quinta-feira, 1 de outubro de 2009

GRUPO ESCOLAR E ESCOLA SERIADA II

As associações voluntárias e o financiamento dos grupos escolares


Desde que se iniciou a implantação do projeto das escolas seriadas, com base no modelo dos grupos escolares irradiado a partir do Estado de São Paulo, os custos financeiros foram o principal elemento de crítica do discurso daqueles que não viam com entusiasmo o modelo paulista trazido para Sergipe. A alegação evidenciava as dificuldades financeiras do Estado. O alto custo dos prédios era questionado e chegaram a pensar em outras alternativas para a implantação de novas instituições escolares.
Uma possível solução para esse impasse seria a participação das municipalidades, que ficariam responsáveis pela aquisição dos prédios e criação de caixas escolares. “Ao Estado caberia adaptar o prédio aos padrões pedagógicos e manter o ensino. Isso permitiria continuar formando grupos monumentais”[i]. Outra proposta pensada seria a construção de casas mais simples para reunir as escolas isoladas:


O Estado terá que edificar casas de pouco custo nos locais que mais convierem o ensino, levando muito em conta as distancias dos grupos já em funcções. A experiência aconselha que ditas casas deveriam constar de dois salões para as aulas, um pateo para exercicios physicos e duas sentinas apparelhadas com o material hygienico. Quanto a estructura, esta seria em moldes de possivel ampliação logo que o local requeresse um grupo modesto, de accordo com o augmento da população”[ii].


Desde o início, esse tipo de debate mobilizou alguns setores da sociedade civil que se organizou sob a forma de associação voluntária, com o objetivo de colaborar com a expansão da escola graduada e Sergipe. Um bom exemplo é o do Grupo Escolar General Valadão, inaugurado em 1918. O seu primeiro edifício estava situado à praça Pinheiro Machado[iii], à época importante zona de expansão residencial da cidade.


A sua construção deveu-se à iniciativa particular. Os sócios do extinto Comício Agrícola, uma associação de proprietários de terra existente desde o Império, destinaram à construção de uma escola os recursos da Associação. O jornal Correio de Aracaju ampliou a idéia, numa campanha de donativos para um Grupo que deveria denominar-se “Gal. Valladão” homenageando o chefe político e presidente do Estado. Porém, quando já tinha sido iniciada a construção do prédio, para que esta fosse terminada dentro de um menor espaço de tempo e também pela grande exigência de recursos financeiros para atender às proporções da obra, os promotores do projeto resolveram doá-lo ao Governo, que se responsabilizou pela conclusão do empreendimento[iv].


O modelo de associação voluntária que levava muitos homens a doarem recursos para a edificação e manutenção de instituições escolares já estava presente na origem do modelo dos grupos escolares que aporto em São Paulo com a contribuição dos protestantes presbiterianos da América do Norte. O Liberalismo da segunda metade do século XIX abriu espaço para a difusão de novas formas de associação, algumas das quais em processo de expansão desde o século XVIII. Essas novas associações ampliaram consideravelmente a consciência liberal, estimulando o aparecimento de várias formas associativas portadoras das reivindicações da modernidade. A difusão destas associações modernas foi muito importante para a consolidação do poder políticos dos liberais, que conquistaram o Estado. Principalmente quando se considerou o Estado moderno uma associação compulsória que organizou a dominação e que monopolizou o uso legítimo da força física como meio de domínio dentro de um território.
Intérpretes das origens dos Estados Unidos da América, como Bernard Bailyn, defenderam que a revolução americana de 1775 teve como ápice a consagração de uma auto-imagem norte-americana, permitindo que os americanos do norte pensassem em si mesmos como situados pela história para herdar, aperfeiçoar e consumar as esperanças da humanidade.
Principalmente na sociedade norte-americana, a palavra progresso assumiu dois sentidos: liberdade e poder. A idéia de progresso como liberdade estava já disseminada desde o século XVIII. A imigração européia, principalmente aquela proveniente dos países protestantes, era muito importante para os liberais norte-americanos do século XIX, uma vez que foi a partir de tais países que mais se difundiu o discurso acerca da liberdade e do progresso.
Alexis de Tocqueville anotou na América o elevado padrão cultural herdado dos colonizadores, entendendo que a mola das repúblicas não era a virtude, mas sim as luzes. O intelectual francês oitocentista compreendeu que este era um elemento importante para o processo de democratização do conhecimento, principalmente em matéria política. Outro analista, que visitou os Estados Unidos da América na primeira década do século XX, Max Weber, verificou como uma das características da democracia norte-americana o fato de esta haver se constituído num complexo de associações voluntárias.
Esse tipo de entendimento reforçou a compreensão acerca da necessidade de um estudo que permitiu explicitar as redes associativas, examinando sua expansão e o sentido das suas práticas. O estudo formulou questões importantes: Por que tais associações se difundiram? De que modo elas se expandiram? Em quais direções? Mais que um movimento unitário, ocorreu um movimento que se manifestava por intermédio de diferentes instituições sem articulação entre si, mas todas com um modelo associativo horizontal. Eram associações irmãs.
Alexis de Tocqueville estabeleceu como ponto de partida o pressuposto de que a manutenção da democracia impôs o permanente reavivamento das suas crenças, a purificação dos seus costumes, a regulação dos seus movimentos, o controle dos instintos pelo conhecimento dos interesses, a adaptação do governo às circunstâncias, aos tempos e aos lugares dos homens. A partir daí, criticou o catolicismo afirmando que à alma religiosa dos católicos agradava nutrir-se com as verdades da outra vida. Contudo chamou a atenção para o fato de que ao cristianismo, que tornou todos os homens iguais perante Deus, não deveria repugnar ver todos os homens iguais diante da lei.


