domingo, 8 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA QUÍMICA EM SERGIPE - II

Em Sergipe, os métodos mais utilizados eram o da adição pura de cal ou o de Robert Coats, que era considerado bastante econômico, sobretudo quando a cana moída era muito azeda (CALASANS, 1869: 64).
Ainda durante a fabricação do açúcar era requerido um bom conhecimento químico para o processo de filtração. Um dos processos de filtração mais raro em Sergipe durante a primeira metade do século XIX era através do uso de filtros de carvão animal , descoberto na França, em 1814 e utilizado inicialmente na filtração do açúcar de beterraba. O carvão de ossos ou carvão animal era capaz de destruir quase completamente a parte colorante do caldo da cana e de neutralizar os ácidos livres e o excedente de cal, criando condições mais favoráveis para a cristalização do açúcar. Esse sistema, contudo era considerado dispendioso. Na Província era mais conhecido o sistema de filtração através de coadores de arame fino ou também de coadores feitos de pano grosso de algodão. Todavia, o sistema de filtro amplamente utilizado pela maior parte dos engenhos era o da filtração econômica. Numa pipa comum era instalada uma torneira a uma distância de três polegadas do seu fundo. Acima desse ponto se colocava um outro fundo feito de cipós, em forma de cesto; sobre o cesto se colocava carvão comum que era coberto com outro trançado de cipós em forma de cesto.
Depois de filtrado, o caldo passava pelo processo de evaporação. Esta era uma operação preparatória ao processo de concentração e segunda filtração, com o objetivo de engrossar o caldo da cana, precipitando os sais solúveis que escaparam às primeiras operações. Depois do primeiro processo de evaporação, o caldo da cana era submetido, já sob a forma de xarope para a última caldeira ou tacha de bater, ou para a caldeira ab vácuo nos engenhos mais modernos. Era este o processo de concentração, ou seja, o último grau de evaporação. Aí, o momento mais difícil era o reconhecimento do ponto no qual se deveria retirar o açúcar para os esfriadores, em face “das inexatidões dos instrumentos que marcam o ponto do xarope” (CALASANS, 1869: 71). Os esfriadores eram fabricados com grandes pranchas de madeira conhecidas como cochos, sobre as quais se derramava o açúcar a fim de que este, à medida que esfriava formasse os cristais de baixo para cima. Por último o açúcar era colocado em formas para purgar .
Os engenhos mais modernos utilizavam centrifugadores na última etapa do processo de purgação.


Esta máquina conhecida em 1838 nas fábricas de tecidos, e ali empregada com grande proveito para secar certos artefatos, apareceu com igual sucesso em 1849 nas fábricas de refinar açúcar. Este aparelho é hoje bastante vulgarizado, aliás bem conhecido de muitas pessoas, apesar de pouco aplicado entre nós. Sua construção e manipulação não é desconhecida. É de forma redonda o aparelho, e de ferro fundido, seu centro é ocupado por uma peça do mesmo metal, de figura cônica, cujas paredes são guarnecidas em circunferência de um tecido de arame fino, para deixar passar o melaço, ou a parte aquosa do açúcar, e reter a outra parte granulosa, ou cristais do mesmo açúcar; depois do que é retirado alvo ou bem alvo a medida do desejo (CALASANS, 1869: 82).


