sexta-feira, 6 de agosto de 2010

SOBRE A HISTÓRIA DA QUÍMICA EM SERGIPE

A Química recebeu importantes contribuições da Medicina enquanto ambas buscavam se afirmar como ciência. No século XVI, com Philippus Aureolus Theaphrastus Paracelso, se acentua o debate que tenta descobrir se o saber médico clássico era apenas uma técnica preocupada com os modos de curar ou se era efetivamente uma ciência, preocupada em explicar teoricamente a doença.
Paracelso rejeitou toda a tradição médica clássica européia herdada de Hipócrates desde o século V antes de Cristo e pregou a construção de uma nova medicina, com caráter científico. Desconsiderou as contribuições da medicina romana, com Galeno no século II, e da medicina islâmica, com Avicena no século X, buscando sepultar as práticas da chamada medicina humoral. Era através da observação da natureza, entendia Paracelso, que seria possível encontrar cura para os males que assolavam a saúde dos europeus naquele período: a sífilis e as feridas provocadas pela pólvora das armas de fogo inventadas no século XV. Dentre as novidades que Paracelso anunciava estava a proposta de valorização dos conhecimentos do campo da então chamado Filosofia Química.
Não obstante a intimidade entre a Medicina e a Química haver permanecido, durante o século XVII os cientistas dedicados a esta última lutaram para construir um campo de saber próprio, independente da primeira,


com direito a usar seus métodos e a alcançar seus êxitos. Por isso, seus cronistas não podiam se dar ao luxo de esquecer o passado. O filósofo natural Robert Boyle (1627-1691) copia, inclusive, a idéia do diálogo de Galileu em uma de suas obras mais populares sobre a nova química. Mas vai além: dinamita não só Aristóteles como Paracelso (AFONSO-GOLDFARB, 1994: 53).


Robert Boyle estava reivindicando para o campo da Química o estatuto da integral modernidade científica. Depois dele, na passagem do século XVII para o XVIII, Hermann Boerhaave (1668-1738) escreveu uma história da química também repudiando o aristotelismo e as idéias de Paracelso, por considerá-las antiquadas.
Durante o século XIX, sob o influxo da teoria comteana e do desenvolvimento tecnológico da microscopia, possibilitando os estudos da microbiologia, ciências como a Química ganharam uma nova significação social. A Química do século XX continuou surpreendendo a todos. Os experimentos científicos realizados durantes as duas grandes guerras, os horrores da Química, a participação da ciência em desastres ambientais. Mas, também, o conhecimento da Química moderna estava absolutamente entranhado na vida cotidiana dos indivíduos. Desconhecer a atividade científica da Química seria inviabilizar a sobrevivência da espécie.


Se você resolvesse fechar a boca para tudo que tem química, com certeza iria morrer de fome. Já que a química está presente em todo o universo, o que inclui os produtos naturais. Enfim, quem estaria preparado para fazer a crítica à ciência? E para ser seu ouvidor diante da sociedade? (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 69).

A Química começou a se desenvolver em Sergipe trilhando os caminhos da produção açucareira. Foram as necessidades de aperfeiçoamento da produção que levaram os proprietários dos engenhos em busca de novos processos tecnológicos que melhorassem os seus ganhos. Do ponto de vista da tecnologia utilizada para a produção açucareira é importante assinalar que em Sergipe, até a metade do século XIX, somente se fabricava o produto bruto, não se refinava o açúcar na Província.


Em média, os engenhos sergipanos produziam de 55 a 88 caixas de açúcar. Além da péssima qualidade, essa produção era considerada por todos como extremamente baixa para as qualidades da terra. (...) Era um volume muito baixo de produção, atentarmos para os custos do empreendimento (ALMEIDA, 1978, 19).