Mas, por um concurso de estranhos acontecimentos, a religião se encontra momentaneamente engajada entre as forças que a democracia derruba, e muitas vezes acontece-lhe rejeitar a igualdade que ela ama e amaldiçoar a liberdade como se fosse uma adversária, enquanto que, tomando-a pela mão, poderia santificar os esforços que esta empreende[v].


Sob esse ponto de vista ele colocou em relevo o seu entendimento segundo o qual os olhares dos protestantes estão voltados também para a terra e não apenas para o céu. Considerou os protestantes norte-americanos partidários da liberdade e sabedores de que esta era dependente dos costumes e das crenças[vi]. Exatamente por não ser uma religião de Estado era que o protestantismo exercia na América, como em nenhum outro lugar do mundo grande poder sobre os indivíduos e sobre o próprio Estado[vii].
A separação entre Igreja e Estado teria sido uma das conseqüências da promulgação da Constituição Americana em 1789, que estabeleceu a ruptura entre ambos e determinou que todas as igrejas seriam associações voluntárias. De fato, entre os últimos anos do século XVIII e a primeira década dos anos oitocentos, o protestantismo se expandiu e promoveu o surgimento de muitas sociedades voluntárias, tanto religiosas como educacionais.


Aquelas associações voluntárias, principalmente as religiosas, foram uma das mais importantes e visíveis manifestações públicas dos Estados Unidos. Das congregações religiosas às associações fraternais e benevolentes, dos clubes aos hospitais, aquelas organizações foram poderosas, constituindo mais de 10% da economia norte-americana e oferecendo aproximadamente 15% de todo o emprego privado[viii].


