuição ao campo. Analisando a construção da identidade profissional empreendida por Fernando de Azevedo, Clarice estudou o espaço de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 20 e 30 deste século, articulando-o com a organização do sistema escolar, através do trabalho de Anísio Teixeira – uma das mais importantes expressões do grupo que se organizou em torno de Fernando de Azevedo. Clarice Nunes demonstra o quanto “as práticas culturais específicas do espaço urbano permanecem completamente ignoradas” . Para essa autora, a cidade como signo vinha sendo objeto da preocupação de cientistas sociais e historiadores de diversas áreas. Contudo, o campo da História da Educação continuava a trabalhar a escola, a sociedade e os educadores através de representações cristalizadoras. Clarice Nunes demonstrou como os pesquisadores da História da Educação eram levados


não só a entremear o senso comum sobre a cultura urbana com o pensamento educacional aí gestado, mas também reforçando argumentos que tomam São Paulo como modelo de modernização da sociedade e educação brasileiras. Isto não acontece por acaso. No plano da produção acadêmica é esta cidade que aparece como lócus por excelência da afirmação dos interesses e da hegemonia do mercado, da superação do antigo impasse já sinalizado pelas elites brasileiras desde o século XIX, o de liberalizar a sociedade pelo Estado .

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