terça-feira, 12 de abril de 2011

A CIDADE NO ARQUIVO: O ACERVO DO PODER JUDICIÁRIO COMO FONTE PARA OS ESTUDOS DA HISTÓRIA DE ARACAJU

O CRESCIMENTO DA CIDADE


A população da nova capital cresceu rapidamente. Entre os anos de 1857 e 1859, já a partir do segundo ano de instalação da cidade fundada por Inácio Barbosa, Sergipe viveu uma grande crise de abastecimento que resultou em muitas mortes e no registro de saques a armazéns e outras casas comerciais. Em Aracaju, o custo de vida ficou bastante elevado.


Cidade-capital, recém fundada, aí começavam a concentrar-se funcionários e trabalhadores de construção que nenhuma relação tinham com a produção de bens alimentares. Eram consumidores pura e simples. Nela, os gêneros alimentícios se faziam raros também pelas dificuldades de comunicação com os centros produtores. Enquanto nos mercados de Maroim e Laranjeiras se comprava um arrátel de carne por $160 réis, em Aracaju somente se conseguia peso igual por $200, $240 e $280 réis. A terça de farinha de mandioca nas primeiras cidades custava 5$000 a 6$000, ao passo que em Aracaju o preço chegou ao incrível valor de 24$000 e 28$000 réis. Somente por 8$000 ou 10$000 réis se conseguia uma libra de açúcar refinado, enquanto em Maroim e em Laranjeiras, o produto estava por 5$000 ou 6$000 (ALMEIDA, 1978: 25).


A construção da nova capital de Sergipe causou forte impacto na vida de toda a Província, inclusive no que diz respeito a produção de alimentos. A partir de 1855, de modo crescente, muitos trabalhadores rurais se afastaram dos seus serviços no campo, dedicando-se a atividade de trabalhador urbano da construção civil, empenhando-se nas obras dos prédios públicos e nas residências dos funcionários que migraram para Aracaju. A principal atração era o salário que se oferecia a esses operários, à época considerado exorbitante em face do que eles ganhavam como trabalhadores rurais. Somente no ano de 1855, quando as obras foram iniciadas, Aracaju recebeu mais de 200 homens, procedentes dos municípios de Itabaianinha, Campos, Lagarto, Simão Dias e Itabaiana (ALMEIDA, 1978: 33).
As condições ambientais são também determinantes do comportamento humano no espaço da cidade. A existência de rios, as áreas litorâneas, os espaços de preservação florestal, a implantação de rodovias, condições de saneamento, distribuição de energia elétrica são elementos considerados nos conflitos que têm o domínio do espaço urbano como foco.
Essa diferenciação urbana forma guetos, com muitas áreas deprimidas pela pobreza. Mas estabelece ainda um outro tipo de gueto. O daqueles espaços destinados a pessoas de renda mais alta, os condomínios fechados. Nesse processo desigual, o Estado tem buscado regular o uso do espaço, através de um ordenamento legislativo no qual esses conflitos ganham força de modo especial. Esse tipo de ação integra-se a todo um contexto que produz necessidades educacionais, sanitárias, de abastecimento, de lazer, de transporte, de administração da justiça, de controle social – elementos indispensáveis à manutenção da ordem vigente. Tudo enfim que se pode entender por urbanização. A aceleração do ritmo da vida social urbana é parte visível desse processo que se confunde com o da vida das pessoas na cidade.
A cidade que Inácio Barbosa fundou, cresceu. E com ela os horizontes e utensilagens mentais dos seus habitantes. As pessoas, os fatos, as instituições os lugares, enfim, a criação humana na cidade, nos mostram que o espaço urbano é o espaço dos olhares. Tudo está contido num emaranhado de ruas, praças, igrejas, edifícios, a movimentação das pessoas, um mundo de muitas tarefas. Tarefas assumidas anonimamente por todos e por cada um no contexto dos objetos, das cores, das luzes e das formas da cidade. Espaço que se antagoniza ao do campo, ao da vida rural, de ritmo lento e modorrento.Visão na qual estão calcadas as construções interpretativas da cidade feitas por memorialistas, poetas, romancistas, sociólogos, urbanistas, economistas, historiadores e também pelas decisões das autoridades judiciárias.
Os viajantes foram os primeiros grandes apaixonados pelas cidades, pela tentativa de compreendê-las. Eles deixaram longas descrições. Trataram dos lugares, dos bairros, das transformações, do traçado urbano, das edificações e da paisagem humana. Mesmo quando as impressões que lhes ficaram não foram muito agradáveis, trataram das más impressões, das hostilidades ambientais, da irregularidade do traçado urbano.
O médico alemão Robert Avé-Allemant foi o primeiro viajante estrangeiro a registrar a sua passagem pela nova capital dos sergipanos. Na sua Viagem ao Norte do Brasil ele relata a “Excursão à Província de Sergipe. Viajando para Aracaju no Rio Cotinguiba” (AVÉ-ALLEMANT, 1961). Ele chegou à cidade no dia 13 de maio de 1859, apenas quatro anos após a transferência da capital para cá. Inicialmente, descreveu as dificuldades de acesso à Barra da Cotinguiba, porta marítima de acesso à cidade: “O rio apresenta duas barras; uma ao norte, leva diretamente les-oeste ao porto, mas é absolutamente intransponível, embora à primeira vista pareça a entrada natural. Tem-se que procurar o canal ao sul, por entre a rebentação, depois para noroeste em direção à terra, por onde se chega subitamente a uma lagoa estreita, separada do mar a leste só por um grande banco de areia. Ruma-se, então, ao norte e um pouco a oeste e entra-se no rio largo, em cuja margem direita se ergue a nova capital da Província de Sergipe, principiada há quatro anos, a cidade de Aracaju” (AVÉ-ALLEMANT, 1961). Na sua opinião, era agradável o aspecto da nova cidade. Tudo bonito e novo, embora provisório. Espantou-se com a exigüidade dos espaços nos edifícios públicos da capital, apesar da boa aparência deles: a residência do Presidente, a Câmara Provincial dos Deputados, o quartel, a igreja e a loja maçônica. Da mesma maneira, manifestou admiração pelo frenesi de novas construções e pelo movimento do porto – o edifício da Alfândega e cerca de 20 navios a vela ancorados, a maior parte de bandeira européia. Também o rebocador, poderoso auxiliar para a transposição da barra. Comparou a cidade com Penedo, em Alagoas, de onde estava chegando, impressionando-se mais com Aracaju. Os alicerces do novo Palácio Presidencial em construção impressionaram o nosso visitante pela sua vastidão, chegando ao detalhe de descrever o tipo de pedra calcária utilizada nas fundações – uma laje branca laminada também usada no revestimento das calçadas. Mas, reclamou da falta de uma boa água potável na cidade: “a que se tem para beber é ruim, amarela cor de ouro” (AVÉ-ALLEMNAT, 1961). À água atribuiu as febres intermitentes que o acometeram em Aracaju.

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