terça-feira, 6 de outubro de 2009

AGRICULTURA OU PEDAGOGIA? AGRÔNOMOS E PEDAGOGOS NO COLÉGIO AGRÍCOLA BENJAMIN CONSTANT (1967-1979) II

Depois da transferência do ensino agrícola do Ministério da Agricultura para o MEC, os professores responsáveis pela formação geral influenciaram mais o processo de tomada de decisão na Escola. “Os professores da área técnica têm outras atividades fora da Escola. Por isto, não se envolvem muito com as coisas, não discutem” (CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. Entrevista concedida ao autor no dia 02 de agosto de 2004.). Essa foi uma mudança radical nas relações de poder existentes entre os professores da instituição, principalmente quando se considera que até a década de 1980 os profissionais da chamada área pedagógica da Escola eram vistos como um grupo profissional inferior. Existiam duas salas de professores na instituição: uma destinada aos professores da área técnica, ou seja agrônomos e veterinários, bem instalada no edifício do pavilhão central, e outra destinada aos docentes da chamada área acadêmica, que funcionava no pavilhão das salas de aula.
Já sob o controle do Ministério da Educação, o Colégio Agrícola Benjamin Constant viveu o processo de implantação da reforma do ensino da lei 5.692/71, que determinou a mudança do sistema do ensino colegial agrícola para o ensino profissionalizante. A fim de tomar as providências necessárias à adaptação do ensino agrícola à nova lei, o MEC criou um grupo de trabalho do qual participaram professores de todo o país, estando o colégio do Quissamã representado pelos professores Tennyson Aragão e Abelardo Monteiro. Não obstante as dificuldades para dispor de um orçamento de investimentos, a instituição escolar conseguiu se transformar em uma importante expressão da área na década de 1970. “Nós lideramos o ensino agrícola” (SILVA, Laonte Gama da. Entrevista concedida no dia 24 de setembro de 2003.).
A perda de poder dos engenheiros se explicitaria definitivamente na Escola a partir de 1982. Naquele ano, o agrônomo Laonte Gama da Silva foi exonerado do cargo de diretor, que exercera durante dezesseis anos. Os engenheiros agrônomos estariam, a partir de então, alijados do exercício da direção da Escola. Eles não mais tiveram condições de indicar o diretor. Incomodava muito a alguns deles o fato de o sucessor de Laonte Gama não ser um engenheiro agrônomo, mas sim um técnico agrícola: Francisco Gonçalves[i].
Laonte Gama da Silva revelou mágoa para com o processo da sua substituição, segundo ele considerando grave o fato de que pela primeira vez a Escola passava a ser administrada por um técnico agrícola e não por um engenheiro agrônomo, como vinha ocorrendo desde 1924, mesmo sendo este técnico portador de um diploma de graduação referente à licenciatura cursada na Universidade Federal Rural de Pernambuco:


Eu pedi para sair da AEASE[ii]. Existe uma tradição dessa Escola, desde que essa Escola passou a ser ensino. [O cargo de diretor] só foi ocupado por engenheiro agrônomo, nunca por um técnico agrícola. Põe um engenheiro agrônomo. A AEASE não tomou conhecimento (Laonte Silva, 2003).


Na avaliação de Francisco Gonçalves, o argumento da formação é absolutamente improcedente, porque existem várias


escolas agrícolas no Brasil funcionando sem ter um agrônomo na direção. Os agrônomos precisam coordenar a área agrícola, os veterinários as seções respectivas da sua atividade. Colocando em cada setor um especialista, o diretor pode ser qualquer pessoa que tenha competência administrativa. Para ser um bom diretor é preciso saber administrar e não ser agrônomo. É necessário apenas ser assessorado por agrônomos, veterinários, biólogos etc (SANTOS, Francisco Gonçalves dos. Entrevista concedida ao autor no dia 09 de agosto de 2004).


Considerar os sujeitos históricos impõe a necessidade de dar relevo aos conflitos que produzem as representações acerca de cada um deles, a imagem produzida em cada uma das memórias, as percepções posteriores, as generalizações, simplificações e distorções das ações dos indivíduos, produzindo diferentes sentidos. Por isto, é fundamental perceber


nas desqualificações de que esses sujeitos foram alvos, possíveis sinais de divergência, caminhos seguidos diferentes daqueles imaginados por reformadores e executores de decisões (...) Quer dizer também desprender-se, quando necessário, de conceitos reducionistas que impediram de percebe-los na sua alteridade, nas suas identidades plurais e na diversidade de seus percursos históricos (SOUZA, Maria Cecília Cortez Christiano de. Escola e memória. Bragança Paulista, EDUSF, 2000. p. 53).


