sexta-feira, 8 de abril de 2011

A EDUCAÇÃO SALESIANA E OS DEVERES PARA COM OS PAIS

Era fundamental que manuais como o Compêndio de Civilidade adotados pelos estabelecimentos de ensino dos Salesianos durante a primeira metade do século XX tivessem condições de integrar todas as pessoas ao processo civilizador, que se considerava o único a ser vivido pelas sociedades mais adiantadas. Era fundamental à vida civilizada colher os seus frutos, os seus resultados. Daí a necessidade do estabelecimento de regularidades a serem seguidas por todos, aquilo que deveria ser comum a todas as pessoas e que também as distinguisse socialmente.
Os dezoito Deveres para com os pais prescritos pelo Compêndio de Civilidade encontram sua síntese na relação direta que está estabelecida com o quarto Mandamento e diz respeito ao conjunto das relações com o próximo. Os Deveres recomendam as responsabilidades dos filhos quanto aos pais, partindo do pressuposto de que esta é uma relação universal e considerada nas diversas culturas como a base de qualquer sociedade. A família é, por assim dizer, a comunidade que desde cedo serve de referencial para a assimilação dos valores morais e a partir da qual se aprende a honrar as prescrições da vida em sociedade. Por isto, esse conjunto de Deveres lança luz em face das outras relações sociais que devem ser pautadas no respeito e obediência às hierarquias.
Os 18 deveres são os seguintes:


1. Depois de Deus, é aos nossos Pais que somos mais devedores. Deus não se limita a prometer vida longa e benção nesta terra aos bons filhos, mas até ameaça com os rigores dos seus castigos os maus filhos, que descuram os seus deveres filiais. Tais deveres podem-se reduzir a dois: amor e respeito.
2. O primeiro dever para com os pais é amá-los. É este um sentimento natural, e seria desnaturado o filho que não o tivesse.
3. A primeira prova de amor para com os Pais é prestar-lhes obediência e submissão em tudo, salvo no que não for lícito. É intolerável grosseria e má criação responder aos Pais: “Não quero”. Nunca lhes diga tão feia expressão (p. 8).
4. Merecem repreensão os meninos que se mostram importunos e exigentes nos seus pedidos aos Pais. Fazem ainda pior os que mostram ressentimento, quando recebem uma negativa.
5. Ao contrário, como é louvável o procedimento d’aqueles filhos que em tudo se submetem, em tudo consultam aos Pais e isto com expressões delicadas, tais como: “Se é do seu agrado, papai; se a Senhora deseja, mamãe; se me dá licença etc”.
6. Evita tudo quanto direta ou indiretamente possa desgosta-los, como seria perturba-los em suas ocupações, tirar alguma coisa sem o seu consentimento, contradize-los, responder com maus modos. Procura, ao invés, fazer tudo quanto lhe possa dar gosto.
7. Não digas nunca a menor coisa que possa lesar a honra de teus progenitores; antes, nada deves dizer do que se passa em tua casa.
8. Evita toda expressão de desprezo, injúria, toda palavra arrogante, ressentida ou impertinente. No antigo Testamento Deus fulminou com palavras de morte os filhos que dissessem imprecações ou maldições aos próprios Pais.
9. Não deves manifestar os seus defeitos ou criticá-los, mas sim encobri-los, excusá-los, compadece-los. Infeliz do que se arvora em censor dos defeitos dos seus Pais! (p.9).
10. Não uses para com eles de maneiras bruscas, como seria sacudir desdenhosamente os ombros, voltar-lhes as costas, abanar a cabeça, bater com os pés, olhar de esguelha, levantar a voz ou, o que seria hediondo, ameaça-los e agredi-los.
11. Mais: é preciso em toda circunstância manifestar com palavras e com atos o respeito e veneração que lhes tributas, tanto em casa, como fora, nas conversas e em toda parte.
12. Reza pelos teus Pais todos os dias. Retribui com a tua gratidão e benevolência o amor que te consagram. O filho que rejeita os carinhos dos seus progenitores e recusa retribui-los, merece ser privado do amor de seu pai e de sua mãe.
13. Vai-lhes ao encontro pela manhã e saúda-os à noite, antes de te deitares, quando sais de casa, quando chegas de fora.
14. Os Pais merecem, mais do que quaisquer outras pessoas, nossa estima e respeito. Quem se mostrasse educado para com os outros e incivil para com os seus Pais, seria um impostor.
15. Procura de bom grado sua companhia. Há jovens que preferem a companhia dos amigos à dos Pais, alegando que os Pais os têm sempre perto de si. Que ingratidão! E os Pais (pobres Pais!) vêm-se muitas vezes constrangidos a disfarçar o seu sentimento e a calar. Dia virá em que estes filhos indiferentes sentirão falta de seus progenitores e chegarão a compreender toda a sua ingratidão!... (p.10).
16. Finalmente sê aberto e franco para com teus pais. Deposita neles toda a confiança, porque eles são os mais interessados pelo bem de seus filhos. Empenha-te em ser para com teus Pais o que foram eles para contigo; e, sendo impossível recompensar-lhes o amor que te dedicam, faze quanto estiver ao teu alcance para retribuir cuidado por cuidado, sorriso por sorriso.
17. Tuas maneiras e teu proceder sejam tais, que só o fato de te verem lhes cause alegria e consolo. Todo sorriso que a seus lábios fizeres assomar, toda consolação que lhes despertares n’alma ser-lhes-á grande recompensa, recompensa que redundará também em benção para ti. As bençãos dos Pais são sempre confirmadas por Deus.
18. Felizes os filhos que desempenharem com fidelidade estes deveres. Serão abençoados por Deus na vida, na morte e na eternidade. Mas ai dos desobedientes, que amarguram os dias dos seus Pais! Estes atraem sobre si, ainda nesta vida, as maldições de Deus, que são o prenúncio das maldições e castigos da outra vida. Maldito quem não honra seu Pai e a sua Mãe, diz a Sagrada Escritura! (p. 11).



