sábado, 16 de abril de 2011

A CIDADE NO ARQUIVO: O ACERVO DO PODER JUDICIÁRIO COMO FONTE PARA OS ESTUDOS DA HISTÓRIA DE ARACAJU - V

OS PROCESSOS


O primeiro processo é uma Apelação Cível julgada em 1891 pelo Tribunal de Relação. O apelante, Luiz Francisco das Chagas, havia proposto, em 30 de julho de 1887, no Juízo Municipal de Aracaju, uma Ação Ordinária contra o Capitão José Plácido da Silveira Rocha. Este último foi acusado de turbar a posse de terrenos pertencentes ao autor da causa. Luiz Francisco das Chagas era possuidor dos terrenos denominados Olaria da Barra do Aracaju, nos quais o presidente da Província, Inácio Barbosa mandou erguer a nova capital. A peça inicial afirma que o Capitão José Plácido, morador em Socorro, havia turbado, em Aracaju, a posse de terras pertencentes a Luis Francisco das Chagas, chegando a vender alguns terrenos (fls. 03). Os terrenos de Luis Francisco das Chagas foram adquiridos através da regulamentação da posse requerida ao presidente da Província, em 1854, e também através de herança. Os processos existentes no Arquivo Judiciário, a partir deste primeiro, permitem compreender o problema da propriedade da terra na nova capital da Província de Sergipe.
De fato, Luis Francisco das Chagas, o Luizinho, era o maior proprietário de terras do arraial Olaria, lugar definido por Inácio Barbosa para erguer os primeiros edifícios da nova capital. Sim, as terras da cidade tinham dono. A maior parte dos habitantes da nova cidade era constituída por foreiros de Luis Francisco das Chagas. E por mais de cem anos o dono, seus sucessores e herdeiros continuaram reclamando indenizações contra particulares, contra o governo da Província, contra a Intendência Municipal, contra a Prefeitura de Aracaju, pois muitos deles se consideravam esbulhados. O sítio Olaria, no qual residia o grande proprietário de terras da praia do Aracaju, se estendia desde a região na qual atualmente está situado o centro da capital do Estado de Sergipe até o riacho Tramandaí, onde atualmente está a avenida Francisco Porto. Nas terras do abastado proprietário, o grande negócio era a produção de coco. Vizinho ao sítio no qual residia Luiz Chagas, onde atualmente estão as avenidas Rio Branco e Ivo do Prado, existia o sítio Aurora, também de sua propriedade, que emprestou o nome com o qual foi batizada a antiga Rua da Frente, a Rua da Aurora. Antes que a Rua da Frente fosse aberta o lugar era conhecido como Costa do Cessa Farinha. Num outro sítio, do qual Luizinho também era dono, localizado na área onde atualmente está a rua de Estância, nas proximidades da rua Itabaiana, vivia José Albino de Moura. Na região em que foi construído o edifício da Escola Normal, no início do século XX (atual Centro de Turismo), havia um outro sítio no qual residia Gustavo Próspero Travassos, propriedade do mesmo Luiz Chagas. Além disso, ele era dono de um quinto sítio na região chamada Padre Soares, que fazia limite com a Jabotiana e com as terras de Carlos Cruz.
Segundo o historiador Sebrão Sobrinho, no seu livro Laudas da História do Aracaju (1955), “não foi uma vez só que a Administração quis avançar nas terras de seu Luizinho, mas o praiano era inteligente, não se deixava embrulhar e protestava em tempo, fazendo valer seus direitos, fazendo respeitar sua propriedade” (p. 284). Ele contestou, através de artigo publicado na edição do dia 22 de setembro de 1864, do jornal Correio Sergipense, a hasta publicada anunciada pela Tesouraria Provincial, através da qual o Governo pretendia vender dezenove terrenos. Luiz Chagas afirmou que “a Tesouraria Provincial, havendo posto à venda os terrenos que, outrora, pertenceram a José Gomes Ribeiro, causou-lhe espécie ver também anunciadas 25 braças na rua denominada Estância, porque sendo essa rua, conforme a planta da Capital, aberta nos terrenos do anunciante, pertencendo (...), o lado do sul, ao dr. Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel, por venda que ele, Luizinho, lhe fizera para a Companhia de Refinação, ainda lhe pertence o lado do norte, visto como a casa construída na rua da Aurora, propriedade do referido dr. Leandro, que faz quina da citada rua Estância, estava encravada, parte dela, e quase todo seu quintal, em terras dele, Luizinho” (SEBRÃO SOBRINHO, 1955: 285).
Casado com Maria Custódia dos Anjos, o dono da maior parte das terras do Aracaju era analfabeto e, normalmente, tinha os seus interesses representados por três pessoas: o coronel Antônio Alves Gouveia Lima, seu advogado; Alexandre Eusébio Fagundes Borges, seu genro; e Bertolina Maria das Chagas, sua filha. Esta última assinava todos os papéis em seu nome. O coronel Antônio Alves Gouveia Lima, além de advogado, era amigo pessoal, coronel da Guarda Nacional e comandante de infantaria, por nomeação do Imperador Pedro II.
A questão das terras nas quais foi edificada a cidade de Aracaju ocupou o Poder Judiciário até o final do século XX. Segundo o historiador Sebrão Sobrinho, em 1590, depois de conquistar o território de Sergipe, Cristóvão de Barros entregou metade das suas terras, desde Aracaju até as margens do rio São Francisco ao seu filho Antônio Cardoso de Barros (SEBRÃO SOBRINHO, 1955: 20). Considerando exagerada a extensão territorial, a Coroa teria reduzido o domínio deste último à metade que corresponderia a faixa compreendida entre os rios São Francisco e Japaratuba. Assim, as terras situadas entre Aracaju e a margem direta do rio Japaratuba ficaram devolutas à espera de sesmeiros que as requeressem. A primeira sesmaria conhecida é a de Pero Gonçalves, com l.000 braças de comprimento por 700 de largura, no cabo do rio Cotinguiba. Pedro Homem da Costa recebeu três léguas de comprimento por uma de largura, entre o rio Cotinguiba e o Poxim. Em 1736 essas terras foram transferidas para Manuel Martins Chaves, pai de Chica Chaves, proprietária do Engenho Aracaju da Cotinguiba, o Engenho Velho que posteriormente seria transferido ao padre José Bernardino da Silva Botelho e ao padre Antonio Chaves (SEBRÃO SOBRINHO, 1955: 67). O Engenho Velho pertenceu depois a professora Mariana Braga, que manteve uma escola nas proximidades da atual ladeira do bairro Santo Antônio.
A criação do encapelado de Santo Antônio do Aracaju data de outubro de 1778, quando o padre Luís de Brito Soares recebeu a sua administração. Ali se estabeleceu o povoado de Santo Antônio. O povoado é algo distinto da cidade que Inácio Barbosa fundaria em 1855. Só posteriormente foi incorporado à malha urbana da nova capital.

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