sábado, 12 de março de 2011

OS VESTÍGIOS DO LEITOR: A BIBLIOTECA PEDAGÓGICA DE SÍLVIO ROMERO - IV

OS VESTÍGOS DO LEITOR


Jackson da Silva Lima catalogou as marcas e anotações deixadas pelo leitor Sílvio Romero nos livros por ele manuseados. “Sílvio Romero tinha por hábito anteceder as suas anotações manuscritas com sinal de mais [+] ou de igualade [=], e com estrela ou asterisco [*], bem como de sublinhar trechos com traços (simples ou duplos) verticais nas margens da mancha tipográfica e horizontais na parte superior e no rodapé” . A partir dessas marcas é possível tomar os livros da Biblioteca de Sílvio Romero e resgatar alguns diálogos que este manteve com os autores que leu, de modo a penetrar no seu universo mental, expresso sob a forma das idéias que deixou escritas e das observações, concordância, discordância e críticas que estão à margem dos livros que leu. Os vestígios deixados por aquele leitor são reveladores de comoele incorporou o pensamento de outros intelectuais contemporâneos e antecedentes seus, penetrando na gênese das sua mentalidade, na sua forma de trabalhar intelectualmente, no seu processo de leitura e nas suas reflexões.
A leitura romeriana de William James é muito útil e fértil, reveladora dos modos como o Pragmatismo norte-americano estava sendo apropriado por um dos mais importantes dentre os intelectuais brasileiros do início do século XX. Sobre James, Romero fez apenas uma rápida referência “em ‘Questões e Problemas’, prefácio datado de outubro de 1912, para o livro Novos e Velhos, de Tito Lívio de Castro, publicado no ano seguinte” . No texto, Sílvio diz que “o próprio dogmatismo intelectualista recebeu fortes repulsas das mãos de um H. Poincaré, um Mach, um W. James, um Bergson” . O já citado Jackson da Silva Lima aponta ter sido William James o último autor lido por Romero, e como não deixou nenhum trabalho específico sobre ele, por certo, a única possibilidade de apreender o modo através do qual o pensamento do norte-americano foi incorporado e o juiz crítico que o brasileiro fez dele são as notas e marcas de leitura.
Dos dois livros escritos por William James que integram a Biblioteca de Sílvio Romero, foi possível descobrir que um deles foi presenteado por Carlos Fróes em dezembro de 1910, fato que está registrado em dedicatória inscrita no próprio livro. O Significado da Verdade, numa edição em francês publicada no ano de 1913 é a outra de James que pertenceu a Romero. O primeiro trabalho é rico em anotações. O reduzido espaço reservado a este artigo permite registrar apenas algumas delas. Na folha em branco inicial do livro, o intelectual brasileiro fez as seguintes anotações:

“Tem: *Psicologia, *Filosofia da experiência, *Pragmatismo, *Variedades da Experiência religiosa, *Vontade de crer, *A significação da Verdade”.

“As idéias energéticas de Mach, [autor não identificado] e Le Bom desnorteiam. As de Poincaré ainda mais. Mas as de W. James e Bergson levam-nos ao cúmulo da desordem. Faz-se mister muita calma e m[u]ito raciocínio p[ar]a tomar posição em tal batalha”.

No final do livro, também na folha em branco, pode ser lido:

“Este pragmatismo tem de boa a crítica ao intelectualismo puro; e mais o valor da prática e da ação p[ar]a a origem da razão e das idéias. Desnorteia sobre o Absoluto, sobre um Deus finito, sobre o pluralismo exagerado que compromete a unidade [frase riscada], na crítica sem razão ao monismo como síntese superior idealista. É bom quando mostra a riqueza do instinto, do sentimento, da imaginação, etc.
Acho-o melhor na exposição do Rey e do Bérgson.
Este autor argumenta como se todos os intelectualistas fossem monistas, e sectários da filosofia do Absoluto ao jeito de Hegel.
Pluralismo e monismo,
Intelectualismo e pragmatismo ou Filosofia da ação,
Absolutismo,
O monismo pode se conciliar com o pluralismo: monismo na base, no ponto de partida, monismo no viver e no evoluir; pluralismo, nos resultados, na força e na consciência peculiar adquirida. Tenho isto no mono-duo, e mono-plural”.

Quanto ao Significado da Verdade, são poucas as anotações feitas por Sílvio Romero que, ao que parece, não dispôs de saúde e tempo de vida suficiente para esgota-lo. Há apenas duas breves anotações. A mais importante à página III:

“A verdade não é senão a afirmação do ser através de idéias, assim como o bem é a afirmação do ser na ordem dos fatos”.

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