domingo, 3 de abril de 2011

AS BOAS MANEIRAS COMO VIRTUDE CRISTÃ: O COMPÊNDIO DE CIVILIDADE DOS PADRES SALESIANOS

O savoir vivre não é invenção isolada de quem quer que seja. As boas maneiras que a aristocracia ocidental do século XVI incorporou resultam da aglutinação de padrões de comportamento observáveis em elementos de origem social diversificada, em face do progresso econômico que as camadas médias da sociedade começaram a experimentar – fato que ganharia transparência no século XVIII.
O clero ficou bastante entusiasmado com a incorporação de vários padrões de comportamento e foi, a partir do século XVIII, um grande agrupamento social que se dedicou a divulgar os costumes da corte. A Igreja via nos novos hábitos mecanismos que se prestavam ao controle das emoções, a disciplinar o comportamento e que traziam para o catolicismo aquilo que se desenvolvera como fenômenos seculares. Com isto, a civilidade incorporou alicerces cristãos e foi, cada vez mais, um padrão desejado e imposto a extratos sociais menos privilegiados. A Igreja Católica que, no século XI, enxergara heresia no uso do garfo, teve no século XVIII uma posição diametralmente oposta, como percebe Norbert Elias nas regras de civilidade cristã divulgadas pelo padre La Salle:


É surpreendente que a maioria dos cristãos considere o decoro e a civilidade como uma qualidade puramente humana e mundana e, não pensando em elevar mais ainda sua mente, não a considere uma virtude relacionada a Deus, ao próximo, a nós mesmos. Isto mostra bem quão pouco cristianismo existe no mundo (ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990: 111).


Responsável por boa parte da educação escolar no mundo ocidental, a Igreja Católica criou condições para que, principalmente a partir do século XVIII, diferentes sociedades fossem invadidas por uma onda de civilidade. Livros sobre o assunto foram distribuídos às crianças, juntamente com as primeiras lições e os manuais de leitura e escrita, criando na elite social um certo desdém em face de determinados padrões.


Muitas razões morais cumprem o mesmo papel exercido por razões de higiene, por exemplo, no condicionamento das crianças à aceitação de padrões sociais. O indivíduo assume o comportamento socialmente desejável, convencido de que, através do seu livre arbítrio, está optando por aquilo que é mais adequado para que tenha uma vida saudável e digna (NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. “A formação do homem civilizado”. In: Revista Educar-SE. Aracaju, Ano I, nº. 3, março, 1997. p. 33-51: 37).


A difusão dos manuais de civilidade se acentuou ao longo do século XIX. Porém, nenhum outro momento da história registra um entusiasmo tão acentuado para com essas práticas quanto a primeira metade do século XX. Naquele período, em 1939, apareceram os dois volumes do clássico texto de Norbert Elias Prozess der Zivilisation. Soziogenetische und Psychogenetische Untersuchungen (O Processo Civiilzador. Investigações Sociogenéticas e Psicogenáticas). O trabalho do sociólogo alemão surgiu quase que contemporaneamente aos clássicos O outono da Idade Média, de Huizinga, e O amor e o Ocidente, de Denis de Rougemont. Apesar da importância do trabalho de Elias, a sua primeira edição francesa é de 1973, tendo sido publicado pela primeira vez em inglês somente no ano de 1978. O primeiro volume da edição brasileira – a primeira em língua portuguesa – é de 1990.
A obra de Norbert Elias tem importância para a Sociologia, para a História, para a Filosofia, para a Psicologia, para a Pedagogia e para a Ciência Política. O seu referencial sociológico é construído a partir da investigação das aparências do comportamento do chamado homem educado.


Ele se dedica a entender como os homens se educam, como adquirem boas maneiras. Na sua trajetória de estudos, Norbert Elias incorporou influências importantes na direção do esclarecimento do seu objeto. Assim é, ao mesmo tempo, entusiasta de Nietzsche e de Freud. Do primeiro trabalha bem com a idéia de moralidade como algo adquirido “por um processo de adestramento que terminou fazendo, do homem um animal interessante, um ser previdente e previsível”. De Freud incorpora a idéia de que a infelicidade do homem como indivíduo é tanto maior quanto mais aumenta a sua própria civilização (NASCIMENTO, “Contribuição à leitura de Norbert Elias”. In: Cadernos UFS História. São Cristóvão, Vol. 2, nº. 3, Jul/Dez, 1996. p. 19-32.: 20).

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