quarta-feira, 2 de março de 2011

A REMUNERAÇÃO, OS CONCURSOS E ALGUNS PROFESSORES E PROFESSORAS: ASPECTOS DA PROFISSÃO DOCENTE NA HISTÓRIA DE ARACAJU - VIII

Como administrador da política educacional, José Calazans integrou a equipe do professor Arício Fortes, quando este dirigiu o Departamento de Educação, ocupando a função de Assistente Técnico. Apesar de mais conhecido que o técnico em política educacional, o historiador da educação José Calazans ainda não teve a sua obra devidamente analisada, não obstante ter sido pioneiro nesse campo.
O professor Josafá Brandão lecionou durante a primeira metade do século XX na Escola Normal. Era respeitado e temido nas suas aulas de Física e Química. Esta era a mesma imagem docente cultivada pelo professor Passos Cabral, responsável pelo ensino de Literatura.
Outros chamavam a atenção pelo fato de serem eruditos, como o professor José Augusto da Rocha Lima, técnico em educação da Diretoria de Instrução Pública e catedrático da Escola Normal, onde lecionava História Geral, Pedologia, Psicologia, Pedagogia e Língua Portuguesa. Rocha Lima foi padre e professor do Seminário de Aracaju, onde lecionou Francês, Latim, Português, História, Geografia, Exegese Bíblica e Teologia Dogmática. Fundou a Academia Santo Tomás de Aquino, que reunia intelectuais católicos e foi membro da Academia Sergipana de Letras. Diplomou-se em direito e abandonou a vida sacerdotal. No Atheneu Sergipense, Rocha Lima foi diretor e professor de Latim e Literatura, além de ter sido o primeiro presidente da Academia Sergipana de Letras e de haver presidido o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Como Helvécio de Andrade, Rocha Lima também tem sido objeto de poucos estudos por parte dos pesquisadores sergipanos de História da Educação. Entretanto, um foco de luz começa a ser lançado sobre ele, a partir da pesquisa que vem sendo desenvolvida no Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe pela professora Neide Sobral.
No mesmo período, na Escola Normal, Clóvis Conceição foi professor de Ciências; Acrísio Cruz lecionou Ciências Físicas e Naturais e foi diretor do Departamento de Educação ; e, Manoel Franco Freire, que lecionava Português, fora diretor da Instrução Pública.
Ao analisar a intelectualidade que atuava em Aracaju e em outras importantes cidades da Província de Sergipe, o pesquisador Jackson da Silva Lima estabeleceu a existência de dois grandes blocos que pontuavam em várias atividades, principalmente no campo da educação, a partir da segunda metade do século XIX até a metade do século XX: os espiritualistas e os cientificistas (LIMA, 1995). No bloco dos intelectuais espiritualistas ele elencou Brício Cardoso, Sancho Pimentel, o padre Olímpio Campos, José Nogueira, João Antonio Barreto, Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior, Domingos de Oliveira Ribeiro e outros. O Espiritualismo ganhou maior repercussão a partir do ano 1871, animado pelas idéias de Brício Cardoso.
No grupo dos cientificistas marcaram presença Guedes Cabral, os seguidores de Tobias Barreto e de Felisbelo Freire, além de figuras como Helvécio de Andrade, Rodrigues Dória e Gumercindo Bessa, Oliveira Telles, Prado Sampaio, Florentino Menezes, Adolpho Ávila Lima e Costa Filho, entre outros.
Um dos elementos centrais desse embate dizia respeito a difusão dos padrões de civilidade, a formação moral e o patriotismo. Assim, o ensino de religião era tido pelos espiritualistas como indispensável no conjunto das práticas escolares.
Este embate, contudo, não foi exceção no ambiente dos intelectuais da educação que atuavam na cidade de Aracaju. A disputa pela ocupação de espaços no campo dos intelectuais da educação se expressava como muito vigor, principalmente através da imprensa. Assim, embates como este foram comuns em outras oportunidades, envolvendo intelectuais que desfrutavam de muito prestígio. Os embates, muitas vezes, descambavam do campo meramente acadêmico e invadiam as questões pessoais. Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas analisou a polêmica que envolveu dois professores da Escola Normal: Ítala Silva de Oliveira e Helvécio de Andrade. Ambos já vinham manifestando várias divergências. Contudo, a polêmica se acirrou depois que o professor Clodomir Silva, tio de Ítala, sofreu o revés de uma reprovação em concurso público para o cargo de professor da Escola.


Ele havia prestado concurso na Escola Normal para cadeira de Português e, no entanto, a banca examinadora, formada pelas docentes Etelvina Amália de Siqueira, Norma Reis e Clotildes Machado aprovou, em primeiro lugar, a sobrinha de Quintina Diniz, Sylvia de Oliveira Ribeiro. Itala criticou severamente o resultado e a composição da banca (FREITAS, 2003b, 138).


