terça-feira, 29 de março de 2011

VISÕES DA MODERNIDADE: O ESPELHO EUROPEU E AS PROPOSTAS PARA O ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL DO SÉCULO XIX - III

A propaganda republicana produziu a imagem de um século XIX no Brasil como a de um verdadeiro deserto pedagógico e social no qual não podem ser encontradas idéias e/ou práticas. Todavia, é necessário analisar melhor o intenso movimento daquele período. O século do Romantismo, que influiu diretamente no comportamento e nos hábitos familiares, à medida que os projetos hegemônicos, que durante todo aquele período foram sustentados pela Inglaterra, pela França e pela Alemanha, fizeram com que o intenso comércio entre o Brasil e essas nações levasse ao estabelecimento de símbolos claros de status social do período. A Inglaterra, a França, e a Alemanha foram, no Brasil do século XIX, os centros do saber moderno. Era nesses três espelhos que a modernidade brasileira buscava forjar a própria imagem, à medida que um novíssimo espelho começava a se insinuar a partir da segunda metade do século XIX: o norte americano .
Foi em nome da modernidade que, em 1864, o Ministro dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Império, Manoel Felizardo de Souza e Mello, defendeu o estabelecimento de um sistema geral de instrução primária agrícola que tinha como pedra de toque a fundação de fazendas-modelo, nas quais os lavradores observassem os processos mais modernos de trato das principais culturas . Defendia também


a instituição de uma escola de veterinária, pelo menos, em que fossem estudadas cientificamente as moléstias das diferentes raças de animais domésticos e os meios mais eficazes para combate-las, e para minorar, se não prevenir, as epizootias freqüentes, que se desenvolvem nas nossas províncias criadoras (BRASIL, 1864. p. 9).


Quatro anos antes, em 1860, foram criados Institutos Imperiais de Agricultura no Rio de Janeiro, a capital do Império, e nas Províncias de Sergipe, Bahia e Pernambuco. Era pretensão do governo criar idênticas instituições em todas as províncias. Os institutos do Rio de Janeiro e da Bahia apresentaram os melhores e mais imediatos resultados.


Ambos apresentaram já ao governo imperial projetos de regulamentos para a criação de escolas normais de agricultura (...) O Imperial Instituto Baiano depois de prévios estudos, e exames, preferiu para assento de um estabelecimento desta natureza o engenho das Lages, propriedade do mosteiro de S. Bento, cuja congregação o cedeu pelo prazo de 18 anos (...) Conta este instituo 102 sócios efetivos e 5 honorários. (...) O Imperial Instituto Fluminense (...) Apesar de sua curta existência, conta já 100 sócios efetivos (...) contando com o auxílio do governo imperial deliberou tomar a si a administração do jardim botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas para nele fundar um estabelecimento rural, que possa servir de modelo, e de escola prática de agricultura (BRASIL, 1864. p. 13).


Esses Institutos lutaram para criar escolas agrícola modelo. A sua proposta teve como justificativa a necessidade de melhorar as práticas agrícolas, para maior produtividade das culturas básicas. A pretensão era formar


uma classe de trabalhadores agrícolas, familiarizados com os princípios das ciências práticas que concorrem para o melhoramento da cultura do solo e com o manejo dos instrumentos aperfeiçoados para os trabalhos dos campos, adquirindo também a experiência e conhecimento prático das artes acessórias (SERGIPE, 1882. p. 21).


Na segunda metade do século XIX, portanto, a discussão sobre o ensino agrícola no Brasil tinha todas as características do discurso a respeito da modernidade. Nesse período, de modo cada vez mais crescente, “a ação do Estado buscava atender às pressões dos médicos higienistas e da eugenia, contrapostos aos hábitos da criação dos filhos pelas famílias” (OLIVEIRA, 2003. p. 13).
Portanto, antes mesmo de iniciar-se o período republicano estava posto com clareza um problema fundamental, não apenas para os pobres. Mesmo em relação a estes, ainda durante o século XIX houvera uma inflexão. Ao invés de


continuar mantendo os pobres e inválidos em casas fechadas, para imobiliza-los, é agora necessário reintegra-los no processo de produtividade da sociedade ou seja, reintroduzi-los nos circuitos produtivos. Há, portanto, toda uma problemática que é acompanhada de um deslocamento da moralidade para uma relação privada com a economia (VAN BALEN, 1983. p. 46).


Esse tipo de preocupação com a modernização da agricultura e as suas relações com a educação era coerente com o discurso que faziam os empresários e autoridades do setor agrícola. Por ocasião do Congresso Nacional de Agricultura que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1901, o documento produzido era eloqüente:


O Congresso Nacional de Agricultura, no intuito de organizar todos os elementos de instrução ou educação agrícola e de difundir a maior soma de meios para instituí-la e praticá-la, combinando e desenvolvendo igualmente todas as iniciativas, recursos, atividades e energias no trabalho e da produção, em uma orientação esclarecida, adiantada e segura, pede aos poderes públicos do país que seja criada a seção ou departamento de agricultura, a parte ou junto ao atual Ministério da Indústria e Viação (BRASIL, 1901. p. 60).


O projeto da Sociedade Nacional de Agricultura coincidia com aquilo que pensava o governo federal e os governantes dos Estados. A modernização agrícola poderia ser obtida através da difusão do ensino técnico agrícola e da mecanização. Assim, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio era visto como uma ferramenta eficaz para introduzir princípios científicos nas atividades agrícolas brasileiras. A crença era de que


o ensino geral de agricultura há de se organizar com as forças e elementos que lhe fornecerem o departamento de agricultura, os colégios ou escolas agrícolas e as estações agronômicas e campos de experiência e demonstração. A instrução elementar agrícola será dada nos orfelinatos, asilos, colônias especialmente consagradas a este fim, isto é, ao preparo do horticultor, do abegão e do trabalhador agrícola. Em todas estas instituições o ensino deve ser prático e útil, e o indivíduo, que se vai dedicar ao mister da lavoura deve adaptar o seu físico, moral e intelectual às necessidades da vida, aparelhando-se devidamente para as lutas e rigores do trabalho (BRASIL, 1901. p. 62).

Um comentário:

  1. Jorge,
    Texto fantástico! Aproveito para registrar, sobre o meu campo de pesquisa, que sempre que ouço ou leio acerca da propaganda republicana, lembro da criação das duas Academias Imperiais de Belas Artes durante o século XIX. A primeira em 1826, no Rio de Janeiro. A segunda em 1877, na Bahia. Ambas em funcionamento até os dias de hoje. Para mim, a Academia de 1826 é um marco na instituição do ensino superior no Brasil. Acontecimentos do século XIX...
    Beijos,
    Danielle

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