sábado, 19 de março de 2011

INSTRUÇÃO E CULTURA ESCOLAR NO IMPÉRIO DO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO DEBATE EDUCACIONAL SOBRE O SÉCULO XIX - II

A partir do final da década de 80 do século XX, alguns intelectuais da História da Educação Brasileira voltaram sua atenção para os problemas historiográficos como apontados neste texto e produziram uma análise que articulou a idéia de modernidade com a entrada em cena do grupo que viria a se constituir no movimento dos Pioneiros da Educação Nova. Três expressões importantes dessa linha interpretativa conquistaram muito espaço no debate a respeito do tema: Carlos Monarcha, Clarice Nunes e Zaia Brandão.
Estudando o problema da representação histórica feita pela geração dos Pioneiros, Carlos Monarccha apontou que algumas interpretações do processo de formação da sociedade brasileira trouxeram consigo “uma concepção de menoridade racional da sociedade civil” . Para este autor, ao estudar a História do Brasil e, particularmente, a História da Educação Brasileira, algumas vezes tem-se a impressão de haver a história estancado entre a Revolução Francesa do século XVIII e aquilo que é apresentado como sendo a revolução burguesa brasileira – “a revolução de 30”. Vê-se a história do Brasil como fatalidade, simples repetição da trajetória da chamada história universal. A partir da concepção da história progressiva, o contexto democrático-burguês, que se repete aqui com a “revolução de 30” .
O campo da História da Educação, durante muito tempo, trabalhou a escola, a sociedade e os educadores através de representações cristalizadoras. Clarice Nunes demonstrou como os pesquisadores da História da Educação foram levados


não só a entremear o senso comum sobre a cultura urbana com o pensamento educacional aí gestado, mas também reforçando argumentos que tomam São Paulo como modelo de modernização da sociedade e educação brasileiras. Isto não acontece por acaso. No plano da produção acadêmica é esta cidade que aparece como lócus por excelência da afirmação dos interesses e da hegemonia do mercado, da superação do antigo impasse já sinalizado pelas elites brasileiras desde o século XIX, o de liberalizar a sociedade pelo Estado .


Clarice Nunes concentra os seus esforços na tarefa de buscar o processo de construção do estilo moderno de vida urbana no Rio de Janeiro, através da escola. A própria pesquisadora esclarece que a História da Educação “ainda é uma história a ser escrita a muitas cabeças e mãos” . Esta pesquisadora, portanto teve uma preocupação fundamental: mostrar como a cidade de São Paulo foi tomada como protótipo da cidade brasileira, o que serviu, no caso da História da Educação, para embaralhar diferentes versões da Escola Nova. Ela revelou a necessidade de alguns estudos dirigirem o olhar sobre a cultura urbana, iluminando “a especificidade das experiências escolares vividas nos grandes centros do país nas décadas de vinte e trinta” . Esta autora tem razão ao afirmar que “é impossível examinar a trajetória da escola sem mencionar os intelectuais que a forjaram” . E é justamente nesse ponto que ela diferencia o trabalho de Anísio Teixeira daquele executado por outras expressões do Movimento dos Pioneiros: “ele ampliou o seu olhar sobre a cidade e precisou suas formas de intervenção, atingindo em cheio códigos culturais inscritos nas relações pessoais e estremecendo representações cristalizadas na realidade” . Esta ação de Anísio Teixeira se dá, não esqueçamos, sobre um espaço urbano – o Rio de Janeiro. Em tal espaço “a legislação escolar, com conteúdos práticos, codificou espaços, saberes, poderes, definindo o que era considerado justo e, ao mesmo tempo, delimitando um conjunto de soluções jurídicas para problemas postos pelo contexto pedagógico” .
No seu trabalho, Zaia Brandão se dedicou a estudar as contradições existentes no interior do grupo em torno do qual o grupo dos Pioneiros da Educação Nova e, particularmente Fernando de Azevedo construiu sua história/monumento. Segundo Zaia Brandão, no momento em que a geração das décadas de 20 e 30 da centúria novecentista atuou, “o imaginário social estava carregado de esperanças nos resultados da aplicação da ciência à vida social” . A partir da inserção de Paschoal Lemme – ligado ao Partido Comunista – no bloco que se formou em torno do trabalho de Fernando de Azevedo, Zaia Brandão buscou entender como se deu essa relação e as representações que foram feitas acerca dela. A pesquisadora partiu do pressuposto segundo o qual o pensamento marxista teria sido silenciado pelos educadores liberais do movimento dos Pioneiros da Educação Nova . Tomando como substrato teórico da sua tese algumas idéias de Pierre Bourdieu, Zaia Brandão revelou como entre nós uma significativa parcela do trabalho historiográfico em Educação vem priorizando uma determinada história dos vencidos, na qual, vítimas e réus são separados, numa construção historiográfica que concorda com a existência de idéias liberais “fora do lugar” e através da leitura “teológica” de certa tradição marxista “o solo histórico do objeto de estudo tem sido utilizado exclusivamente para ilustrar uma determinada explicação que, quase sempre, é extraída diretamente dessa teoria desencarnada” .
Quando se verifica o trabalho da geração de historiadores que pensou o Brasil a partir da Primeira República é possível verificar, com Carlos Alberto Vesentini e Edgar de Decca que “a constituição da memória inclui a definição dos agentes históricos que participaram do processo político” .
Para a produção do seu modelo explicativo de Brasil, a geração de intelectuais que emergiu a partir do movimento republicano cuidou de afastar os elementos mais problemáticos do pensamento de Augusto Comte, a fim de consolidar a representação que fazia do Estado Republicano o Estado Positivo Comteano.

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