terça-feira, 27 de outubro de 2009

O MAL ESTAR DOS ALEMÃES

Jorge Carvalho do Nascimento[1]


Quando Albert Munck voltou casado da Alemanha, em 1911, encontrou a cidade de Laranjeiras assolada pela epidemia de varíola, o que obrigou o casal Munck a permanecer por mais de um mês em Aracaju, como hóspede da família Löeser. Em 1936 o casal mudou-se para a capital, encerrando seus negócios em Laranjeiras. Diabético, Albert Munck morreu em 1941. Sua mulher continuou vivendo na capital do Estado de Sergipe até 1976. No sítio de propriedade da família, em Laranjeiras, continua vivendo a sua filha Gisela Munck.
Os alemães procuraram ficar socialmente invisíveis em Sergipe a partir de uma série de eventos que marcaram a vida local. A mudança do eixo dinâmico da economia sergipana e da sede dos negócios da região do Vale do Cotinguiba para Aracaju, observada a partir das primeiras décadas do século XX, fez com que a presença alemã em Maruim e Laranjeiras se tornasse menos evidente.
As duas guerras mundiais da primeira metade do século XX contribuíram para o retraimento dos alemães que viviam no Brasil. Toda a atmosfera do nacional-socialismo criou um profundo mal estar não apenas para os Estados que se juntaram com o objetivo de combater a Alemanha em nome da civilização, mas também para os próprios alemães. No Brasil, várias empresas alemãs foram nacionalizadas nesse período. Um bom exemplo é o da Itabira Iron Ore, que, depois de passar às mãos de um grupo nacional transformou-se, durante a Segunda Guerra Mundial, na Companhia Vale do Rio Doce, uma empresa estatal.
O partido nazista mantinha, através de vários empresários alemães aqui estabelecidos, uma ativa seção brasileira que era coordenada pela Auslands Organisation, através da sua seção exterior sediada em Hamburgo. Até chegar à posição que assumiu de entrar na guerra ao lado dos aliados, o Brasil vivera um longo namoro com os nazistas, durante alguns anos do Estado Novo. Esse namoro incluiu um processo de xenofobia contra os judeus que levou Getúlio Vargas a entregar a romena Genny Gleizer e a alemã Olga Benário à polícia nazista. Em 1941, por exemplo, Getúlio Vargas enviara um copioso telegrama de cumprimentos a Adolf Hitler pela passagem do seu aniversário, desejando em nome do governo e do povo brasileiro, votos por sua felicidade pessoal e pela prosperidade da nação alemã,
Os alemães que viviam em Sergipe enfrentaram muitas dificuldades. Durante a I Guerra Mundial, Karl Löeser teve o seu nome inscrito em uma lista reservada e pouco esclarecida que circulou no Brasil com os nomes dos “alemães indesejáveis”, perdeu a maior parte do seu patrimônio e viu sua família regressar ao seu país de origem. No período da II Guerra, após o torpedeamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães na costa sergipana, o ambiente de comoção que se estabeleceu fez com que a polícia apurasse as relações dos alemães residentes no Estado com o movimento nazista. No inquérito aberto pelas autoridades policiais de Sergipe, foram ouvidas cinqüenta e sete pessoas. Destas, dezesseis foram indiciadas: um tcheco, um austríaco, quatro italianos e dez alemães. As principais acusações que pesavam sobre os alemães, além da colaboração com os submarinos que torpedearam os navios mercantes brasileiros, eram as de manterem reuniões secretas e importarem armas. Após as apurações, o afinador de pianos Herbert Merby recebeu, no relatório do inquérito, duras acusações do chefe de polícia, Enoque Santiago, “pelos seus modos, suas declarações arrogantes nas casas onde trabalhava e seu sistema de viver. Em cada casa em que ia consertar piano deixava sempre a marca de sua suspeita. (...). No dia em que o povo num arranco incontido invadiu a residência de Nicola, Herbert tremia de ódio, como disse o senhor Antão Correa de Andrade: ‘o governo há de pagar’. E como lhe aconselhasse que serenasse na sua cólera, ele repetiu para a dona da casa: ‘A senhora sabe o que é um alemão?’. Irreverente, incrédulo, mal educado, disse em casa do Senhor Roldão Fragoso, na rua de Laranjeiras, olhando para um quadro de Coração de Jesus, pendendo da parede, o seguinte: ‘Tire esse judeu cretino da parede’. Herbert não cessava de deprimir o Brasil, aconselhando aos filhos do senhor Antão para aprenderem a língua alemã, pois justificava: ‘A Alemanha vai tomar conta do Brasil’”.
Além de Herbert Merby, o chefe de Polícia fez também acusações a Rudolf von Doehn, por este não ser “contrário ao regime nazista. Acha que ele pode dar resultado benéfico para a Alemanha”. Acusou também a Paul Hagenbeck, sobre quem o chefe de polícia afirmara ser adepto do sistema nacional-socialista.


[1] Doutor em História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Adjunto do Departamento de História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. Como bolsista da Fundação CAPES, foi pesquisador na Johann Wolfgang Göethe Universität-Frankfurt am Main, na República Federal da Alemanha, em 1994 e 1995.

Nenhum comentário:

Postar um comentário