A partir do final do século XIX e cada vez mais ao longo da primeira metade do século XX, as associações voluntárias se caracterizaram por assumir um ascetismo moral pragmatista, um caráter ético que estimulava a difusão de regras morais como não beber, não fumar, manter a fidelidade matrimonial, combater jogos de azar. Eram associações que ofereciam aos indivíduos modelos de vida fundados em valores e práticas modernas, defendendo um respeito absoluto à lei, como instrumento de defesa das instituições. Esse tipo de projeto de organização da vida social era, certamente, a principal razão de ser da propagação do modelo associativo. Esta era uma característica muito valorizada pelo pragmatismo norte-americano, uma marca distintiva dos homens que constituíram os padrões culturais daquela sociedade.
Os homens que construíram tal nação se governaram, desde o início, com base em princípios diversos, mas tinham características comuns e uma situação análoga, estando culturalmente unidos pelo fato de dominarem a mesma língua. As colônias inglesas pregaram o desenvolvimento da liberdade. Não a liberdade aristocrática de sua mãe-pátria, mas um modelo de liberdade burguesa e democrática. Essa característica estava presente, principalmente, nas colônias inglesas do Norte, mais conhecidas pelo nome de Estados da Nova Inglaterra, onde se combinaram as idéias principais constitutivas das bases da teoria social dos Estados Unidos.
Os anglo-americanos que se estabeleceram na Nova Inglaterra, a partir de 1620, pertenciam a famílias inglesas abastadas e a maior parte deles havia recebido uma formação escolar avançada. Em seu país de origem deixaram boa posição social e também os meios econômicos garantidores de uma vida digna. Quase todos eles eram membros da seita dos peregrinos ingleses, que pela austeridade de princípios receberam o nome de puritanos[ix]. A população da Nova Inglaterra cresceu de modo muito rápido, estabelecendo padrões de liberdade interior e independência política. Os costumes eram mais puritanos do que as leis. Tocqueville afirmou de modo peremptório que na América, a comuna foi organizada antes do condado, o condado antes do Estado e o Estado antes da União.
Alexis de Tocqueville fez anotações a respeito da Educação pública que se organizou na Nova Inglaterra, afirmando que foram criadas escolas em todas as comunas, esclarecendo também que os habitantes assumiram o ônus de sustentá-las, com base nos princípios do protestantismo, fazendo com que a religião levasse as luzes, crendo em leis divinas que conduziriam o homem à liberdade. Tal liberdade consistia em fazer tudo o que era considerado socialmente justo e bom, definindo deste modo o que via como sendo os dois elementos fundantes da civilização anglo-americana: espírito de religião e espírito de liberdade[x].A partir das observações de Tocqueville foi possível afirmar que, no caso da sociedade norte-americana, os grandes princípios que a regeram nasceram e se desenvolveram nos Estados. A organização dos Estados foi determinada em face das práticas comunais, onde efetivamente o indivíduo era a fonte dos poderes sociais e exercia seu poder de maneira imediata, obedecendo à sociedade porque a união com seus semelhantes lhe parecia útil e porque sabia que essa união não poderia existir sem um poder regulador. O indivíduo era, portanto, o juiz de seu interesse particular.



[i] Cf. SANTOS, Magno Francisco de Jesus. 2004. O Grupo Escolar Barão de Maroim e as Festas Cívicas de Aracaju (1917-1919). Relatório de Pesquisa. São Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe. (Programa Integrado de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/UFS). p. 16.
[ii] Cf. ASSIS, Antônio Xavier de. Op. cit. p. 3.
[iii] Atualmente, praça Tobias Barreto.
[iv] Cf. AZEVEDO, Crislane Barbosa de. 2003. “General Valladão” : 85 anos de história em Aracaju. In: Jornal da Cidade. Aracaju, 11 de setembro. Caderno B – Cidades. B-6.
[v] Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro I. Leis e costumes. 1a. ed. 2a. tiragem. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 17.
[vi] A força do protestantismo, segundo Tocqueville, teria contribuído para que, na América, a democracia estivesse entregue aos seus pendores e abandonada quase sem coerções a seus instintos, o que fazia com que as leis fossem superiores aos negócios. Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro I. Leis e costumes. 1a. ed. 2a. tiragem. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 20.
[vii] “Você acha que esses homens agem unicamente pensando na outra vida, mas se engana: a eternidade é apenas uma das preocupações. Se você interrogar esses missionários da civilização cristã, ficará surpreso ao ouvi-los falar com tanta freqüência dos bens deste mundo e de encontrar políticos onde acreditava ver religiosos”. Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro I. Leis e costumes. 1a. ed. 2a. tiragem. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 345.
[viii] Cf. Cf. NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do. “As associações livres norte-americanas e a Missão Central do Brasil”. In: CADERNOS UFS HISTÓRIA. Vol. 6, n. 7, 2005. São Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe. p. 25.
[ix] “O puritanismo não era apenas uma doutrina religiosa; ele também se confundia em vários pontos com as teorias democráticas e republicanas mais absolutas”. Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro I. Leis e costumes. 1a. ed. 2a. tiragem. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 41.
[x] “A religião vê na liberdade civil um nobre exercício das faculdades do homem; no mundo político, um campo entregue pelo Criador aos esforços da inteligência. Livre e poderosa em sua esfera, satisfeita com o lugar que lhe é reservado, ela sabe que seu império está ainda bem estabelecido por ela reinar apenas graças a suas próprias forças e dominar sem outro apoio os corações”. Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro I. Leis e costumes. 1a. ed. 2a. tiragem. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 52.

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