segunda-feira, 2 de agosto de 2010

AS REFORMAS DO ENSINO EM SERGIPE

A educação brasileira foi marcada no período de 1910 a 1950 pela forte presença das reformas do ensino comandadas por intelectuais ligados ao movimento dos Pioneiros da Educação Nova. Os debates a respeito da Pedagogia Moderna iniciaram-se ainda nos anos finais do século XIX e ganharam materialidade na condição de projeto republicano a partir das reformas do ensino implementadas em São Paulo por intelectuais como Caetano de Campos, no momento em que as elites paulistas investiam na organização de um sistema de ensino que, por representar o progresso republicano, pudesse legitimar a pujança do Estado diante da federação. Bem sucedido, o projeto encantou os demais Estados brasileiros, pela sua Escola Modelo, pelas práticas da sua Escola Normal, pela organização dos dispositivos de inspeção escolar, pela uniformização do sistema de ensino, pela adoção do método intuitivo, pela importação de material escolar e pela sua pedra de toque: o grupo escolar. Este condensava a modernidade pedagógica por oferecer ensino seriado, homogeneizar as classes, reuni-las num mesmo edifício e pela grandiosidade das suas edificações. Foi nesse tipo de instituição escolar que Sampaio Dória mostrou ao Brasil ser possível desenvolver as práticas do método intuitivo e a sua articulação com o modelo pedagógico de Spencer, de caráter enciclopédico.
O êxito do modelo de São Paulo pode ser verificado pelo fato de terem se multiplicado as viagens de estudos dos intelectuais de diferentes Estados que buscavam apreender as reformas implementadas pelos paulistas. Outro indicador desse sucesso foi o freqüente empréstimo de técnicos por parte do Governo de São Paulo aos vários Estados brasileiros. Nem mesmo a crise vivida pelo modelo de São Paulo na década de 1920 pode ser apontada como um declínio desse interesse dos intelectuais da educação brasileira pelas decisões de política educacional tomadas no planalto paulista. A reforma Sampaio Dória, na primeira metade da década de 1920 agitou as discussões sobre educação no seu Estado e no Brasil, ao tempo em que o país inteiro estava sensibilizado pela ação civilizatória representada pelo movimento das ligas nacionalistas.
Os governos estaduais se entusiasmaram com as reformas que se irradiaram a partir de São Paulo pela visibilidade que ganhavam junto à opinião pública, em função do seu caráter moderno, que se exprimia através de um discurso de racionalidade técnica dos profissionais de educação, da legitimação que se poderia obter ao articular-se com a Associação Brasileira de Educação e pelo caráter espetaculoso dos modelos arquitetônicos de grupos escolares que passaram a adotar, inspirando-se na arquitetura escolar adotada em São Paulo. Um dos primeiros dentre os governantes estaduais a compreender essa repercussão fora o líder política cearense Justiniano Serpa que conseguiu, em 1922, o apoio do governo de São Paulo, levando para o Ceará, como diretor da instrução pública, o professor Lourenço Filho.
Já na década de 1930, São Paulo voltou a impressionar os demais Estados, com a reforma do ensino que implementou a partir de 17 de dezembro de 1930, sob a liderança do professor Lourenço Filho.
À medida que as reformas se irradiavam por todo o Brasil (São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia), ao longo das décadas de 1920 e 1930, também se consolidavam o ideário da Escola Nova no Brasil, seja pela presença de um novo perfil de pedagogos, os “educadores profissionais”, seja pela expansão de caráter quantitativo e qualitativo da nova literatura educacional. A consolidação escolanovista contou com a forte influência que exerceram as conferências nacionais organizadas pela Associação Brasileira de Educação – ABE e com a visibilidade que ganharam as reformas realizadas no Distrito Federal por Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. A superação dos padrões cívico-nacionalistas propostos pelas ligas possibilitou aos intelectuais da Escola Nova, a partir da década de 1930, a legitimação do discurso de defesa de uma escola pública única, laica, gratuita e obrigatória, na qual fosse possível colocar em prática o ideal de co-educação dos sexos. Uma instituição onde a autoridade pedagógica não fosse imposta, mas sim acatada através do consentimento.
As idéias da Pedagogia Moderna e da Escola Nova em Sergipe durante a primeira metade do século XX receberam grande contribuição da parte dos intelectuais que fizeram viagens a São Paulo e ao Rio de Janeiro. Os nossos principais reformadores do ensino, em algum momento, estiveram intercambiando com os intelectuais da educação desses dois Estados e, com eles, aprenderam a repensar as políticas educacionais e as práticas escolares.
Dentre os que assumiram, em Sergipe, o discurso da modernização pedagógica está o médico e pedagogo capelense Helvécio de Andrade. Ele ocupou, por três vezes, o cargo de diretor da instrução pública, entre os anos de 1913 e 1935. Delegado fiscal do governo federal junto ao Atheneu Sergipense, foi professor e diretor da Escola Normal, onde trabalhou como lente das cadeiras de História Natural, Pedagogia, Pedologia, Higiene Escolar e Ciências Físicas e Naturais. Foi militante ativo do Centro Socialista Sergipano, da Hora Literária, ocupante da cadeira número quinze da Academia Sergipana de Letras, do Centro Literário Educativo, da Sociedade Médica de Sergipe e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Dirigiu, em Sergipe, a Associação Brasileira de Educação. Criou a biblioteca da Escola Normal e organizou as “conferências cívicas e pedagógicas.” O seu entusiasmo com o modelo das reformas de São Paulo teve início quando ele trabalhou em Santos, como Inspetor Geral da Educação, na última década do século XIX, antes de transferir-se para Sergipe. As idéias que aprendera em São Paulo, Helvécio de Andrade buscou implementar como diretor da instrução pública, em Sergipe: “adotamos métodos mais suaves, humanos e naturais, de acordo com os preceitos da Pedagogia moderna”.
Bem articulado, Helvécio Ferreira de Andrade era um dos membros e diretor estadual da Associação Brasileira de Educação – ABE. Ele produziu para a Associação o “Plano de organização do ensino em Sergipe apresentado a Associação Brasileira de Educação em 1935”, publicado pela Casa Ávila. Nesse texto ele defende a importância do Serviço de Estatística Geral do Estado e a essencialidade da produção desse tipo de estudo para o Brasil.


