quarta-feira, 4 de agosto de 2010

CONTRIBUIÇÃO AOS ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA DA PSICOLOGIA EM SERGIPE

A psicologia no século XIX ainda não havia delimitado um corpo teórico, nem definido quais deveriam ser os métodos próprios de pesquisa. Porém, naquele século, surgiram algumas teorias que influenciaram o saber médico e convergiram no sentido de formação de um projeto para a futura Psicologia científica. Em 1859 Charles Darwin publicou A Origem das Espécies e marcou o pensamento científico a partir do evolucionismo. Fechner lançou Elementos de Psicologia, em 1860. O alemão Wilhelm Wundt, em 1879, fez pesquisas no primeiro laboratório de Psicologia experimental do planeta, instalado em Leipzig, e marcou definitivamente o reconhecimento do campo da Psicologia experimental como disciplina científica. O norte-americano William James, em Harvard, fez experiências em um laboratório de Psicologia experimental, no mesmo ano.
Ainda são incipientes em Sergipe os estudos acerca das práticas da Psicologia durante o século XIX. Uma exceção a esta realidade é o trabalho que a professora Sônia Pimentel realiza no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Outra exceção que vale a pena registrar são os estudos realizados desde 2002 por Michelle Menezes Wendling, inicialmente como bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC), sob o patrocínio da Universidade Federal de Sergipe e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
Um bom ponto de partida para a compreensão desta história da Psicologia em Sergipe pode ser o trabalho do médico João Paulo Vieira da Silva, autor de um estudo sobre o tratamento de doenças mentais. O seu texto data de 1858 e é o mais antigo dentre os estudos do campo da Psicologia que estão relacionados no Diccionário bio-bibliografico sergipano, de Armindo Guaraná. Nascido em 26 de junho de 1832, no Sítio do Meio, em Própria, João Paulo Vieira da Silva era filho do capitão João Vieira da Silva e de Teodora Francisca de Menezes. O médico morreu em Aracaju, no dia 10 de fevereiro de 1875, aos 43 anos de idade. Freqüentou a Faculdade de Medicina da Bahia, formando-se no ano de 1858.
Foi muito importante para a formação do campo da Psicologia em Sergipe a obra de João Paulo Vieira da Silva, Tratamento das moléstias mentais, apresentada à congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, em novembro do ano de 1858. O trabalho pode ser considerado como um bom exemplo da transição de uma investigação clínica própria das práticas da Medicina do século XIX para um interesse específico pelos estudos dos problemas da mente, o que se tornou um tema recorrente nos primórdios da Psicologia como disciplina científica.
Foi no âmbito das instituições educacionais e médicas que surgiram os principais estudos relacionados à Psicologia no Brasil, no início do século XX. Seus autores eram médicos, educadores, bacharéis em Direito, engenheiros e psicólogos estrangeiros que se radicaram no país. Intelectuais como Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Manuel Bonfim discutiam no início do século XX como a Psicologia poderia ser útil para o desenvolvimento do país, principalmente intervindo na educação escolar.
No início do século XX uma determinada visão do campo psicológico já estava presente e consolidada nas teses de colação de grau defendidas por alguns sergipanos na Faculdade de Medicina da Bahia. O estudo Aerofagia histérica, produzido por Gentil Martins Fontes, em 1902, e a tese Das fobias, escrita por Aristides da Silveira Fontes Júnior, em 1904, são reveladores da consciência desse campo, bem como ajudam a entender as práticas referentes a Psicologia em Sergipe, no período. Embora formados pela Faculdade baiana, os dois médicos exerceram sua profissão em Sergipe, onde, de modo predominante, as principais relações constituidoras do campo estão articuladas ao saber médico.