Laonte Gama da Silva revela o grau de tensão produzido pelos conflitos que se seguiram à sua exoneração, ao acusar o seu sucessor de haver desmontado a indústria de laticínios que ele deixou funcionando na Escola e preparada para formar técnicos nessa área:


Deixei a escola com tudo isso pronto, com um técnico em laticínios que formaria outros técnicos em laticínios. Sergipe já se transformava em uma bacia leiteira. Francisco desmanchou a industria de laticínios, trocou todo o equipamento por dois cavalos, dois garanhões e mandou [o equipamento] para Bananeiras na Paraíba[iii].


Francisco Gonçalves manifesta estranheza diante desse conflito existente entre ele e o seu antecessor, afirmando que a animosidade somente apareceu depois da sua nomeação para o cargo de diretor. Afirma inclusive que várias vezes, ao longo da década de 1970, foi designado pelo próprio Laonte Gama para responder pelo expediente da direção do Colégio Agrícola Benjamin Constant, quando das viagens e de outros impedimentos do seu titular.
Na verdade, o que efetivamente estava em questão no processo de nomeação de Francisco Gonçalves era menos a sua formação acadêmica e mais o embate entre os grupos detentores do poder na política do Estado de Sergipe, que também se expressava na luta pelo controle da Escola. Laonte Gama atribui a um ex-governador sergipano a responsabilidade pelas alterações na administração escolar:


nós saímos da Escola por uma exigência do governador Augusto Franco[iv]. O secretário geral do MEC foi ao Ministro Eduardo Portella e pediu para que não me demitisse, o diretor geral do Ensino Agrícola foi a ele e pediu para que não me demitisse. A resposta do ministro: é para atender o governador (SILVA, Laonte Gama da. Entrevista concedida no dia 24 de setembro de 2003).


Vários professores da Escola confirmam a interpretação feita pelo ex-diretor. O próprio Francisco Gonçalves confirma que foi o seu relacionamento com o então governador de Sergipe, Augusto Franco, que o fez diretor da Escola.
Mesmo concordando com as avaliações feitas por Laonte Gama a respeito do processo da sua demissão e substituição por Francisco Gonçalves (BOMFIM, Alberto Aciole. Entrevista concedida ao autor no dia 07 de dezembro de 2003.), muitas pessoas consideram que ele carrega nas tintas ao afirmar que saiu em face de problemas políticos, por entenderem que nunca, na história da instituição, fora distinto esse tipo de processo, inclusive quando da nomeação do próprio Laonte Gama.
Na opinião de Laonte Gama somente os engenheiros agrônomos possuem os requisitos técnicos necessários à gestão da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão. E faz uma referência direta à sucessora de Francisco Gonçalves, Cláudia Maria Lima Dantas, licenciada em Pedagogia: “culmina com essa menina diretora, que não sabe o que é ensino agrícola” (SILVA, Laonte Gama da. Entrevista concedida no dia 24 de setembro de 2003.). Cláudia diz que para dirigir a Escola não há necessidade desse tipo de formação, mas de bons assessores. “Eu não tenho esse entendimento. Na minha época como diretora a Escola comprou matrizes, fez reformas na suinocultura e na avicultura, mandou muitas professoras da área técnica para o mestrado” (DANTAS, Cláudia Maria Lima. Entrevista concedida a autor no dia 06 de agosto de 2004.). Mesmo alguns professores que criticam de modo contundente a gestão da professora Cláudia fazem uma ressalva:

o seu insucesso é resultado da total inaptidão com as questões administrativas e da falta de liderança. Nada tem a ver com a sua formação profissional ou com a sua condição de mulher. Da mesma forma que aconteceu na gestão de Francisco, a ineficiência dela é também dos técnicos que lhe assessoraram (CONCEIÇÃO, Joaquim Tavares da. Entrevista concedida ao autor no dia 02 de agosto de 2004).


[i] Francisco Gonçalves era técnico agrícola formado pela Escola Agrotécnica Federal de Bananeiras, no Estado da Paraíba. Além disso, em 1976 colou grau no curso de Licenciatura Plena em Matérias Específicas de 2º Grau (Ciências Agrícolas) da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Cf. SANTOS, Francisco Gonçalves dos. 2004. Entrevista concedida ao autor no dia 09 de agosto.
[ii] A Associação dos Engenheiros Agrônomos de Sergipe.
[iii] Cf. SILVA, Laonte Gama da. 2004. Francisco Gonçalves nega esta versão e diz: “a indústria estava desativada, por falta de matéria prima. A água estava contaminada com coliformes fecais. Eu mandei fazer análise no Instituto Parreira Horta. Mandei abrir um poço na fábrica de laticínios, através do DNOCS. Cavamos 150 metros e não deu água. A Escola não produzia leite suficiente e eu troquei a fábrica de laticínios por um trator de esteira com a Escola de Bananeiras”. Cf. SANTOS, Francisco Gonçalves dos. 2004.
[iv] “Laonte era diretor da Escola e tomou um posicionamento político contra os Franco. Por conta disso ele foi informado de que iria sair da direção da Escola”. Cf. BOMFIM, Alberto Aciole. 2003.

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