domingo, 27 de março de 2011

VISÕES DA MODERNIDADE: O ESPELHO EUROPEU E AS PROPOSTAS PARA O ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL DO SÉCULO XIX - II

Sob a inflexão eugenista, os projetos que debatiam o ensino agrícola buscaram sua inserção no âmbito do debate educacional, questão que, de resto, mobilizava amplos setores da vida social,


conquistava participantes e para a qual confluíam aspectos diversos, delineando um rol temático que integrava os investimentos das elites urbanas em luta pela hegemonia. Os patronatos agrícolas foram inseridos nesse debate ainda que numa posição subordinada: a educação dos pobres, daqueles que eram pegos nas ruas das cidades ou estavam inseridos em grupos familiares que fugiam do ideário da época. Educação menor, com outros fins que aqueles atribuídos às escolas, colégios e demais instituições educacionais (OLIVEIRA, 2003, p. 58).


Em diferentes províncias do Brasil, foi apontada a necessidade de criar estabelecimentos de ensino agrícola destinados ao ensino de órfãos pobres, expostos e filhos de indigentes (SERGIPE, 1838). Esse tipo de iniciativa era, muitas vezes, justificado a partir da necessidade de liberar a mão-de-obra escrava, em propostas que defendiam a contratação de colonos europeus, agricultores, que deveriam ser responsáveis pelo ensino das técnicas agrícolas e dos ofícios mecânicos. Mesmo quando não implementados, a presença desses projetos nos debates e nas propostas governamentais, é reveladora da preocupação existente e negadora da certeza de que ainda no início do século XX, aquilo “que era implementado pela República não encontrava ressonância na sociedade” (OLIVEIRA, 2003. p. 10). Efetivamente, o debate e os descontentamentos sobre este assunto atravessaram todo o período do século XIX, como o atestam as distintas discussões dos grupos sociais em atuação e as iniciativas governamentais.
Os estudos sobre o ensino agrícola são reveladores de um dado importante para a compreensão do Brasil do século XIX: a presença do pensamento alemão na cultura brasileira e o silenciamento a respeito do assunto na historiografia que se produziu sobre o Brasil daquele período são fundamentais para o entendimento dos modelos explicativos e transformadores da sociedade brasileira concebidos naquele período e que podem ser recuperados através dos textos que tratam da discussão de política educacional e de temas da cultura produzidos ao longo dos anos 800 (NASCIMENTO, 1999). Uma objeção que se costuma levantar a essa observação diz respeito a um outro entendimento comum: o de que tal presença teria ocorrido apenas no sul e no sudeste brasileiros, a partir das últimas décadas do século XIX. O Norte do Brasil, ao qual se refere a literatura oitocentista , foi durante todo o período do século XIX uma área extremamente permeável e influenciada pela cultura germânica.
Uma leitura do debate que se travou no século XIX em textos apanhados no momento mesmo em que a discussão se realizava é fonte fundamental para que se perceba as influências que recebiam os intelectuais e agentes políticos do período, quais os pontos de vista que estes defendiam, quais as concepções de Educação que assumiam, que tipo de crítica formulavam e a quais correntes de pensamento dirigiam essa crítica.
A idéia de que, na Europa, a França era um espelho civilizatório no qual o Brasil deveria mirar-se foi difundida pelos franceses que entre nós estiveram e marcou o projeto dos republicanos brasileiros. A compreensão da presença alemã no Brasil, durante o século XIX, lança luzes importantes ao debate de uma tese que é amplamente aceita: a de que todo ambiente dos anos oitocentos na sociedade brasileira teria sido dominado exclusivamente pelo bacharelismo. É necessário admitir a possibilidade de questionamento dessa tese e o estudo da presença alemã no Brasil ajuda a perceber que as chamadas idéias científicas daquele período não passavam ao largo da sociedade brasileira, como a historiografia costuma apontar.
São problemáticas as interpretações do século passado que apresentam o Estado Monárquico brasileiro como sendo completamente desaparelhado de projetos de Educação e Cultura. As observações que este trabalho faz acerca dos projetos de Cultura e Educação do século XIX não têm o objetivo de, como muitas vezes se supõe, assumir posições na polêmica Império X República. Mas, apenas, trazer à superfície alguns elementos que devem ser levados em consideração na representação que fizeram vários estudos escritos a partir da década de 1920.
As políticas cultural e social da Monarquia brasileira encontraram suas origens na segunda metade do século XVIII sob inspiração do Iluminismo do primeiro ministro português, o Marquês de Pombal. A ciência e a tecnologia marcaram o século XIX no Brasil através de um imenso processo de produção de estudos que davam conta de resolver os graves problemas nacionais, principalmente nas áreas das chamadas Ciências Naturais e da Medicina. As representações que a historiografia republicana fez acerca do século XIX procuram demonstrar que a cultura brasileira naquele período conseguira, afinal, deslocar-se do campo de influência dos jesuítas para o da língua e literatura francesas, omitindo a enorme influência alemã presente no Brasil. Mas, todos concordam que do ponto de vista da política social, sem dúvida nenhuma, a Educação foi o primeiro problema a preocupar o governo do Brasil independente.
Assim, buscar uma releitura do século XIX é tentar compreender as contradições que gestaram o moderno no Brasil . Todos esses elementos indicam que durante os anos oitocentos houve uma forte participação de outras formas de trabalho que não o trabalho escravo no acelerado processo de modernização pelo qual passou a sociedade brasileira. Estudar o ensino agrícola e os debates e ações que cercam essa modalidade como prática de assistência à infância ao longo do século XIX lança novas luzes a esse entendimento. Contudo, muitas vezes, o campo da História da Educação continua a trabalhar a escola, a sociedade e os educadores através de representações cristalizadoras. Todavia, desde a primeira metade do século XX, estudiosos como Gilberto Freyre apontam, nos anos oitocentos, um vigoroso processo de expansão do espaço das cidades e, com ele, a importância de problemas sociais como os que dizem respeito ao abandono de menores (FREYRE, 2000). É o crescimento urbano observado durante o século XIX que pode explicar o aparecimento de projetos como os propostos para o ensino agrícola, claramente com o objetivo de sanear socialmente o ambiente urbano, uma vez que os menores abandonados, delinqüentes e as “crianças ilegítimas eram facilmente assimiladas pelas comunidades agrícolas” (RUSSELL-WOOD, 1981. p. 130).

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