domingo, 10 de abril de 2011

A CIDADE NO ARQUIVO: O ACERVO DO PODER JUDICIÁRIO COMO FONTE PARA OS ESTUDOS DA HISTÓRIA DE ARACAJU

Ítalo Calvino nos ensina que “de uma cidade, nós não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas” (CALVINO, 1990: 44). É exatamente o de buscar responder perguntas necessárias ao esclarecimento da história da cidade de Aracaju um dos papéis de maior importância do Arquivo Judiciário. Interessa colocar à disposição dos pesquisadores e de outros estudiosos os meios necessários à produção de conhecimento a respeito do processo de urbanização da capital do Estado, as suas formas, a sua intensidade e as suas peculiaridades.
São muitas as versões contidas nos autos judiciais. De acordo com o entendimento de Sílvia Maria Fávero Arend (2001: 19), “é na análise de cada versão, no contexto de cada processo, e na observação de repetições das relações entre as versões em diversos processos, que podemos desvendar significados e penetrar nas lutas e contradições sociais que se expressam e, na verdade, se produzem nessas versões ou leituras”.
O que podemos perceber do processo de urbanização da cidade de Aracaju nos autos judiciais é, na verdade, o cotidiano dos indivíduos, modelados mediante fortes esquemas de coação, para que formados sob os parâmetros sociais vigentes, possam cumprir seu papel de ser social. Muitos desses processos são documentos raros, danificados, de difícil leitura. Para entendê-los é necessário captar o universo de utensilagens mentais neles contido, adentrar na vida cotidiana dos seus agentes e compreender seus contornos e enfrentamentos, que vão deixando rastros, com suas especificidades registradas nos autos, a exemplo dos bens arrolados nos inventários, nas prestações de contas e falências, do material vendido nas casas comerciais. O que pensava a sociedade está descrito nos processos. A participação social de brancos, negros escravos ou libertos, mulheres e índios pode ser encontrada nos autos e também a faixa etária, cor, estado civil, profissão, naturalidade e residência das pessoas.
Em comunicação que apresentou durante a IV Semana de Educação organizada pela Universidade Federal de Sergipe, em 2002, Eugênia Andrade Vieira da Silva afirma que “as assinaturas podem dizer do grau de facilidade do indivíduo para assinar e assim sua familiaridade com a escrita, o que dá uma noção dos níveis de escolarização e da capacidade de escrever. O perfil dos intelectuais pode ser captado através das suas bibliotecas particulares. Arroladas nos inventários, nelas aparecem os títulos e/ou autores que identificam políticos, médicos, advogados, religiosos, funcionários públicos e homens de negócio quanto ao seu gosto literário e sua vinculação com a área profissional. Na partilha está o modo de circulação dos mesmos livros, herdados por parentes, arrematados em leilão ou repassados aos credores como forma de pagamento”.
Também é possível fazer a identificação dos livreiros aracajuanos, através dos inventários nos quais são relacionados os livros por título e/ou autor, preço e quantidade. A história da fundação de empresas e associações está presente nas ações de despejo, falência, cobrança de dívidas. Os funcionários públicos buscando seus direitos nas equiparações, nomeações, perseguição política, concursos, práticas profissionais, tudo pode ser visto através dos mandados de segurança, recursos e apelações.A cultura também se expressa sob a forma de jogos, brincadeiras em praça pública e resistência à disciplina. Tudo isto se expressa nas denúncias, nos processos de agressões físicas e/ou verbais e nos inquéritos policiais.
O ambiente dos institutos profissionalizantes emerge nos inquéritos policiais ou administrativos. Estes retratam prédios, equipamentos, currículos e a vida de funcionários e alunos. O discurso sobre o resgate social da criança, do adolescente e da marginalidade está presente nos autos e demais documentos do Juizado da Infância e da Adolescência.
Todos os sinais que contribuam à compreensão da vida em Aracaju são importantes. Esta iniciativa parte da necessidade fundamental de apanhá-los. Referentes ao período de 1855 (ano de fundação da cidade) ao ano de 1900 existem 203 caixas de documentos à disposição dos pesquisadores e outros estudiosos: cartas testemunháveis, agravos cíveis, apelações cíveis, recursos cíveis, apelações criminais, denúncias-crime, diversas ações penais, habeas-corpus, inquéritos policiais, processos de defloramento, tentativas de homicídio, ofensas verbais e físicas, crimes de responsablidade, roubos, recursos criminais diversos, sumários de culpa, ações de depósito, ações de despejo, ações ordinárias, ações possessórias, ações sumárias, agravos cíveis, alvarás, autos de vistoria, desquites e divórcios, embargos, fianças, execuções cíveis, inventários, libelos cíveis, livros de carga, livros de protocolo de audiências, livros de registro de testamentos, retificações de protestos, testamentos, declarações de falência, petições diversas, ações de indenização, notificações cíveis, ações de prestação de contas, ações de seqüestro, ações de tutela, escrituras, hastas públicas, cartas precatórias, protestos marítimos, recursos eleitorais, mandados de segurança, petições de graça, queixas crime, recursos de graça, conflitos de jurisdição, processos sobre escravos, ofícios diversos, decretos, provisões, requerimentos, livros de atos e portarias, livros de correspondência do Tribunal, livros de ponto, livros de atas da sessões do Tribunal, livros de matrícula de juízes, livros de termos de compromisso e livros de registro de acórdãos.
O acervo existente no Arquivo do Poder Judiciário de Estado de Sergipe possibilita compreender o conjunto de relações sociais estabelecidas no espaço urbano da cidade de Aracaju, a partir das suas primeiras manifestações na metade dos anos 50 do século XIX, quando a capital dos sergipanos foi fundada por Inácio Barbosa para ser a capital da Província até adquirir a sua condição atual de metrópole conurbada. Um espaço seletivo, no qual as diferentes áreas, cada um dos bairros possui equipamentos urbanos distintos, algumas regiões guardando práticas que nem sempre são condizentes com os hábitos sociais mais contemporâneos. Cada espaço com características próprias ao processo da sua expansão, com múltiplas variações de uso urbano nas relações entre as pessoas e o espaço gerando conflitos freqüentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário