quarta-feira, 14 de outubro de 2009

NOTAS PARA UM ESTUDO SOBRE A IMIGRAÇÃO ALEMÃ EM SERGIPE VII

EPÍLOGO: A PRODUÇÃO DA INVISIBILIDADE


Os alemães começaram a ficar invisíveis em Sergipe a partir de uma série de eventos que marcaram a vida local. A mudança do eixo dinâmico da economia sergipana e da sede dos negócios da região do Vale do Cotinguiba para Aracaju, observada a partir das primeiras décadas do século XX, fez com que a presença alemã em Maruim e Laranjeiras se tornasse menos evidente.
As duas guerras mundiais da primeira metade do século XX contribuíram para o retraimento dos alemães que viviam no Brasil. Toda a atmosfera do nacional-socialismo criou um profundo mal estar não apenas para os Estados que se juntaram com o objetivo de combater a Alemanha em nome da civilização, mas também para os próprios alemães. No Brasil, várias empresas alemãs foram nacionalizadas nesse período. Um bom exemplo é o da Itabira Iron Ore, que, “depois de passar às mãos de um grupo nacional transformou-se, durante a Segunda Guerra Mundial, na Companhia Vale do Rio Doce, uma empresa estatal” (MORAIS, 1994, 125). O partido nazista mantinha, através de vários empresários alemães aqui estabelecidos, uma ativa seção brasileira que era coordenada pela Auslands Organisation, através da sua seção exterior sediada em Hamburgo. Até chegar à posição que assumiu de entrar na guerra ao lado dos aliados, o Brasil vivera um longo namoro com os nazistas, durante alguns anos do Estado Novo. Esse namoro incluiu um processo de xenofobia contra os judeus que levou Getúlio Vargas a entregar a romena Genny Gleizer e a alemã Olga Benário à polícia nazista. Em 1941, por exemplo, Getúlio Vargas enviara um copioso telegrama de cumprimentos a Adolf Hitler pela passagem do seu aniversário, “desejando em nome do governo e do povo brasileiro, votos por sua felicidade pessoal e pela prosperidade da nação alemã” (MORAIS, 1994, 431).
Os alemães que viviam em Sergipe, também enfrentaram dificuldades. Durante a I Guerra Mundial, Karl Löeser teve o seu nome inscrito em uma lista reservada e pouco esclarecida que circulou no Brasil com os nomes dos “alemães indesejáveis”, perdeu a maior parte do seu patrimônio e viu sua família regressar ao seu país de origem. No período da II Guerra, após o torpedeamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães na costa sergipana, o ambiente de comoção que se estabeleceu fez com que a polícia apurasse as relações dos alemães residentes no Estado com o movimento nazista. No inquérito aberto pelas autoridades policiais de Sergipe, foram ouvidas cinqüenta e sete pessoas. Destas, dezesseis foram indiciadas: um Tcheco, um austríaco, quatro italianos e dez alemães. As principais acusações que pesavam sobre os alemães além da colaboração com os submarinos que torpedearam os navios mercantes brasileiros, eram a de manterem reuniões secretas e importarem armas (SANTIAGO, 1942, 2). Após as apurações, o afinador de pianos Herbert Merby recebeu duras acusações do chefe de polícia, Enoque Santiago,


pelos seus modos, suas declarações arrogantes nas casas onde trabalhava e seu sistema de viver. Em cada casa em que ia consertar piano deixava sempre a marca de sua suspeita. (...) No dia em que o povo num arranco incontido invadiu a residência de Nicola[i], Herbert tremia de ódio, como disse o senhor Antão Correa de Andrade: “o governo há de pagar”. E como lhe aconselhasse que serenasse na sua cólera, ele repetiu para a dona da casa: “A senhora sabe o que é um alemão?”. Irreverente, incrédulo, ma educado, disse em casa do Senhor Roldão Fragoso, na rua de Laranjeiras, olhando para um quadro de Coração de Jesus, pendendo da parede, o seguinte: “Tire esse judeu cretino da parede”. Herbert não cessava de deprimir o Brasil, aconselhando aos filhos do senhor Antão para aprenderem a língua alemã pois justificava: “A Alemanha vai tomar conta do Brasil” (SANTIAGO, 1942, 3-4).


Além de Herbert Merby, o chefe de Polícia fez também acusações a Rudolf von Doehn, por este não ser “contrário ao regime nazista. Acha que ele pode dar resultado benéfico para a Alemanha”; Paul Hagenbeck, sobre quem o chefe de polícia afirmara ser adepto do sistema nacional-socialista; Gunther Schmekel, responsável pelos negócios do Consulado Alemão da Bahia em Sergipe, também visto por Enoque Santiago como nazista. (SANTIAGO, 1942, 5-6).
Walter Löeser, filho de Karl, permaneceu preso em Aracaju, durante 32 dias, em 1941, sem nenhuma acusação contra ele. Sobre Walter pesavam apenas algumas suspeitas, principalmente pelo fato de haver lutado no Exército Alemão durante a I Guerra e haver recebido, como oficial, uma condecoração: a Cruz de Ferro (RODDEWIG, 2001).
Apesar de todas as acusações que fez, o chefe de polícia afirmou que somente obtivera provas suficientes para incriminar Herbert Merby, deixando de encaminhar ao Ministério Público os nomes dos demais acusados. Além disto, inocentou plenamente os alemães Otto Apenburg, Otto Karl Weide, Frei Euzébio Walter, Oscar Besthner e Oscar Backhaus (SANTIAGO, 1942, 6).
A entrada do Brasil na guerra, ao lado dos aliados, veio empacotada em alguns negócios que o governo do Estado Novo conseguiu realizar com os norte-americanos e também pela expropriação de todo o capital alemão investido no país.


Meses antes do embarque das tropas brasileiras para a Itália, em 1944, o governo brasileiro, em guerra com a Alemanha e Itália, baixou um decreto expropriando todos os bens dos chamados “súditos do Eixo”. Ou seja, toda empresa instalada no Brasil cujo controle estivesse nas mãos de capitais italianos, alemães ou japoneses passava a pertencer ao Estado brasileiro – mais especificamente, ao Banco do Brasil. Cumpridas as formalidades legais da expropriação, o banco passou a realizar leilões públicos das empresas (MORAIS, 1994, 435).


O confisco da empresas alemãs era visto como uma necessidade, pois, segundo as afirmações de autoridades policiais brasileiras, os nazistas atuavam no território do Brasil disfarçados de “amigos comerciais da Alemanha” (SANTIAGO, 1942, 2). Todos os alemães foram obrigados a um depósito obrigatório, de acordo com a fortuna pessoal de cada um, recolhido ao Banco do Brasil. De acordo com o Decreto-Lei 4.166, de 11 de março de 1942, tais recursos permaneciam à disposição da Agência Especial de Defesa Econômica do Brasil, para uma possível indenização ou reparação de guerra, sem vencer juros. Apenas para exemplificar, em Sergipe, somente Paul Hagenbeck foi obrigado a depositar Cr$ 35.724,50 (Trinta e cinco mil, setecentos e vinte e quatro cruzeiros e cinqüenta centavos)[ii] (SERGIPE, 1949).
Para entender porque, não obstante a forte presença alemã em Sergipe desde a metade do século XIX, são poucos os estudos existentes a respeito do tema, é necessário considerar com Jacques Le Goff que


O que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores (LE GOFF, 1984, 95).


As circunstâncias do processo político fizeram com que a própria comunidade alemã buscasse uma posição social mais discreta e menos visível, após as duas grandes guerras, buscando confundir-se, tanto quanto possível, com os grupos locais. Por outro lado, a imagem que se construiu dos alemães, em função das tragédias vividas em face do nacional-socialismo, fez com que a vida social brasileira, em comunidades nas quais eles não eram majoritários, tivessem maiores reservas no seu relacionamento com eles.


