domingo, 20 de março de 2011

INSTRUÇÃO E CULTURA ESCOLAR NO IMPÉRIO DO BRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO DEBATE EDUCACIONAL SOBRE O SÉCULO XIX - IV

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE PROJETOS EDUCACIONAIS DO SÉCULO XIX


A política educacional da Monarquia brasileira deu continuidade ao projeto do Iluminismo pombalino. A partir de 1770 o Marquês de Pombal solicitou aos governantes e aos capitães-generais das capitanias o estímulo aos estudos. Segundo Maria Odila da Silva Dias,


A Coroa procurou desenvolver na colônia o estudo das ciências naturais, da física, da química e da agricultura, da Medicina Cirúrgica e Farmácia, aprovando a fundação da Academia Científica do Rio (1772-1779). Entre seus fundadores, médicos e cirurgiões em sua maioria .


Vale a pena observar que em 1798 foi fundado o Seminário de Olinda – sob a liderança do bispo Azeredo Coutinho – que incorporou todo o espírito da orientação escolar da reforma pombalina. A partir de 1799 a Coroa ofereceu bolsas de estudos a brasileiros, objetivando a formação de engenheiros topográficos, hidráulicos, contadores e médicos.
São conhecidas as reformas na instrução primária e secundária promovidas pelo Marquês de Pombal, bem como a adoção de providências como a realização de concursos para a admissão de professores que atuavam no Brasil aos quadros do Estado português. Todavia, o viés interpretativo da História da Educação brasileira adotado a partir da República não abre qualquer possibilidade de compreensão da importância da profunda política modernizadora em face do Brasil desencadeada pelo Marquês de Pombal à frente do Conselho Ultramarino. Certamente o melhor exemplo desse tipo de interpretação seja o conhecido estudo de Fernando de Azevedo, A Cultura Brasileira, principalmente em sua parte III, quando trata da “Transmissão da cultura” .
Essa política teve continuidade após a mudança da Corte para o Rio de Janeiro, em 1808. Muitos dos quadros que se beneficiaram com a política de bolsas da Coroa tiveram um papel destacado como lideranças políticas no movimento da independência e ocuparam importantes funções no parlamento e/ou no executivo depois de 1822.
Não admitir a existência de projetos de Educação no século XIX é negar que nas duas primeiras décadas daquele século D. João VI criou as escolas superiores necessárias à formação da elite administrativa (civil e militar) demandada em face da mudança da Corte para o Rio de Janeiro. Ele criou na ocasião dois cursos cirúrgicos, um ano depois de, em 1812, haver determinado o funcionamento do primeiro curso de agricultura da Bahia. Vale lembrar a criação em 1817 da cadeira de Química de Salvador e, em 1818, da Escola Pública de Música da Bahia.
Nos primeiros anos do seu reinado Dom Pedro I criou os cursos jurídicos de Pernambuco e São Paulo (1823). Em 1838 foi fundado o Liceu Imperial, depois Colégio Pedro II, com estudos de ciências naturais em quatro anos do total de seis abrangidos pelo seu curso. Mas, certamente, a iniciativa de maior impacto para a consolidação da instrução primária no Brasil foi a criação, em 1834, da Escola Normal de Niterói, destinada a formar professores. Esse tipo de instituição espalhou-se por todo o país. Entre 1873 e 1885 funcionaram no Rio de Janeiro, e em muitas outras cidades brasileiras, vários cursos livres e conferências sobre assuntos pedagógicos. Com todas as restrições que sejam feitas às ações educacionais desenvolvidas durante o século XIX não há como desconsiderar que foi a Constituição de 1824 que, pela primeira vez na História do Brasil, instituiu a gratuidade do ensino primário para todos os cidadãos e determinou a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidade, vilas e lugarejos, elevando o problema a condição de questão de Estado. A implantação de uma rede nacional de escolas normais era um importante passo que buscava dar conseqüência a esse tipo de determinação constitucional.
No Brasil do século XIX foi prática comum, principalmente durante o governo de Pedro II patrocinar a publicação de livros e criar as condições econômicas para a realização de viagens de estudos por parte dos artistas da Academia Imperial de Belas Artes ou do Conservatório de Música. O Museu Nacional lançou, também durante o século XIX, a pesquisa das chamadas ciências puras, organizando cursos de ciências e conferências sobre Botânica, Zoologia, Antropologia e Fisiologia. Nos anos 70 dos 800 foi criada a Escola de Minas em Ouro Preto e organizada a Escola Politécnica, com os cursos de Engenharia Civil, Engenharia de Minas, Artes e Manufaturas, Ciências Físicas e Matemáticas e Ciências Físicas e Naturais. Na Escola de Minas de Ouro Preto se reorganizou toda a experiência dos cursos de Metalurgia, que funcionavam desde 1832. É de 1879 a abolição da obrigatoriedade do ensino religioso no Colégio Pedro II, não obstante o artigo 5º da Constituição do Império estabelecer o catolicismo como religião oficial do Brasil.
No Império foram criadas várias instituições de pesquisa, algumas das quais continuam funcionando até hoje. Dentre tais instituições é possível citar o Museu Paraense, criado por Emílio Goeldi em 1885; o Instituto Agronômico, criado pelo Governo Imperial em 1887, em Campinas. O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo foi criado em 1873, por ato do Governo Imperial. Foram iniciativas do Segundo Império a criação das escolas de comércio do Rio de Janeiro e de Pernambuco, em 1864, e das escolas agrícolas criadas no mesmo ano no Rio de Janeiro, Pará, Maranhão, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Cada vez mais vem se impondo aos estudos historiográficos educacionais a necessidade da retomada das preocupações existentes no Segundo Império em torno da idéia das potencialidades civilizatórias do campo educacional, transformadas em tabula rasa por alguns estudos de História da Educação Brasileira. Alguns poucos textos fazem tal reconhecimento, mesmo que de forma marginal. Um bom exemplo é o trabalho de Zaia Brandão que, mesmo atribuindo serem os debates em torno da esperança nos resultados da aplicação da ciência à vida social próprios dos valores da primeira metade do século XX, reconhece que o tema da Educação como força civilizatória já aparecera no discurso dos intelectuais do Império que “insistentemente preconizavam o derramar da instrução por todas as classes” .

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