domingo, 29 de agosto de 2010

A PROFESSORA E O MÉDICO

O médico Francisco Alberto de Bragança casou-se há 158 anos, na cidade de Laranjeiras, província de Sergipe, com a professora Possidônia Maria da Santa Cruz Bragança, no dia 27 de novembro de 1852. Baiano, ele se estabeleceu em Laranjeiras durante a primeira metade do século XIX, onde clinicou e ganhou notoriedade como humanista, latinista e poliglota. Do casamento nasceram Antônio Militão de Bragança que, como o pai, também se formou em Medicina e transformou-se num nome da maior importância para a história das práticas médicas em Sergipe. Além dele, Maria Vicência de Bragança e Oliveira, Maria Apolinária de Bragança e Azevedo e, finalmente, Teresa Virgilina de Bragança e Azevedo, último filho do casal, nascida em 1864. Como a mãe, as filhas também exerceram profissionalmente o magistério.
Com o futuro marido, ainda na década de 1840, Possidônia Bragança dedicar-se-ia aos estudos de Aritmética, Gramática Portuguesa e Francês. Depois de preparada por ele, prestou concurso para a cadeira do ensino oficial de primeiras letras destinada a meninas pobres de Laranjeiras, além de fundar e dirigir o Colégio Nossa Senhora Santana.
O concurso para a cadeira de primeiras letras de meninas aconteceu no ano de 1848, em São Cristóvão, capital da província de Sergipe. Possidônia Bragança, após obter a primeira colocação, antes mesmo de entrar em exercício, solicitou ao presidente da província, Zacarias de Góes e Vasconcelos, os recursos necessários para mandar fazer as bancas e mesas para a aula, compra de papel, tinta, lápis, compêndios e tinteiros. Ao embarcar de volta para Laranjeiras, a professora levou trinta cartas de sílabas, dez catecismos, cinco gramáticas, uma coleção de traslados e três resmas de papel. A cadeira de primeiras letras de meninas, em Laranjeiras, foi regida por ela até a data da sua aposentadoria, quando foi então substituída por sua filha, Maria Apolinária de Bragança e Azevedo, também habilitada em exame.

Certamente, o trabalho que deu maior visibilidade a Possidônia Bragança, foi a sua atuação como professora, diretora e proprietária do Colégio Nossa Senhora Santana, onde foram educadas não apenas as filhas da elite laranjeirense, mas também meninas de famílias importantes de outras cidades sergipanas. Nele trabalharam também, como professoras as suas filhas. Há registros de que Teresa Virgilina de Bragança e Azevedo ensinou Música, Geografia, Trabalhos Manuais e Catecismo, enquanto Maria Apolinária de Bragança e Azevedo dedicava-se ao ensino de Gramática. Instalado em uma casa à rua da Conceição (atual praça Possidônia Bragança), o Colégio era famoso pela qualidade do trabalho que realizava e pela monumentalidade das suas festas de encerramento do ano letivo, um grande acontecimento social na Laranjeiras do século XIX. Era uma ocasião na qual se reunia a elite da província: os barões, os homens de negócio e os intelectuais, a exemplo de Fausto Cardoso, Martinho Garcez, Baltazar Góes, Felisbelo Freire, Rodrigues Dória, Samuel de Oliveira e Guedes Cabral. Dentre as alunas mais marcantes, vale citar o nome de Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro, que anos mais tarde adquiriria a propriedade do Colégio Nossa Senhora Santana e o transferiria de Laranjeiras para Aracaju, capital de Sergipe a partir de 1855. A mesma Quintina Diniz que na década de 30 do século XX se transformou na primeira mulher a assumir uma cadeira na Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe.
A importância do Colégio pode ser avaliada quando se verifica aquilo que o imperador Pedro II anotou no seu diário, publicado sob o título Viagem Imperial à Província de Sergipe ou Narração dos Preparativos, Festejos e Felicitações que se efetuaram por ocasião da Visita que lhe fizeram Suas Majestades Imperiais, em janeiro de 1860. A publicação do texto foi uma iniciativa do presidente da província de Sergipe, Manuel da Cunha Galvão. O imperador Pedro II e a imperatriz chegaram a Laranjeiras na noite do dia 14 de janeiro. Quando do desembarque, a voz do Colégio foi ouvida através da aluna Joana Ladislau de Faro Jurema, que recitou versos de exaltação da fé e do patriotismo. Na manhã do dia seguinte, o imperador foi pessoalmente ao Colégio, onde foi saudado por cânticos entoados pelas alunas, em francês. Aliás, era comum que nas reuniões do Colégio Nossa Senhora Santana as pessoas conversassem em francês. Para a visita do imperador ao estabelecimento, as paredes do edifício foram decoradas com dezesseis quadros de ponto de marca feitos pelas alunas. Sobre as mesas foram colocados sapatos feitos com o mesmo ponto e trabalhos em labirinto. Tudo isso dá uma boa idéia do universo da educação da mulher no século XIX. Ao verificar o Livro de Matrícula do Colégio, D. Pedro II constatou que estavam matriculadas cem alunas, das quais setenta freqüentavam as aulas regularmente. As meninas presentes foram argüidas pelo imperador em Leitura, Gramática e Aritmética. Além disso, ele solicitou que a professora Possidônia Bragança fizesse perguntas às suas alunas sobre a Doutrina Cristã. Ao final da visita, D. Pedro recebeu um lenço de cambraia em labirinto oferecido pela estudante Maria Joaquina de São Pedro Rosa, em nome do Colégio. No mesmo dia, após a missa, ele recebeu a visita da professora Possidônia Bragança, acompanhada pelo seu marido, o médico Francisco Alberto Bragança, e por todas as alunas do estabelecimento. O objetivo maior da visita era o de homenagear a imperatriz. A estudante Josefina Emília da Silveira pronunciou um discurso e ofereceu um lenço de cambraia trabalhado em labirinto, com a seguinte inscrição: “A sua Majestade a Imperatriz – Homenagem da Professora Possidonia Maria de Santa Cruz Bragança”. A diretora da escola recitou uma poesia. Em seguida, suas filhas, Maria Vicência e Maria Apolinária também presentearam a imperatriz com dois outros lenços.
Praticamente não há, dentre os estudos de História da Educação em Sergipe trabalhos específicos que desvelem o papel e a importância da professora Possidônia Bragança e do Colégio Nossa Senhora Santana. Há alguns documentos esparsos, como o discurso que pronunciou o seu neto, Francisco Alberto de Bragança e Azevedo, em março de 1958, quando da inauguração do Ginásio Possidônia Bragança, na cidade de Laranjeiras. Este artigo foi a principal fonte utilizada para compor o presente texto. Há também algumas pesquisas nas quais a diretoria do Colégio Nossa Senhora Santana e o seu estabelecimento de ensino também emergem, a exemplo da História da Educação em Sergipe, de Maria Thétis Nunes. Certamente estudos sobre a professora Possidônia e a sua escola podem ajudar a compreender o processo de formação da elite intelectual, especificamente a preparação das mulheres, durante a segunda metade do século XIX.

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