Essa pequena produtividade redundava em sérias conseqüências, principalmente nos períodos em que os preços caíam no mercado externo. Os engenhos enfrentavam dificuldades para saldar os seus débitos e alguns proprietários perdiam seu negócio para os comerciantes credores.
O açúcar não era, entretanto, o único produto importante que se extraía da cana. O processo de produção possibilitava também a fabricação de aguardente, o segundo produto de exportação mais rentável da Província de Sergipe. Normalmente, nas regiões em que havia engenhos, existiam também alambiques.
Esse tipo de preocupação fez com que muitos proprietários de engenho se interessassem pelo estudo dos problemas da Química aplicada à produção açucareira. Um bom exemplo é do bacharel em Direito João José de Bittencourt Calasans, autor do livro O agricultor sergipano da cana de açúcar que discute vários problemas de Química, a começar pelo conceito de açúcar que adota: “O açúcar, segundo os químicos, significa toda a substância orgânica que dissolvida n’água, e posta em contato com um fermento qualquer, produz álcool de um lado e ácido carbônico de outro” (CALASANS, 1869: 16).
O produto era obtido através de processos químicos dominados pelos produtores. As análises químicas possibilitaram a esses produtores a compreensão de que, no século XIX, a cada 100 arrobas de cana era possível obter 18 arrobas de açúcar cristalizado. Essa quantidade de cana, quando moída, proporcionava 10 arrobas de bagaço e 90 arrobas de caldo que apresentava teores de 10 a 14 graus no sacarômetro B. O caldo da cana continha não apenas açúcar, mas também matérias lenhosas, azotadas, pectina, ácido pético, albumina, cerósia, matérias colorantes, matérias oleosas, carmin, sais solúveis e insolúveis, sulfatos, azotatos, acetatos e clorureios em diferentes quantidades, que dependiam do tipo da cana, do terreno no qual a planta se desenvolveu e do tipo de adubação que se utilizou.
A defecação era o processo que retirava todas essas substâncias estranhas ao açúcar, durante o seu processo de fabricação. As expulsava do caldo da cana, com a ajuda do calor e da cal. Era o único processo conhecido para a obtenção de um açúcar bom e claro. Esta era, portanto, uma das mais importantes operações no processo de fabricação do açúcar. O caldo de cana de boa qualidade era aquele que apresentava a menor quantidade possível de sais solúveis e matérias azotadas. Esses sais interferiam no processo, posto que não eram eliminados pela cal no momento da defecação, e prejudicavam a obtenção de uma boa cristalização, alterando a quantidade e a qualidade do açúcar obtido em face da decomposição do assucarato de cal. As matérias azotadas, por seu turno, provocavam a decomposição do açúcar, produzindo amoníaco em ebulição com a cal.
A resolução dos problemas causados pelo processo de defecação fez os produtores associarem sais de chumbo e carbonato de cal. Todavia, os prejuízos causados à saúde humana pelo chumbo e os elevados custos que ele impunha ao processo de produção fez com que tal método fosse abandonado. Durante o século XIX também foram ainda utilizados como defecadores o sulfato de zinco, os sais de alumino, o fosfato de soda, o perfosfato de alumínio, o tanino, o acetato de chumbo, o ácido sulfúrico e a barita. Todos esses reagentes foram abandonados pelas mesmas razões dos sais de chumbo. Também outros processos foram empregados: o Rousseau, com a utilização do ácido carbônico; o sistema Howard, que associava cal e pedra hume; o sistema Melsens, que misturava cal e ácido sulfuroso; e o processo Robert Coats, que misturava cal e barro.


A cal é o principal, mais econômico e eficaz reagente que se emprega de ordinário, quer promiscuamente, que por si só, como se terá notado até aqui. A prática, finalmente, tem nos levado à convicção de que a simples cal empregada só por si, sem mais adminículo, a tempo, e em quantidade precisa, para funcionar nessa operação, essencialmente química, é sem contradita o melhor meio de obter-se uma boa defecação (CALASANS, 1869: 63).

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