Os dois estudiosos aqui referenciados basearam-se em explicações biologizantes, atentando para as propriedades físico-químicas da doença, bem como para o caráter evolutivo da mesma. Apesar de a descoberta do sentido, dando ênfase à história de cada paciente, ter ocorrido no final do século XIX, a visão de doença mental segundo a ciência positiva, ou seja, de acordo com a patologia orgânica ainda era a legítima no momento em que eles produziram. Tal modelo justificava procedimentos terapêuticos (utilizados sistematicamente em Sergipe após a construção do Hospital Colônia Eronides de Carvalho, em 1940, que agiam sobre o corpo, como o eletro-choque e a hidroterapia, bem como experimentos interessados nas reações humanas aos estímulos. Além disso, nas teses em foco os médicos seriam os responsáveis por educar os sujeitos para uma vida normal e restituir-lhes a razão, característica do sujeito pleno da modernidade, já que, a histeria e as fobias não eram tão degenerativas quanto a loucura, apesar de seu status de doença mental estar ligado também a um declínio de uma atuação social e moral distanciada da norma.
Instituições escolares de ensino secundário funcionaram em Sergipe como espaço no qual o ensino de Psicologia se desenvolveu nas primeiras décadas do século XX. A partir de 1924, a cadeira de Psicologia Fundamental e Infantil da Escola Normal esteve sob a responsabilidade do bacharel em Direito e professor Adolpho Ávila Lima. Além de atuar como docente, ele publicou na imprensa de Sergipe três importantes trabalhos sobre Psicologia, nos anos de 1914 e 1915.
O entusiasmo em torno das discussões acerca da Psicologia fez com que alguns intelectuais se reunissem, no dia 14 de maio de 1928, na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, com o objetivo de fundar a Sociedade de Estudos Psíquicos (SERGIPE JORNAL, 11/05/1928: 2). Este fato correu cinco anos após a criação, em 1923, da Liga Brasileira de Higiene Mental, fundada por Gustavo Riedel. A Sociedade de Estudos Psíquicos, proposta pelo sociólogo Florentino Menezes, congregava estudiosos que manifestavam interesse pelo campo da Psicologia, mas também entusiastas dos estudos kardecistas. No mesmo ano em que ela foi criada, Köhler, um dos fundadores da Escola da Gestalt, proferiu conferências em São Paulo e no Rio de Janeiro e a disciplina Psicologia passou a ser obrigatória no currículo das Escolas Normais. Dentre os fundadores da Sociedade de Estudos Psíquicos estavam políticos, médicos, engenheiros, odontólogos, militares, advogados e filósofos como Humberto Dantas, Leandro Maciel, Manoel Franco Freire, Edson Ribeiro, Xavier Oliveira, Laura Amazonas, José Antonio de Carvalho, Berilo Leite, Álvaro Silva, Paulo Vieira, Costa Filho, Ávila Lima, Oscar Prata, João Passos Cabral e Manoel dos Passos Oliveira Teles, este último eleito seu presidente. Na sua primeira reunião, os sócios decidiram que todos os médicos que participavam da instituição eram considerados pesquisadores de Psicologia (CORREIO DE ARACAJU, 15/05/1928: 788). Mesmo sem esta condição profissional, o sociólogo Florentino Menezes também integrou a comissão de pesquisas psicológicas da Sociedade.
Estudos realizados pela pesquisadora Michelle Menezes Wendling demonstram que havia uma forte ligação entre as idéias espíritas e a ciência naquela Sociedade, com o intuito de conciliar racionalismo e religiosidade. A fundação e funcionamento da Sociedade de Estudos Psíquicos são resultantes do prestígio que desfrutava o conhecimento científico naquele momento, pela concessão dada a certos intelectuais e políticos para estudar com propriedade alguns fenômenos psíquicos. Uma das possibilidades que entusiasmou os membros da Sociedade de Estudos Psíquicos foram os fenômenos de materialização promovidos por um médium chamado Carlos Mirabelli. Ao comparar os registros sobre Mirabelli existentes nas atas da Sociedade de Estudos Psíquicos com os das atas da União Espírita Sergipana, Wendling percebeu que nesta última instituição Mirabelli figurava como um exemplo de progresso da religião espírita a ser seguido e admirado. Já para os membros da Sociedade “ele apareceu como objeto de estudo da ciência, para que se pudesse ‘(...) pelo menos, levantar a ponta do véu que oculta a nossa consciência a origem misteriosa desses fenômenos’” (WENDLING, 2004: 13).

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