NOTAS

[i] O empresário italiano Nicola Mandarino foi acusado de ser um entusiasta dos países do Eixo, de possuir equipamento de rádio-transmissão e de hospedar em sua fazenda, no município de Itaporanga, tripulantes do submarino alemão que torpedeou os navio mercante brasileiro Baependi. No dia em que circulou na cidade de Aracaju a notícia do torpedeamento, a população se dirigiu à sua residência que foi depredada. Nicola Mandarino e sua família foram salvos pela Polícia, que conseguiu retira-los em segurança e leva-los à sua fazenda em Itaporanga d’Ajuda (SANTIAGO, 1942, 2).
[ii] Apenas para que se possa estimar o valor de tal montante, com essa importância, na década de 40 do século XX, era possível comprar 75 bois da raça Indubrasil.


BIBLIOGRAFIA


AGUIAR, Joel. Traços da história de Maroim. 2ª. Ed. Aracaju, Secretaria de Estado da Cultura, 2004.

ALBUQUERQUE, Samuel Barros de Medeiros. “Marie Lassius, uma preceptora alemã em Sergipe”. In: Cadernos UFS História da Educação. vol. V, Fascículo 1, 2003. p. 67-78.

AVÉ-ALLEMANT, Robert. “Excursão à Província de Sergipe. Viajando para Aracaju no Rio Cotinguiba. Maruim”. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, nº 26, Vol. XXI, 1961.

BASTO, Fernando Lázaro de Barros. Síntese da história da imigração no Brasil. Rio de Janeiro, [s.n.], 1970.

FREITAS, José Edgard da Mota. Cartas de Maruim. Aracaju, Universidade Federal de Sergipe, 1991.

LE GOFF, Jacques. “Documento/Monumento”. In: Enciclopédia Einaudi. I. Memória-História. Porto, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984.

MORAIS, Fernando. Chatô. O rei do Brasil. A vida de Assis Chateaubriand, um dos brasileiros mais poderosos deste século. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. A cultura ocultada ou a influência alemã durante a segunda metade do século XIX. Londrina, Editora UEL, 1999.

PASSOS Subrinho, Josué Modesto dos. Reordenamento do trabalho: trabalho escravo e trabalho livre no Nordeste açucareiro. Sergipe 1850-1930. Aracaju, Funcaju, 2000.

RODDEWIG, Wolfgang. “Uma tentativa de colonização malograda”. (Inédito).

. “Alemães em Sergipe”. (Inédito).

. “Os Munck”. (Inédito).

. “Os Hagenbeck”. (Inédito).

. “Os Löeser”. (Inédito).

SANTIAGO, Enoque. Relatório do inquérito instaurado neste Departamento em conseqüência dos torpedeamentos de cinco navios brasileiros, e no qual se acham envolvidos vários estrangeiros (alemães e italianos). Aracaju, Departamento de Segurança Pública, 1942.

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SERGIPE. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa em 7 de setembro de 1923, ao instalar-se a Primeira Sessão Ordinária da Décima Quinta Legislatura, pelo Dr. Maurício Graccho Cardoso, Presidente do Estado. Aracaju, Imprensa Oficial, 1923.

SERGIPE. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa em 7 de setembro de 1924, ao instalar-se a Segunda Sessão Ordinária da Décima Quinta Legislatura, pelo Dr. Maurício Graccho Cardoso, Presidente do Estado. Aracaju, Imprensa Oficial, 1924.

SERGIPE. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa em 7 de setembro de 1925, ao instalar-se a Terceira Sessão Ordinária da Décima Quinta Legislatura, pelo Dr. Maurício Graccho Cardoso, Presidente do Estado. Aracaju, Imprensa Oficial, 1925.

SERGIPE. ESTADO DE SERGIPE. COMARCA E LARANJEIRAS. DISTRITO JUDICIAL DE LARANJEIRAS. JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE LARANJEIRAS. Inventário de Paul Hagenbeck, falecido na cidade do Rio de Janeiro, no dia 20 de setembro próximo passado. 1949.

SILVA, Maria Lúcia Marques Cruz e. Inventário cultural de Maruim. Aracaju, Secretaria Especial de Cultura, 1994.

VAGO, Tarcísio Mauro. Cultura escolar, cultivo de corpos: Educação Physica Gimnastica como práticas constitutivas dos corpos de crianças no ensino público primário de Belo Horizonte (1906-1920). Bragança Paulista, EDUSF, 2002.

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