Um outro problema importante a preocupar os estudiosos da Química em Sergipe foi o da potabilidade das águas. Em 1854, a preocupação com a qualidade da água extraída dos poços e cacimbas existentes na Província fez com que o presidente Inácio Barbosa determinasse a coleta de amostras e o seu envio para a Bahia, a fim de que fosse procedida a análise química. Ao mesmo tempo, designou o médico Joaquim José de Oliveira para analisar as águas dos rios São Gonçalo, Uma e Prata, “visando determinar a potabilidade das mesmas para fins de canalização” (SANTANA, 1997: 44).
Em 1855, a cidade era abastecida por duas fontes de água potável, vermelha, considerada de qualidade ruim: a Fonte do Caboclo e a Fonte da Nação. Depois foi descoberta a Fonte do Mané Preto, que fornecia uma água branca, transparente, considerada de qualidade muito boa (CHAVES, 2004: 75). Muitos viajantes europeus, inclusive, deixaram registros a respeito desse problema. Ave-Allemant reclamou da falta de uma boa água potável na cidade: “a que se tem para beber é ruim, amarela cor de ouro” (AVÉ-ALLEMNAT, 1961). À água atribuiu as febres intermitentes que o acometeram em Aracaju.O presidente Salvador Correia de Sá e Benevides, em 1856, mandou recolher amostras da água existente nas fontes que abasteciam Aracaju e as encaminhou para a cidade de Salvador, a fim de que estas fossem submetidas a análise química, constatando a má qualidade da água consumida na capital da Província. O problema havia melhorado bastante no final do século XIX, com a construção de chafarizes em vários locais da cidade, que armazenavam água de poços extraída através das força de cataventos e armazenada para distribuição às pessoas.
A década de 20 do século XX em Sergipe representou um momento importante para a difusão dos conhecimentos da Química, principalmente quando se considera que sucessivos governos investiram na criação de laboratórios destinados ao ensino dessa ciência, como o presidente Manoel Dantas, que exerceu a chefia do Poder Executivo sergipano entre os anos de 1927 e 1930. Preocupado com a modernização educacional e com o nível de instrução científica das professoras primárias, ele instalou um moderno laboratório na Escola Normal Rui Barbosa de modo a dotar a instituição de meios práticos para a realização do seu mister. O discurso educacional que fazia à época o diretor geral da Instrução Pública e Diretor da Escola Normal, Manoel Franco Freire, era influenciado pelos preceitos da pedagogia moderna e defendia um modelo pedagógico de caráter prático . O caráter do ensino de Química no laboratório da Escola Normal era o da aplicação desse conhecimento à vida prática, doméstica e industrial. O laboratório era, portanto, o meio de dar forma concreta às lições. A mesma mentalidade fora determinante, no final do ano anterior, sob o governo do coronel Cyro de Azevedo, para a reorganização do laboratório de Química do Colégio Atheneu.
Por outro lado, a lei estadual número trinta, de 18 de dezembro de 1935, obrigou todas as escolas privadas que oferecessem o ensino normal a manter laboratórios de química em funcionamento, dentre outras instalações acadêmicas .
Entretanto, o ensino das Noções Gerais de Química estava presente no currículo das escolas secundárias de Sergipe desde o século XIX. No Liceu Sergipense, instalado em outubro de 1862, essa disciplina científica ocupava posição destacada no currículo.
O ensino e a pesquisa em Química podem ser analisados sob diferentes aspectos. O que se propõe aqui é o entendimento das diferentes propostas e das práticas mais importantes que, ao longo de três anos, marcaram a atuação do Instituto de Química Industrial e a primeira experiência do ensino superior de Química em Sergipe. A participação de Sergipe no processo de organização de uma rede nacional de instituições destinadas ao ensino e pesquisa da Química é um tema que não recebeu a devida atenção da produção historiográfica sergipana. Mesmo com o funcionamento de tais instituições, em Sergipe, durante todos esses anos ininterruptamente, a pesquisa e o ensino de Química não tem sido objeto de estudos sequer por parte dos pesquisadores que se dedicam a investigar a História da Educação e a História da Ciência, menos ainda, tem recebido atenção dos químicos industriais e dos engenheiros químicos. De um modo geral, são poucos os estudos de História da Educação e sobre a História da Ciência no Brasil que se dedicam a investigação dessa temática. A bibliografia sergipana registra apenas dois textos específicos sobre o assunto, ambos memorialísticos. Um deles foi elaborado pelo professor José Pedro de Andrade Castor e o outro é de autoria da professora Djalma Andrade .

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