Nação sem estatística é nação desaparelhada para conhecer dos seus recursos presentes e futuros e das suas possibilidades econômicas e culturais. O recenseamento escolar deve proceder a qualquer sistema de organização do ensino. Só por seu intermédio podemos conhecer das necessidades regionais, no empenho de uma boa distribuição das escolas; não só isso como de condições outras que interessam a instrução publica, como seja a distribuição de recursos didáticos e outros à população escolar necessitada .


Os padrões de cientificidade da Pedagogia postos naquele momento impunham ações como medir, avaliar, ou seja, quantificar e controlar.
Além de Helvécio de Andrade, outros intelectuais da educação em Sergipe também se engajaram na discussão em torno da Pedagogia moderna, apoiando, mais tarde, o movimento da Escola Nova. O professor Adolfo Ávila Lima, inspetor geral do ensino, um dos fundadores, em 1916, da Liga Sergipense Contra o Analfabetismo teve papel destacado nesse movimento, ao lado de outros professores como José Augusto de Rocha Lima, Franco Freire e Penélope Magalhães. Os três últimos fizeram viagens de estudos a São Paulo e ao Rio de Janeiro.
As viagens de estudo e a “importação” de técnicos constituíram estratégia importante para a política de modernização da Pedagogia em Sergipe. Em 1909, o presidente de Sergipe, Rodrigues Dória, trouxe de São Paulo o professor Carlos Silveira, para reorganizar a instrução pública. Este propôs um plano que previa a construção de grupos escolares, a organização do serviço de inspeção escolar, a adoção dos novos métodos de ensino e a remodelação dos ensinos normal e secundário. Carlos Silveira permaneceu cerca de um ano em Sergipe, retornando em seguida a São Paulo, onde passou a atuar como professor do Instituto Pedagógico. O seu projeto teve conseqüência e, cinco anos depois, no período em que Helvécio de Andrade estava dirigindo a instrução pública, este relatou ao presidente do Estado a necessidade de importar o material escolar necessário ao bom funcionamento dos grupos escolares: “globos, mapas, sólidos geométricos, sistema de pesos e medidas, séries de seres orgânicos e inorgânicos, material para as lições de coisas etc...” O discurso e a política de construção de grupos escolares intensificou-se mais na década de 1920, quando a presidência do Estado foi exercida por Maurício Graccho Cardoso.

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