Nos seus textos, Ítala faz uma reflexão a respeito dos padrões de escolarização feminina para criticar o corpo docente da Escola Normal e o seu diretor e desafeto, Helvécio de Andrade:


E notório e sabido que na Escola Normal de Aracajú o elemento do feminino sobrepuja o masculino. Isto deveria se constituir grande satisfação para as feministas. Com pesar, porém, eu digo, não se dá tal. Com raras e honrosas exceções as mulheres da Escola Normal do meu Estado constituem uma ridicularização para o feminismo. Certamente direis: com assim, si ali se acha o que Sergipe possui de melhor em intelectualidades? Isto é um mero engano. Haveis de ouvir, ali, professores que dizem, que vão ás aulas, domar feras, ou então vereis no meio de um silencio a voz de alguma professora dizer quando eu ver e licencia!!! E este é o estabelecimento de ensino onde se preparam as professoras dos vossos filhinhos, caros leitores. Também ali a calúnia tem seu santuário cuidadosamente erigido. Quem se não subordina àquela política, paga bem caro o seu tributo. A humilde escritora d’estas linhas também tem sido vítima dos caprichos d’aquele bloco, e principalmente do Diretor da Instrução Pública. Ao sabor da sua vontade s.s. tem movido contra mim uma guerra baixa. E porque? Em primeiro lugar porque externei o ano passado, pela imprensa a minha opinião sobre a conferencia de alguém com quem s.s. é desafiado. Depois porque sabe que, moça cheia de aspirações e desejos eu não me acho a par do grande movimento pedagógico moderno só por meio de revistas e jornais, e porque conhece que tive um professor de Pedagogia, de quem s.s. boas lições tem recebido, e que primus inter pares, soube me fazer compreender a missão nobilitante do educador contemporâneo da qual s.s. tem uma noção muito vaga. Esta é a razão porque esta luta vil é movida contra mim. Uma vez que isto saiu ao correr da pena cumpre me dizer que lhe tenho a consciência do meu valor próprio e a altivez necessária para em tempo oportuno mostrar lhe que o futuro é meu, porque estudo e creio no poder da instrução e do trabalho. Melhor seria que s.s. me tratasse leal e sinceramente como é dever de todo homem cortês e educado. (...) Não era, pois, de admirar que tendo um tal Diretor e mulheres sem capacidade o concurso tivesse o resultado que teve. Tirados da sua obscuridade para regerem cadeiras de matérias que nunca estudaram elas (as componentes da bandalheira) arbitrárias como são, em geral, as pessoas sem instrução, procederam da forma que todos já devem saber. Eis explicado o motivo porque no concurso da Escola Normal essas mulheres procederam de tão feio modo. Não pense, pois, mais ninguém que o que elas fizeram todas fazem, não, que quando a mulher ou o homem são educados e instruídos como devem, quando eles sabem aquilatar o valor dos demais não pela beleza física, ou pela riqueza, estes fatos não se dão. Si o feminismo só contasse no seu seio d’estes elementos, o seu triunfo seria sempre uma utopia, e a obra que milhares de cérebros conceberam, durante centenas de anos, ruiria por terra. Valha-nos a certeza de que estes maus elementos são anulados pelos esforços dos que sabem que é justiça, que é direito e que é instrução. Sejam eliminados, pois, os maus elementos, seja a sociedade livrada d’eles, porque o seu contagio é perigosíssimo. Chama-se a mulher para colaborar, mais diretamente, na obra social, mais isto só quando se lhe tiver dado boa educação e melhor instrução, e então não mais ver se á estes fatos se repetirem; não mais ter-se-á a lamentar certos procedimentos. Aqui, fica a minha defesa feita em nome do feminismo, sublime e nobre ideal que alimenta hoje uma grande parte da humanidade, e que promete abrir à mulher novos horizontes e melhores dias. Perdoai, caros leitores o ter dito duramente a verdade, mas assim era mister (OLIVEIRA, 1916, 1).


Etelvina Amália de Siqueira construiu uma imagem de altivez e austeridade, além da reconhecida competência técnica na disciplina que ministrava. Etelvina Amália de Siqueira nasceu em 1862. Fora aluna da Escola Normal quando esta ainda funcionava no Asilo Nossa Senhora Pureza, tendo obtido o seu diploma de professora em 1885. Além de professora catedrática de Português na Escola Normal era poetisa, contista e jornalista-abolicionista. Nesta última condição participou ativamente da campanha abolicionista, atuando na sociedade “Cabana do Pai Tomás”, centro abolicionista que funcionou em Aracaju. Morreu em 1935.

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