Tal padrão de comportamento é visível no discurso de um ex-aluno salesiano que conheceu o Compêndio: “Eu tenho orgulho do meu pai. Meu pai era muito religioso. No Salesiano, a minha formação foi essa, sob protesto porque era uma formação religiosa muito severa, pela imposição. Na dureza que ele dirigia a gente, ele dizia da vida, do respeito. Papai nunca admitiu que alguém pegasse o que não era seu, ele transmitiu isso aos filhos dele. Disso eu me orgulho e digo que meu pai era um homem de bem, e nós herdamos. Fomos criados assim. Ele tinha um ditado que dizia: ‘O homem só estira o braço até onde a mão alcança’. E todos só devem ter dividas com Jesus Cristo. A esse a gente vai prestar contas um dia. O velho lutava, tinha umas coisas que ele dizia: ‘Seja até sapateiro, mas procure ser um dos melhores da sua classe’. Essa era a posição que ele defendia” (SILVA, Laonte Gama da. Entrevista concedida ao autor no dia 24 de setembro de 2003).
Da mesma maneira, Cândido Augusto Sampaio Pereira, um outro ex-aluno do Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora na década de 40 do século XX, que também conheceu o Compêndio de Civilidade, reverencia a imagem paterna: “Meu pai era cristão. Todo dia se rezava o terço na minha casa. Naquela época meu pai obrigava e a gente obedecia. Meu pai lia muito pra gente sentado em uma cadeira e nós sentados, eu, minha irmã, meu irmão que é desembargador e a mais nova, a gente sentado no chão, e ele lendo, a vida de Cristo, romances, em voz alta e a gente ouvindo aquilo ali embevecido. Quer dizer foi uma infância assim, muito rica. Papai foi um homem de sabedoria de vida impressionante” (PEREIRA, Cândido Augusto Sampaio. Entrevista concedida a Marco Arlindo Amorim Melo Nery, no dia 22 de fevereiro de 2004).
Na verdade, os manuais de civilidade imitavam as condutas e os padrões de comportamento de determinados grupos das sociedades européias, buscando estabelecer um determinado status social, os seus ideais, os seus gostos, os seus modelos, o refinamento dos modos, as habilidades peculiares que permitiam a conversação com todas as pessoas, um elevado autocontrole. A Igreja Católica brasileira, através dos Salesianos, estava integrada a esse projeto. O projeto de fazer do Brasil uma sociedade na qual fosse visível o distanciamento da barbárie na qual viviam ainda setores tidos como incivilizados, principalmente algumas comunidades rurais e moradores dos bairros periféricos das grandes cidades. Por isto, era fundamental que as escolas cristãs ensinassem o refinamento dos padrões sociais gerais, civilizando o Brasil. Era fundamental difundir a consciência civilizada, incorporada pelos padrões de desenvolvimento científico, tecnológico e artístico com os quais o país pretendia apresentar-se internacionalmente. Esta era a auto-imagem do Ocidente. Esta deveria ser a auto-imagem do Brasil, cristão como as demais nações ocidentais. A linguagem civilizada que os manuais estavam propondo que as escolas católicas adotassem encontrava forte expressão nos hábitos de higiene corporal, nos padrões estéticos da arte, nos padrões de comportamento coletivo, tudo fixado através dos valores morais estabelecidos pelo catolicismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário